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Gerontologia LGBT: velhice, gênero, sexualidade e a constituição dos “idosos LGBT”

LGBT gerontology: old age, gender, sexuality and the constitution of the ‘LGBT elders’

Resumo

Este artigo apresenta um olhar antropológico e crítico para as principais dinâmicas do desenvolvimento de um pujante campo de produção de conhecimento (em especial norte-americano), o qual tem investigado por algumas décadas os processos de envelhecimentos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Esse campo, ainda relativamente pouco conhecido no Brasil e na América do Sul como um todo, tem sido chamado de “gerontologia LGBT”. Meu interesse, dessa maneira, reside em apresentar e contextualizar crítica e sistematicamente as principais tendências, polêmicas e embates teóricos desse campo, assim como os seus desdobramentos recentes em prol da complexa constituição, legitimação e criação de políticas públicas concernentes a novos atores sociais (cuja assunção se dá em concomitância), no caso: os “idosos LGBT”.

Palavras-chave
gerontologia LGBT; idosos LGBT; sexualidade; velhice

Abstract

This article seeks to present an anthropological and critical view of the development of a thriving eld of knowledge production (especially present in North America) which for some decades has investigated the aging processes among lesbians, gay men and bisexual and transgender people. This eld, still relatively unknown in Brazil and in South America as a whole, has been named “LGBT Gerontology”. Thus my interest lies in critically and systematically presenting and contextualizing the main trends, controversies and theoretical debates in this eld, as well as their recent implications on the complex constitution, legitimation and creation of public policies concerning the new social actors, who rise concomitantly – the “LGBT seniors”.

Keywords
LGBT elders; LGBT gerontology; old age; sexuality

Nobody loves you when you’re old and gay – not even yourself.

Diálogo entre os protagonistas do filme The staircase (1969)92 THE STAIRCASE. Direção: Stanley Donen. Produção: Stanley Donen. London: Twentieth Century Fox, 1969.

In the popular imagination, to be an older gay or lesbian person has long been synonymous with being alone.

Hostetler (200447 HOSTETLER, A. Old, gay, and alone? The ecology of well-being among middle-aged and older single gay men. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 143-176., p. 143)

Em termos gerais, ao tomarmos a gerontologia mainstream como campo abrangente, assim como os seus diálogos e aproximações com os estudos sexológicos contemporâneos, seria possível afirmar que ainda paira sobre tal campo e diálogo uma espécie de panorama heteronormativo sobre o envelhecimento e a velhice (Henning, 201444 HENNING, C. E. Paizões, tiozões, tias e cacuras: envelhecimento, meia idade, velhice e homoerotismo masculino na cidade de São Paulo. 2014. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.). Panorama esse que tende a apagar deliberadamente do horizonte de preocupações analíticas e políticas as práticas erótico-sexuais, assim como as identidades sexuais e de gênero, de velhos e velhas que dissidam de certas referências normativas quanto a gênero e sexualidade.

Este artigo, portanto, procura apresentar um olhar antropológico e crítico para as principais dinâmicas do desenvolvimento de um pujante campo de produção de conhecimento (em especial norte-americano), o qual tem investigado por algumas décadas os processos de envelhecimentos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Esse campo, ainda relativamente pouco conhecido no Brasil e na América do Sul como um todo, tem sido chamado de “gerontologia LGBT”. Meu interesse, dessa maneira, reside em apresentar e contextualizar criticamente as principais tendências desse campo, assim como os seus desdobramentos recentes em prol da constituição, da legitimação e da criação de políticas públicas concernentes a novos atores sociais, no caso: os “idosos LGBT”.1 1 Tendo em mente que os objetivos gerais deste trabalho, como dito, se centram em um levantamento e diálogo com uma parte significativa da produção gerontológica LGBT norte-americana, não me furto, no entanto, de pontuar que minha investigação mais ampla desenvolveu diálogos frutíferos com pesquisas nacionais que examinam, de distintas maneiras, os processos de assunção de sujeitos envelhecidos no contemporâneo. Tais pesquisas – em especial as que se voltavam à análise do entrelaçamento de envelhecimento e relações de gênero – foram centrais para as análises que aqui procuro apresentar e incluem as de Debert (1999a, 1999b), Peixoto (1998), Lins de Barros (1998), Britto da Motta (1998), Simões (2000), Lopes (2000), Rifiotis (1998), Eckert (1998), Motta (1998) e Brigeiro (2002), entre outras. Ademais, outras referências nacionais importantes que fundamentam minhas reflexões – e que infelizmente não poderão ser revistas explicitamente ao longo deste artigo – são aquelas que enfocam, de maneiras díspares, cenários de envelhecimentos e homossexualidade masculina como, por exemplo, em Simões (2011), Paiva (2009), Mota (2009), Neman do Nascimento (2013), Pocahy (2011), Passamani (2013), Saggese (2013), Duarte (2013) e Kerry dos Santos (2012). Incluídas também relevantes investigações concernentes à homossexualidade feminina e envelhecimentos como em Lima (2006), Moraes (2010) e Lacombe (2010) e, por fim, envelhecimentos de travestis, como em Siqueira (2004, 2009) e Antunes (2010), entre outros(as) autores(as).

É relevante de antemão, no entanto, contextualizar essa revisão crítica no âmbito de minha etnografia, cujo propósito mais geral foi investigar determinados aspectos significativos das experiências de envelhecimento, velhice e sexualidade conforme narrados por um conjunto de homens com práticas sexuais homoeróticas2 2 Opto por trabalhar com a categoria homoerotismo (ao invés de homossexualidade ou da já extremamente criticada “homossexualismo”) por considerá-la uma categoria mais ampla para abarcar as múltiplas manifestações e facetas das relações e práticas eróticas, afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo sem correr tantos riscos de essencialismos. E, nessa direção, me utilizarei no decorrer do texto também da expressão “práticas sexuais homoeróticas” para me referir às práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, especialmente no diálogo com diversos autores do campo, em alguns momentos utilizarei “homossexualidade” quando estiver me referindo a questões de identidade homossexual entre meus interlocutores. e/ou que se identificam como homossexuais. Homens esses que, em sua maioria, se consideravam de classes médias, brancos, cisgêneros,3 3 Em termos gerais, “cisgênero” pode ser compreendido como um termo que diz respeito à adequação e coerência heteronormativas entre uma identidade de gênero particular e o sexo assignado ao nascimento. Por exemplo, nascer com o que se compreende socialmente como uma genitália masculina e compreender-se como tendo uma identidade de gênero masculina. O termo tem sido utilizado como uma contraposição normativa e relacional às identidades “trans” (transgêneros, transexuais…), ou seja, aquelas identidades de gênero que desafiariam, de distintos modos, as convenções dominantes da inteligibilidade de gênero em uma “matriz heterossexual” da qual fala Judith Butler (2003). Ademais, é importante frisar que tanto “cisgênero” quanto “transgênero” não necessariamente pressuporiam uma associação compulsória com identidades sexuais como, por exemplo, heterossexual ou homossexual. possuíam uma formação educacional relativamente alta, se encontravam profundamente inseridos nas interações mediadas pela internet (em especial, sites e aplicativos de “pegação”),4 4 A “pegação virtual” poderia ser compreendida, em termos básicos, como as interações homoeróticas propiciadas por sites, redes sociais e aplicativos para smartphones. estavam entre os 45 e os 70 anos de idade e eram residentes na região metropolitana da cidade de São Paulo. Assim sendo, em minha etnografia procurei examinar distintas facetas do entrelaçamento de marcadores sociais como envelhecimento, meia-idade, velhice, sexualidade, homoerotismo e relações intergeracionais entre os homens que integraram minha investigação. Por conseguinte, o levantamento que aqui apresento se desenvolveu inicialmente como um modo de pôr criticamente em perspectiva as principais teorizações da gerontologia LGBT com minhas análises de campo – embora neste texto a análise de meu material etnográfico tenderá a ficar em um segundo plano.5 5 Como este artigo se propõe a ser um levantamento e revisão críticos, boa parte de minhas análises propriamente etnográficas – devido ao espaço estipulado e aos propósitos do texto – ficarão em segundo plano, embora possam ser acessadas em minha tese (Henning, 2014) e em publicações vindouras. Até o momento em que comecei a redigir este texto não havia – considerando o que meu levantamento me permitiu acessar – uma revisão sistemática com esse escopo incluindo a produção recente do campo da “gerontologia LGBT” como a que apresento aqui. E isso mesmo quando consideradas publicações em língua inglesa.

Tendo tais elementos em mente, é significativo ponderar que o campo da gerontologia social tendeu historicamente a estudar grupos familiares, especialmente indivíduos heterossexuais, caucasianos, relativamente bem-educados e de classes médias (De Vries; Blando, 200421 DE VRIES, B.; BLANDO, J. The study of gay and lesbian aging: lessons for social gerontology. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 3-28., p. 4).6 6 O levantamento que aqui apresento é um dos resultados do meu período de estágio de doutorado-sanduíche como visiting scholar no Latin American and Latino Studies Department da University of California Santa Cruz entre os anos de 2011 e 2012. E, portanto, gostaria de agradecer particularmente à Marcia Ochoa por ter auxiliado de maneira decisiva para que eu pudesse vir a me inserir em diversos âmbitos acadêmicos da referida instituição e, assim, realizar essa revisão. Além disso, o levantamento teórico da “gerontologia LGBT”, o qual me proponho a apresentar, procura promover um esmiuçamento e um prosseguimento de algumas das questões esquematizadas anteriormente no trabalho seminal de Julio Simões (2004), “Homossexualidade masculina e o curso da vida: pensando idades e identidades sexuais”, trabalho esse que abriu portas e foi de grande valia para as bases fundamentais de referência em meu trabalho. Este artigo, ademais, procura também discorrer e problematizar criticamente algumas questões, debates e dinâmicas importantes nesse campo e que têm se desenvolvido especialmente nos últimos 15 anos. Indo a esse encontro e abordando a constituição do campo de saber gerontológico na Índia, o antropólogo estadunidense Lawrence Cohen (1998)17 COHEN, L. Não há velhice na Índia. In: DEBERT, G. G. (Org.). Antropologia e velhice. Campinas: Unicamp, 1998. p. 65-118. (Textos Didáticos, n. 13)., por sua vez, afirma que é o aposentado do sexo masculino (e, poderíamos acrescentar, heterossexual e cisgênero) que tende, de fato, a informar o “velho universal” enquanto sujeito na/da gerontologia.

Nas últimas décadas, entretanto, pesquisadores das áreas de gerontologia social, ciências sociais e de outros campos disciplinares interessados nos momentos mais avançados da vida começaram também a perscrutar – desafiando o que viam como um “vácuo” sobre a questão – as possíveis configurações e desafios característicos do envelhecimento de indivíduos que se identificam como gays ou lésbicas (Barker; De Vries; Herdt, 20065 BARKER, J.; DE VRIES, B.; HERDT, G. Social support in the lives of lesbian and gay men at midlife and later. Sexuality Research & Social Policy, San Francisco, v. 3, n. 2, p. 1-23, 2006.; Berger, 19967 BERGER, R. Gay and gray: the older homosexual man. 2nd ed. New York: Harrington Park Press, 1996.; Herdt; De Vries, 200446 HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004.). Nesse ínterim, vários investigadores têm sugerido que os modelos e dados disponíveis acerca do que denominam como “envelhecimentos heterossexuais” seriam insuficientes para compreender as complexas experiências de envelhecimento e velhice de gays e lésbicas, assim como de outros sujeitos que divergem de prerrogativas normativas em termos de gênero e sexualidade, como bissexuais, transgêneros, transexuais, entre outros.

Na mesma linha, publicações acadêmicas recentes têm afirmado que o momento contemporâneo assiste pela primeira vez a esses sujeitos alcançarem a meia-idade e a velhice sem serem submetidos ao contexto visto como de extrema perseguição, controle e estigmatização de boa parte do século XX. Tendo em mente esse momento recente tido como de maior “abertura”, tais pesquisadores afirmam que essa será a primeira geração que adentrará a velhice podendo expressar abertamente identidades sexuais gays e lésbicas (Barker; De Vries; Herdt, 20065 BARKER, J.; DE VRIES, B.; HERDT, G. Social support in the lives of lesbian and gay men at midlife and later. Sexuality Research & Social Policy, San Francisco, v. 3, n. 2, p. 1-23, 2006.; Berger, 19967 BERGER, R. Gay and gray: the older homosexual man. 2nd ed. New York: Harrington Park Press, 1996., p. 12; Herdt; Beeler; Rawls, 199745 HERDT, G.; BEELER, J.; RAWLS, T. Life course diversity among older lesbians and gay men: a study in Chicago. Journal of Gay, Lesbian, and Bisexual Identity, New York, v. 2, n. 3-4, p. 231-246, 1997., p. 233-234). Sendo assim, tais questões trariam implicações importantes para diversas frentes de análise, particularmente para as práticas de gestão direta da velhice, justificando a necessidade de se problematizar e repensar, entre outras coisas, de quais maneiras as políticas públicas e as instituições voltadas ao cuidado de idosos têm lidado ou não com fatores como identidade de gênero, erotismo, desejo e práticas sexuais dos velhos no contemporâneo.

Portanto, em contraposição ao panorama heteronormativo sobre a velhice que ainda tende a ser dominante na gerontologia mainstream, atualmente é possível afirmar que existe um amplo conjunto de literatura investigativa consolidada abordando o entrelaçamento de velhices, homossexualidade masculina e feminina, bissexualidade e transgêneros, em particular se nos referirmos a alguns países de língua inglesa (Pugh, 200280 PUGH, S. The forgotten. A community without a generation – older lesbians and gay men. In: RICHARDSON, D.; SEIDMAN, S. (Ed.). Handbook of lesbian and gay studies. London: Sage, 2002. p. 161-181., p. 161). E essa literatura pode ser vista como relativamente diversa, provinda de campos multidisciplinares e, como veremos, atravessada por polêmicas e divisões.

Apesar dessas características – e intimamente relacionado com as tendências gerais em voga na gerontologia mais ampla – é possível afirmar que se trata de um conjunto de investigações que tem se mobilizado há mais de 40 anos para a criação e o desenvolvimento de saberes e discursos sobre a multiplicidade de experiências de envelhecimento. Nesse caso, em especial quando consideradas questões concernentes aos desejos, práticas sexuais, identidades de gênero e sexuais de indivíduos vistos como idosos.7 7 Essas considerações são relativas especialmente, como afirmado, ao campo em língua inglesa da referida literatura. Entretanto, não presumo que toda e qualquer questão surgida nesse campo de produção discursiva seja representativa ou ocorra à semelhança de outros contextos culturais estranhos, por exemplo, aos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Canadá. De todo modo, a intenção é lançar luz sobre algumas questões que podem ou não se refletir ou incidir peculiarmente também em outros contextos de investigação. Sendo assim, será em prol da apresentação de um mapeamento sumário do desenvolvimento dessa literatura, o qual não se supõe esgotar as possibilidades explanatórias dessa feita, que o artigo se volta neste momento. E a ideia a seguir, portanto, é apresentar uma revisão crítica e sistematizada dos principais debates, características, polêmicas e momentos na literatura anglófona que tem sido chamada de gerontologia LGBT e cujos marcos fundacionais remontam a fins da década de 1960.8 8 Invisto, portanto, na experimentação de uma antropologia da gerontologia – nesse caso, de uma subárea da gerontologia – e no friso de atentar para o desenvolvimento de um olhar antropológico para determinados aspectos dessa produção teórica. A ideia de desenvolver uma “antropologia da gerontologia”, aliás, me foi sugerida pela antropóloga estadunidense Gayle Rubin através de uma comunicação pessoal durante uma de suas conferências de divulgação do livro Deviations: a Gayle Rubin reader (Rubin, 2011) no ano de 2012. Tal contato ocorreu durante meu doutorado-sanduíche e procurei refletir e discorrer sobre sua sugestão. O que se vê neste artigo, portanto, é um esforço para desenvolvê-la, empreendimento que pretendo aprofundar e sofisticar em um momento propício posterior.

Antes de prosseguir, porém, faz-se necessário ponderar por um momento sobre a noção mesma de “gerontologia LGBT”. A esse campo de análise de velhices e envelhecimentos afirmados como “não heterossexuais” têm sido propostas várias denominações, as quais refletem projetos políticos, teóricos e analíticos, assim como enfoques empíricos diversificados. Em relação a essa literatura são encontradas denominações como: gerontologia gay (Genke, 200435 GENKE, J. Resistance and resilience: the untold story of gay men aging with chronic illnesses. Journal of Gay and Lesbian Social Services, Binghamton, v. 17, n. 2, p. 81-95, 2004.), gerontologia gay e lésbica (De Vries; Blando, 200421 DE VRIES, B.; BLANDO, J. The study of gay and lesbian aging: lessons for social gerontology. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 3-28.), gerontologia GLB (sendo o “B” relativo a “bissexuais”), gerontologia LGBT (Kimmel; Rose; David, 200655 KIMMEL, D.; ROSE, T.; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006.), gerontologia GLBTI (Harrison, 200237 HARRISON, J. What are you really afraid of? Gay, lesbian, bisexual, transgender and intersex ageing, ageism and activism. Word is Out, n. 2, p. 1-11, 2002., 200538 HARRISON, J. Pink, lavender and grey: gay, lesbian, bisexual, transgender and intersex ageing in Australian gerontology. Gay and Lesbian Issues and Psychology Review, Melbourne, v. 1, n. 1, p. 11-16, 2005.), e, mais recentemente, autores sugerindo o estabelecimento de uma gerontologia queer (Hughes, 200648 HUGHES, M. Queer ageing. Gay and Lesbian Issues and Psychology Review, Melbourne, v. 2, n. 2, p. 54-59, 2006.; Pugh, 200280 PUGH, S. The forgotten. A community without a generation – older lesbians and gay men. In: RICHARDSON, D.; SEIDMAN, S. (Ed.). Handbook of lesbian and gay studies. London: Sage, 2002. p. 161-181.).9 9 Essa última denominação se dá a partir da proposição de distintos diálogos críticos entre a gerontologia e os estudos queer, e reivindicando abordagens que promovam um processo de queering of ageing (Hughes, 2006) e queering gerontology (Pugh, 2002), ou uma “queerização do envelhecimento”. Tais propostas se realizam em especial frente à crítica ao que chamarei mais adiante de “imperativo identitário”, o qual incide na literatura.

Por outro lado, nem todos os autores e autoras abordados nessa revisão crítica se incluiriam ou seriam incluídos por outros especialistas como parte de um campo disciplinar propriamente “gerontológico”. Entretanto, é comum na revisão do campo que se incluam as pesquisas voltadas ao envelhecimento e velhice de lésbicas, gays, bissexuais, e transgêneros, assim como de outros sujeitos, como parte de uma mesma literatura de “sensibilidade gerontológica”. Tomando essas ponderações, portanto, me proponho a abordar a constituição desse conjunto relativamente díspar, plural e contencioso sob o seu termo atualmente mais disseminado: “gerontologia LGBT”. A ideia a ser frisada, no entanto, é que o termo não necessariamente é investido pela totalidade de investigadores que serão trazidos ao texto, os quais provêm de múltiplos campos e carregam consigo preocupações e backgrounds variados, sendo utilizado aqui como uma espécie de arco terminológico contingente referente ao conjunto de investigações analisados.

Assim sendo, um dos marcos considerados iniciais na atenção voltada à inter-relação entre envelhecimento e homossexualidade masculina ocorreu a partir da pesquisa do sociólogo estadunidense Martin S. Weinberg (1969)97 WEINBERG, M. S. The ageing male homosexual. Medical Aspects of Sexuality, v. 3, n. 12, p. 66-72, 1969., coincidentemente publicada no mesmo ano da Revolta de Stonewall.10 10 A Revolta de Stonewall ocorreu no mês de junho de 1969 e se materializou numa sequência de dias de conflitos em resposta à perseguição e violência policial corriqueiras nos bares gays na cidade de Nova Iorque. E embora Stonewall tenha se tornado um inequívoco e poderoso símbolo de lutas transnacionais para os movimentos gays liberacionistas, existiram movimentos e organizações estadunidenses congêneres e anteriores, os quais não deveriam ser obliterados. Sejam estes os movimentos homófilos nos anos 1950 e início dos 1960 ou o processo de germinação de movimentos sociais que viriam a fomentar os desdobramentos de 1969 em diante. Portanto, um dos marcos fundacionais do que se poderia nomear atualmente como gerontologia LGBT ocorreu concomitantemente ao símbolo do nascimento dos próprios movimentos de liberação gay.11 11 É no mínimo curioso que embora tais movimentos e o debate sobre envelhecimento de homossexuais sejam, por assim dizer, irmãos gêmeos bivitelinos, até hoje um processo de politização dos envelhecimentos e velhices de homossexuais, bissexuais e transgêneros ou uma incorporação da questão pelos movimentos LGBT pouco tenha se desenvolvido em todo o mundo, e pode-se dizer que tenha avançado com parcimônia inclusive nos EUA. Desde estão tais pesquisas têm aumentado consideravelmente e extravasado os limites nacionais dos Estados Unidos para contextos, por exemplo, como Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Tomando o exposto, parece propício lançar um olhar para o percurso nas últimas décadas da atenção investigativa para tais envelhecimentos e velhices. Nesse percurso é possível encontrar algumas tendências gerais nas análises, as quais estiveram vinculadas a determinadas representações sociais pendularmente positivas ou negativas; uma tensão pendular, aliás, que permanece vivaz e operante de distintas maneiras até os dias de hoje.

Em termos históricos houve nessa literatura – e ainda há – uma atenção desmesurada para algumas “letras” específicas da sigla LGBT. A homossexualidade masculina foi certamente sobrerrepresentada, sobretudo entre fins da década de 1960 e a década de 1970, enquanto a homossexualidade feminina esteve mais presente nas pesquisas e relatos de experiências sobre velhice e envelhecimento, particularmente a partir da década de 1980 (Adelman, 19861 ADELMAN, M. (Ed.). Long time passing: lives of older lesbians. Boston: Alyson Publications, 1986.; Barker, 20044 BARKER, J. Lesbian aging: an agenda for social research. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 29-72.; Cruikshank, 199120 CRUIKSHANK, M. Lavender and gray: a brief survey of lesbian and gay aging studies. In: LEE, J. A. (Ed.). Gay midlife and maturity. Binghamton: Haworth Press, 1991. p. 77-88.; Kehoe, 198950 KEHOE, M. Lesbians over 60 speak for themselves. New York: Harrington Park Press, 1989., 199451 KEHOE, M. College teaching and the move. Sinister Wisdom, Berkeley, n. 53, p. 24-30, 1994.; Weinstock, 200499 WEINSTOCK, J. S. Lesbian friendships at and beyond midlife: patterns and possibilities for the 21st Century. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 177-210.; etc.). Mais recentemente têm surgido, ainda que de maneira tímida, publicações que abordam, com distintos aprofundamentos, processos de envelhecimento de bissexuais, transgêneros,12 12 Aqui é preciso citar uma importante exceção nacional: as pesquisas no contexto brasileiro de Mônica Siqueira (2004, 2009), que produziu importantes e pioneiras etnografias sobre envelhecimento e velhice entre travestis no Rio de Janeiro (Siqueira, 2004), assim como abordou as suas formas de apropriação do espaço urbano (Siqueira, 2009), as quais resultaram respectivamente em sua dissertação e tese. Além desta, há também o importante trabalho de Pedro Paulo Sanmarco Antunes (2010). Outra pesquisadora importante na área, Larissa Pelúcio (2009), no livro originado de sua tese, cita de maneira interessante em diversos momentos as travestis mais velhas em seu campo e as relações intergeracionais com as mais jovens (que poderiam ser denominadas por “ninfetinhas”), embora a questão do envelhecimento não tenha tomado o centro de sua análise. transexuais, intersexos, pessoas que se identificam como queer, entre outros sujeitos. Entretanto, tais pesquisas permanecem claramente minoritárias no quadro geral enfocado (Cook-Daniels, 200619 COOK-DANIELS, L. Trans aging. In: KIMMEL, D.; ROSE, T.; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006. p. 20-35.; Dworkin, 200625 DWORKIN, S. The aging bisexual: the invisible of the invisible minority. In: KIMMEL, D.; ROSE, T.; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006. p. 36-52.; Garnets; Peplau, 200633 GARNETS, L; PEPLAU, L. Sexuality in the lives of aging lesbian and bisexual women. In: KIMMEL, D.; ROSE, T.; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006. p. 70-90.; Harrison, 200237 HARRISON, J. What are you really afraid of? Gay, lesbian, bisexual, transgender and intersex ageing, ageism and activism. Word is Out, n. 2, p. 1-11, 2002., 200538 HARRISON, J. Pink, lavender and grey: gay, lesbian, bisexual, transgender and intersex ageing in Australian gerontology. Gay and Lesbian Issues and Psychology Review, Melbourne, v. 1, n. 1, p. 11-16, 2005.; Hunter, 200549 HUNTER, S. Midlife and older LGBT adults: knowledge and affirmative practice for the social services. New York: The Haworth Press, 2005.).

Outra tendência nessa literatura foi – e permanece sendo – a de retratar homens e mulheres que se identificam como homossexuais, cisgêneros, de cor branca, de classes médias, altamente educados, residentes em grandes metrópoles, com relativa abertura pública da sexualidade e grande envolvimento nas “comunidades LGBT”.13 13 É necessário atentar para a própria conceituação de “comunidade” que atravessa historicamente a literatura gerontológica analisada (assim como o próprio campo de estudos de gênero, sexualidade e homoerotismo), a qual tende a ser tomada muitas vezes sem problematização, e tendo seus sentidos tidos como dados. Por vezes os autores dessa literatura tomam “comunidade homossexual” ou “comunidade LGBT” como sendo resumida aos âmbitos públicos e mais notórios, como os bares e boates. Outras vezes tal definição é expandida com a adição de agrupamentos de ativismo politico, organizações não governamentais e instituições voltadas à atuação com “populações LGBT”, sendo que, em outros casos, são incluídas também as redes pessoais de apoio social, de amizade, familiares, conjugais, vizinhança, etc. É relativamente comum que os autores se refiram apenas a uma ou a todas essas possibilidades ao mesmo tempo, embora o mais recorrente seja o uso do termo como se fosse autoexplicativo, sem aprofundamentos. Além do mais, tais pesquisas enfocam geralmente indivíduos na meia-idade ou os “velhos-jovens”, aqueles que estariam nos anos considerados iniciais da velhice.14 14 Sendo assim, esses estudos estão longe de fornecer um retrato homogeneizador de homossexuais idosos nos Estados Unidos (Simões, 2004). Essa tendência, por sua vez, produziu importantes vácuos analíticos em relação a indivíduos “não brancos”, transgêneros, pobres ou de classes populares, residentes em áreas periféricas ou rurais, com pouca ou nenhuma permeabilidade nas “comunidades LGBT”, com baixo nível de escolaridade, que não abraçam as identidades sexuais nos moldes estabelecidos no período pós-Stonewall, assim como os indivíduos “velhos-velhos”, entre 75 e 84 anos de idade, e os “velhos mais velhos”, com mais de 85 anos de idade (Barker, 20044 BARKER, J. Lesbian aging: an agenda for social research. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 29-72.; Cohler; Galatzer-Levy, 200018 COHLER, B. J.; GALATZER-LEVY, R. Preface. In: COHLER, B. J.; GALATZER- LEVY, R. The course of gay and lesbian lives: social and psychoanalytic perspectives. Chicago: The University of Chicago Press, 2000. p. ix-xvi.).

Quiçá como um dos reflexos dessas características supracitadas, um ponto proeminente em boa parte da literatura é a existência de uma propensão a subproblematizar as possíveis bases que garantiriam “diferenças fundamentais” entre “envelhecimentos de homossexuais” e de “heterossexuais”. Em outras palavras, o envelhecimento de pessoas que se identificam como homossexuais acaba sendo tomado muitas vezes como “diferente” a priori. Dessa maneira, de acordo com a literatura analisada, um dos principais tópicos que parecem justificar uma diferenciação de “envelhecimentos heterossexuais” dos “envelhecimentos homossexuais”, ou (na chave das identidades de gênero) os “envelhecimentos cisgêneros” dos “envelhecimentos trans”, seria a experiência articulada do estigma da velhice e dos estigmas da “homossexualidade” e da “transgeneridade”. Tal combinação de estigmas, de acordo com o campo em questão, criaria cenários mais desafiadores e problemáticos para pessoas que se compreenderiam sob o espectro identitário da sigla LGBT do que para aquelas que não o fariam.

De antemão, friso que se trata de uma interpretação êmica da literatura enfocada, a qual não tomo como dada e não subscrevo acriticamente ao longo do texto. É central afirmar que não faz parte dos propósitos deste artigo definir taxativamente quais seriam as “especificidades” entre tais “modalidades” de envelhecimento, mas sim apresentar os modos como tal literatura tende a jogar com tal necessidade de definição categórica como parte quase inescapável do projeto de constituição do objeto de conhecimento da gerontologia LGBT. Dessa maneira, “envelhecimentos heterossexuais”, “envelhecimentos homossexuais”, “envelhecimentos cisgêneros” ou “trans” são aqui lidos como um conjunto de noções êmicas e não como categorias de análise neutras, dadas ou não questionadas.

Refletindo sobre uma problemática congênere, Julio Assis Simões (2004)88 SIMÕES, J. A. Homossexualidade masculina e curso da vida: pensando idades e identidades sexuais. In: PISCITELLI, A.; GREGORI, M. F.; CARRARA, S. (Org.). Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p. 415-447. pondera que os estudos nesse campo não têm apontado que a orientação sexual em si seja causadora de diferenças absolutas nas experiências de envelhecimento. Corroborando o que o autor postula, alguns pesquisadores afirmam que a questão, de fato, não estaria determinada pela “orientação sexual” ou a identidade de gênero em si, mas o que influiria em processos de diferenciação entre envelhecimentos muitas vezes diria respeito às experiências de preconceitos, discriminação e violências experimentadas cumulativamente ao longo da vida a partir de identidades sexuais e de gênero tidas como desviantes.15 15 O sociólogo britânico Jeffrey Weeks (1983), por sua vez, indo ao encontro dessas postulações, sugere que “o problema básico não é tanto a natureza da homossexualidade ou da subcultura gay, que, afinal de contas, foram historicamente formadas; as dificuldades das pessoas gay mais velhas decorrem do clima hostil em que elas provavelmente terão tomado consciência de sua sexualidade. O envelhecimento, como resultado, tende a trazer uma nova modulação da força do estigma, e não uma mudança fundamental das circunstâncias” (Weeks, 1983, p. 241).

Apoiando-me nessas ponderações, é patente que para a literatura em questão a escolha de enfoque tende a recair mais sobre as eventuais diferenças entre envelhecimentos de “homossexuais” e “heterossexuais”, em detrimento de possíveis comunalidades. Assim, em termos gerais, o campo que poderia ser visto como gerontologia LGBT tende a difundir um enfoque analítico de tom mais diferencialista. Outro ponto notável na literatura é a relativa ausência de crítica e desconstrução dos binarismos de gênero e sexualidade, especialmente no que se refere às oposições homossexual versus heterossexual e transgênero versus cisgênero.16 16 Embora alguns autores, por exemplo, tendam a frisar as diferenças nas experiências de envelhecimentos entre indivíduos que se associam identitariamente às categorias inclusas na sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), muitos autores se utilizam do termo “populações LGBT” sem maiores aprofundamentos ou esclarecimentos de quais seriam as questões, características ou facetas socialmente aglutinadoras que garantiriam a ideia homogeneizadora de uma “população LGBT envelhecida”. Nos momentos em que eventualmente tal expressão aparecer no corpo do texto ela indicará uma referência ao seu uso na literatura mais do que uma concordância de minha parte com os pressupostos subjacentes à postulação da existência de tais “populações”. Como se verá no desenvolvimento do argumento, a assunção de tais sujeitos é igualmente imprescindível para a estruturação atual do pujante campo gerontológico estadunidense de gestão direta da “velhice LGBT”.

Em outras palavras, refletindo sobre a maneira como os sujeitos dessa literatura são por ela constituídos, é necessário pôr em primeiro plano o fato de que categorias identitárias a eles atribuídas – como “velhice” e “homossexualidade” – se tornam amiúde elementos pouco problematizados, ou mesmo, em casos extremos, associações reificantes ou essencializadas. Por vezes, como um subtexto presente em parte do campo em questão, é como se houvesse, por exemplo, um deslizamento semântico, o qual tenderia a conceber que práticas sexuais homoeróticas na velhice (ou em outros momentos do curso da vida) pressuporiam identidades homossexuais. Tal elemento, como pude analisar em minha etnografia, ganha uma visibilidade problemática, sobretudo quando enfocado o tópico do “armário” entre velhos.

Por conseguinte, um dos projetos mais caros à literatura – se não o mais caro – reside no empreendimento de fazer emergir (e, portanto, constituir ou inventar) a “velhice LGBT”. E tal emergência se dá a partir da afirmação reiterada de uma noção de totalidade e facticidade, ou seja, de um caráter de existência dada e compartilhada dessa velhice adjetivada. Velhice essa que, ipso facto, ganha uma substância, uma singularidade ou uma essência a partir do estabelecimento e eleição de determinados elementos supostamente generalizáveis relativos a um conjunto de sujeitos.

Assim, se a ênfase da literatura tende a estar fundada na pressuposição de que os sujeitos em questão se concebem – mesmo que de forma íntima, latente e secreta – invariavelmente como marcados em termos de identidade sexual (ou de gênero, assim como o seriam em termos da “velhice” enquanto marca identitária), então é produtivo nos questionarmos: como essa literatura lida com os indivíduos mais velhos cujas experiências, concepções, práticas e identidades não se “encaixam”, por exemplo, em determinadas categorias identitárias que ganham contornos singulares após os movimentos de liberação homossexual?

Considerando tais questões, isso a que chamo de uma ênfase diferencialista e identitária na literatura (ou, em suas feições mais agudas, de um imperativo identitário), poderia ser lido também como parte de um movimento discursivo mais amplo em prol da constituição de coletividades discerníveis do fundo social. Em outras palavras, um movimento que vinculado a mecanismos biopolíticos de constituição populacional mais amplos e complexos auxiliaria a levar, em última instância, à assunção de novos sujeitos e populações envelhecidos no contemporâneo.17 17 Tomo a biopolítica aqui em sua acepção foucaultiana, como uma forma social surgida a partir do século XVIII que procurou racionalizar as problemáticas encaradas pela prática governamental acerca de fenômenos específicos do conjunto de seres humanos tomados como uma população, englobando questões de saúde, higiene, taxas de natalidade, longevidade, raça, etc. Como afirma Foucault (1988, p. 131, grifo do autor), a biopolítica da população “centrou-se no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevidade, com todas as condições que podem fazê-los variar; tais processos são assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores”. Uma das principais ocupações dessa nova forma de poder se volta para a administração da velhice e das doenças que incapacitam para o mercado de trabalho, e portanto, abrindo espaço para as experiências posteriores de seguridade social e aposentadorias, surgidas, é claro, não sem a presença marcante de lutas sociais e reivindicações políticas. Sobre o movimento de aposentados no Brasil consultar a tese de Simões (2000). Sujeitos e populações esses, portanto, cujas supostas idiossincrasias constitutivas e eventuais necessidades peculiares na velhice deveriam ser respectivamente devassadas por investigadores rigorosos e supridas por profissionais competentes de múltiplos campos.

Dessa maneira – e tendo tais elucubrações em mente – é válido considerarmos que para além dos enfoques identitários ou da sobreatenção para homens gays e mulheres lésbicas, existiram também algumas tendências gerais dentro desse campo de inquérito, as quais são relevantes de serem postas em primeiro plano nesse momento. Mapear as demais tendências e cismas na literatura auxiliará a compreender de modo mais amplo os reflexos nas pesquisas contemporâneas de tais debates e polêmicas fundacionais. A partir dessa atualização da revisão da literatura, formulo e proponho o estabelecimento de ao menos quatro momentos singulares no percurso da gerontologia LGBT. Ademais, quando me remeto a distintos “momentos”, apesar de analisar e propor um desenvolvimento cronológico para tais debates, não quero com isso pressupor que os primeiros momentos foram deixados para trás, foram superados ou cessou a sua relevância no contemporâneo, uma vez que, como veremos, eles permanecem atuantes e influentes de distintas maneiras.

Quatro momentos na gerontologia LGBT

O primeiro momento na gerontologia LGBT partiria da constatação e reafirmação dos estereótipos negativos acerca do “envelhecimento gay”, e poderia ser localizado entre o fim dos anos 1960 até a segunda metade da década de 1970. Os olhares iniciais dessa literatura permaneceram bastante colados às representações sociais negativas então disponíveis para o envelhecimento e velhice de homens homossexuais nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Tais representações sociais eram acentuadamente sombrias, estando marcadas por imagens de solidão, perdas sociais, físicas e estéticas, desvalorização no mercado erótico, invisibilidade, preconceito pelo avanço da idade dentro e fora das “comunidades LGBT”, depressão, redução ou ausência de redes de suporte social, entre outros fatores. Ou seja, em termos gerais, um quadro geral de envelhecimento e velhice alarmante e, para muitas pessoas, um vislumbre aterrorizante de futuro.

Esse cenário tenebroso do primeiro momento da literatura pode ser exemplificado através das representações ambíguas, embora centralmente negativas, do envelhecimento de homens homossexuais presentes nos raros filmes desse período que abordaram a questão, como, por exemplo: The staircase (1969)92 THE STAIRCASE. Direção: Stanley Donen. Produção: Stanley Donen. London: Twentieth Century Fox, 1969. e The boys in the band (1970)9 THE BOYS in the band. Direção: William Friedkin. Produção: Mart Crowley. New York: Paramount Pictures, 1970..18 18 Tive conhecimento dos filmes The staircase e The boys in the band a partir de citações presentes no livro Queer temporalities in gay male representation. Tragedy, normativity, and futurity de Dustin Goltz (2010). Provavelmente existem outros filmes do período, ou até mesmo anteriores, que podem também trazer elementos interessantes para pensar a inter-relação entre homossexualidade masculina, envelhecimento e construções de horizontes de futuro. E aqui utilizo o recurso a uma análise despretensiosa de facetas narrativas desses filmes como uma maneira de traçar determinadas sensibilidades envoltas nas ideias associativas de “velhice” e “homossexualidade”, as quais auxiliam a esclarecer e exemplificar o caráter desse primeiro momento.

Considerando o exposto, The staircase é um filme de 1969 dirigido por Stanley Donen e originado de uma peça de teatro de comédia dramática escrita por Charles Dyer, a qual se passa em Londres retratando um casal de homens gays na meia-idade, personagens interpretados pelos atores Richard Burton e Rex Harrison. O casal vive junto há duas décadas, possui uma barbearia e anda às voltas com as crises do avanço da idade, a depreciação no mercado homoerótico, as mudanças corporais como a calvície e a saliência na barriga, isso sem desconsiderar a repressão policial londrina nos anos 1960, quando a homossexualidade era ainda criminalizada. Além disso, ambos precisam administrar a relação com a ex-esposa e a filha de um deles, afora a necessidade de lidar com suas mães em velhice avançada. Uma das mães, aliás, é cuidada pessoalmente pelo filho na residência do casal, questão que traz elementos complicadores para a relação dos personagens.19 19 Sobre homens homossexuais sendo considerados cuidadores informais de seus pais ou parentes mais velhos, consultar o sétimo capítulo de minha tese (Henning, 2014).

Apesar de o filme retratar abertamente a relação erótico-afetiva entre dois homens, o que pode ser visto como algo indubitavelmente incomum, corajoso e mesmo inovador para a época,20 20 Me mantenho na abordagem desses dois filmes para apontar o primeiro momento na literatura, embora existam outros que poderiam ser citados aqui, inclusive anteriores, que tratavam de questões relativas à homossexualidade e consideradas “tabu” para a época, como, por exemplo, o filme inglês Victim (1961) com Dirk Bogarde, no qual se mostra um contexto de chantagem no Reino Unido envolvendo o segredo sobre as práticas homoeróticas de um proeminente advogado “acima de qualquer suspeita”. Embora Bogarde – que interpretava o protagonista chantageado – nessa época estivesse com 40 anos, o tema do envelhecimento relacionado à práticas homoeróticas não foi centralmente abordado pelo filme. a relação entre ambos, entretanto, é apresentada como turbulenta, ferina, insatisfatória e agressiva tanto nos diálogos quanto, em determinado momento, em termos de violência física; ou seja, uma espécie de versão gay do clássico drama Who’s afraid of Virginia Woolf (1966)100 WHO’S AFRAID of Virginia Woolf. Direção: Mike Nichols. Produção: Ernest Lehman. Los Angeles: Warner Brothers, 1966., porém com a adição dos estereótipos negativos sobre o envelhecimento homossexual.21 21 O filme Who’s afraid of Virginia Woolf foi baseado na peça homônima de Edward Albee, dirigido por Mike Nichols e estrelado por (também) Richard Burton e Elizabeth Taylor em 1966. O filme foi um tremendo sucesso de crítica e ganhador de cinco prêmios Oscar, sendo o de melhor atriz para Elizabeth Taylor. Em determinado momento do filme, por exemplo, um dos personagens chega a afirmar: “Ninguém gosta de você quando você é velho e gay – nem você mesmo!”22 22 Tradução livre e aproximada de: “Nobody loves you when you’re old and gay – not even yourself!”

Dessa forma, o filme The staircase – cujo nome, aliás, é uma referência ao avanço da idade e ao envelhecimento através da metáfora da subida “irreversível” na escada da vida – retrata a ambos os personagens, embora de maneiras distintas, como marcadamente inseguros com o envelhecimento, relativamente discretos e temerosos em relação à revelação da homossexualidade para as famílias, clientes e vizinhança, crescentemente ignorados por outros possíveis parceiros sexuais, ávidos por encontros com homens mais jovens, e terrivelmente assombrados pela possibilidade concreta da solidão, uma vez que um dos protagonistas corre o sério risco de ir para a cadeia, pois flertou com um policial. Esse terror da solidão como visão inexorável de futuro ou como algo dado em relação ao envelhecimento de homens homossexuais fica explícito na cena em que um dos personagens desfalece e o outro suplica repetidamente sobre o corpo do companheiro: “Not alone, Harry! Don’t leave me! Not alone! Not alone! Not alone!”

Já a película The boys in the band, lançada um ano mais tarde, em 1970, foi dirigida por William Friedkin. Também adaptado de uma peça de teatro, esta escrita por Mart Crawley, o roteiro retrata o decorrer de uma noite na vida de um conjunto de oito amigos homossexuais na cidade de Nova Iorque, sendo que alguns se encontravam na (ou se aproximavam da) meia-idade. O filme, assim, apresenta um conjunto rico de elementos e aborda inúmeras questões a partir de uma determinada perspectiva da vida urbana dos homens gays logo após os acontecimentos de Stonewall, como, por exemplo: os processos de coming out, o manejamento do “armário”, a vida conjugal, questões de monogamia/poligamia, a relevância das amizades e das “comunidades homossexuais” como fontes de suporte social, o sofrimento da homofobia, a relação com as famílias de origem, as diferenças e relações intergeracionais, estilos heterogêneos de masculinidade, os amores e amantes do passado e do presente, a relação ambígua com as cidades de origem, questões de autoaceitação, culpa e pecado em termos religiosos, fracionamentos étnico-raciais, entre outros fatores.

Porém, as questões que parecem tomar a centralidade e se sobressaem na narrativa do filme envolvem as preocupações, receios e amarguras em relação ao envelhecimento, assim como as projeções de futuridade frente a um certo pânico ao antever (ou não antever) o futuro. O filme, apesar de retratar uma certa pluralidade de aspectos que não deixam localizá-lo entre as narrativas hollywoodianas homogeizadoras ou extremamente estereotipadas sobre a homossexualidade masculina, permanece em um escopo o qual produz imagens associativas entre homossexualidade e envelhecimento como marcadas por uma negatividade, uma angústia relacionada ao futuro e mesmo uma não futuridade acentuadas. Para ilustrar esse cenário negativo, Michael, o protagonista do filme, encontrando-se em uma profunda crise relacionada ao processo de envelhecimento, em determinado momento pondera: “Show me a happy homosexual and I’ll show you a gay corpse.”

Filmes como The staircase e The boys in the band, como expresso pelo livro e documentário homônimos The celluloid closet (Russo, 198185 RUSSO, V. The celluloid closet: homosexuality in the movies. New York: Harper & Row, 1981.), marcam o movimento de abordar diretamente a homossexualidade no cinema hollywoodiano em fins da década de 1960 e início de 1970, após décadas de imposição de códigos de conduta moral ditados por instituições religiosas e pela censura de órgãos governamentais estadunidenses. Apesar de então existir a possibilidade da representação direta e não subliminar ou alusiva de homossexuais no cinema, tais representações ainda permanecem marcadas, nessas narrativas, por imagens negativas ou relativamente desalentadoras, tendência que só viria a ser alterada recentemente.

Portanto, o primeiro momento na literatura gerontológica LGBT, cujas imagens gerais incidentes poderiam ser exemplificadas através dos referidos filmes, foi marcado pela tendência a tomar como dadas tais representações negativas acerca do envelhecimento de homens gays, as quais estavam presentes nas “comunidades homossexuais”, na cultura popular e nos filmes. Além disso, tendeu também a construir tais homens mais velhos como solitários, psicologicamente torturados pela sua “condição social” e tidos como “sem futuro”.23 23 No sexto capítulo de minha tese (Henning, 2014), procuro explorar com maior atenção a ideia de “futuridade”, especialmente no diálogo com alguns autores da teoria queer que nos últimos anos têm se interessado em debater as noções de “temporalidades queer”, “queer time” e a ideia mesmo de “futuro”. Naquele capítulo, portanto, desenvolvo uma análise sobre os horizontes de futuro que eram acionados segundo os relatos de meus interlocutores.

Por conseguinte, em termos gerais, nas primeiras publicações enfocando envelhecimentos de homossexuais tais representações pouco chegaram a ser desafiadas, contestadas ou desconstruídas e tenderam a ser legitimadas (Berger, 19967 BERGER, R. Gay and gray: the older homosexual man. 2nd ed. New York: Harrington Park Press, 1996.). Essas investigações, em geral conduzidas por sociólogos, foram algumas das primeiras a encararem a homossexualidade eminentemente como um fenômeno social e a não propagarem olhares patologizantes. E nessa primeira leva de investigações podem ser inclusos os sociólogos Weinberg (1969)97 WEINBERG, M. S. The ageing male homosexual. Medical Aspects of Sexuality, v. 3, n. 12, p. 66-72, 1969., Weinberg e Williams (1974)98 WEINBERG, M. S.; WILLIAMS, C. Male homosexuals. New York: Oxford University Press, 1974.,24 24 Entretanto, na análise de possíveis motivações para que os homens homossexuais fossem constantemente retratados como infelizes, solitários, deprimidos, com baixa autoestima, isolados dos aspectos mais excitantes da vida homossexual, Weinberg e Williams (1974, p. 311-312) já sugerem olhares para outras perspectivas, ao porem em relevo um estudo que aponta entre homens homossexuais mais velhos níveis de bem-estar e de satisfação com a vida e o trabalho mais altos que os de homens heterossexuais de mesma idade. Tais autores, então, dizem que as questões de adaptação à passagem dos anos em sua relação com o bem-estar psicológico não seriam experiências únicas dos homossexuais, fazendo parte do processo de envelhecimento em geral. Gagnon; Simon (1973)32 GAGNON, J.; SIMON, W. (Ed.). Sexual deviance. New York: Harper and Row, 1973. e Laner (1978)60 LANER, M. R. Growing older male: heterosexual and homosexual. The Gerontologist, Cary, n. 18, p. 496-501, 1978.. Tais pesquisas, diga-se de passagem, em geral demonstravam distintos graus de simpatia pelos movimentos de liberação gay, embora seus autores não dessem aos textos um tom ostensivamente militante.

Sendo assim, até fins da década de 1970 a literatura gerontológica sobre homens homossexuais estava acentuadamente baseada em ideias de isolamento e depressão, marcada por uma ênfase nos déficits, nas perdas e na negatividade que o envelhecimento e a velhice poderiam trazer. Tal cenário seria agravado, por um lado, pelo estigma e a discriminação, devido às práticas e identidades homossexuais na sociedade em geral, e, por outro, pelo fato de que as “comunidades gays masculinas”, segundo a literatura, se mostravam especialmente orientadas para a juventude e em oposição à velhice (Hostetler, 200447 HOSTETLER, A. Old, gay, and alone? The ecology of well-being among middle-aged and older single gay men. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 143-176., p. 146).

Discorrendo, por sua vez, sobre a centralidade da juventude nas “comunidades homossexuais”, Weeks (198396 WEEKS, J. Os problemas dos homossexuais mais velhos. In: HART, J.; RICHARDSON, D. Teoria e prática da homossexualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p. 236-246., p. 244-245) afirma que tal característica não seria incidente apenas em tais contextos sociais e que, embora mudanças estivessem em curso, ainda viveríamos

numa cultura geral que privilegia a juventude e torna fascinantes suas realizações. Ao mesmo tempo, estamos lentamente desbastando a hostilidade que a homossexualidade gerou. Esses dois fatores inevitavelmente tiveram impacto no modo como as pessoas homossexuais levaram suas vidas e não surpreende que […] emerjam problemas específicos dos homossexuais mais velhos.

Uma das principais hipóteses surgidas nesse primeiro momento da gerontologia LGBT foi a do envelhecimento acelerado (accelerated aging), segundo a qual os homens homossexuais se perceberiam como velhos mais cedo do que os heterossexuais e se sentiriam adentrando a meia-idade em idades anteriores àquelas experimentadas pela contrapartida heterossexual. Tal hipótese, apesar de possuir muitos apoiadores entre pesquisadores nas décadas que se seguiram, tem recebido críticas e refutações mais recentes, como a ideia oposta de que homens gays e mulheres lésbicas, uma vez relativamente mais livres de determinadas expectativas heteronormativas para o curso da vida – como o casamento ou a criação de filhos – poderiam sentir-se e ser percebidos como “jovens por mais tempo” (younger for longer). Um interessante exemplo é o do senhor de 72 anos apresentado pelo sociólogo inglês Brian Heaphy (200739 HEAPHY, B. Sexualities, gender, and ageing. resources and social change. Current Sociology, London, v. 55, n. 2, p. 193-210, 2007., p. 204). Tal senhor afirmava sentir-se mais jovem do que os homens heterossexuais de mesma idade, por não ter se casado nem ter tido filhos e portanto ter experimentado as possibilidades criativas, positivas e potencialmente agenciais de se envelhecer fora da norma heterossexual.

Já o segundo momento da gerontologia LGBT está marcado por uma crítica e desconstrução dos estereótipos negativos e pela assunção de um tom gay positive na literatura. Em outras palavras, trata-se de um redirecionamento de 180° em prol de uma atenção para as potencialidades positivas presentes nas experiências de envelhecimento de homens gays. Proximamente influenciado por tendências mais amplas na “gerontologia mainstream”, a qual procurava igualmente se voltar para os pontos positivos no envelhecimento, o segundo momento na gerontologia LGBT se desenvolve em termos gerais entre fins da década de 1970 e início de 1980. Tal momento poderia também ser contextualizado, entre outras coisas, como tendo sido afetado pela expansão dos debates, conquistas e visibilidade dos movimentos de liberação homossexual, resultando no fato de que gerontólogos – alguns declaramente gays e lésbicas – escrevendo a partir dos EUA, tentaram desafiar e desconstruir a imagem do old queer solitário e amargo (Hughes, 200648 HUGHES, M. Queer ageing. Gay and Lesbian Issues and Psychology Review, Melbourne, v. 2, n. 2, p. 54-59, 2006., p. 3-4).

É importante ter em mente que a gerontologia LGBT em seu segundo momento estava em diálogo íntimo com debates mais amplos dentro da gerontologia social. Nesse caso, como um campo englobante, a gerontologia social passava também a desafiar as representações mais antigas sobre a velhice, as quais tendiam a enfatizar as perdas físicas e sociais no processo de envelhecimento. O intuito, então, era mudar o enfoque na negatividade pregressa para os potenciais ganhos proporcionados pelo envelhecimento (Debert, 1999a22 DEBERT, G. G. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Edusp, 1999a.). Nesse ínterim, esse conjunto de pesquisadores gay positive procurou inverter o enfoque nos déficits do envelhecimento de homens homossexuais para uma visão que levava em consideração as maneiras pelas quais marcadores como homossexualidade e velhice poderiam, entrelaçados, promover recursos sociais adicionais que criariam pontos vantajosos em seus processos de envelhecimento, quando comparados, por exemplo, aos “envelhecimentos de heterossexuais”.

Esses pesquisadores, cujos expoentes – com razoável variação nas abordagens – são os sociólogos Kimmel (197753 KIMMEL, D. C. The aging male homosexual: myth and reality. The Gerontologist, Cary, v. 17, n. 4, p. 328-332, 1977., 197854 KIMMEL, D. C. Adult development and aging: a gay perspective. Journal of Social Issues, Hoboken, v. 34, n. 3, p. 113-130, 1978.), Berger (1996)7 BERGER, R. Gay and gray: the older homosexual man. 2nd ed. New York: Harrington Park Press, 1996., Friend (198029 FRIEND, R. A. GAYing: adjustment and the older gay male. Alternative Lifestyles, New York, n. 3, p. 213-248, 1980., 198730 FRIEND, R. A. The individual and the socila psychology of aging: clinical implications for lesbians and gay men. Journal of Homosexuality, New York, v. 14. n. 1-2, p. 307-331, 1987., 199131 FRIEND, R. A. Older lesbian and gay people: a theory of successful aging. Journal of Homosexuality, New York, v. 20, n. 3-4, p. 99-118, 1991.), entre outros(as), foram chamados de gerontólogos do envelhecimento gay positivo (gay positive gerontologists). E analisando esse conjunto de investigadores, muitos de seus estudos foram fortemente influenciados pelos movimentos de liberação gay pós-Stonewall e tenderam a contrariar as pesquisas anteriores, algumas vezes através de visões completamente opostas, refutando os estereótipos antigay especialmente no que concerne às imagens negativas acerca do envelhecimento e da velhice (Hostetler, 200447 HOSTETLER, A. Old, gay, and alone? The ecology of well-being among middle-aged and older single gay men. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 143-176., p. 146).

Entretanto, os gerontólogos do envelhecimento gay positivo, ao prover exemplos contrários e defender análises e representações sociais mais alentadoras, em alguns casos incorriam na ignorância de experiências sociais que se aproximavam de tais estereótipos negativos ou na obliteração dos efeitos pervasivos e por vezes devastadores da experiência cotidiana do estigma e da discriminação acumulada através dos anos nas vidas de gays e lésbicas. Portanto, tais pesquisadores acabavam correndo o risco – e muitas vezes sendo acusados – de apresentar interpretações forçosamente “felizes” das realidades analisadas (Hostetler, 200447 HOSTETLER, A. Old, gay, and alone? The ecology of well-being among middle-aged and older single gay men. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 143-176., p. 151). Dentre as principais contribuições desse segundo momento da literatura estão as hipóteses da “competência em crises” (crisis competence) divulgada por Douglas Kimmel (1978)54 KIMMEL, D. C. Adult development and aging: a gay perspective. Journal of Social Issues, Hoboken, v. 34, n. 3, p. 113-130, 1978. e da “maestria no estigma” (mastery of stigma) (Berger, 19967 BERGER, R. Gay and gray: the older homosexual man. 2nd ed. New York: Harrington Park Press, 1996.). Propagadas sobretudo por sociólogos, tais hipóteses estão interligadas, embora sejam distintas.25 25 Em geral a maestria no estigma sugere que os homossexuais precisam lidar com o manejamento do desvio social e da discriminação desde muito cedo, e aprender a exercer de maneira competente uma lida cotidiana com complexas economias do estigma, muitas vezes manobrando a identidade de maneiras intercambiáveis para cada esfera do social (família, trabalho, amigos, vizinhança, etc.). Tais experiências, conhecimentos e habilidades treinados e desenvolvidos desde cedo, segundo essa hipótese, tornariam os indivíduos associados a identidades homossexuais mais aptos para lidar com outras formas de discriminações, como ao encarar, por exemplo, uma ordem de estigma e preconceito como a relacionada ao envelhecimento e velhice (Berger, 1996). Já a competência em crises parte da premissa da existência de peculiaridades no curso da vida para pessoas que se identificam como homossexuais, as quais seriam originadas primeiramente da tensão latente presente na possibilidade da revelação da identidade homossexual para membros das redes sociais imediatas. Segundo o sociólogo estadunidense Raymond Berger (1996, p. 4), além disso, os homens gays passariam pelos momentos de transição na vida de maneira mais complexa e sem os apoios que homens heterossexuais possuiriam, por exemplo, ao saírem da casa dos pais e formarem uma nova família, tendo a esposa como principal apoiadora. Em muitos casos, os homens gays desde cedo precisariam contar centralmente consigo e com a rede imediata de amigos para resolver os problemas encontrados na vida, questões que seriam como uma “prova de fogo” que os prepararia para resolver conflitos e problemas ulteriores de maneira menos desavisada, especialmente na velhice. Dessa forma, a conjuntura representada na ideia de “competência em crises” prepararia a esses indivíduos para lidar com outras crises que venham a surgir no restante do curso da vida, como a “crise da meia-idade”, as crises no trabalho, crises de “perda de papéis sociais” na velhice, entre outras. Tais experiências, portanto, os tornariam supostamente mais maleáveis, adaptáveis e preparados para atuar e solucionar tais momentos de crise quando comparados a indivíduos heterossexuais. Assim, segundo a ideia de competência em crises, a “saída do armário” (coming out) pode ter sido um processo de tal monta difícil, traumático e doloroso que ter respondido de maneira bem-sucedida a ele auxiliaria a responder a outros momentos críticos (Pugh, 2002, p. 168). Ambas as hipóteses foram exaustivamente debatidas, defendidas, criticadas e refutadas nas décadas que se seguiram, especialmente no que diz respeito ao risco de se negar ou apagar experiências sociais, por exemplo, de indivíduos homossexuais que se aproximariam de certos estereótipos negativos da “velhice gay”. Entretanto, as proposições analíticas, teóricas e hipotéticas da gay positive gerontology foram acusadas sobretudo de obstruir e inviabilizar a construção de políticas públicas específicas para os eventuais desafios enfrentados por “velhos LGBT”.

Além disso, por tabela, tal ramo da gerontologia LGBT foi acusado também de borrar as “velhices não-tão-bem-sucedidas” entre tais indivíduos, uma vez que para tal corrente parte-se do pressuposto de que não existiriam propriamente “problemas” a priori ou questões que necessitassem de contribuições ou soluções, afinal tais indivíduos estariam sobre-equipados para lidar com os possíveis desafios do envelhecimento e da velhice.26 26 Um dos principais e mais agudos críticos dos teóricos da gay positive gerontology foi o gerontólogo e sociólogo canadense John Alan Lee (1987, 1989, 1991). As diferenças entre Lee e Berger serão vislumbradas mais adiante. Nas diversas pesquisas surgidas entre os anos 1980 e os 2000, porém, as conclusões em termos de teste e contestação empírica de tais hipóteses apontaram resultados conflituosos e contraditórios, com alguns(mas) pesquisadores(as) afirmando ter encontrados indícios que confirmavam, e outros(as) que negavam tais conjecturas. No entanto, o estado atual de debates, em termos gerais, encara as duas hipóteses com ressalvas e ceticismo, embora elas permaneçam sendo levadas em consideração.

O terceiro momento está marcado na literatura gerontológica LGBT por uma diversificação de questões e análises empíricas para além das assumidas até então, com um aumento da atenção, acima de tudo, para envelhecimentos e velhices de lésbicas (Adelman, 19861 ADELMAN, M. (Ed.). Long time passing: lives of older lesbians. Boston: Alyson Publications, 1986.; Barker, 20044 BARKER, J. Lesbian aging: an agenda for social research. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 29-72.; Cruikshank, 199120 CRUIKSHANK, M. Lavender and gray: a brief survey of lesbian and gay aging studies. In: LEE, J. A. (Ed.). Gay midlife and maturity. Binghamton: Haworth Press, 1991. p. 77-88.; Kehoe, 198950 KEHOE, M. Lesbians over 60 speak for themselves. New York: Harrington Park Press, 1989., 199451 KEHOE, M. College teaching and the move. Sinister Wisdom, Berkeley, n. 53, p. 24-30, 1994.; Weinstock, 200499 WEINSTOCK, J. S. Lesbian friendships at and beyond midlife: patterns and possibilities for the 21st Century. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 177-210., etc.) e um início, ainda tímido, de abordagens que se ocupam de envelhecimentos de bissexuais e de transgêneros (Cook-Daniels, 200619 COOK-DANIELS, L. Trans aging. In: KIMMEL, D.; ROSE, T.; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006. p. 20-35.; Dworkin, 200625 DWORKIN, S. The aging bisexual: the invisible of the invisible minority. In: KIMMEL, D.; ROSE, T.; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006. p. 36-52.; Garnets; Peplau, 200633 GARNETS, L; PEPLAU, L. Sexuality in the lives of aging lesbian and bisexual women. In: KIMMEL, D.; ROSE, T.; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006. p. 70-90.; Harrison, 200237 HARRISON, J. What are you really afraid of? Gay, lesbian, bisexual, transgender and intersex ageing, ageism and activism. Word is Out, n. 2, p. 1-11, 2002., 200538 HARRISON, J. Pink, lavender and grey: gay, lesbian, bisexual, transgender and intersex ageing in Australian gerontology. Gay and Lesbian Issues and Psychology Review, Melbourne, v. 1, n. 1, p. 11-16, 2005.; Hunter, 200549 HUNTER, S. Midlife and older LGBT adults: knowledge and affirmative practice for the social services. New York: The Haworth Press, 2005.). Assim, de uma atenção inicial voltada basicamente à homossexualidade masculina, a partir dos anos 1980 ocorre uma proliferação de estudos, publicações e livros de depoimentos voltados também ao envelhecimento de mulheres lésbicas, o que dá margem a um aumento de perspectivas comparativas entre envelhecimentos de homens e de mulheres homossexuais e também a um aumento na pluralidade dessa documentação.27 27 Tais pluralidades se baseiam na recomendação crescente na literatura – embora raramente levada a cabo – da necessidade de se atentar para as diferenças como gênero, “raça”, etnia, distintos coortes, classe social, nacionalidade, localização residencial (moradores de áreas urbanas, rurais, periféricas…), nível de formação educacional, status marital, histórico prévio de relacionamentos heterossexuais, existência de filhos provindos dessas relações, revelação pública ou não de identidades sexuais (coming out), o momento em que tal revelação ocorre, a presença ou não de formações tradicionais e/ou inovadoras de família (famílias de origem, famílias de escolha, etc.).

Por conseguinte, especialmente a partir dos anos 1980 ocorre um crescimento prolífico de temáticas, distintas análises e enfoques que vão além dos recortes circunscritos anteriormente e complexificam os olhares para tais experiências de envelhecimento, deixando-os mais abertamente plurais e talvez menos reducionistas. A partir de então se torna também mais espraiada na literatura a noção de que os processos de envelhecimento e os desafios enfrentados por homens gays quando comparados pelos vivenciados por mulheres lésbicas demonstrariam algumas características distintas, embora eventualmente fossem postuladas também importantes comunalidades.

Já o envelhecimento de bissexuais costuma ser abordado, em termos gerais, de forma vaga e quando recebe atenção tende-se a afirmar que a possibilidade de relações afetivas com pessoas de ambos os sexos aumentaria as chances de que se envolvam em relacionamentos heterossexuais, casem-se ou tenham filhos dessas relações. Tais questões fariam crescer as possibilidades de manter redes de apoio social na velhice mais próximas aos moldes heterossexuais, ou seja, com a presença e o suporte de (ex-)cônjuge e de filhos e reduziria os eventuais riscos de uma velhice com redes de apoio social frágeis (Barker; De Vries; Herdt, 20065 BARKER, J.; DE VRIES, B.; HERDT, G. Social support in the lives of lesbian and gay men at midlife and later. Sexuality Research & Social Policy, San Francisco, v. 3, n. 2, p. 1-23, 2006.; Kristiansen, 200458 KRISTIANSEN, H. Narrating past lives and present concerns: older gay men in Norway. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 235-264.). Por sua vez, os processos de envelhecimento de transgêneros e de transexuais são apontados na literatura, em geral, como exigindo atenções, preocupações e desafios redobrados posto que a carga de estigma, a perseguição e a transfobia no decorrer da vida são vistos como mais expressivos. Além disso, os possíveis resultados do uso relativamente comum de hormônios poderia acarretar consequências particulares e agravadoras exigindo uma maior necessidade de atenção e de cuidados específicos na velhice.

Por fim, o quarto e último momento se desenvolve entre fins dos anos 1990 até os dias atuais, onde ocorre o que chamo de um giro pragmático. E assim o nomeio, pois parece existir de fato uma transformação recente na literatura, a qual deixa em segundo plano as discussões teóricas balizadoras do passado, como as polêmicas sobre o “envelhecimento acelerado”, a “competência em crises” e a “maestria no estigma” (embora suas reflexões e proposições estejam, muitas vezes, ainda nelas baseadas) e enfatiza suas atenções e preocupações a propostas de ação gerontológica prática.

Essas propostas, por sua vez, se direcionam no sentido de criação de políticas públicas, de programas de educação temática, esclarecimento e defesa de direitos civis, o fomento ao estabelecimento de instituições e organizações específicas voltadas à administração direta dos “problemas” enfrentados por “velhos LGBT”. Tais “problemas” a enfrentar, por sua vez, poderiam ser consubstanciados, por exemplo, em questões de moradia a preços acessíveis, formação de cuidadores de idosos com “competência cultural” para lidar com diversidade sexual e de identidade de gênero, a criação de uma agenda de lutas contra o preconceito em relação aos mais velhos “intra e extracomunidades LGBT”, a defesa de demandas gerontológicas anti-homofóbicas no contexto de instituições de saúde e estatais, entre outras.

De modo a aprofundar as características desse giro pragmático na gerontologia LGBT, os pontos elencados por Brotman et al. (200713 BROTMAN, S. et al. Coming out to care: caregivers of gay and lesbian seniors in Canada. The Gerontologist, Cary, v. 47, n. 4, p. 490-503, 2007., p. 12) parecem elucidativos de uma espécie de “agenda reivindicatória” promovida por pesquisadores, organizações e ativistas do “envelhecimento LGBT” na América do Norte (especialmente no que concerne às áreas da saúde pública e serviços sociais). Esse agregado de atores sociais, assim, defende, por exemplo, primeiramente um maior treinamento e educação dos profissionais das áreas de saúde e de serviços sociais de maneira a desenvolver uma maior aceitação e compreensão das “necessidades específicas” dos “velhos LGBT”. Além dessas questões, integrariam também tal agenda, de maneira esmiuçada, a defesa, por exemplo, do uso por todos os profissionais que lidam com idosos de um vocabulário neutro em termos de pronomes de gênero especialmente nas discussões relativas a relacionamentos e histórias de vida, no intuito de que se respeite a pluralidade de experiências biográficas.

Defende-se, ademais, que se garanta de fato a confidencialidade na comunicação entre tais profissionais e seus clientes, e que se apoiem as vontades dos idosos em relação ao planejamento do próprio cuidado, garantindo que tal planejamento seja compreendido e respeitado sempre que possível. Por fim, consta na agenda um incremento no diálogo entre as entidades de saúde e de serviços sociais e as organizações das “comunidades LGBT” de modo a proporcionar uma maior integração e transferência de conhecimentos, atitudes e know-how. O objetivo geral, em termos básicos, seria a criação de programas sociais e ambientes mais acolhedores, respeitosos e receptivos aos “velhos LGBT”.

Dessa forma, o giro pragmático na gerontologia LGBT se mostra especialmente expressivo no entrecruzamento da gerontologia com os campos da saúde pública, da psicologia e do serviço social norte-americanos, se materializando com vigor a partir da expansão de entidades e organizações cuja atuação é voltada especificamente aos “idosos LGBT” como, por exemplo, a SAGE na cidade de Nova Iorque e a Openhouse em São Francisco. Nos últimos anos, aliás, tal atuação também tem se expandido em menor escala em países como Canadá (Brotman; Ryan; Cormier, 200312 BROTMAN, S.; RYAN, B.; CORMIER, R. The health and social service needs of gay and lesbian elders and their families in Canada. The Gerontologist, Cary, v. 43, n. 2, p. 192-202, 2003.; Brotman et al., 200713 BROTMAN, S. et al. Coming out to care: caregivers of gay and lesbian seniors in Canada. The Gerontologist, Cary, v. 47, n. 4, p. 490-503, 2007.),28 28 No caso canadense, segundo Brotman et al. (2007), existiriam ao menos duas organizações que lidariam também com questões de “envelhecimento e velhice LGBT”: o 519 Community Centre em Toronto, e o The Centre em Vancouver. Reino Unido (Clover, 200616 CLOVER, D. Overcoming barriers for older gay men in the use of health services: a qualitative study of growing older, sexuality and health. Health Education Journal, London, v. 65, n. 1, p. 41-52, 2006.; Pugh, 200581 PUGH, S. Assessing the cultural needs of older lesbians and gay men: implications for practice. Practice, London, v. 17, n. 3, p. 207-218, Sept. 2005.)29 29 No Reino Unido houve, por exemplo, a iniciativa da Polari, organização em defesa dos interesses e necessidades de velhos gays e lésbicas atuante a partir de 1993. Essa organização, que encerrou suas atividades em 2009, incluiria a posteriori a defesa de bissexuais e transgêneros idosos. A propósito, a expressão “polari” se refere a uma forma de linguagem ou gíria comum até ao menos a década de 1970 e associada às “subculturas gays” no Reino Unido. Para mais informações sobre organizações ou grupos no Reino Unido com atuação voltada a “idosos LGBT”, consultar: http://www.ageofdiversity.org.uk/older-lgbt-groups. e mais recentemente Nova Zelândia e Austrália (Harrison, 200237 HARRISON, J. What are you really afraid of? Gay, lesbian, bisexual, transgender and intersex ageing, ageism and activism. Word is Out, n. 2, p. 1-11, 2002., 200538 HARRISON, J. Pink, lavender and grey: gay, lesbian, bisexual, transgender and intersex ageing in Australian gerontology. Gay and Lesbian Issues and Psychology Review, Melbourne, v. 1, n. 1, p. 11-16, 2005.; Hughes, 200648 HUGHES, M. Queer ageing. Gay and Lesbian Issues and Psychology Review, Melbourne, v. 2, n. 2, p. 54-59, 2006.).30 30 De acordo com a jurista Nancy Knauer (2009, p. 303), a qual escreveu um livro recente sobre os direitos dos “idosos LGBT” nos EUA, entre os riscos e desafios singulares enfrentados por tais idosos no contemporâneo – e a partir dos quais se fundaria uma atuação sistemática desse campo gerontológico para sanar desigualdades – estariam: isolamento, pobreza, preconceito pelo avanço da idade, em alguns casos maior exposição ao racismo e a discriminação de gênero, ausência de apoios familiares tradicionais na velhice, ausência de reconhecimento de famílias formadas por pessoas de mesmo sexo (incluídas aí as “famílias de escolha”), acesso restrito ou inadequado aos serviços de saúde, dificuldades na manutenção ou no acesso a moradias a preços baixos, e falta de serviços e instituições sensibilizados e empáticos em relação ao cuidado dos “velhos LGBT”.

Algumas considerações se fazem necessárias em prol de contextualizar a atuação das duas organizações estadunidenses citadas anteriormente, as quais têm se tornado as principais referências internacionais na atuação direta com “idosos LGBT”. Segundo informações constantes em sua página na internet, a SAGE (cuja sigla se referia inicialmente a Senior Action in a Gay Environment, tendo mudado em 2004 para Services and Advocacy for LGBT Elders) é uma organização sediada na cidade de Nova Iorque e fundada em 1977.31 31 Informações acessadas no site da organização (cf. http://www.sageusa.org). Sua atuação é voltada a atender as “necessidades de idosos LGBT” na costa leste dos EUA, e seus programas têm se expandido nas últimas décadas como modelos de referência, e também pelo seu pioneirismo, para várias cidades estadunidenses.

De acordo com os gerontólogos Elizabeth Kling e Douglas Kimmel (200656 KLING, E.; KIMMEL, D. SAGE: New York City’s pioneer organization for LGBT elders. In: KIMMEL, D.; ROSE, T.; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006. p. 265-276., p. 266), a SAGE provê, entre outros serviços, aconselhamento individual, grupal e familiar e oferece auxílio para as “necessidades únicas” dos “idosos LGBT” (LGBT elders), como na “saída do armário tardia” na vida, o enfrentamento do luto quando da perda do/a parceiro/a, a formação de grupos de apoio e suporte para cuidadores de doentes do Alzheimer, para veteranos de guerra e para pessoas com o Mal de Parkinson, entre outras questões. Tais programas são conduzidos, segundo a organização, em um “ambiente LGBTcêntrico” (LGBT-centric environment) e tratam dos “desafios particulares” encarados por tais idosos.

Por sua vez, a Openhouse é uma organização não lucrativa sediada na cidade de São Francisco, na costa oeste dos EUA, e com atuação voltada a “idosos LGBT” da região. Um dos carros-chefe de suas políticas está no ativismo voltado a conquista e desenvolvimento de moradia a preços acessíveis e serviços adequados e inclusivos para “idosos LGBT”. Suas raízes têm ligações com o ativismo homossexual já nos anos 1970 e 1980, especialmente quanto aos esforços para garantir moradia a preços justos para os membros mais velhos da comunidade LGBT da cidade e região; no entanto, em termos institucionais sua atuação remonta à segunda metade da década de 1990.

Atualmente um de seus mais ambiciosos projetos repousa na criação de um complexo gerontológico com dezenas de apartamentos nas imediações do bairro do Castro, clássico reduto gay de São Francisco. Um projeto, aliás, na casa dos milhões de dólares e cujo financiamento já foi sinalizado como parcialmente garantido pela municipalidade.32 32 Mais informações sobre o projeto, denominado “55 Laguna St.”, podem ser acessadas através do site da instituição (cf. http://openhouse-sf.org/8-16-12-press-release/). O objetivo do projeto – que prevê a “cobrança justa” de aluguel e dos demais serviços prestados aos idosos – seria construir uma “comunidade multicultural, ativa e urbana de aposentados” provendo de moradia acessível para “idosos LGBT”. Além disso, segundo a organização, a ideia é que o complexo de apartamentos também “ofereça um menu de cuidados específicos para os moradores de todos os níveis de renda”, embora 110 do total de apartamentos, segundo o projeto, estariam previamente reservados para idosos de baixa renda (Adelman et al., 20062 ADELMAN, M. et al. Openhouse: community building and research in the LGBT aging population. In: KIMMEL, D; ROSE, T; DAVID, S. (Ed.). Lesbian, gay, bisexual and transgender aging: research and clinical perspectives. New York: Columbia University Press, 2006. p. 247-264., p. 249).33 33 Foi nessa organização que fui voluntário por sete meses durante meu estágio de doutorado-sanduíche, em um programa chamado “Friendly Visitors”, no qual fui treinado para visitar quinzenalmente a um homem sexagenário que se considerava homossexual. Essa foi uma experiência bastante influente para algumas de minhas reflexões. É importante ressaltar também que no início de 2012, a prefeitura de São Francisco sinalizou a liberação de boa parte da verba necessária para a realização do projeto “55 Laguna St.” de construção de residências para “idosos LGBT”. Nessa direção, algumas das metrópoles estadunidenses têm criado programas e iniciativas semelhantes, o que parece indicar uma expansão da ideia (e uma maior aceitação) do “problema” da “velhice LGBT”.

Instituições como a SAGE e a Openhouse, com suas políticas e preocupações voltadas à atuação prática e direta na resolução dos “problemas” e “desafios” dos “idosos LGBT”, parecem ser uma espécie de epítome do giro pragmático na gerontologia LGBT. E nessa direção, esse momento recente na literatura tem se desenvolvido a partir de duas abordagens singulares e concomitantes que merecem atenção, sendo que a primeira partiria de um modelo separado-mas-igual (separate-but-equal model) e a segunda, de um modelo junto-mas-diferente quanto ao encaminhamento da atuação frente às questões de idosos gays e lésbicas (Hunter, 200549 HUNTER, S. Midlife and older LGBT adults: knowledge and affirmative practice for the social services. New York: The Haworth Press, 2005.).

O modelo separado-mas-igual, em termos gerais, pressupõe que para garantir uma atuação apropriada em relação a idosos gays e lésbicas, os serviços para esse público precisariam ser desenvolvidos e implementados preferencial ou exclusivamente por e para os membros da comunidade lésbica e gay. E esse seria, ao menos parcialmente, o modelo levado adiante por organizações como a SAGE e a Openhouse. Modelo esse que surgiu timidamente ainda nos anos 1970 e que permanece como uma referência proeminente para se prover de serviços os “idosos LGBT” nos dias atuais (Tully, 2000 apud Hunter, 200549 HUNTER, S. Midlife and older LGBT adults: knowledge and affirmative practice for the social services. New York: The Haworth Press, 2005., p. 187-188). Por outro lado, as desvantagens que costumam ser apontadas nesse modelo incluiriam, por exemplo, a necessidade de o idoso enfocado pelos serviços estar “assumido” em relação a questões de identidade sexual.

Portanto, um dos riscos e implicações inerentes a esse modelo (e raramente apontados pelos autores da área) seria a produção do que chamo de um “imperialismo geracional” direcionado às coortes mais velhas. Isso se daria em relação à imposição de um arcabouço – mobilizado, por exemplo, pela noção de gay pride – baseado em um conjunto de referências subjetivas, identitárias e políticas assumido particularmente pela geração baby boomer. E os baby boomers, em termos gerais, tenderam a ser socializados na juventude em um clima sensivelmente menos rígido do que aquele visto como próprio de gerações mais velhas que as surgidas no pós-Segunda Guerra.34 34 O termo baby boomers se refere à geração proveniente da “explosão” de nascimentos no Pós-Guerra, mais especificamente entre 1946 e 1964, e em especial nos EUA. Assim, essa “geração” teria uma amplitude de 18 anos e apresentaria diversas heterogeneidades intrínsecas às suas coortes internas, embora seja recorrentemente retratada como homogênea (Rosenfeld; Bartlam; Smith, 2012). Em termos demográficos, Diane Macunovich (2002, p. 103) contextualiza o surgimento dos baby boomers afirmando que nos EUA em 1936 o número médio de crianças a cada 1000 mulheres era de 75,8, alcançando-se o pico de 122,7 em 1957, tendo então novamente retornado a índices mais modestos – 65,0 – em 1976. Os baby boomers são geralmente idealizados como “destinados” a deixar sua marca geracional em cada fase do curso da vida, ou seja, como se já tivessem impactado idiossincraticamente a infância, a adolescência, a juventude e a vida adulta, e se julga que impactarão, ou que já estejam impactando, as experiências de meia-idade e a velhice, conformando-as inovadoramente. Assim, nesse modelo, caso os idosos não se afirmem como “homossexuais” ou não lidem com práticas e identidades sexuais nos moldes estabelecidos a partir dos movimentos de liberação homossexual, se tornaria difícil ou mesmo inviável que eles possam ser alvo da atenção, dos serviços e cuidados prestados pelos teóricos e profissionais do modelo separado-mas-igual (Hunter, 200549 HUNTER, S. Midlife and older LGBT adults: knowledge and affirmative practice for the social services. New York: The Haworth Press, 2005.).

A segunda abordagem em jogo, a qual poderia ser intitulada de modelo junto-mas-diferente defenderia, por sua vez, a prestação de serviços adequados e de qualidade para “idosos lésbicas e gays” em instituições mais tradicionais como asilos ou casas de repouso. Assim, a proposta seria promover processos de treinamento de pessoal e de sensibilização de todo os profissionais envolvidos no cuidado de idosos em relação às temáticas da diversidade sexual e de identidades de gênero na velhice. Nesse segundo modelo, não seria tão central ou imprescindível a criação de instituições específicas ou exclusivas para a atuação com “idosos LGBT”, uma vez que as instituições tradicionais de gestão direta da velhice seriam sensibilizadas e treinadas para atuar com o referido público. Um dos pontos tomados como particularmente positivos nesse modelo é que a necessidade de “assumir” as práticas ou identidades homossexuais por parte dos idosos deixaria, ao menos em tese, de ser um problema para os cuidadores e para tais instituições como um todo (Hunter, 200549 HUNTER, S. Midlife and older LGBT adults: knowledge and affirmative practice for the social services. New York: The Haworth Press, 2005.).

Nos EUA, o segundo modelo acaba sendo desenvolvido concomitantemente ao primeiro. Isso fica explícito quando consideramos, por exemplo, que agências como a SAGE e a Openhouse, além de serem pilares da primeira abordagem, também atuam em relação à segunda. Ambas também proveem treinamento, educação e orientação para outras instituições mais tradicionais em relação às “especificidades” e “necessidades singulares” da “velhice de LGBT’s”. Por outro lado, as possíveis desvantagens apontadas como próprias desse modelo diriam respeito, entre outras coisas, ao fato de que as instituições mais tradicionais, como asilos e casas de repouso, geralmente não procurariam por tais treinamentos ou demonstrariam grande resistência em lidar com questões como diversidade sexual e de identidade de gênero entre idosos. Portanto, diversos autores que poderiam estar inclusos ao giro pragmático afirmam que os funcionários dessas instituições continuarão a assumir que os idosos são todos heterossexuais e cisgêneros e a tratá-los como tal, estando na maior parte das vezes mal preparados para lidar com “idosos LGBT” (Hunter, 2005)49 HUNTER, S. Midlife and older LGBT adults: knowledge and affirmative practice for the social services. New York: The Haworth Press, 2005..

Por fim, levando em consideração as duas abordagens é digno de nota que os serviços sociais providos por organizações e agências que apregoam o primeiro modelo – o separado-mas-igual – ou seja, defendendo a criação de instituições preferenciais ou exclusivas para “idosos LGBT”, estão tendo um crescimento e visibilidade notavelmente maior tanto nos EUA quanto no Canadá, e se mostram como a tendência dominante na atualidade (Hunter, 200549 HUNTER, S. Midlife and older LGBT adults: knowledge and affirmative practice for the social services. New York: The Haworth Press, 2005., p. 191).

Sendo assim, se o desenvolvimento da literatura analisada prestou contribuições não desprezíveis para a progressiva assunção da “velhice LGBT” (embora, é claro, não a tenha determinado35 35 Uma vez que considerá-lo assim levaria a superestimar os poderes “criativos” da literatura analisada e a subestimar a complexidade da conjuntura social mais ampla, a qual incide sobre esses processos de subjetivação e também de conformação populacional. ), é justamente nesse momento mais recente do giro pragmático na literatura – e associado de maneira estreita ao primeiro momento, aquele que frisa as perdas, déficits e a negatividade nas experiências de envelhecimento – que ocorre uma espécie de ênfase constituidora dos “velhos LGBT” nos Estados Unidos e Reino Unido e com protomovimentos semelhantes em outros países. Como uma consequência da combinação bem-sucedida do primeiro e do quarto momentos na literatura – a qual tem resultado em uma configuração proeminente no campo analisado – a influência atual da vertente gay positive da gerontologia LGBT, devido ao seu friso na positividade potencial das experiências de envelhecimento de gays e lésbicas, parece estar em certos aspectos menos em voga. Na verdade, suas contribuições estão, em grande medida, secundarizadas ou vilipendiadas quando considerados boa parte dos discursos e práticas, em que, por exemplo, se baseiam as instituições voltadas a “idosos LGBT” anteriormente citadas. Nessa perspectiva, os pesquisadores que enfatizam os déficits do envelhecimento gay combinados com a necessidade de intervenção prática sobre tais velhices, parecem estar “vencendo” a disputa quando comparados aos gerontólogos do envelhecimento gay positivo.36 36 No entanto, o fato de que a gay positive gerontology parece estar “perdendo a aposta” não pressupõe que inexista, dentro da literatura analisada, a construção de imagéticas específicas sobre um “envelhecimento LGBT bem-sucedido”.

Nesse sentido é interessante pôr em perspectiva determinadas caracterizações da gerontologia LGBT com aquelas da gerontologia social como um campo englobante. Ao contrário do que parece estar em desenvolvimento na gerontologia LGBT em termos de um friso denuncista e negativo em relação a uma certa “velhice gay desamparada”, para a gerontologia social, de maneira geral, a tendência que parece “vitoriosa” é a da valorização franca da “velhice ativa” e “positiva”. Nessa direção, é possível constatar que somente na velhice avançada, ou seja, nas facetas mais dramáticas do envelhecimento, é que surgem os problemas relativos, por exemplo, aos asilos e casas de repouso (Debert, 1999a22 DEBERT, G. G. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Edusp, 1999a.).

Assim, de certa maneira, enquanto na gerontologia LGBT parece ganhar proeminência a combinação do primeiro com o quarto momento da literatura, na gerontologia social englobante o triunfo parece ser o enfoque em um modelo mais positivo e fundado no estímulo à velhice ativa. Entretanto, é preciso ponderar que o segundo momento na gerontologia LGBT, aquele que foi chamado de gay positive gerontology, não necessariamente está “derrotado” e nem desaparece por completo, posto que continua a cumprir um papel relevante, por exemplo, na constituição de imagens de “envelhecimento LGBT bem-sucedido” e no estabelecimento de uma espécie de “boa velhice LGBT”, análise que será apresentada em outra oportunidade.

Dessa maneira, partindo do desenvolvimento das problemáticas relacionadas a sujeitos envelhecidos que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, agora muito mais legitimadas e concebidas como relevantes, é que se cria um conjunto de saberes, técnicas e práticas de gestão das velhices disparatadas,37 37 Me inspiro livremente na acepção de sexualidades disparatadas proposta por Miskolci e Simões (2007, p. 9-10). Os autores, baseando-se em diálogo com Foucault, propõem a interessante utilização da palavra disparate (que poderia significar ação ilógica, absurda, contrassenso e despautério) para as sexualidades que seguem linhas de fuga em relação às normatizações e convenções de gênero e sexualidade. Segundo os autores, “o dispositivo de sexualidade, em seu intuito de instituir a normalidade, associa dissidência e dissenso, de forma que o rompimento da norma relega o/a transgressor/a ao reino do absurdo e do despropositado, em suma, à esfera da loucura”. as quais têm sido desenvolvidas através de distintos modelos como o junto-mas-diferente e o separado-mas-igual. E não devemos nos olvidar que para que tal arcabouço de saberes e práticas de gestão seja acionado e ganhe legitimidade, é preciso que tenha ocorrido a constituição pregressa, paulatina e continuada da própria noção de “velhice LGBT”, questão que estivemos observando até aqui.

Esse momento contemporâneo do giro pragmático – é digno de nota – têm sido pródigo em atrair um grande interesse de pesquisadores, gerando um número expressivo de investigações, publicações e debates em várias partes do mundo, assim como tem chamado uma atenção crescente também nas esferas políticas na América do Norte. Isso se pode medir, entre outras questões, através de exemplos de aprovação de repasse de verbas em âmbito federal, estadual e municipal para importantes projetos temáticos direcionados a essa “população” nos Estados Unidos.38 38 Um exemplo do surgimento de suportes financeiros governamentais para projetos voltados a “velhos LGBT” – o que poderia ser, em si, um índice para averiguar o grau de disseminação da questão – é a criação, em fevereiro de 2010, do National Resource Center on LGBT Aging, a qual se deu liderada pela SAGE de Nova Iorque através de recursos liberados pelo US Department of Health and Human Services. Essa instituição, segundo informações do site da SAGE, seria o primeiro e o único centro de referência voltado a aperfeiçoar a qualidade dos serviços e apoios oferecidos a lésbicas, gays, bissexuais e/ou transgêneros idosos nos Estados Unidos (cf. http://www.sage.usa.org/programs/nrc.cfm).

Além disso, tal expansão e legitimação pode também ser sentida nos últimos anos através, por exemplo, do lançamento de vários filmes documentais abordando a questão da “velhice LGBT”. Tais filmes, em termos gerais, reivindicam a necessidade premente da mobilização da sociedade civil em prol da criação de políticas públicas, estando intimamente alinhados ao prisma gerontológico pragmático. Dentre esses documentários, alguns aclamados em festivais pelo mundo afora, podem ser elencados: Gen silent (2011)34 GEN silent. Direção: Stu Maddux. Produção: Stu Maddux. Los Angeles, 2011. Produção independente., Edie and Thea (2009)27 EDIE and Thea: a very long engagement. Direção: Susan Muskan e Gréta Olafsdóttir. Produção: Susan Muskan e Gréta Olafsdóttir. Los Angeles, 2009. Produção independente., Old age is no place for sissies (2009)74 OLD age is no place for sissies. Direção: Charlie Vaughn, Stephen Awbrey, Rainer Weinbrenner, Jackson Yan. Produção: Charlie Vaughn. Los Angeles, 2009. Produção independente. e Ten more good years (2007)93 TEN more good years. Direção: Michael Jacoby. Produção: Michael Jacoby. Los Angeles: LookOut Films, 2007.. E além de documentários, têm surgido também alguns interessantes filmes e séries televisivas comerciais de grande projeção em países de língua inglesa e que abordaram a questão da velhice de homossexuais e de pessoas trans em marcos distintos – sensivelmente mais alentadores, embora em alguns casos ainda problemáticos – daqueles que marcaram o primeiro momento da literatura. Filmes e séries recentes, por exemplo, como Beginners (2010)6 BEGINNERS. Direção: Mike Mills. Produção: Miranda de Pencier. Los Angeles: Olympus Pictures, 2010., The best exotic Marigold Hotel (2011)8 THE BEST exotic Marigold Hotel. Direção: John Maiden. Produção: Graham Brodbent. London: Blueprint Pictures, 2011., Cloudburst (2011)15 CLOUDBURST. Direção: Thom Fitzgerald. Produção: Thom Fitzgerald. Halifax: Sidney Kimmel Entertainment, 2011., Love is strange (2014)67 LOVE is strange. Direção: Ira Sachs. Produção: Steven M. Ballerini. New York: Parts & Labour, 2014. e Transparent (2014-)94 TRANSPARENT. Direção: Jill Soloway. Produção: Andrea Sperlling. Los Angeles: Amazon Studios, 2014-..

Tomando essas questões gerais que contextualizam o giro pragmático, seria possível postular que o processo gradual de assunção da “velhice LGBT” tem alcançado um patamar muito superior e tem reverberado como problemática progressivamente legitimável também em um panorama social e político internacional. É preciso ter em mente, porém, que o processo de assunção e constituição dessa velhice não se exauriu ou se finalizou e é de se supor que venha a passar por novas transformações no contexto das dinâmicas intrínsecas à literatura em questão, assim como da conjuntura social mais ampla. Além disso, o processo de sucessão geracional das coortes atualmente na meia-idade ao adentrarem a velhice pode também impingir marcas peculiares nessa conformação.

Entretanto, o que é central frisar por fim é que a partir do desenvolvimento de um complexo conjunto de fatores como saberes, discursos, alterações na imagética de representações e, principalmente, movimentos em prol da institucionalização dos modelos de gestão prática dessas velhices disparatadas, talvez se possa arriscar afirmar, não sem ambiguidades, que no contemporâneo e especialmente nos Estados Unidos os “velhos LGBT” parecem já estar, portanto, criados. Mesmo que, como afirmado anteriormente, essa constituição esteja “em processo” e pareça suscetível a eventuais ressignificações a médio prazo. E ao frisar essa “criação”, me refiro, em termos gerais, ao paulatino processo de discernimento de um segmento populacional do todo social, segmento esse que, devido às suas características e necessidades tomadas como idiossincráticas, exigiria, portanto, políticas públicas específicas. Consequentemente, para que tais políticas sejam implementadas, é necessário sobretudo demonstrar que o segmento social em questão carece de tais políticas, um feito que, convenhamos, parece vir sendo realizado de maneira relativamente eficaz na América do Norte.

Considerações finais

Considerando o desenrolar do texto até o momento, se na América do Norte é factível considerarmos que os “velhos LGBT já estão criados”, então se tornaria igualmente conveniente e produtivo nos questionarmos: afinal, que tipo de “velhice LGBT” – a partir do giro pragmático – tem sendo produzida ou defendida pela gerontologia LGBT recente? De quais maneiras tal campo gerontológico tem estipulado padrões e referências relativas a uma “boa velhice” e a “envelhecimentos bem-sucedidos” (assim como os seus extremos opostos)? Ou, em outras palavras, como têm sido gestadas as bases prescritivas para uma “boa velhice LGBT”? As análises relativas a tais questões, no entanto – devido ao que foi proposto inicialmente destrinchar, e devido às limitações de espaço próprias de um artigo – devem ser apresentadas e publicadas em outra oportunidade.

Por fim, é de suma importância pontuar que o campo brasileiro recente de investigações envolvendo envelhecimento, práticas sexuais, identidades de gênero e sexuais tem se desenvolvido com marcada expressão. Tal campo inclui importantes trabalhos, os quais enfocam, de maneiras díspares, cenários de envelhecimentos e homossexualidade masculina como, por exemplo, em Simões (2011)89 SIMÕES, J. A. Corpo e sexualidade nas experiências de envelhecimento de homens gays em São Paulo. A Terceira Idade, São Paulo, v. 22, n. 51, p. 7-19, 2011., Paiva (2009),75 PAIVA, C. Corpos/seres que não importam? Sobre homossexuais velhos. Bagoas, Natal, n. 4, p. 191-208, 2009. Henning (200840 HENNING, C. E. As diferenças na diferença: hierarquia e interseções de geração, gênero, classe, raça e corporalidade em bares e boates GLS de Florianópolis, SC. 2008. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008., 200941 HENNING, C. E. As tias e as escandalosas: relações geracionais, homoerotismo e moralidade em espaços públicos e bares e boates GLS. In: REUNIÓN DE ANTROPOLOGÍA DEL MERCOSUR, 8., 2009, Buenos Aires. Anales… Buenos Aires: RAM, 2009. p. 27-45., 201042 HENNING, C. E. Olhares para o conceito de geração: uma etnografia das homossexualidades na adolescência e na velhice na cena GLS da cidade de São Paulo. In: SEMINÁRIO NACIONAL SOCIOLOGIA E POLÍTICA, 2., 2010, Curitiba. Anais… Curitiba: UFPR, 2010. p. 2-25., 201343 HENNING, C. E. Nas tensões eróticas da gerontofobia e da gerontofilia: uma etnografia de homens que mantêm práticas sexuais homoeróticas na meia idade e velhice. In: PASSAMANI, G. (Org.). (Contra)pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual: cursos da vida e gerações. Campo Grande: Editora UFMS, 2013. p. 83-106.), Mota (2009)71 MOTA, M. P. Homossexualidade e envelhecimento: algumas reflexões no campo da experiência. SINAIS, Vitória, v. 1, n. 6, p. 26-51, dez. 2009., Neman do Nascimento (2013)73 NEMAN DO NASCIMENTO, M. “Old sertaneja song”: narrating a backcountry life story about aging process in homosexuality. Revista Temática Kairós Gerontologia, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 155-171, 2013., Pocahy (2011)79 POCAHY, F. A. Entre vapores e dublagens: dissidências homo/eróticas nas tramas do envelhecimento. 2011. Tese (Doutorado em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011., Passamani (2013)76 PASSAMANI, G. Velhice, homossexualidades e memória: notas de campo no Pantanal sul-matogrossence. In: PASSAMANI, G. (Org.). (Contra)pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual: cursos da vida e gerações. Campo Grande: Editora UFMS, 2013. p. 121-138., Saggese (2013)86 SAGGESE, G. S. R. Homossexualidade masculina, mudança social e geração: observações de um campo em curso. In: PASSAMANI, G. (Org.). (Contra)pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual: cursos da vida e gerações. Campo Grande: Editora UFMS, 2013. p. 107-120., Duarte (2013)24 DUARTE, G. de O. O ‘Bloco das Irenes’: articulações entre amizade, homossexualidade(s), e o processo de envelhecimento. 2013. Tese (Doutorado em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013., Kerry dos Santos (2012)52 KERRY DOS SANTOS, D. Modos de vida e processos de subjetivação na experiência de envelhecimento entre homens homossexuais na cidade de Florianópolis/SC. 2012. Dissertação (Mestrado em Psicologia)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012..

Além disso, podem ser incluídas também relevantes investigações concernentes à homossexualidade feminina e envelhecimentos no Brasil, como por exemplo em Lima (2006)64 LIMA, T. G. Tornar-se velho: o olhar da mulher homossexual. 2006. Dissertação (Mestrado em Gerontologia)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006., Moraes (2010)70 MORAES, A. Envelhecimento, trajetórias e homossexualidade feminina. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 16, n. 34, p. 213-233, jul./dez. 2010. e Lacombe (2010)59 LACOMBE, A. Ler[se] nas entrelinhas: sociabilidades e subjetividades entendidas, lésbicas e afins. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. e, por fim, envelhecimentos de travestis, como em Siqueira (200490 SIQUEIRA, M. S. Sou senhora: um estudo antropológico sobre travestis na velhice. 2004. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004., 200991 SIQUEIRA, M. S. Arrasando horrores!: uma etnografia das memórias, formas de sociabilidade e itinerários urbanos de travestis das antigas. 2009. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.), Antunes (2010)3 ANTUNES, P. P. S. Travestis envelhecem?. 2010. Dissertação (Mestrado em Gerontologia)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010., entre outros(as) autores(as). É digno de nota que esse campo tem demonstrado um potencial de crescer exponencialmente nos próximos anos, haja vista o grande interesse que vem suscitando em congressos e eventos acadêmicos no Brasil e no restante da América do Sul.

No entanto, devido a critérios de exequibilidade, procurei me ater aqui a uma revisão do referido campo gerontológico anglófono, empreitada que, diga-se de passagem, até o momento em que redigi a primeira versão deste texto (e até onde pude saber), ainda não havia sido feita nesses termos mesmo na América do Norte. Dessa maneira, espero que este artigo tenha elucidado as problemáticas e características centrais do campo em questão de modo a contribuir para o prosseguimento renovado do interesse de novos(as) pesquisadores(as) interessados(as) pela inter-relação entre envelhecimento, velhice, sexualidade, identidades de gênero e a criação de políticas públicas.

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  • 38
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  • 41
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  • 43
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  • 51
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  • 52
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  • 62
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  • 63
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  • 64
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  • 73
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  • 74
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  • 75
    PAIVA, C. Corpos/seres que não importam? Sobre homossexuais velhos. Bagoas, Natal, n. 4, p. 191-208, 2009.
  • 76
    PASSAMANI, G. Velhice, homossexualidades e memória: notas de campo no Pantanal sul-matogrossence. In: PASSAMANI, G. (Org.). (Contra)pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual: cursos da vida e gerações. Campo Grande: Editora UFMS, 2013. p. 121-138.
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  • 79
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  • 80
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  • 81
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  • 82
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  • 83
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  • 85
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  • 86
    SAGGESE, G. S. R. Homossexualidade masculina, mudança social e geração: observações de um campo em curso. In: PASSAMANI, G. (Org.). (Contra)pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual: cursos da vida e gerações. Campo Grande: Editora UFMS, 2013. p. 107-120.
  • 87
    SIMÕES, J. A. Entre o lobby e as ruas: movimento de aposentados e politização da aposentadoria. 2000. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.
  • 88
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  • 89
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  • 90
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  • 91
    SIQUEIRA, M. S. Arrasando horrores!: uma etnografia das memórias, formas de sociabilidade e itinerários urbanos de travestis das antigas. 2009. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
  • 92
    THE STAIRCASE. Direção: Stanley Donen. Produção: Stanley Donen. London: Twentieth Century Fox, 1969.
  • 93
    TEN more good years. Direção: Michael Jacoby. Produção: Michael Jacoby. Los Angeles: LookOut Films, 2007.
  • 94
    TRANSPARENT. Direção: Jill Soloway. Produção: Andrea Sperlling. Los Angeles: Amazon Studios, 2014-.
  • 95
    VICTIM. Direção: Basil Dearden. Produção: Michael Relph. London: Allied Film Makers, 1961.
  • 96
    WEEKS, J. Os problemas dos homossexuais mais velhos. In: HART, J.; RICHARDSON, D. Teoria e prática da homossexualidade Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p. 236-246.
  • 97
    WEINBERG, M. S. The ageing male homosexual. Medical Aspects of Sexuality, v. 3, n. 12, p. 66-72, 1969.
  • 98
    WEINBERG, M. S.; WILLIAMS, C. Male homosexuals New York: Oxford University Press, 1974.
  • 99
    WEINSTOCK, J. S. Lesbian friendships at and beyond midlife: patterns and possibilities for the 21st Century. In: HERDT, G.; DE VRIES, B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer, 2004. p. 177-210.
  • 100
    WHO’S AFRAID of Virginia Woolf. Direção: Mike Nichols. Produção: Ernest Lehman. Los Angeles: Warner Brothers, 1966.
  • 1
    Tendo em mente que os objetivos gerais deste trabalho, como dito, se centram em um levantamento e diálogo com uma parte significativa da produção gerontológica LGBT norte-americana, não me furto, no entanto, de pontuar que minha investigação mais ampla desenvolveu diálogos frutíferos com pesquisas nacionais que examinam, de distintas maneiras, os processos de assunção de sujeitos envelhecidos no contemporâneo. Tais pesquisas – em especial as que se voltavam à análise do entrelaçamento de envelhecimento e relações de gênero – foram centrais para as análises que aqui procuro apresentar e incluem as de Debert (1999a22 DEBERT, G. G. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Edusp, 1999a., 1999b23 DEBERT, G. G. Velhice e o curso da vida pós-moderno. Revista USP, São Paulo, n. 42, p. 70-83, 1999b.), Peixoto (1998)78 PEIXOTO, C. Entre o estigma e a compaixão e os termos classificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade… In: LINS DE BARROS, M. M. (Org.). Velhice ou terceira idade: estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 69-84., Lins de Barros (1998)65 LINS DE BARROS, M. M. Testemunho de vida: um estudo antropológico de mulheres na velhice. In: LINS DE BARROS, M. M. (Org.). Velhice ou terceira idade: estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 113-168., Britto da Motta (1998)11 BRITTO DA MOTTA, A. Chegando pra idade. In: LINS DE BARROS, M. M. (Org.). Velhice ou terceira idade: estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 223-235., Simões (2000)87 SIMÕES, J. A. Entre o lobby e as ruas: movimento de aposentados e politização da aposentadoria. 2000. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000., Lopes (2000)66 LOPES, A. Os desafios da gerontologia no Brasil. Campinas: Alínea, 2000., Rifiotis (1998)82 RIFIOTIS, T. O ciclo vital completado: a dinâmica dos sistemas etários em sociedades negro-africanas. In: LINS DE BARROS, M. M. (Org.). Velhice ou terceira idade: estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 85-112., Eckert (1998)26 ECKERT, C. A vida em outro ritmo. In: LINS DE BARROS, M. M. (Org.). Velhice ou terceira idade: estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 169-206., Motta (1998)72 MOTTA, F. de M. Velha é a vovozinha: identidade feminina na velhice. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1998. e Brigeiro (2002)10 BRIGEIRO, M. Envelhecimento bem-sucedido e sexualidade: relativizando uma problemática. In: BARBOSA, R. et al. (Org.). Interfaces: gênero, sexualidade e saúde reprodutiva. Campinas: Editora da Unicamp, 2002. p. 171-206., entre outras. Ademais, outras referências nacionais importantes que fundamentam minhas reflexões – e que infelizmente não poderão ser revistas explicitamente ao longo deste artigo – são aquelas que enfocam, de maneiras díspares, cenários de envelhecimentos e homossexualidade masculina como, por exemplo, em Simões (2011)89 SIMÕES, J. A. Corpo e sexualidade nas experiências de envelhecimento de homens gays em São Paulo. A Terceira Idade, São Paulo, v. 22, n. 51, p. 7-19, 2011., Paiva (2009)75 PAIVA, C. Corpos/seres que não importam? Sobre homossexuais velhos. Bagoas, Natal, n. 4, p. 191-208, 2009., Mota (2009)71 MOTA, M. P. Homossexualidade e envelhecimento: algumas reflexões no campo da experiência. SINAIS, Vitória, v. 1, n. 6, p. 26-51, dez. 2009., Neman do Nascimento (2013)73 NEMAN DO NASCIMENTO, M. “Old sertaneja song”: narrating a backcountry life story about aging process in homosexuality. Revista Temática Kairós Gerontologia, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 155-171, 2013., Pocahy (2011)79 POCAHY, F. A. Entre vapores e dublagens: dissidências homo/eróticas nas tramas do envelhecimento. 2011. Tese (Doutorado em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011., Passamani (2013)76 PASSAMANI, G. Velhice, homossexualidades e memória: notas de campo no Pantanal sul-matogrossence. In: PASSAMANI, G. (Org.). (Contra)pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual: cursos da vida e gerações. Campo Grande: Editora UFMS, 2013. p. 121-138., Saggese (2013)86 SAGGESE, G. S. R. Homossexualidade masculina, mudança social e geração: observações de um campo em curso. In: PASSAMANI, G. (Org.). (Contra)pontos: ensaios de gênero, sexualidade e diversidade sexual: cursos da vida e gerações. Campo Grande: Editora UFMS, 2013. p. 107-120., Duarte (2013)24 DUARTE, G. de O. O ‘Bloco das Irenes’: articulações entre amizade, homossexualidade(s), e o processo de envelhecimento. 2013. Tese (Doutorado em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. e Kerry dos Santos (2012)52 KERRY DOS SANTOS, D. Modos de vida e processos de subjetivação na experiência de envelhecimento entre homens homossexuais na cidade de Florianópolis/SC. 2012. Dissertação (Mestrado em Psicologia)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.. Incluídas também relevantes investigações concernentes à homossexualidade feminina e envelhecimentos como em Lima (2006)64 LIMA, T. G. Tornar-se velho: o olhar da mulher homossexual. 2006. Dissertação (Mestrado em Gerontologia)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006., Moraes (2010)70 MORAES, A. Envelhecimento, trajetórias e homossexualidade feminina. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 16, n. 34, p. 213-233, jul./dez. 2010. e Lacombe (2010)59 LACOMBE, A. Ler[se] nas entrelinhas: sociabilidades e subjetividades entendidas, lésbicas e afins. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. e, por fim, envelhecimentos de travestis, como em Siqueira (200490 SIQUEIRA, M. S. Sou senhora: um estudo antropológico sobre travestis na velhice. 2004. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004., 200991 SIQUEIRA, M. S. Arrasando horrores!: uma etnografia das memórias, formas de sociabilidade e itinerários urbanos de travestis das antigas. 2009. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.) e Antunes (2010)3 ANTUNES, P. P. S. Travestis envelhecem?. 2010. Dissertação (Mestrado em Gerontologia)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010., entre outros(as) autores(as).
  • 2
    Opto por trabalhar com a categoria homoerotismo (ao invés de homossexualidade ou da já extremamente criticada “homossexualismo”) por considerá-la uma categoria mais ampla para abarcar as múltiplas manifestações e facetas das relações e práticas eróticas, afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo sem correr tantos riscos de essencialismos. E, nessa direção, me utilizarei no decorrer do texto também da expressão “práticas sexuais homoeróticas” para me referir às práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, especialmente no diálogo com diversos autores do campo, em alguns momentos utilizarei “homossexualidade” quando estiver me referindo a questões de identidade homossexual entre meus interlocutores.
  • 3
    Em termos gerais, “cisgênero” pode ser compreendido como um termo que diz respeito à adequação e coerência heteronormativas entre uma identidade de gênero particular e o sexo assignado ao nascimento. Por exemplo, nascer com o que se compreende socialmente como uma genitália masculina e compreender-se como tendo uma identidade de gênero masculina. O termo tem sido utilizado como uma contraposição normativa e relacional às identidades “trans” (transgêneros, transexuais…), ou seja, aquelas identidades de gênero que desafiariam, de distintos modos, as convenções dominantes da inteligibilidade de gênero em uma “matriz heterossexual” da qual fala Judith Butler (2003)14 BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.. Ademais, é importante frisar que tanto “cisgênero” quanto “transgênero” não necessariamente pressuporiam uma associação compulsória com identidades sexuais como, por exemplo, heterossexual ou homossexual.
  • 4
    A “pegação virtual” poderia ser compreendida, em termos básicos, como as interações homoeróticas propiciadas por sites, redes sociais e aplicativos para smartphones.
  • 5
    Como este artigo se propõe a ser um levantamento e revisão críticos, boa parte de minhas análises propriamente etnográficas – devido ao espaço estipulado e aos propósitos do texto – ficarão em segundo plano, embora possam ser acessadas em minha tese (Henning, 201444 HENNING, C. E. Paizões, tiozões, tias e cacuras: envelhecimento, meia idade, velhice e homoerotismo masculino na cidade de São Paulo. 2014. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.) e em publicações vindouras. Até o momento em que comecei a redigir este texto não havia – considerando o que meu levantamento me permitiu acessar – uma revisão sistemática com esse escopo incluindo a produção recente do campo da “gerontologia LGBT” como a que apresento aqui. E isso mesmo quando consideradas publicações em língua inglesa.
  • 6
    O levantamento que aqui apresento é um dos resultados do meu período de estágio de doutorado-sanduíche como visiting scholar no Latin American and Latino Studies Department da University of California Santa Cruz entre os anos de 2011 e 2012. E, portanto, gostaria de agradecer particularmente à Marcia Ochoa por ter auxiliado de maneira decisiva para que eu pudesse vir a me inserir em diversos âmbitos acadêmicos da referida instituição e, assim, realizar essa revisão. Além disso, o levantamento teórico da “gerontologia LGBT”, o qual me proponho a apresentar, procura promover um esmiuçamento e um prosseguimento de algumas das questões esquematizadas anteriormente no trabalho seminal de Julio Simões (88 SIMÕES, J. A. Homossexualidade masculina e curso da vida: pensando idades e identidades sexuais. In: PISCITELLI, A.; GREGORI, M. F.; CARRARA, S. (Org.). Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p. 415-447.2004), “Homossexualidade masculina e o curso da vida: pensando idades e identidades sexuais”, trabalho esse que abriu portas e foi de grande valia para as bases fundamentais de referência em meu trabalho. Este artigo, ademais, procura também discorrer e problematizar criticamente algumas questões, debates e dinâmicas importantes nesse campo e que têm se desenvolvido especialmente nos últimos 15 anos.
  • 7
    Essas considerações são relativas especialmente, como afirmado, ao campo em língua inglesa da referida literatura. Entretanto, não presumo que toda e qualquer questão surgida nesse campo de produção discursiva seja representativa ou ocorra à semelhança de outros contextos culturais estranhos, por exemplo, aos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Canadá. De todo modo, a intenção é lançar luz sobre algumas questões que podem ou não se refletir ou incidir peculiarmente também em outros contextos de investigação.
  • 8
    Invisto, portanto, na experimentação de uma antropologia da gerontologia – nesse caso, de uma subárea da gerontologia – e no friso de atentar para o desenvolvimento de um olhar antropológico para determinados aspectos dessa produção teórica. A ideia de desenvolver uma “antropologia da gerontologia”, aliás, me foi sugerida pela antropóloga estadunidense Gayle Rubin através de uma comunicação pessoal durante uma de suas conferências de divulgação do livro Deviations: a Gayle Rubin reader (Rubin, 201184 RUBIN, G. Deviations: a Gayle Rubin reader. Durham: Duke University Press, 2011.) no ano de 2012. Tal contato ocorreu durante meu doutorado-sanduíche e procurei refletir e discorrer sobre sua sugestão. O que se vê neste artigo, portanto, é um esforço para desenvolvê-la, empreendimento que pretendo aprofundar e sofisticar em um momento propício posterior.
  • 9
    Essa última denominação se dá a partir da proposição de distintos diálogos críticos entre a gerontologia e os estudos queer, e reivindicando abordagens que promovam um processo de queering of ageing (Hughes, 200648 HUGHES, M. Queer ageing. Gay and Lesbian Issues and Psychology Review, Melbourne, v. 2, n. 2, p. 54-59, 2006.) e queering gerontology (Pugh, 200280 PUGH, S. The forgotten. A community without a generation – older lesbians and gay men. In: RICHARDSON, D.; SEIDMAN, S. (Ed.). Handbook of lesbian and gay studies. London: Sage, 2002. p. 161-181.), ou uma “queerização do envelhecimento”. Tais propostas se realizam em especial frente à crítica ao que chamarei mais adiante de “imperativo identitário”, o qual incide na literatura.
  • 10
    A Revolta de Stonewall ocorreu no mês de junho de 1969 e se materializou numa sequência de dias de conflitos em resposta à perseguição e violência policial corriqueiras nos bares gays na cidade de Nova Iorque. E embora Stonewall tenha se tornado um inequívoco e poderoso símbolo de lutas transnacionais para os movimentos gays liberacionistas, existiram movimentos e organizações estadunidenses congêneres e anteriores, os quais não deveriam ser obliterados. Sejam estes os movimentos homófilos nos anos 1950 e início dos 1960 ou o processo de germinação de movimentos sociais que viriam a fomentar os desdobramentos de 1969 em diante.
  • 11
    É no mínimo curioso que embora tais movimentos e o debate sobre envelhecimento de homossexuais sejam, por assim dizer, irmãos gêmeos bivitelinos, até hoje um processo de politização dos envelhecimentos e velhices de homossexuais, bissexuais e transgêneros ou uma incorporação da questão pelos movimentos LGBT pouco tenha se desenvolvido em todo o mundo, e pode-se dizer que tenha avançado com parcimônia inclusive nos EUA.
  • 12
    Aqui é preciso citar uma importante exceção nacional: as pesquisas no contexto brasileiro de Mônica Siqueira (200490 SIQUEIRA, M. S. Sou senhora: um estudo antropológico sobre travestis na velhice. 2004. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004., 200991 SIQUEIRA, M. S. Arrasando horrores!: uma etnografia das memórias, formas de sociabilidade e itinerários urbanos de travestis das antigas. 2009. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.), que produziu importantes e pioneiras etnografias sobre envelhecimento e velhice entre travestis no Rio de Janeiro (Siqueira, 200490 SIQUEIRA, M. S. Sou senhora: um estudo antropológico sobre travestis na velhice. 2004. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.), assim como abordou as suas formas de apropriação do espaço urbano (Siqueira, 200991 SIQUEIRA, M. S. Arrasando horrores!: uma etnografia das memórias, formas de sociabilidade e itinerários urbanos de travestis das antigas. 2009. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.), as quais resultaram respectivamente em sua dissertação e tese. Além desta, há também o importante trabalho de Pedro Paulo Sanmarco Antunes (2010)3 ANTUNES, P. P. S. Travestis envelhecem?. 2010. Dissertação (Mestrado em Gerontologia)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.. Outra pesquisadora importante na área, Larissa Pelúcio (2009)77 PELÚCIO, L. Abjeção e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de Aids. São Paulo: Annablume, 2009., no livro originado de sua tese, cita de maneira interessante em diversos momentos as travestis mais velhas em seu campo e as relações intergeracionais com as mais jovens (que poderiam ser denominadas por “ninfetinhas”), embora a questão do envelhecimento não tenha tomado o centro de sua análise.
  • 13
    É necessário atentar para a própria conceituação de “comunidade” que atravessa historicamente a literatura gerontológica analisada (assim como o próprio campo de estudos de gênero, sexualidade e homoerotismo), a qual tende a ser tomada muitas vezes sem problematização, e tendo seus sentidos tidos como dados. Por vezes os autores dessa literatura tomam “comunidade homossexual” ou “comunidade LGBT” como sendo resumida aos âmbitos públicos e mais notórios, como os bares e boates. Outras vezes tal definição é expandida com a adição de agrupamentos de ativismo politico, organizações não governamentais e instituições voltadas à atuação com “populações LGBT”, sendo que, em outros casos, são incluídas também as redes pessoais de apoio social, de amizade, familiares, conjugais, vizinhança, etc. É relativamente comum que os autores se refiram apenas a uma ou a todas essas possibilidades ao mesmo tempo, embora o mais recorrente seja o uso do termo como se fosse autoexplicativo, sem aprofundamentos.
  • 14
    Sendo assim, esses estudos estão longe de fornecer um retrato homogeneizador de homossexuais idosos nos Estados Unidos (Simões, 200488 SIMÕES, J. A. Homossexualidade masculina e curso da vida: pensando idades e identidades sexuais. In: PISCITELLI, A.; GREGORI, M. F.; CARRARA, S. (Org.). Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p. 415-447.).
  • 15
    O sociólogo britânico Jeffrey Weeks (1983)96 WEEKS, J. Os problemas dos homossexuais mais velhos. In: HART, J.; RICHARDSON, D. Teoria e prática da homossexualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p. 236-246., por sua vez, indo ao encontro dessas postulações, sugere que “o problema básico não é tanto a natureza da homossexualidade ou da subcultura gay, que, afinal de contas, foram historicamente formadas; as dificuldades das pessoas gay mais velhas decorrem do clima hostil em que elas provavelmente terão tomado consciência de sua sexualidade. O envelhecimento, como resultado, tende a trazer uma nova modulação da força do estigma, e não uma mudança fundamental das circunstâncias” (Weeks, 198396 WEEKS, J. Os problemas dos homossexuais mais velhos. In: HART, J.; RICHARDSON, D. Teoria e prática da homossexualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p. 236-246., p. 241).
  • 16
    Embora alguns autores, por exemplo, tendam a frisar as diferenças nas experiências de envelhecimentos entre indivíduos que se associam identitariamente às categorias inclusas na sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), muitos autores se utilizam do termo “populações LGBT” sem maiores aprofundamentos ou esclarecimentos de quais seriam as questões, características ou facetas socialmente aglutinadoras que garantiriam a ideia homogeneizadora de uma “população LGBT envelhecida”. Nos momentos em que eventualmente tal expressão aparecer no corpo do texto ela indicará uma referência ao seu uso na literatura mais do que uma concordância de minha parte com os pressupostos subjacentes à postulação da existência de tais “populações”. Como se verá no desenvolvimento do argumento, a assunção de tais sujeitos é igualmente imprescindível para a estruturação atual do pujante campo gerontológico estadunidense de gestão direta da “velhice LGBT”.
  • 17
    Tomo a biopolítica aqui em sua acepção foucaultiana, como uma forma social surgida a partir do século XVIII que procurou racionalizar as problemáticas encaradas pela prática governamental acerca de fenômenos específicos do conjunto de seres humanos tomados como uma população, englobando questões de saúde, higiene, taxas de natalidade, longevidade, raça, etc. Como afirma Foucault (198828 FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988., p. 131, grifo do autor), a biopolítica da população “centrou-se no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevidade, com todas as condições que podem fazê-los variar; tais processos são assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores”. Uma das principais ocupações dessa nova forma de poder se volta para a administração da velhice e das doenças que incapacitam para o mercado de trabalho, e portanto, abrindo espaço para as experiências posteriores de seguridade social e aposentadorias, surgidas, é claro, não sem a presença marcante de lutas sociais e reivindicações políticas. Sobre o movimento de aposentados no Brasil consultar a tese de Simões (2000)87 SIMÕES, J. A. Entre o lobby e as ruas: movimento de aposentados e politização da aposentadoria. 2000. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000..
  • 18
    Tive conhecimento dos filmes The staircase e The boys in the band a partir de citações presentes no livro Queer temporalities in gay male representation. Tragedy, normativity, and futurity de Dustin Goltz (2010)36 GOLTZ, D. Queer temporalities in gay male representation: tragedy, normativity, and futurity. New York: Routledge, 2010.. Provavelmente existem outros filmes do período, ou até mesmo anteriores, que podem também trazer elementos interessantes para pensar a inter-relação entre homossexualidade masculina, envelhecimento e construções de horizontes de futuro.
  • 19
    Sobre homens homossexuais sendo considerados cuidadores informais de seus pais ou parentes mais velhos, consultar o sétimo capítulo de minha tese (Henning, 201444 HENNING, C. E. Paizões, tiozões, tias e cacuras: envelhecimento, meia idade, velhice e homoerotismo masculino na cidade de São Paulo. 2014. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.).
  • 20
    Me mantenho na abordagem desses dois filmes para apontar o primeiro momento na literatura, embora existam outros que poderiam ser citados aqui, inclusive anteriores, que tratavam de questões relativas à homossexualidade e consideradas “tabu” para a época, como, por exemplo, o filme inglês Victim (1961)95 VICTIM. Direção: Basil Dearden. Produção: Michael Relph. London: Allied Film Makers, 1961. com Dirk Bogarde, no qual se mostra um contexto de chantagem no Reino Unido envolvendo o segredo sobre as práticas homoeróticas de um proeminente advogado “acima de qualquer suspeita”. Embora Bogarde – que interpretava o protagonista chantageado – nessa época estivesse com 40 anos, o tema do envelhecimento relacionado à práticas homoeróticas não foi centralmente abordado pelo filme.
  • 21
    O filme Who’s afraid of Virginia Woolf foi baseado na peça homônima de Edward Albee, dirigido por Mike Nichols e estrelado por (também) Richard Burton e Elizabeth Taylor em 1966. O filme foi um tremendo sucesso de crítica e ganhador de cinco prêmios Oscar, sendo o de melhor atriz para Elizabeth Taylor.
  • 22
    Tradução livre e aproximada de: “Nobody loves you when you’re old and gay – not even yourself!”
  • 23
    No sexto capítulo de minha tese (Henning, 201444 HENNING, C. E. Paizões, tiozões, tias e cacuras: envelhecimento, meia idade, velhice e homoerotismo masculino na cidade de São Paulo. 2014. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.), procuro explorar com maior atenção a ideia de “futuridade”, especialmente no diálogo com alguns autores da teoria queer que nos últimos anos têm se interessado em debater as noções de “temporalidades queer”, “queer time” e a ideia mesmo de “futuro”. Naquele capítulo, portanto, desenvolvo uma análise sobre os horizontes de futuro que eram acionados segundo os relatos de meus interlocutores.
  • 24
    Entretanto, na análise de possíveis motivações para que os homens homossexuais fossem constantemente retratados como infelizes, solitários, deprimidos, com baixa autoestima, isolados dos aspectos mais excitantes da vida homossexual, Weinberg e Williams (197498 WEINBERG, M. S.; WILLIAMS, C. Male homosexuals. New York: Oxford University Press, 1974., p. 311-312) já sugerem olhares para outras perspectivas, ao porem em relevo um estudo que aponta entre homens homossexuais mais velhos níveis de bem-estar e de satisfação com a vida e o trabalho mais altos que os de homens heterossexuais de mesma idade. Tais autores, então, dizem que as questões de adaptação à passagem dos anos em sua relação com o bem-estar psicológico não seriam experiências únicas dos homossexuais, fazendo parte do processo de envelhecimento em geral.
  • 25
    Em geral a maestria no estigma sugere que os homossexuais precisam lidar com o manejamento do desvio social e da discriminação desde muito cedo, e aprender a exercer de maneira competente uma lida cotidiana com complexas economias do estigma, muitas vezes manobrando a identidade de maneiras intercambiáveis para cada esfera do social (família, trabalho, amigos, vizinhança, etc.). Tais experiências, conhecimentos e habilidades treinados e desenvolvidos desde cedo, segundo essa hipótese, tornariam os indivíduos associados a identidades homossexuais mais aptos para lidar com outras formas de discriminações, como ao encarar, por exemplo, uma ordem de estigma e preconceito como a relacionada ao envelhecimento e velhice (Berger, 19967 BERGER, R. Gay and gray: the older homosexual man. 2nd ed. New York: Harrington Park Press, 1996.). Já a competência em crises parte da premissa da existência de peculiaridades no curso da vida para pessoas que se identificam como homossexuais, as quais seriam originadas primeiramente da tensão latente presente na possibilidade da revelação da identidade homossexual para membros das redes sociais imediatas. Segundo o sociólogo estadunidense Raymond Berger (19967 BERGER, R. Gay and gray: the older homosexual man. 2nd ed. New York: Harrington Park Press, 1996., p. 4), além disso, os homens gays passariam pelos momentos de transição na vida de maneira mais complexa e sem os apoios que homens heterossexuais possuiriam, por exemplo, ao saírem da casa dos pais e formarem uma nova família, tendo a esposa como principal apoiadora. Em muitos casos, os homens gays desde cedo precisariam contar centralmente consigo e com a rede imediata de amigos para resolver os problemas encontrados na vida, questões que seriam como uma “prova de fogo” que os prepararia para resolver conflitos e problemas ulteriores de maneira menos desavisada, especialmente na velhice. Dessa forma, a conjuntura representada na ideia de “competência em crises” prepararia a esses indivíduos para lidar com outras crises que venham a surgir no restante do curso da vida, como a “crise da meia-idade”, as crises no trabalho, crises de “perda de papéis sociais” na velhice, entre outras. Tais experiências, portanto, os tornariam supostamente mais maleáveis, adaptáveis e preparados para atuar e solucionar tais momentos de crise quando comparados a indivíduos heterossexuais. Assim, segundo a ideia de competência em crises, a “saída do armário” (coming out) pode ter sido um processo de tal monta difícil, traumático e doloroso que ter respondido de maneira bem-sucedida a ele auxiliaria a responder a outros momentos críticos (Pugh, 200280 PUGH, S. The forgotten. A community without a generation – older lesbians and gay men. In: RICHARDSON, D.; SEIDMAN, S. (Ed.). Handbook of lesbian and gay studies. London: Sage, 2002. p. 161-181., p. 168). Ambas as hipóteses foram exaustivamente debatidas, defendidas, criticadas e refutadas nas décadas que se seguiram, especialmente no que diz respeito ao risco de se negar ou apagar experiências sociais, por exemplo, de indivíduos homossexuais que se aproximariam de certos estereótipos negativos da “velhice gay”. Entretanto, as proposições analíticas, teóricas e hipotéticas da gay positive gerontology foram acusadas sobretudo de obstruir e inviabilizar a construção de políticas públicas específicas para os eventuais desafios enfrentados por “velhos LGBT”.
  • 26
    Um dos principais e mais agudos críticos dos teóricos da gay positive gerontology foi o gerontólogo e sociólogo canadense John Alan Lee (198761 LEE, J. A. What can homosexual aging studies contribute to theories of aging? Journal of Homosexuality, New York, v. 13, n. 4, p. 43-71, 1987., 198962 LEE, J. A. Invisible men: Canada’s aging homosexuals. Can they be assimilated into Canada’s ‘liberated’ gays communities? Canadian Journal on Aging, Maple, v. 8, n. 1, p. 79-97, 1989., 199163 LEE, J. A. Gay midlife and maturity. New York: Harrington Park Press, 1991.). As diferenças entre Lee e Berger serão vislumbradas mais adiante.
  • 27
    Tais pluralidades se baseiam na recomendação crescente na literatura – embora raramente levada a cabo – da necessidade de se atentar para as diferenças como gênero, “raça”, etnia, distintos coortes, classe social, nacionalidade, localização residencial (moradores de áreas urbanas, rurais, periféricas…), nível de formação educacional, status marital, histórico prévio de relacionamentos heterossexuais, existência de filhos provindos dessas relações, revelação pública ou não de identidades sexuais (coming out), o momento em que tal revelação ocorre, a presença ou não de formações tradicionais e/ou inovadoras de família (famílias de origem, famílias de escolha, etc.).
  • 28
    No caso canadense, segundo Brotman et al. (2007)13 BROTMAN, S. et al. Coming out to care: caregivers of gay and lesbian seniors in Canada. The Gerontologist, Cary, v. 47, n. 4, p. 490-503, 2007., existiriam ao menos duas organizações que lidariam também com questões de “envelhecimento e velhice LGBT”: o 519 Community Centre em Toronto, e o The Centre em Vancouver.
  • 29
    No Reino Unido houve, por exemplo, a iniciativa da Polari, organização em defesa dos interesses e necessidades de velhos gays e lésbicas atuante a partir de 1993. Essa organização, que encerrou suas atividades em 2009, incluiria a posteriori a defesa de bissexuais e transgêneros idosos. A propósito, a expressão “polari” se refere a uma forma de linguagem ou gíria comum até ao menos a década de 1970 e associada às “subculturas gays” no Reino Unido. Para mais informações sobre organizações ou grupos no Reino Unido com atuação voltada a “idosos LGBT”, consultar: http://www.ageofdiversity.org.uk/older-lgbt-groups.
  • 30
    De acordo com a jurista Nancy Knauer (200957 KNAUER, N. LGBT elder law: toward equity in aging. Harvard Journal of Law and Gender, Cambridge, v. 32, p. 300-358, 2009., p. 303), a qual escreveu um livro recente sobre os direitos dos “idosos LGBT” nos EUA, entre os riscos e desafios singulares enfrentados por tais idosos no contemporâneo – e a partir dos quais se fundaria uma atuação sistemática desse campo gerontológico para sanar desigualdades – estariam: isolamento, pobreza, preconceito pelo avanço da idade, em alguns casos maior exposição ao racismo e a discriminação de gênero, ausência de apoios familiares tradicionais na velhice, ausência de reconhecimento de famílias formadas por pessoas de mesmo sexo (incluídas aí as “famílias de escolha”), acesso restrito ou inadequado aos serviços de saúde, dificuldades na manutenção ou no acesso a moradias a preços baixos, e falta de serviços e instituições sensibilizados e empáticos em relação ao cuidado dos “velhos LGBT”.
  • 31
    Informações acessadas no site da organização (cf. http://www.sageusa.org).
  • 32
    Mais informações sobre o projeto, denominado “55 Laguna St.”, podem ser acessadas através do site da instituição (cf. http://openhouse-sf.org/8-16-12-press-release/).
  • 33
    Foi nessa organização que fui voluntário por sete meses durante meu estágio de doutorado-sanduíche, em um programa chamado “Friendly Visitors”, no qual fui treinado para visitar quinzenalmente a um homem sexagenário que se considerava homossexual. Essa foi uma experiência bastante influente para algumas de minhas reflexões. É importante ressaltar também que no início de 2012, a prefeitura de São Francisco sinalizou a liberação de boa parte da verba necessária para a realização do projeto “55 Laguna St.” de construção de residências para “idosos LGBT”. Nessa direção, algumas das metrópoles estadunidenses têm criado programas e iniciativas semelhantes, o que parece indicar uma expansão da ideia (e uma maior aceitação) do “problema” da “velhice LGBT”.
  • 34
    O termo baby boomers se refere à geração proveniente da “explosão” de nascimentos no Pós-Guerra, mais especificamente entre 1946 e 1964, e em especial nos EUA. Assim, essa “geração” teria uma amplitude de 18 anos e apresentaria diversas heterogeneidades intrínsecas às suas coortes internas, embora seja recorrentemente retratada como homogênea (Rosenfeld; Bartlam; Smith, 201283 ROSENFELD, D.; BARTLAM, B.; SMITH, R. Out of the closet and into the trenches: gay male baby boomers, aging, and HIV/AIDS. The Gerontologist, Cary, v. 52, n. 2, p. 255-264, 2012.). Em termos demográficos, Diane Macunovich (200268 MACUNOVICH, D. Baby boomers. In: EKERDT, D. (Ed.). Encyclopedia of aging. New York: Macmillan Reference, 2002. p. 103-109., p. 103) contextualiza o surgimento dos baby boomers afirmando que nos EUA em 1936 o número médio de crianças a cada 1000 mulheres era de 75,8, alcançando-se o pico de 122,7 em 1957, tendo então novamente retornado a índices mais modestos – 65,0 – em 1976. Os baby boomers são geralmente idealizados como “destinados” a deixar sua marca geracional em cada fase do curso da vida, ou seja, como se já tivessem impactado idiossincraticamente a infância, a adolescência, a juventude e a vida adulta, e se julga que impactarão, ou que já estejam impactando, as experiências de meia-idade e a velhice, conformando-as inovadoramente.
  • 35
    Uma vez que considerá-lo assim levaria a superestimar os poderes “criativos” da literatura analisada e a subestimar a complexidade da conjuntura social mais ampla, a qual incide sobre esses processos de subjetivação e também de conformação populacional.
  • 36
    No entanto, o fato de que a gay positive gerontology parece estar “perdendo a aposta” não pressupõe que inexista, dentro da literatura analisada, a construção de imagéticas específicas sobre um “envelhecimento LGBT bem-sucedido”.
  • 37
    Me inspiro livremente na acepção de sexualidades disparatadas proposta por Miskolci e Simões (200769 MISKOLCI, R.; SIMÕES, J. A. Apresentação. Cadernos Pagu, Campinas, n. 28, p. 9-18, 2007., p. 9-10). Os autores, baseando-se em diálogo com Foucault, propõem a interessante utilização da palavra disparate (que poderia significar ação ilógica, absurda, contrassenso e despautério) para as sexualidades que seguem linhas de fuga em relação às normatizações e convenções de gênero e sexualidade. Segundo os autores, “o dispositivo de sexualidade, em seu intuito de instituir a normalidade, associa dissidência e dissenso, de forma que o rompimento da norma relega o/a transgressor/a ao reino do absurdo e do despropositado, em suma, à esfera da loucura”.
  • 38
    Um exemplo do surgimento de suportes financeiros governamentais para projetos voltados a “velhos LGBT” – o que poderia ser, em si, um índice para averiguar o grau de disseminação da questão – é a criação, em fevereiro de 2010, do National Resource Center on LGBT Aging, a qual se deu liderada pela SAGE de Nova Iorque através de recursos liberados pelo US Department of Health and Human Services. Essa instituição, segundo informações do site da SAGE, seria o primeiro e o único centro de referência voltado a aperfeiçoar a qualidade dos serviços e apoios oferecidos a lésbicas, gays, bissexuais e/ou transgêneros idosos nos Estados Unidos (cf. http://www.sage.usa.org/programs/nrc.cfm).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2016
  • Aceito
    03 Out 2016
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