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La mondialisation des sciences sociales

RESENHAS

ASSAYAG, Jackie. La mondialisation des sciences sociales. Paris: Téraèdre, 2010. 258 p. (Collection l'anthropologie au coin de la rue).

Suzana Cavalheiro de Jesus*

Universidade Federal de Santa Catarina - Brasil

Este livro de Jackie Assayag integra a coleção L'anthropologie au coin de la rue, da editora francesa Téraèdre. A proposta dessas obras é tratar de temas do cotidiano social com uma linguagem acessível, de modo que possam ser lidas tanto por antropólogos quanto por um público mais amplo de leitores. Nessa perspectiva, o tema abordado por Assayag é a mundialização.1 1 * Doutoranda em Antropologia Social. Conforme sublinha Assayag, este fenômeno é descrito por britânicos e norte-americanos como globalização, termo que o autor opta por não utilizar, entendendo que mundialização, termo utilizado na França, designa as mesmas questões. Segundo ele, o fato central dos tempos modernos não é que a Terra gira em torno do Sol, mas que o dinheiro corre ao redor do mundo no interior de um capitalismo planetário. Isso não inclui apenas a questão monetária, mas mercados de bens culturais, comunicacionais, cognitivos e de imaginários.

Para sistematizar suas reflexões, a obra foi dividida em duas partes. A primeira, La mondalisation des conflits, consta de três capítulos, nos quais são abordados aspectos geopolíticos dos chamados estudos regionais; a relação dos Estados Unidos com o Taliban e o Afeganistão; e os processos de colonização contemporâneos a partir da ideia de guerra declarada ao terrorismo. A segunda parte, intitulada Les politiques du savoir - portraits et controverses, é composta por sete capítulos, dos quais seis apresentam obras, conceitos e biografias de pensadores que se relacionam com a temática da mundialização; e o último é dedicado aos estudos pós-coloniais.

No primeiro capítulo, "Geopolitique des études régionales - visions fragmentées", Assayag discute os financiamentos de governo para a a política dos "estudos regionais" durante a Guerra Fria. Segundo o autor, a preeminência das Nações Unidas e o papel econômico, político e cultural dos Estados Unidos nos negócios internacionais foram fundamentais para o sucesso desses programas e contribuíram para transformar os estudos regionais em uma área de pesquisa. Nesse contexto, Assayag afirma que após o colapso da URSS e do mundo bipolar, os estudos regionais passaram de investigações sobre línguas, sociedades, culturas ou civilizações não ocidentais para pesquisas voltadas ao islamismo.

No capítulo "Ethnie, nation, État, empire - à propôs des talibans et de l'Afghanistan", o autor destaca aspectos da história do Afeganistão, geografia, conflitos étnicos e religião. Descreve Oussama Ben Laden e Mollah Omar como filhos bastardos da Guerra Fria, nascidos do último conflito americano-soviético. Para Assayag, a ambição norte-americana relaciona-se à fabricação das peças de um Estado-Nação democrático, em um espaço considerado de insolência e localizado na encruzilhada dos mundos iranianos, indiano, turco e mongol. Nesse contexto, grande parte do mundo acompanha e aprova a destruição do Taliban, enquanto o mesmo demonstra estar crescendo cada vez mais, recrutando adolescentes pobres que são desde cedo separados da família para dedicarem-se aos estudos da doutrina islâmica e à aprendizagem de técnicas militares.

Trata-se de uma larga escala de conflitos. Segundo Assayag, os eventos terroristas mostram que os grupos fundamentalistas são tanto produto como agentes da globalização. Desenvolvendo seu argumento, pontua que o Taliban deve muito à política islâmica, conduzida pelo presidente paquistanês Zia-ul-Haq, dos anos 1970 e 1980. Foi nesse período que aconteceu a proliferação de escolas corânicas2 2 Dedicadas ao estudo do Alcorão. e que a militarização foi levada às organizações religiosas, estabelecendo laços entre o Afeganistão e a Caxemira na formação e aperfeiçoamento de terroristas - uma outra rede, uma outra face dos fluxos globais.

Ao tratar da "Colonisation des espaces imaginaires contemporains quand guerre et paix s'emmêlent", no terceiro capítulo, Assayag afirma que a guerra declarada ao terrorismo, após o massacre de 11 de setembro, com as operações militares subsequentes no Afeganistão e no Iraque, foi uma renovação da tradição de intervencionismo melhorativo dos Estados Unidos. Há assim a proposta de uma nova divisão mundial, dessa vez entre "civilizados" e "bárbaros". O que prevalece agora, segundo o autor, é uma visão sombria da mundialização, uma luta até a morte entre dois mundos, mas que se estende a todos os continentes, dividindo o espaço planetário entre o "Império do Bem", simbolizado pelos norte-americanos e o "Império do Mal", simbolizado hoje pelo terrorismo islâmico e no passado pela URSS e pelo comunismo.

A segunda parte do livro condensa capítulos menores. O primeiro3 3 "Comment devient-on européen? Ernest Gellner, Ludwing Wittgenstein et Bronislaw Malinowski". Assayag dedica à uma reflexão sobre as formulações de Ernest Gellner na obra Language and solitude, considerando seu diálogo com Ludwing Wittgesntein, na filosofia, e Bronislaw Malinowiski, na antropologia. Na sequência4 4 Segundo capítulo, da segunda parte, intitulado "Comment devient-on antisémite? Ludwin Wittgenstein contre Adolf Hitler". elabora uma crítica sobre o livro de Kimberley Cornsih Wittgenstein contre Hitler, sublinhando uma certa mistificação que esse autor confere a Wittgenstein e sua relação com o antissemitismo. No capítulo seguinte,5 5 "Comment devient-on un historien mondial? Eric Hobsbawm". Assayag trabalha com o caráter interdisciplinar da obra de Eric Hobsbawm, seu papel de militante e suas pesquisas sobre conflitos e grupos de bandidos. O quarto capítulo6 6 "Comment devient-on un artiste de l'antropologie américaine? Clifford Geertz". dessa segunda parte é dedicado à Clifford Geertz, sua utilização do modelo hermenêutico, o lugar central da experiência de campo na antropologia interpretativa, as ideias de descrição densa e de antirrelativismo. Dando continuidade,7 7 Quinto capítulo da segunda parte - "Comment devient-on un anthropologue indien? M. N. Srinivas". Assayag apresenta os principais conceitos de M. N. Srinivas em seus estudos sobre os sistemas de castas indianos, caracterizando essas reflexões como fundadas em conceitos simples, mas heurísticos, pensados a partir de pesquisas sobre transformações na morfologia social da Índia, em diálogo com os estudos de gênero. Finalizando a exposição de obras e pensadores, Assayag traz as discussões de Arjun Appadurai,8 8 "Comment devient-on un anthropologue post-moderniste et diasporique? Arjun Appadurai". descrito por ele como um pensador que se propõe a fazer uma teoria social da pós-modernidade, dado que pensa a antropologia para além do local, da cultura, da etnia e da nação, no mundo globalizado.

No capítulo final, "Comment devient-on un penseur post-colonial?", Assayag procura caracterizar o que constitui o campo dos estudos pós-coloniais e seus principais representantes. De modo geral, é possível citar cinco pontos principais que sintetizam as grandes questões dos estudos pós-coloniais na opinião do autor: 1) os questionamentos de conhecimentos situados e marcados em termos de identidade, cultura, classe e gênero; 2) a crítica aos saberes percebidos como consolidados e a tarefa de repensar campos adormecidos, efetuando releituras de histórias marginais; 3) os estudos sistemáticos sobre a relação saber e poder, procurando pensar uma historia sociopolítica da dominação; 4) as traduções acerca dos termos e das relações entre metrópole e colônia no contexto contemporâneo; e 5) a proposta de um novo desenho das fronteiras das disciplinas científicas e também da alteridade.

Assim, sem perder de vista o propósito de escrever para antropólogos e leigos em antropologia, Assayag delineou capítulos breves, mas consistentes em termos de teoria e de exposição das questões em pauta. Convidou-nos a refletir sobre como as configurações geopolíticas criam questões de pesquisas em nível mundial e, ao dialogar com diferentes formas de pensar e interpretar as tramas da mundialização e do pós-colonialismo, conseguiu desenvolver uma importante contribuição para a compreensão da história do presente. Para além de problematizar temas e teorias, a obra expõem relações que produzem antropologias e antropólogos, configurando-se em uma referência bastante pertinente no rol das formulações sobre antropologia mundial, transnacional e/ou da globalização.

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    * Doutoranda em Antropologia Social.
    Conforme sublinha Assayag, este fenômeno é descrito por britânicos e norte-americanos como globalização, termo que o autor opta por não utilizar, entendendo que mundialização, termo utilizado na França, designa as mesmas questões.
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    Dedicadas ao estudo do Alcorão.
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    "Comment devient-on européen? Ernest Gellner, Ludwing Wittgenstein et Bronislaw Malinowski".
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    Segundo capítulo, da segunda parte, intitulado "Comment devient-on antisémite? Ludwin Wittgenstein contre Adolf Hitler".
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    "Comment devient-on un historien mondial? Eric Hobsbawm".
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    "Comment devient-on un artiste de l'antropologie américaine? Clifford Geertz".
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    Quinto capítulo da segunda parte - "Comment devient-on un anthropologue indien? M. N. Srinivas".
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    "Comment devient-on un anthropologue post-moderniste et diasporique? Arjun Appadurai".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012
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