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SERAFIM, Vanda Fortuna. Revisitando Nina Rodrigues: um estudo sobre as religiões afro-brasileiras e o conhecimento científico no século XIX. Maringá: Eduem, 2013. 162 p.

SERAFIM, Vanda Fortuna. . Revisitando Nina Rodrigues: um estudo sobre as religiões afro-brasileiras e o conhecimento científico no século XIX. Maringá: Eduem, 2013. 162 p.

A obra de Raymundo Nina Rodrigues (1862-1906) tem sido alvo de estudos desde meados da primeira década do século XX. É possível afirmar, portanto, que quase imediatamente após a morte do autor tiveram início os estudos acerca de seu trabalho. Cabe indagar: por que o médico maranhense, radicado na Bahia, chamou e chama tanta atenção? É possível elencar alguns motivos para a manutenção constante do interesse em torno da produção de Nina Rodrigues: a dedicação do autor ao estabelecimento da medicina legal no Brasil; o papel central que ele ocupou na instalação da antropologia e da etnografia no país; a postura de destaque na divulgação e na aplicação das teorias raciais, do evolucionismo e do darwinismo social no Brasil. Não seria uma tarefa das mais complexas elencar um rol ainda maior de elementos que motivam as pessoas a estudarem a obra de Nina Rodrigues.

Vanda Fortuna Serafim explica os seus motivos da seguinte forma: a “proposta de pesquisar o discurso de Nina Rodrigues acerca das religiões africanas na Bahia do século XIX” se deu por dois motivos centrais: “por se tratar de um discurso pioneiro que inaugurou as reflexões acerca das religiões africanas no Brasil e se tornou leitura obrigatória aos que trabalharam posteriormente com a temática” (p. 20)

Contudo, uma obra que acumula quase cem anos de fortuna crítica ainda pode ser abordada com algo de novidade? Certamente que sim. E o texto aqui abordado confirma tal situação. A autora, ao construir um Raymundo Nina Rodrigues historiador das religiões, conseguiu revelar dimensões pouco exploradas da obra do autor.

Vanda Serafim busca em Edgar Morin os conceitos de pensamento complexo, imprinting, normalização e unitas multiplex, em Bruno Latour a ideia de seres híbridos e em Michel de Certeau as considerações sobre o lugar social para oferecer ao público um Nina Rodrigues “que não pode ser compreendido apenas dentro dos padrões da ciência médica do século XIX” (p. 29).

Assim, emerge da análise, sobretudo das obras O animismo fetichista dos negros baianos e Os africanos no Brasil, um Nina Rodrigues que não observa as religiões, a religiosidade da população negra da Bahia somente pelas lentes da medicina, do evolucionismo e do darwinismo social, mas também pelas lentes do catolicismo. Dessa feita, Serafim defende que Nina Rodrigues, ao estudar as religiões e a religiosidade da população negra da Bahia, fez uso das premissas médicas, do arcabouço teórico do darwinismo social, do evolucionismo e da visão e concepção de mundo oriunda do catolicismo. E com isto não quer a autora transformar Nina Rodrigues em algum tipo de intelectual católico ou coisa que o valha. Em Revisitando Nina Rodrigues: um estudo sobre as religiões afro-brasileiras e o conhecimento científico no século XIX é possível verificar que, como a maioria dos homens de letras de seu tempo e lugar, Raymundo Nina Rodrigues teve em algum momento de sua vida uma formação católica, e esta teria deixado marcas relativamente profundas no médico evolucionista e darwinista social. Essas “marcas”, ou esse imprinting, como usa a autora, se fariam presentes, por exemplo, quando o autor coloca o catolicismo como parâmetro de religiosidade. Fato que poderia ser interpretado por uma perspectiva evolucionista: uma hierarquia de crenças, das menos às mais evoluídas; nesse sentido, o catolicismo poderia ser colocado entre as crenças mais evoluídas. Todavia, Vanda Serafim oferece outra possibilidade de interpretação: para ela, o imprinting católico em Nina Rodrigues teria feito o autor tomar o catolicismo como um marco teórico para o estudo das religiões africanas na Bahia. Assim, segundo Serafim, apesar de o discurso científico (médico, sobretudo) ser predominante, ele não é a única matriz das reflexões de Nina Rodrigues: existiriam outras, dentre elas o catolicismo.

Sob tal perspectiva, outra proposta da autora, a de tomar Raymundo Nina Rodrigues como produto/produtor, mostra-se interessante. Nina Rodrigues seria simultaneamente produto de um determinado contexto e responsável pela construção desse contexto.

Dessa feita, Serafim consegue, em meio a uma extensa fortuna crítica, encontrar possibilidades diferentes para se pensar a obra do médico maranhense. A autora optou por romper com as linhas interpretativas que indicavam “a homogeneidade de um ‘discurso médico’” na obra de Nina Rodrigues. O caminho adotado foi o “de destacar a multiplicidade de olhares lançados sobre a religiosidade africana”. Essa escolha se deu no intuito de “‘complexizar’ a figura do médico” e com isso “visualizar os diferentes ‘lugares sociais’ de seu discurso”. Tais ações permitiram a construção da hipótese “de uma postura católica” presente em Nina Rodrigues, um dos pontos mais instigantes da obra (p. 155).

Assim, é possível afirmar que a autora obteve sucesso em indicar a existência de “sujeitos no discurso de Nina Rodrigues”. Na figura de Raymundo Nina Rodrigues estão combinados “o pesquisador positivista, o psiquiatra, o psicólogo, o sociólogo, o antropólogo, o nacionalista, o social darwinista e o evolucionista social, o historiador, o filólogo, o linguista, o folclorista”; a essas faces do autor ainda se somariam as condições de “ogã, [e de] católico” e a de “indivíduo que se relaciona com as pessoas de seu tempo”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017
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