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Cultura y transformaciones sociales en tiempos de globalización: perspectivas latinoamericanas

RESENHAS

Claudia Lee Williams Fonseca

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil

GRIMSON, Alejandro (Comp.). Cultura y neoliberalismo. Buenos Aires: Clacso, 2007. 304 p.

MATO, Daniel; MALDONADO FERMÍN, Alejandro (Comp.). Cultura y transformaciones sociales en tiempos de globalización: perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: Clacso, 2007. 304 p.

Na introdução de Cultura y neoliberalismo, o organizador, Alejandro Grimson, nos convida a analisar, junto com os demais autores do volume, "as condições históricas da imaginação social que possibilitaram as políticas neoliberais e emergiram como consequência delas" (p. 11, tradução minha). O volume Cultura y transformaciones sociales en tiempos de globalización, organizado por Daniel Mato e Alejandro Maldonado Fermín, traz semelhante proposta – a de examinar a produção das representações que orientam as ações dos atores dos processos sociopolíticos contemporâneos. Trata-se de um projeto ambicioso, mas que – graças à sintonia de perspectivas entre os diferentes textos – acaba dando certo. Produz um corpo de conhecimentos que deve constar como contribuição importante aos grandes debates acadêmicos e políticos do momento. Ao mesmo tempo, como Mato e Fermín nos assinalam no subtítulo de seu volume, trata-se de um saber que assume sua "situação":1 1 No sentido de "saberes situados" (Haraway, 1995). perspectivas latino-americanas. Os autores falam de e sobre uma dúzia de contextos nacionais diferentes, todos da América Latina. Mas a força da proposta vai além de um comparativismo rotineiro ao pensar as articulações que colocam o local em contato com o transnacional, produzindo "cultura" em conjunção com o fazer político.

Essa conjunção não ocorre sem a reformulação da linguagem e a da metodologia usuais da investigação. Como Daniel Mato nos lembra, "globalização" não é sinônimo de neoliberalismo. Evoca, entre outros acontecimentos, a série de reuniões do Fórum Social Mundial (iniciada em Porto Alegre) para ressaltar a existência de movimentos e dinâmicas transnacionais que abrem brechas no "pensamento único" do neoliberalismo. Mas ainda mais importante, nos alerta contra a tendência de pensar a globalização – ou o neoliberalismo – como alguma força abstrata, resultado da marcha inexorável da história. Nessas análises, a globalização, assim como o neoliberalismo, aparece não como um fato consumado, algum pacote pronto, mas sim como processos que operam através de instituições concretas, movidas por atores com rostos (até, às vezes, o rosto do acadêmico), que trazem motivações e justificações próprias para sua forma particular de atuação.

Rastreando os elos da rede

Rastreando as conexões entre os diferentes atores e instituições que formam parte dos processos neoliberais, entramos na inevitável questão de escala. Junto com as grandes abstrações conceituais, cai também por terra a dicotomia macro-micro. (A implosão dessa oposição é brilhantemente ilustrada por Marcelo Giardino, capista do livro de Mato e Fermín, que desenha uma estátua, evidentemente aborígine – artefato de um passado distante – com piercing estilo punk e conectada via headphone às ondas mundiais). Esse questionamento de pré-noções sobre "níveis distintos" não significa, contudo, a crença em alguma força homogeneizante da modernidade. O território, o aparato estatal, a ideia da nação continuam sendo instâncias de suma importância, mas nenhuma delas é naturalizada como unidade autossuficiente de análise. O desafio é traçar as interconexões entre instituições concretas, atores de carne e osso, que servem como elos no fluxo de discursos e práticas. E é justamente essa sensação que os dois livros evocam em nós – a de percorrer os diversos elos, de um lado para outro, da rede das dinâmicas neoliberais.

Há, no livro de Mato e Fermín, análises não somente das etapas históricas do pensamento neoliberal (o Consenso de Washington e a época post-consensus), mas das tecnologias que garantiram a disseminação e hegemonia do suposto "consenso". Daniel Mato leva o leitor para dentro dos famosos think tanks, financiados com capitais norte-americanos – via FMI, BID, OEA. Ao descrever as diferentes fundações, seus participantes e patrocinadores, suas reuniões e sua ânsia de formar a opinião pública, o autor mostra os processos concretos que tornaram o pensamento neoliberal o instrumento "óbvio" de análise e planejamento econômico em toda a América Latina. Vanina Simone traz uma análise semelhante sobre o papel de atores globais nas reformas judiciais que têm ocorrido em praticamente todos os países da América Latina desde o fim dos anos 1980. E Tereza Ortega, na sua análise do bicentenário chileno, mostra como a imagem do Chile como "modelo vencedor" – não o Chile socialista de Allende, mas o Chile que recebeu o projeto neoliberal de braços abertos – se alimenta de uma ideologia transnacional que tem data e endereço.

As investigações se estendem a um próximo elo na rede de políticas neoliberais, para o chamado "terceiro setor", as ONGs que têm assumido, como prestadoras de serviços ou parceiras do estado, muitas atividades (de saúde, educação e "cultura") que tradicionalmente eram vistas como clara responsabilidade de instâncias estatais. Carvalho e Steil, concentrando-se no exemplo brasileiro, descrevem um momento histórico em que os precursores desse "setor", aliados a movimentos sociais, se constituíram em vanguarda de resistência a políticas neoliberais. Também relatam recentes mudanças. Aquela, por exemplo, que transformou o antigo perfil de ativista (uma figura que combinava competência profissional e compromisso político) em duas categorias distintas: os profissionais (com competências profissionais) e os voluntários (onde se concentra a paixão, quase ingênua, da causa). Ou aquela que sugere uma despolitização dos discursos. Hoje, não se fala tanto de "igualdade" quanto de "equidade"; saiu de moda "desigualdade", entrou a "diversidade"; a importância da "militância" cedeu lugar para a "ética" e "responsabilidade social". À primeira vista, esses novos termos (equidade, ética, responsabilidade social) parecem "acima de suspeita" – valores a serem abraçados como nova tecnologia do compromisso social. Entretanto, vistos à luz da análise aqui proposta, crítica e reflexiva, essa linguagem passa a ser sintoma de certa filosofia de governo que exige questionamento.

Seguindo a rede de articulações, vamos além das instituições transnacionais e nacionais, além das ONGs, para a subjetividade do novo cidadão, produto e produtor dos processos neoliberais. Por um lado, há autores que examinam os efeitos de tecnologias globalizadas – tecnologias de comida (vide os fast foods de Mato), de roupa e de comunicação. Ruben Oliven, por exemplo, lembra que hoje o brasileiro médio gasta mais dinheiro com a conta do servidor de internet e da televisão a cabo do que com feijão e arroz. São tecnologias que trazem consequências inesperadas para a organização do espaço-tempo cotidiano, e que arriscam provocar uma desvalorização sutil de formas "locais" de agir. Por outro lado, nesses volumes, encontramos diversos estudos que focam na comunicação de massa para falar de "novas formas de educação sentimental". Eliseo Colon descreve um programa de terapia quase psicológica na televisão porto-riquenha, onde ao escutar "pacientes" falando de problemas de afeto e intimidade, os espectadores são introduzidos às "virtudes exemplares de uma suposta ordem ética e moral", formulada numa linguagem psicologizada do "eu". Rossana Reguillo examina narrativas de jornalistas, psicólogos, pesquisadores e políticos que competem para preencher o "vazio oracular" criado pelo neoliberalismo. Suas observações desembocam na análise do talk show estrelado por Padre Alberto, que dá orientações e tece discursos pseudoterapêuticos calcados numa filosofia neoconservadora – para espectadores de um canal hispânico da televisão norte-americana.

Pablo Semán, trabalhando em favelas brasileiras, recorre ao método etnográfico para adentrar o cotidiano dos sujeitos. Assim, encontra Edilson, um quarentão que encontrou na leitura de Paulo Coelho inspiração para enfrentar uma crise pessoal. Foi compondo lições morais deste, seu autor favorito, junto com elementos de sua própria trajetória – a lembrança dos conselhos de um professor de colégio e a intervenção espiritual de um avô morto há duas décadas – que Edilson resolveu "não abrir mão de seus sonhos". Aderiu à aposentadoria voluntária quando a empresa estatal onde trabalhava foi privatizada. Aqui, rastreando os processos neoliberais, da política econômica que expulsou Edilson de seu trabalho até a "educação sentimental" que permite nosso protagonista fazer sentido do todo (seu entusiasmo pela ecologia, sua esperança de um emprego no turismo, sua vontade de ficar em harmonia com uma "outra dimensão" espiritual, maior e mais alta), Semán mostra claramente as conexões da rede, sem nunca cair no determinismo e sem nunca menosprezar a criatividade do próprio ator.

Encontramos essa mesma sutileza no capítulo de Victor Vich, que tece suas reflexões a partir da análise de dois romances peruanos. No seu texto, vemos destacadas as ambivalências vividas por uma turista espanhola e seu guia turístico – um "nativo" andino. Trata-se do encontro amoroso entre indivíduos ocupando lugares muito desiguais no panorama global, cujas histórias carregam os traços do colonialismo, do olhar orientalizado sobre a tradição andina, e das ideias contraditórias sobre mestiçagem. O artigo termina com uma análise da política do governo peruano que, nesses últimos anos, tenta compensar os estragos de ajustes fiscais ditados pelo FMI com a promoção da indústria turística – indústria essa que depende da imagem de um Peru andino, tradicional. Com isso, o autor destaca os elos precisos que trazem processos neoliberais amplos ao plano das afetividades íntimas.

O trabalho coletivo – rejeitar o consenso e resistir contra a fragmentação

Afinal, por que tanta insistência no refinamento do modelo analítico? Na inclusão de atores em carne e osso, na ênfase em conexões? Aprendemos com a crítica às ciências positivistas que nossos modelos não refletem mecanicamente a realidade. São interpretações que possuem um conteúdo altamente político, pois representam – eles também – um elo nas articulações que produzem o imaginário social. Em outras palavras, nós acadêmicos também temos uma mão na construção de cenários neoliberais. Podemos assumir uma postura crítica, mas quando mantemos as análises em um nível confortável de abstração, não precisamos duvidar de nossas próprias atividades. Como coloca Mato, "el principal rasgo de estos discursos [sobre la globalizacion] es que los actores sociales no se ven en ellos" (p. 17). Também não precisamos indagar demais sobre nossa responsabilidade na manutenção ou mudança dos processos pois, diante de um fenômeno inexorável, quase supra-humano, que podemos fazer? Do contrário, ao insistir em dar concretude aos processos sociopolíticos que pretendemos analisar, espantamos a paralisia e trazemos de volta à cena a questão de nossa própria responsabilidade enquanto produtores de conhecimento.

Combatendo certo viés da ideologia individualista, ambos os livros trazem exemplos da produção coletiva de conhecimento. Nesse sentido, o artigo redigido por Claudia Briones juntamente com três estudantes e militantes mapuches é o mais ousado. Trata-se de um diálogo entre os quatro membros da equipe sobre a incorporação da variável indígena no Censo Nacional. É um diálogo que não procura o consenso, ao mesmo tempo em que rejeita a noção de "polifonia" que arranjaria o fluxo de ideias em blocos separados – distinguindo indígena de euro-descendente, estudante de professor, etc. De certa forma, a coletânea inteira organizada por Mato e Fermín reflete semelhante proposta – de reflexão articulada entre pessoas e lugares bem distintos, só em escala mais ampla e com tecnologia mais sofisticada. É o resultado de seminários do Campus Virtual do Clacso que, durante certo tempo, proporcionou um contato intensivo entre investigadores de nove países da América Latina. Finalmente, o volume de Grimson também traz a aposta coletiva de um GT do Clacso, sobre cultura e poder. Aqui, a própria escolha do tema, neoliberalismo e cultura, anuncia a postura engajada desse grupo de pesquisadores e a capa do livro não deixa dúvidas quanto à direção das análises: mostra a placa de rua "Wall Street", com o sinal de pedestres marcado em vermelho: PARE.

Áreas esquecidas da "cultura"

Quero terminar com um último comentário sobre cultura – comentário esse atrelado a uma provocação. Nesses dois volumes, há uma insistência em expandir os conceitos de "cultura" e "política cultural" para além das áreas tradicionais de aplicação (folclore, arte, preservação de modos tradicionais de vida). Essa insistência é coerente não somente com o uso desses conceitos nas análises acadêmicas contemporâneas, mas também com a intenção política dos investigadores. Explico. Quando vivíamos em uma época de crença na grande divisa – entre cultura e natureza – a natureza aparecia sempre como aquele elemento homogêneo, fixo, inevitável da realidade. Cultura dizia respeito àquelas áreas específicas de atuação humana onde existia diversidade, mas sempre dentro dos limites dados pela natureza (Latour, 1994). Enquanto nós, estudiosos da cultura, deixávamos fora da mira de análise certos temas – economia, direito, política – estávamos tacitamente assimilando esses fenômenos às forças inexoráveis da natureza. Por outro lado, tratar esses fenômenos como "culturais" significa que são tão sujeitos a variação, tão envolvidos em narrativas de moralidade e estética, tão resultado de disputa política quanto qualquer outro elemento da "cultura".

Minha provocação vem da constatação que os volumes, apesar de estenderem a problemática de cultura e política a um grande leque de atividades humanas, ainda não incluem nenhum estudo sobre a área conhecida como "ciências duras": física, biotecnologia, genética, etc. São áreas que continuam a ser vistas por boa parte do público e dos próprios cientistas como moralmente neutras – o resultado do encontro entre a pura racionalidade humana e a solidez "objetiva" da natureza. A classificação dicotômica que enclausura a "ciência" (livre da contaminação de suas aplicações "humanas") numa categoria muito distante da "tecnologia" remove uma parte importante e politicamente consequente da atividade humana (isto é, a pesquisa científica) do escrutínio crítico. Minhas próprias pesquisas com a tecnologia de DNA sugerem que é por essa "porta de trás" das "ciências duras" que o neoliberalismo consegue agir numa esfera surpreendentemente livre de crítica ou limitação (Fonseca, 2008; ver também Nader, 1996; Rabinow, 1999).

Minha provocação apenas reforça o espírito que perpassa os dois livros. Sublinhadas as implicações políticas de nossas análises, é importante expandir o campo de estudos "culturais" para um leque cada vez maior de processos sociopolíticos. O esforço desses dois volumes – o resultado do diálogo articulado entre pesquisadores de praticamente toda a América Latina e, em particular, seu investimento na relação analítica entre cultura e política – deixa claro o potencial de tal empreendimento.

  • FONSECA, C. "Ordem e progresso" à brasileira: lei, ciência e gente na co-produção de novas moralidades familiares. Mesa-redonda, "Famílias, Conjugalidades, Parentalidades Contemporâneas", XXVI Reunião de Antropologia Brasileira. Porto Seguro, 1-4 jun. 2008.
  • HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, n. 5, p. 7-41, 1995.
  • LATOUR, B. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.
  • NADER, L. Naked science: anthropological inquiry into boundaries, power, and knowledge. New York: Routledge. 1996.
  • RABINOW, P. Antropologia da razão Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1999.
  • 1
    No sentido de "saberes situados" (Haraway, 1995).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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