O que são a sociologia e a antropologia das emoções? O que se nomearia como sendo objeto dessas disciplinas? Quais são as preocupações que perpassam os debates no interior desses campos disciplinares? No Brasil, a antropologia e a sociologia das emoções surgem como campos de estudos autônomos apenas a partir do final da primeira metade da década de 1990 (Koury, 2004KOURY, M. G. P. Introdução à sociologia da emoção. João Pessoa: Manufatura, 2004.). Esse processo foi impulsionado, principalmente, a partir das influências teóricas e metodológicas da antropologia interpretativa e da sociologia simbólico-interacionista. No entanto, ainda que de forma pouco substancial, as emoções ocuparam as análises pioneiras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, ainda na década de 1930, que discutiram a constituição de uma identidade nacional brasileira (Koury, 2009KOURY, M. G. P. Emoções, cultura e sociedade. Curitiba: RCV, 2009.).
O livro Da subjetividade às emoções, nesse sentido, explora o lugar das emoções como objeto de análise das ciências sociais, particularmente da antropologia e da sociologia das emoções no Brasil, a partir de uma leitura das principais obras de dois intelectuais brasileiros, a saber: Gilberto Velho e Mauro Koury. Ambos considerados, pelos organizadores e autores deste livro, como pioneiros no processo de construção desses emergentes campos de estudos na academia brasileira.
Organizado e escrito pelos pesquisadores Mauro Guilherme Pinheiro Koury e Raoni Borges Barbosa, ambos vinculados institucionalmente ao Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções (Grem) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no Brasil, o livro apresentado faz parte da coleção Cadernos do Grem e está dividido em dois capítulos, além de uma introdução. O primeiro capítulo, escrito por Mauro Koury, analisa a trajetória intelectual de Gilberto Velho e situa como um precursor da antropologia e da sociologia das emoções no Brasil. O segundo capítulo, escrito por Raoni Barbosa, por sua vez, analisa a trajetória intelectual de Mauro Koury e coloca-o como fundador desses campos de estudos no país.
Os dois capítulos que estruturam o livro resenhado, desse modo, procuram assinalar que tanto Velho quanto Koury discutem a relação entre cultura subjetiva e cultura objetiva na construção da realidade social. Nesse sentido, ambos elucubram sobre os modos e estilos de vida emergentes em uma conformação social particular: a modernidade brasileira e ocidental. Com isso, o livro coloca em relevo a importância das emoções para o entendimento da relação entre indivíduo e sociedade, particularmente a tensa relação entre os estilos de vida e os processos de individualização em sociedades complexas.
No que diz respeito à singularidade da contribuição de cada um deles, ambos estabelecem estimulantes diálogos com o interacionismo simbólico e a fenomenologia. No entanto, apesar de sublinhar as grandes proximidades entre as linhas analíticas construídas por ambos, os dois capítulos também procuram evidenciar as diferenças teóricas e metodológicas entre Velho e Koury, em função de suas experiências particulares e prioridades pessoais ao longo das suas carreiras.
Nesse sentido, a partir dos seus estudos sobre as camadas médias no Brasil urbano contemporâneo, especialmente da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, Velho (2003VELHO, G. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003., 2012VELHO, G. Individualismo e cultura. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012.) coloca em relevo a problemática dos processos tensionais entre indivíduo e sociedade, particularmente a temática da unidade individual e social e da fragmentação nas sociedades complexas. O que não o conduz, entretanto, à análise de emoções específicas no jogo interacional entre indivíduo, cultura e sociedade, mas faz de Velho autor relevante para o entendimento das tensões relacionais entre indivíduo e cultura em uma sociedade complexa.
Koury (2014)KOURY, M. G. P. Estilos de vida e individualidade: ensaios em antropologia e sociologia das emoções. Curitiba: Appris, 2014., por sua vez, com os seus trabalhos sobre os modos e estilos de vida emergentes e a problemática do processo de formação do indivíduo e da individualidade, e, sobretudo, na modernidade brasileira e pessoense, de modo particular, coloca as emoções como lugar central no quadro teórico e metodológico por ele edificado. Os seus escritos, assim, mobilizam quatros teóricos e oferecem suportes interpretativos aos campos emergentes da antropologia e da sociologia das emoções no Brasil.
A originalidade desse livro, nesse sentido, encontra-se nas articulações analíticas entre emoções, cultura e sociedade como objetos de análises, a partir dos paradigmas da antropologia e da sociologia das emoções. Devemos, portanto, ressaltar também a sua significação histórica à consolidação desses campos de estudos no Brasil, principalmente por resgatar o processo de construção das emoções enquanto categorias analíticas das ciências sociais. Ressaltamos, por fim, que Velho e Koury são hoje autores fundamentais dentro da antropologia e da sociologia das emoções no Brasil, particularmente nos estudos que lidam com a problemática das sociedades complexas e da heterogeneidade.
Referências
- KOURY, M. G. P. Introdução à sociologia da emoção João Pessoa: Manufatura, 2004.
- KOURY, M. G. P. Emoções, cultura e sociedade Curitiba: RCV, 2009.
- KOURY, M. G. P. Estilos de vida e individualidade: ensaios em antropologia e sociologia das emoções. Curitiba: Appris, 2014.
- VELHO, G. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
- VELHO, G. Individualismo e cultura 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-Aug 2017