Acessibilidade / Reportar erro

Uma antropologia fora do lugar? Um olhar sobre os antropólogos na educação

An anthropology out of place? A glance at anthropologists in education

Resumo:

A contínua reflexão da antropologia brasileira sobre seu próprio desenvolvimento tem demandado, cada vez mais, uma análise cuidadosa dos diversos campos de pesquisa que a compõem, o que inclui a antropologia da educação. Buscando contribuir para esse debate, proponho-me nesse artigo analisar o perfil e a atuação de antropólogos nos programas de pós-graduação em educação no Brasil, desenvolvendo uma reflexão a partir daí sobre o lugar da antropologia no campo educacional brasileiro.

Palavras-chave:
antropologia da educação; antropólogos; campo educacional; pesquisa antropológica

Abstract:

The continuous reflection of the Brazilian Anthropology on its own development has required a careful analysis of the various research fields that comprise it, including the Anthropology of Education. Seeking to contribute to this debate, I propose in this article to analyze the profile and the role of anthropologists in the Graduate Program in Education in Brazil, developing a reflection from there on the place of anthropology in the Brazilian educational field.

Keywords:
anthropological research; anthropologists; anthropology of education; educational field

Introdução

Uma das marcas da antropologia desenvolvida no Brasil certamente é seu contínuo processo de autorreflexão. Trabalhos seminais produzidos nas últimas décadas, como The anthropology of anthropology: the Brazilian case (Peirano, 1981PEIRANO, M. The anthropology of anthropology: the Brazilian case. 1981. Tese (Doutorado em Antropologia)-Harvard University, Cambridge, 1981.), ou mais recentemente Desafios da antropologia brasileira (Feldman-Bianco, 2013FELDMAN-BIANCO, B. (Org.). Desafios da antropologia brasileira. Brasília: ABA, 2013.) e Rumos da antropologia no Brasil e no mundo: geopolíticas disciplinares (Scott; Campos; Pereira, 2014SCOTT, P.; CAMPOS, R. B. C.; PEREIRA, F. G. (Org.). Rumos da antropologia no Brasil e no mundo: geopolíticas disciplinares. Recife: Editora UFPE: ABA, 2014.), possibilitam que nos situemos de forma mais clara acerca dos debates e das tensões que se colocam no campo da antropologia brasileira. Afora essas reflexões de caráter mais geral, algumas outras são desenvolvidas considerando as especificidades referentes às áreas temáticas existentes, tendo em conta a heterogeneidade que há entre os diversos campos de pesquisa dentro da antropologia.

Sem embargo, uma análise mais apurada acerca de uma possível antropologia da educação1 1 Assumo aqui o termo “antropologia da educação”, ainda que reconheça que este não é consensual entre pesquisadores brasileiros, porém compreendo que esta é uma das possíveis interfaces existentes em meio às amplas possibilidades de diálogo que se colocam entre a antropologia e a educação. Portanto, preocupo-me aqui com o desenvolvimento de uma reflexão antropológica que assume a educação como objeto de reflexão. desenvolvida no Brasil ainda é incipiente, por mais que trabalhos como os de Gusmão (2009GUSMÃO, N. M. M. Entrelugares: antropologia e educação no Brasil. Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 1, p. 29-46, 2009.) e de Gomes e Gomes (2011GOMES, A. M. R.; GOMES, N. L. Anthropology and education in Brazil: possible pathways. In: ANDERSON-LEVITT, K. M. (Ed.) Anthropologies of education: a global guide to ethnographic studies of learning and schooling. New York: Berghahn Books, 2011. p. 111-130.) deem-nos algumas pistas acerca do caminho que esse campo de pesquisa passa a assumir nos últimos anos. Considerando a própria fragmentação institucional que há no desenvolvimento dessa área, transitando por departamentos de antropologia, ciências sociais, educação, dentre outros, examiná-la demanda dos pesquisadores um recorte mais preciso.

Visando contribuir para o debate que vem sendo amadurecido no Brasil nessa seara, proponho-me aqui a realizar um exercício ainda não realizado, que diz respeito a uma análise do perfil e da atuação de antropólogos nos programas de pós-graduação em educação (PPGEs) no Brasil. Trata-se de uma análise que tem por base os dados obtidos juntos à plataforma Sucupira (https://sucupira.capes.gov.br) e à plataforma Lattes (http://lattes.cnpq.br/) referentes aos 172 programas avaliados pela área de educação no Brasil, sendo destes 41 mestrados profissionais e 131 programas acadêmicos.

Junto à plataforma Sucupira, realizou-se o levantamento inicial referente à formação acadêmica dos professores vinculados a todos os PPGEs, sendo selecionados aqueles que possuíam doutorado em antropologia, ou em ciências sociais. Na segunda etapa, os lattes desses pesquisadores foram examinados e, no caso daqueles que eram doutores em ciências sociais, apenas os que indicavam a antropologia como área de atuação é que permaneceram na amostra. O foco da análise dos currículos era o perfil formativo (local de realização do doutorado e ano), vinculação institucional, áreas de pesquisa, produção acadêmica e orientações.2 2 Reconhece-se aqui a existência de outros percursos acadêmicos que possibilitam a formação em antropologia, seja através da graduação e/ou mestrado em antropologia/ciências sociais, ou ainda da orientação antropológica recebida em programa de pós-graduação de outra área do conhecimento. Todavia, o recorte aqui estabelecido levou em consideração dois aspectos: a) a disponibilidade dos dados na plataforma Sucupira, que indica em termos de formação profissional dos docentes em programas de pós-graduação apenas a última titulação; b) o fato de que, no campo acadêmico, a constituição da identidade profissional dá-se recorrentemente através da formação em nível de pós-graduação, especialmente o doutorado, como indica o trabalho de Dwyer, Barbosa e Braga (2013), ao analisarem o perfil dos sócios da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) a partir da sociologia das profissões.

Em que pesem os limites das ferramentas utilizadas, acredito que a articulação dos dados quantitativos com os dados qualitativos possibilita-nos uma visão panorâmica da atuação dos antropólogos nos PPGEs, e a partir disso podemos realizar reflexões mais amplas não apenas sobre o lugar da educação na agenda de pesquisa da antropologia, mas sim sobre qual o lugar da antropologia na pesquisa educacional brasileira.

Notadamente, o presente artigo representa uma primeira aproximação analítica com o tema, considerando-se inclusive que o próprio campo da antropologia da educação ainda é um campo em processo de consolidação (Gusmão, 2009GUSMÃO, N. M. M. Entrelugares: antropologia e educação no Brasil. Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 1, p. 29-46, 2009., 2015GUSMÃO, N. M. M. Antropologia e educação: um campo e muitos caminhos. Linhas Críticas, Brasília, v. 21, n. 44, p. 19-37, 2015.), e para um exame mais aprofundado seria necessária uma pesquisa mais extensa, que acionasse outras ferramentas metodológicas, o que foge ao escopo deste trabalho. Sendo assim, será apresentado aqui um levantamento inédito na área, cuja análise mostra-se fundamental para a compreensão das relações acadêmicas entre os campos da antropologia e da educação no Brasil atualmente.

Para que o leitor possa melhor situar-se nessa discussão, dedicarei a primeira parte deste trabalho a uma apresentação sucinta do diálogo entre a antropologia e a educação no Brasil, pensando de forma mais enfática o lugar da antropologia em nosso debate educacional, para então partir para a análise do perfil e da atuação dos antropólogos na educação.

Antropologia e educação no Brasil 3 3 Apesar de os trabalhos sobre a história da antropologia no Brasil nos possibilitarem uma retomada do processo de institucionalização dessa ciência em nosso país, creio que ainda se está por fazer uma análise sócio-histórica cuidadosa sobre como se desenvolveram as relações institucionais entre a antropologia e a educação no Brasil. Devido, portanto, à ausência de uma literatura especializada nessa temática, procuro nesse subtópico apresentar ao leitor de forma sucinta como essas relações se deram, de modo que se possam compreender melhor os processos de distanciamentos e aproximações entre a antropologia e a educação no Brasil.

Ainda que seja um campo em processo de consolidação no Brasil (Gusmão, 2015GUSMÃO, N. M. M. Antropologia e educação: um campo e muitos caminhos. Linhas Críticas, Brasília, v. 21, n. 44, p. 19-37, 2015.), a interface entre a antropologia e a educação não constitui um fenômeno novo em nossa realidade. Um marco significativo para tanto é a presença da chamada “antropologia pedagógica” nas escolas normais ainda no começo do século, indicando uma percepção que compreende o saber antropológico como fundamental no processo de formação de professores, por mais que nesse período estejamos referindo-nos a uma antropologia sensivelmente distinta daquela que se rotiniza nos programas de pós-graduação a partir da segunda metade do século XX.

A introdução da antropologia pedagógica no currículo de algumas escolas normais inseriu-se dentro de um conjunto mais amplo de transformações pelas quais passava a educação brasileira, que incluía também a modernização dos cursos de formação de professores (Nagle, 1974NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EDUSP, 1974.). Havia uma compreensão, principalmente por parte daqueles ligados à Escola Nova,4 4 Trata-se de um movimento de renovação do ensino que passa a desenhar-se a partir do final do século XIX, ganhando força no começo do século XX. No Brasil, esse movimento ganha maior visibilidade com o chamado Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932. Para uma melhor análise do debate no período, vide o trabalho de Cury (1988). de que havia uma nova sociedade em curso, para a qual se demandava um novo professor, e, devido a tanto, disciplinas como Sociologia, Psicologia e Antropologia foram introduzidas nos cursos formação de professores nesse período.

Esta antropologia pedagógica estava largamente assentada em métodos antropométricos, e numa certa antropologia física, claramente inspirada por autores como Cesare Lombroso (1835-1909). Todavia, ainda que se possam fazer críticas à perspectiva teórica assumida nesse momento, é relevante destacar que a análise da antropologia desenvolvida nesse período “[…] mostra-se fundamental para a compreensão da interface entre a Antropologia e a Educação e também para a própria reelaboração da história da Antropologia brasileira, que tende a olvidar esse momento de produção do conhecimento no âmbito antropológico” (Oliveira, A., 2013aOLIVEIRA, A. O lugar da antropologia na formação docente: um olhar a partir das Escolas Normais. Pro-Posições, Campinas, v. 24, n. 2, p. 27-40, 2013a., p. 37). Buscando interpretar o esquecimento desse período na narrativa em torno da história da antropologia brasileira, Corrêa (1988CORRÊA, M. A revolução das normalistas. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 66, p. 13-24, ago. 1988., p. 14) realiza as seguintes ponderações:

Não acredito que as razões do esquecimento deste período tão interessante da história de nossa disciplina se devam apenas à descrença no tipo de antropologia que se fazia antes de hoje ou à alegada fragilidade institucional dela naquele momento; penso antes que esse esquecimento deve ser atribuído ao fato de que tentamos buscá-la onde ela não podia estar, num “campo antropológico” ainda em constituição, ao invés de encontrá-la lá onde ela se praticava.

Não caberia aprofundar esse debate devido ao foco e aos limites deste trabalho, porém creio que apontar para essa questão nos possibilita perceber certa historicidade na interface da antropologia com a educação, que se complexifica com o tempo, uma vez que nesse período estamos nos referindo ainda a um momento anterior à criação dos primeiros cursos de ciências sociais no Brasil, algo que só ocorreu na década de 1930.5 5 Os primeiros cursos de ciências sociais criados são os da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (1933), da Universidade de São Paulo (1934) e da Universidade do Distrito Federal (1935). Como nos indica Miceli (1989MICELI, S. História das ciências sociais no Brasil: vol. 1. São Paulo: Vértice, 1989.), parte significativa dos primeiros estudantes de tais cursos era formada por professores da educação básica; porém, pouco também se sabe acerca do impacto do contato das teorias antropológicas nas práticas dos professores que frequentavam os primeiros cursos de ciências sociais.

Outra experiência marcante de aproximação entre esses dois campos no Brasil foi a criação em 1955 do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE),6 6 Apesar de ser um centro nacional, ele também contava com centros regionais nas cidades de Recife, Salvador, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. que fora idealizado por Anísio Teixeira (1900-1971) e visava o desenvolvimento de pesquisas no campo das ciências sociais aplicadas à educação, o que possibilitaria a formulação de políticas públicas educacionais. O centro contou em seus quadros com antropólogos renomados, como Gilberto Freyre (1900-1987) e Darcy Ribeiro (1922-1997), que se dedicaram de formas distintas às atividades desenvolvidas no CBPE e em suas unidades regionais.

As atividades desta instituição foram interrompidas na primeira metade dos anos de 1970, sem que seus objetivos fossem plenamente alcançados (Silva, 2002SILVA, G. M. D. Sociologia da sociologia da educação: caminhos e desafios de uma policy science no Brasil (1920-1979). Bragança Paulista: Edusf, 2002.), porém é inegável que:

Apesar de sua curta existência, o estímulo por parte do governo federal à realização de pesquisas sociológicas e antropológicas sobre questões relacionadas à educação contribuiu não apenas para reafirmar a concepção de que a diversidade regional existente no país impunha a necessidade de adaptação dos sistemas estaduais de ensino às condições locais, incentivando a descentralização administrativa e a multiplicidade de procedimentos como também chamou atenção para alguns determinantes até então não analisados pela literatura educacional produzida no Brasil. Uma das mais importantes interpretações acerca da realidade educacional brasileira elaborada no contexto de funcionamento dos Centros de Pesquisas Educacionais do INEP foi a de que a escola primária, da forma como estava organizada, em vez de contribuir para a democratização da sociedade e ampliação das oportunidades de ascensão social da população que tinha acesso a ela, acabava por funcionar como um instrumento de seleção social, induzindo à evasão ou retendo nas primeiras séries de estudo os alunos oriundos de classes sociais economicamente desprivilegiadas ou detentores de um estilo não-urbano de vida. (Ferreira, 2008FERREIRA, M. S. O Centro de Pesquisas Educacionais do INEP e os estudos em ciências sociais sobre educação no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 38, p. 279-292, 2008., p. 291).

Ao que tudo indica, o CBPE poderia ter sido um importante espaço para a institucionalização de uma antropologia da educação no Brasil, algo próximo ao que ocorreu no México com o Departamento de Investigaciones Educativas (DIE) do Centro de Investigación y de Estudios Avanzados (CINVESTAV) do Instituto Politécnico Nacional (IPN) criado nos anos de 1970.

No Brasil, o processo de consolidação institucional da pesquisa antropológica ocorre a partir dos anos de 1970, após a Reforma Universitária de 1968, que cria os programas de pós-graduação próximos ao que conhecemos hoje, iniciando o período “burocrático” de nossa antropologia (Oliveira, R., 2003OLIVEIRA, R. C. Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.). Na análise de Rubim (1996RUBIM, C. de R. Antropólogos brasileiros e a antropologia no Brasil: a era da pós-graduação. 1996. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)-Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996.), o processo de consolidação da antropologia no Brasil vivenciado a partir da pós-graduação marca-se também por uma crescente pluralidade de temáticas, que passa a complexificar ainda mais esse campo.

Mas, para compreendermos o lugar que a educação passa a ocupar na agenda da antropologia brasileira nesse contexto, é necessário ter em vista que as faculdades de educação são também uma criação da Reforma Universitária de 1968, de modo que, concomitantemente à consolidação da pesquisa antropológica, ocorre o mesmo com a pesquisa educacional, porém institucionalmente apartada das demais ciências humanas. Isso, em parte, pode explicar o parco interesse dos cientistas sociais pela temática educacional, e, no caso específico da antropologia, creio que pesa, além disso, o fato de que as populações que predominantemente foram objeto de reflexão por parte dessa ciência só paulatinamente tiveram amplo acesso ao sistema educacional formal.

Atualmente, dentre os 24 programas de pós-graduação em antropologia que há no Brasil, apenas um possui uma linha de pesquisa explicitamente conectada com o debate educacional (Oliveira, A., 2015OLIVEIRA, A. Sobre o lugar da educação na antropologia brasileira. Temas em Educação, João Pessoa, v. 24, n. 1, p. 40-50, 2015.).7 7 Trata-se do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), com uma linha de pesquisa voltada para a educação indígena. Porém isso não significa que não haja antropólogos que se tenham dedicado à pesquisa educacional em diversos programas de pós-graduação, ou que não haja a elaboração de dissertações e teses voltadas para este debate; com relação aos pesquisadores é importante destacar que eles se encontram relativamente dispersos em alguns programas (Oliveira; Boin; Búrigo, 2016OLIVEIRA, A.; BOIN, F.; BÚRIGO, B. A antropologia, os antropólogos e a educação no Brasil. Revista Anthropológicas, Recife, v. 27, n. 2, p. 21-44, 2016.).

Podemos inferir, portanto, que a educação ocupa um lugar periférico na agenda de pesquisa da antropologia brasileira, ao menos em termos institucionais, ainda que se deva reconhecer que esse é um cenário dinâmico em contínua transformação.

Há, por outro lado, uma intensa circulação de categorias antropológicas nos programas de pós-graduação em educação, o que se tem intensificado nos últimos anos, a partir do incremento de uma série de políticas públicas educacionais que trazem para o centro do debate a questão cultural, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais, ainda nos anos de 1990, e, em período mais recente, a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) em 2001, e o advento das leis nº 10.639/2003 (Brasil, 2003BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm >. Acesso em: 29 set. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
)8 8 Lei que torna obrigatório o ensino de história e culturas afro-brasileiras em todas as séries da educação básica. e nº 11.645/2008 (Brasil, 2008BRASIL. Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm >. Acesso em: 29 set. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
),9 9 Altera a lei nº 10.639/2003 ao introduzir também a questão da história e cultura indígena. além das ações afirmativas no ensino superior.

Ainda que haja inúmeras tensões nos diálogos entre a antropologia e a educação, especialmente quanto ao processo de apropriação da etnografia nas pesquisas educacionais (Oliveira, A., 2013bOLIVEIRA, A. Por que etnografia no sentido estrito e não estudos do tipo etnográfico em educação?. Revista FAEEBA, Salvador, v. 22, n. 40, p. 69-82, 2013b.; Tosta, 2013TOSTA, S. de F. P. Cruzando fronteiras- entre a antropologia e a educação no Brasil e na Argentina. Pro-Posições, Campinas, v. 24, n. 2, p. 95-107, 2013.; Valente, 1996VALENTE, A. L. Usos e abusos da antropologia na pesquisa educacional. Pro-Posições, Campinas, v. 7, n. 20, p. 54- 64, 1996.), é inegável que a atuação dos antropólogos na pós-graduação não se circunscreve aos programas de antropologia e de ciências sociais. Há uma presença relevante de antropólogos em PPGEs, que possuem formas distintas de inserção, atuação e circulação nessa área, o que será o foco do próximo tópico deste artigo.

Os antropólogos na educação

Nos últimos anos, tem havido reflexões contínuas sobre o campo da antropologia no Brasil, todavia, estas ainda estão demasiadamente centradas na produção acadêmica e na reprodução do corpus de pesquisadores nos próprios departamentos de antropologia e de ciências sociais. Porém, segundo a análise de Grossi (2004GROSSI, M. P. Os egressos dos programas de pós-graduação em antropologia. In: TRAJANO FILHO, W.; RIBEIRO, G. L. (Org.). O campo da antropologia no Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa: Associação Brasileira de Antropologia, 2004. p. 39-68., p. 59), referente à atuação dos egressos das pós-graduações em antropologia no Brasil:

Os doutores que atuam em instituições públicas estão majoritariamente vinculados a departamentos de antropologia (47,6%), ciências sociais (13,1%) e sociologia (7,1%), mas um grupo bastante expressivo (28,6%) atua em outros departamentos, percentual que sobe para 63,2%, quando são analisados os doutores que atuam em instituições particulares.

Há que se considerar ainda que o período imediatamente posterior à análise desses dados foi marcado pela substantiva expansão da pós-graduação em antropologia, de modo que se pode inferir uma intensificação do processo analisado. No caso da atuação no campo da educação, considera-se a centralidade que a discussão em torno da cultura e da diversidade cultural assume nas políticas educacionais, de modo que passa a surgir como demanda imediata dos cursos de formação de professores, especialmente os de pedagogia, a contratação de docentes que atuem em campos como: relações interétnicas, gênero e sexualidade, educação indígena, educação quilombola, diversidade cultural, etc., amiúde sendo contratados professores com formação no campo das ciências sociais (especialmente antropologia) para tanto.

Os PPGEs, em especial, possuem uma clara uma vocação interdisciplinar, de modo que em seus quadros encontramos recorrentemente pesquisadores cuja formação doutoral se realizou em outro campo do saber, com destaque para as áreas da psicologia, sociologia, filosofia, linguística, história, educação física, ensino de ciências, engenharia da produção, etc., e também antropologia, ainda que de forma menos recorrente que outras ciências humanas.

Interessa-nos aqui a análise do perfil e da atuação de antropólogos que estão vinculados a algum PPGE, ainda que isso não represente a totalidade dos pesquisadores da ciência antropológica que investigam a realidade educacional, uma vez que há outras possibilidades de inserção profissional nessa seara, através de organizações não governamentais, institutos de pesquisa, cursos de graduação, outras pós-graduações diversas, etc.

Para uma melhor compreensão dos dados que serão apresentados, é necessário realizar um breve esclarecimento acerca do recorte que realizei para a delimitação de minha amostra. Os pesquisadores aqui analisados são aqueles que possuem formação doutoral em antropologia, ou ainda em ciências sociais, sendo indicado em seus lattes a antropologia como área de atuação, como já indicado. Desse modo, ficaram de fora da minha amostra aqueles que realizaram suas graduações e mestrado na antropologia, porém obtiveram o título de doutores em outras áreas do saber, ou ainda, outros que transitaram pela antropologia de forma interdisciplinar.

Em absoluto trata-se aqui de negar as múltiplas possibilidades formativas no campo da antropologia, todavia, o recorte nos possibilita perceber certo movimento do campo acadêmico, e principalmente como se dá o trânsito pela educação por parte dos egressos dos programas de antropologia.

Obviamente que analisar os dados referentes aos PPGEs é um exercício que demanda que levemos em conta a heterogeneidade desse campo, mais evidentemente perceptível através da diferença de tamanho dos distintos programas, que inclui na mesma área de avaliação alguns que possuem em torno de dez docentes, sendo o menor deles o da Universidade Federal de Tocantins (UFT), com nove pesquisadores, e outros com mais de cem participantes, como é o caso da Universidade de São Paulo (USP), com 129, e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com 117, que são os maiores da área. Em alguns deles, a tendência interdisciplinar colocava-se de forma mais forte, ao passo que em outros a totalidade do corpo docente era formada por doutores em educação.

Após a análise dos dados disponíveis na plataforma Sucupira e na plataforma Lattes, chega-se a 30 antropólogos que atuam em programas de educação, tanto acadêmicos quanto profissionais e nas mais diversas regiões do país. Eles estão distribuídos por 25 distintos programas de pós-graduação e 26 instituições, considerando que um desses programas é interinstitucional.10 10 Trata-se do programa “Educação, Culturas e Identidades”, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco e pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. O gráfico abaixo sintetiza a distribuição desses docentes:

Gráfico 1
Distribuição dos antropólogos que atuam em PPGEs por instituição (fonte: plataforma Sucupira).

Com exceção dos programas da Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e da Fundação Joaquim Nabuco (FJN)/Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), cada qual com dois antropólogos, os demais possuem apenas um antropólogo integrando seu corpo docente. Esse dado pode apontar para uma presença pontual de pesquisadores no campo da antropologia da educação nos PPGEs, e consequentemente uma inserção periférica da discussão antropológica nesses espaços, ou ainda, para o fato de que o desenvolvimento de pesquisas por parte de tais investigadores se dá, necessariamente, em contexto mais interdisciplinar, por meio da inserção destes em linhas de pesquisas mais amplas e gerais.

No que se refere à formação doutoral, 14 realizaram-na em antropologia, três em sociologia e antropologia e 13 em ciências sociais. Oito concluíram o doutorado no exterior: três nos Estados Unidos, dois na Inglaterra, um no México, um na Espanha e um na França. Porém, apesar da significativa presença de professores egressos de programas no exterior, ainda é incipiente a inserção acadêmica internacional de tais pesquisadores; poucos publicam em periódicos internacionais, ou ainda realizam outras experiências acadêmicas de intercâmbio com instituições fora do Brasil após obter a titulação no exterior.

Entre aqueles que realizam o doutorado no Brasil, encontra-se a seguinte distribuição em termos de instituições formadoras:

Gráfico 2
Local de formação doutoral no Brasil dos antropólogos que atuam em PPGEs (fonte: plataforma Sucupira).

A forte concentração em instituições no eixo Rio-São Paulo reflete, em grande medida, a maior densidade de pós-graduações nessa região, ainda que esse seja um cenário dinâmico, marcado por uma expansão significativa em período recente nas demais regiões do país. Mais que isso, a partir dessa forte concentração de formação em poucas instituições, podemos inferir que pode haver nessa antropologia da educação produzida no Brasil a reprodução de certas linhagens intelectuais, que se reproduzem a partir de determinados centros de formação.

Quanto ao tempo de formação, encontra-se aí também certa heterogeneidade, uma vez que uma docente é doutorada há 30 anos, cinco há mais de 20 anos, 21 entre dez e cinco anos; e três há menos de cinco anos. Percebe-se, com isso, uma forte concentração de docentes que realizaram sua formação doutoral a partir dos anos 2000, período no qual surgem novas demandas no debate educacional e nos cursos de formação de professores. Acredito que essa é uma linha interessante para compreendermos o perfil desses antropólogos, pois sua inserção profissional nas universidades se dá, justamente, a partir do momento em que a questão da diversidade torna-se central no debate educacional.

Ainda no que tange à trajetória formativa desses antropólogos, chama a atenção o fato de que a inserção no campo educacional não ocorre apenas quando passam a atuar como docentes em suas atuais instituições de ensino. Oito antropólogos realizaram parte da formação acadêmica anterior na educação, seja através de um mestrado em educação, de uma graduação em pedagogia ou ainda da combinação de ambos;11 11 Destaca-se que parte significativa realizou curso de licenciatura em sua graduação, porém devido à profunda diversidade de modelos formativos existentes, alguns nos quais o contato com o debate educacional e com a escola é ínfimo, destaquei aqui apenas aqueles que realizaram a formação em pedagogia em nível de graduação ou em educação em nível de mestrado. e outros três, ainda que não tenham realizado uma formação acadêmica nessa área, pesquisaram em seus doutorados temáticas relacionadas à educação. Por mais que, para muitos egressos dos programas de pós-graduação em antropologia (PPGAs), seja desafiadora a atuação em outros campos formativos (Grossi, 2004GROSSI, M. P. Os egressos dos programas de pós-graduação em antropologia. In: TRAJANO FILHO, W.; RIBEIRO, G. L. (Org.). O campo da antropologia no Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa: Associação Brasileira de Antropologia, 2004. p. 39-68.; Sartori, 2010SARTORI, A. J. A experiência como mediadora no ensino da antropologia para quem não vai ser antropólogo. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia Social)-Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.), parece-me que, para um número expressivo de antropólogos que atuam na educação, essa realidade coloca-se como um reflexo de uma determinada trajetória acadêmico-profissional. Recorrentemente, tais profissionais lecionam disciplinas de antropologia para o curso de pedagogia, por vezes denominadas “Antropologia da Educação”, o que é um dado relevante, uma vez que “[…] a presença de uma disciplina de Antropologia numa faculdade de educação, com tudo o que representa a tradição de formação do pedagogo, centrada nas pedagogias, didáticas e na psicologia, é efetivamente uma conquista.” (Gusmão, 2006GUSMÃO, N. M. M. Antropologia e educação: história e trajetos/Faculdade de Educação - Unicamp. In: GROSSI, M. P.; TASSINARI, A.; RIAL, C. (Org.). Ensino de antropologia no Brasil: formação, práticas disciplinares e além-fronteiras. Blumenau: Nova Letra, 2006. p. 299-331., p. 317).

Esses antropólogos seriam, portanto, aqueles que sofreram um processo de “conversão” à ciência antropológica, ainda que tenham mantido a conexão com a questão educacional através da atuação enquanto docentes. Essa conversão produziria ao menos três sinais “inequívocos”:

1) o “olhar”: a aquisição do “olhar antropológico” marcaria a emergência de uma nova capacidade perceptiva. Decorrente dessa capacidade surgiria também uma nova sensibilidade em relação ao mundo e a outras realidades culturais (distintas da própria). O “olhar”, como sugere Peirano ao comentar o trabalho de Veena Das, condensaria metaforicamente o “sentido clássico” da antropologia no século XX, em contraste com o “ouvir”, associado a uma perspectiva pós-moderna (1997:79-80); 2) a análise (antropológica): vinculada diretamente à capacidade de relativizar o próprio ponto de vista, de “estranhamento autoreflexivo”, de “se distanciar”, ou, nos termos de Duarte, vinculada ao “afastamento da ingenuidade originária” (1995:12). Retomando o que uma entrevistada chamou de “psicogênese do aprendizado”, a formação em antropologia implicaria se deslocar de uma forma de pensamento “concreto” para um “abstrato”. Para alguns entrevistados, a capacidade de auto-reflexão e distanciamento seria ainda um traço definitivo do conhecimento antropológico que, em suma, exprimiria seu caráter “revolucionário” e “romântico”, no sentido de “rebeldia, anti-normatividade”, “contraordem”. 3) a fala e a escrita: uma forma qualificada de falar e escrever seriam sinais de uma nova capacidade para comunicar o pensamento e a “riqueza da informação que se recebeu” na formação teórica, mas, sobretudo, para reconstituir a experiência etnográfica no trabalho de campo. Se, como assevera uma entrevistada, as “primeiras intervenções” dos alunos em uma disciplina remetem “ao senso comum puro e duro” − manifesto “na linguagem, no uso dos verbos… numa apreciação do mundo social muito valorativa” −, “por meio do ensino e a disciplina” é possível que os alunos adquiram uma “visão desmagicizada do mundo social”. “Desmagicizar significa também fazer boas perguntas […] porque quando você encanta o mundo, quando o mundo social está encantado, você não pergunta como as coisas se passaram…”. (Sanabria, 2005SANABRIA, G. V. O ensino de antropologia no Brasil: um estudo sobre as formas institucionalizadas de transmissão da cultura. 2005. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)-Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005., p. 88-89).

Essas “marcas de conversão” possivelmente se fariam presentes no modo como tais profissionais passariam a perceber o objeto educacional a partir da formação acadêmica adquirida na antropologia. Esse grupo acaba, portanto, por visibilizar uma dada compreensão acerca das finalidades e potencialidades da antropologia, uma vez que a passagem de um campo teórico e epistemológico para outro não se dá sem dissonâncias. Parece haver aí uma compreensão de que a antropologia poderia oferecer chaves analíticas relevantes às discussões travadas no campo educacional, ou ainda que através de suas ferramentas metodológicas ela possibilitaria outras aproximações com o objeto de investigação.

Para os demais antropólogos aqui analisados, a inserção no campo educacional parece dar-se a partir da atuação principalmente junto às faculdades de educação, às quais 23 deles estão vinculados institucionalmente. Ainda que nesse caso trata-se de uma construção a posteriori, a elaboração de uma trajetória enquanto pesquisadores em educação, a inserção desses antropólogos nesse campo pode ser percebida pelo fato de que todos atualmente possuem projetos de pesquisa ativos na área de educação, incluindo aí tanto a educação escolar quanto outras práticas educativas.

No que diz respeito às temáticas exploradas por tais investigadores, as mais presentes são aquelas vinculadas à educação indígena e à educação ambiental, cada uma destas se coloca como temática principal para cinco antropólogos desse grupo. Também outras temáticas ganham relevo, principalmente relações étnico-raciais, gênero e sexualidade, educação do campo; e políticas públicas. Se pensarmos de forma comparativa, ao passo que os antropólogos que pesquisam educação e atuam em PPGAs dedicam-se prioritariamente à temática da educação indígena (Oliveira; Boin; Búrigo, 2016OLIVEIRA, A.; BOIN, F.; BÚRIGO, B. A antropologia, os antropólogos e a educação no Brasil. Revista Anthropológicas, Recife, v. 27, n. 2, p. 21-44, 2016.), encontra-se no grupo aqui analisado uma maior dispersão temática, o que possivelmente se vincula à pluralidade de demandas existentes junto aos PPGEs.

Seus temas de pesquisa circulam através dos principais meios de produção intelectual: artigos em periódicos, livros, coletâneas, capítulos de livros, anais de congresso, etc.; porém deve-se realizar uma ressalva nesse ponto: nem sempre a maior parte dos trabalhos publicados por tais antropólogos relaciona-se à educação, em alguns casos parte significativa de suas produções é dedicada a temas outros que foram pesquisados durante a formação doutoral, o que pode indicar uma reprodução da hierarquização dos campos de investigação na antropologia.

Percebe-se também um movimento interessante em termos de temporalidade da produção, pois se, para a maioria, a aproximação com a educação enquanto tema de pesquisa deu-se após a atuação institucional junto às faculdades de educação, isso implicou também num distanciamento crescente com relação às temáticas investigadas durante o doutorado, e principalmente com relação aos meios de circulação de sua produção. A maior parte absoluta dos artigos publicados por esse conjunto de pesquisadores circula através de revistas de educação, ou ainda em algumas com caráter mais interdisciplinar, de modo que poucos deles transitam em revistas estritamente veiculadas à antropologia. Em parte, esse fenômeno pode ser explicado pela centralidade que a publicação acadêmica passa a ter no sistema de avaliação da pós-graduação (Fonseca, 2001FONSECA, C. Avaliação dos programas de pós-graduação: do ponto de vista de um nativo. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 7, n. 16, p. 261-275, 2001.), de modo que aqueles vinculados a programas avaliados por determinado comitê tendem a valorizar a produção em revistas bem ranqueadas nesse mesmo comitê de área, o que acaba tendo por consequência uma menor visibilidade dessa produção no campo da antropologia no sentido estrito.

Entre tais pesquisadores, dois são bolsistas de produtividade em pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sendo um deles pelo comitê de Ciências Sociais e outra pelo comitê de Educação. O parco número de bolsistas, especialmente se considerarmos apenas o comitê de Educação, pode indicar uma inserção mais periférica das questões debatidas por tais antropólogos no campo educacional no Brasil.

A compreensão mais aprofundada de tais questões demandaria um exame minucioso das relações de poder que cravejam a academia, tal como Bourdieu (2011BOURDIEU, P. Homo academicus. Florianópolis: EDUFSC, 2011.) realizara magistralmente em Homo academicus, o que não é possível realizar unicamente a partir dos dados que aqui estão sendo utilizados. Todavia, é possível aventar algumas hipóteses acerca desse cenário. Por um lado, tal como Gusmão (2006GUSMÃO, N. M. M. Antropologia e educação: história e trajetos/Faculdade de Educação - Unicamp. In: GROSSI, M. P.; TASSINARI, A.; RIAL, C. (Org.). Ensino de antropologia no Brasil: formação, práticas disciplinares e além-fronteiras. Blumenau: Nova Letra, 2006. p. 299-331.) apontara, há por vezes uma compreensão instrumental da antropologia por parte dos pedagogos, que a percebem como um saber que visa unicamente responder a novas demandas que surgem no âmbito dos cursos de formação de professores, porém isso não implica necessariamente o reconhecimento da antropologia enquanto parte fundamental dos fundamentos epistêmicos do campo educacional; por outro, o interesse dos antropólogos ao olhar para a realidade social é frequentemente direcionado àquilo que não seria o foco dos demais pesquisadores (Barth, 2000BARTH, F. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.). A combinação desses dois elementos pode, em parte, explicar a dificuldade de uma inserção mais central desses antropólogos no campo educacional, inclusive nos ajuda a compreender o porquê de um número tão reduzido de pesquisadores com tal formação nos PPGEs.

Como os programas de pós-graduação são pensados como espaços também voltados para a reprodução de determinado corpus acadêmico, é importante colocar em evidência o trabalho de orientação realizado por esses profissionais. Em meio aos 30 perfis analisados, um não apresentava nenhuma orientação em nível de pós-graduação em educação, dois possuíam apenas orientações em curso, dez já concluíram orientações de teses e mestrado, e 17 realizaram orientações de mestrado na área.

No cômputo total, trata-se de 264 dissertações de mestrado e 94 teses de doutorado em educação orientadas por esses antropólogos, o que parece indicar que, apesar da inserção aparentemente periférica da antropologia no campo da educação, há uma expressiva procura por este tipo de orientação junto aos PPGEs. Acredito que a orientação antropológica dada por estes investigadores não possui como finalidade, necessariamente, a formação de antropólogos nos quadros dos programas em educação; ao que me parece, trata-se mais de uma possibilidade de formação interdisciplinar que gravita em torno do objeto educacional, mas que possui como norte o quadro de referência da antropologia. Como pondera Dauster (2015DAUSTER, T. An interdisciplinary experience in anthropology and education: memory, academic project and political background. Vibrant, Brasília, v. 12, n. 2, p. 451-496, 2015., p. 477, tradução minha) com relação à sua própria experiência de orientação em um programa nessa área:

Os cursos, tanto de pós-graduação e quanto de graduação, foram organizados com textos e artigos de antropólogos. Meus estudantes de mestrado e doutorado leram a literatura da área intensivamente. As reuniões de orientação foram usadas para indicar autores pertinentes aos dados etnográficos que surgiram durante o trabalho de campo, e descritos no diário de campo. Além disso, estas eram ocasiões para valorizar as categorias culturais e do ponto de vista do “nativo”, em seus próprios termos, “interpretações” para construir outras interpretações. O objetivo desta prática é para conseguir o que eu chamo de uma “conversão epistemológica” na estratégia investigativa e exigiu uma relação intensa de orientação.

Acredito que as marcas intelectuais oriundas da formação acadêmica dos orientadores deixam rastros nos trabalhos desenvolvidos na pós-graduação, o que se dá justamente através do papel que na antropologia o orientador assume de intermediário entre etnografia/teoria acumulada e o pesquisador iniciante (Peirano, 2004PEIRANO, M. A teoria vivida - reflexões sobre a orientação em antropologia. Ilha, Florianópolis, v. 6, n. 1-2, p. 209-218, 2004.). Esse processo não se encerra na orientação individual no sentido estrito, pois abarca também os cursos lecionados, os grupos de pesquisa e de estudo que são organizados, as publicações realizadas em coautoria, etc.

A atuação desses profissionais não se restringe, contudo, aos PPGEs, pois oito deles também orientam em outros programas de pós-graduação, sendo metade deles programas de ciências sociais ou antropologia, e a outra de programas de caráter interdisciplinar. Ou seja, para além da atuação estritamente em programas de educação, parece ser uma preocupação por parte destes antropólogos a elaboração de outros diálogos, se voltando tanto para as ciências sociais quanto para outros campos, nos quais eventualmente orientam em outras temáticas.

Desse modo, o grupo de antropólogos aqui analisados possui relevância fundamental para a formulação no Brasil de uma possível antropologia da educação, uma vez que através da atuação destes torna-se possível um processo mais intenso de circulação de teorias antropológicas que estão continuamente em diálogo com a realidade encontrada no trabalho de campo. Mais que isso, se as pesquisas em educação desenvolvidas nos PPGAs tendem a privilegiar a análise dos processos educativos não escolares, aquelas que ocorrem junto aos PPGEs tendem a se voltar com mais frequência ao universo escolar, o que ao mesmo tempo demarca diferenças e complementariedades entre as antropologias da educação desenvolvidas nesses distintos espaços institucionais, reafirmando com isso a relevância da análise do perfil e da atuação dos agentes nesse campo.

Considerações finais

O percurso percorrido até aqui nos possibilitou ter uma ideia do processo de atuação de antropólogos em PPGEs no Brasil, indicando o desenho de certa face da antropologia da educação aqui desenvolvida. Ao que os dados indicam, o lugar da antropologia no campo educacional brasileiro ainda é periférico, se considerarmos que apenas 14% dos programas de educação contam com antropólogos em seus quadros, normalmente de forma pontual através de um único pesquisador.

O perfil desses pesquisadores aponta para uma sensível heterogeneidade no grupo analisado, com trajetórias bastante singulares, marcada pela presença expressiva (26%) daqueles que realizaram sua formação acadêmica no trânsito entre a antropologia e a educação. Tendo 70% deles realizado sua formação doutoral nos anos 2000, esta possivelmente é a marca mais homogênea no grupo, que aponta para um momento de formação que coincide com a ampliação das demandas em torno do debate acerca da diversidade cultural no campo da educação.

A atuação de tais pesquisadores junto aos PPGEs, que se desdobra no desenvolvimento de projetos de pesquisa e disseminação de seus resultados por meio de veículos especializados na área, aponta para uma prática interdisciplinar que se substancia na orientação de um número expressivo de dissertações e teses, que também indica uma grande demanda pela realização de trabalhos em educação com orientação antropológica.

Ao que me parece, apesar do lugar periférico ocupado, a atuação dos antropólogos nos PPGEs mostra-se fundamental no processo de renovação do debate educacional, ao possibilitar o lançamento de novos olhares sobre essa realidade. Mais que isso, os antropólogos atuantes nos PPGEs têm-se preocupado com um objeto ainda bastante esquecido por outros antropólogos: a escola, pois, devido ao próprio desenho institucional das faculdades de educação no Brasil, a educação escolar ganha proeminência em suas pesquisas, o que por si só demonstra a relevância do desenvolvimento das pesquisas antropológicas desenvolvidas nesses espaços, não só para o campo educacional, mas para a antropologia também.

Referências

  • BARTH, F. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.
  • BOURDIEU, P. Homo academicus Florianópolis: EDUFSC, 2011.
  • BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm >. Acesso em: 29 set. 2016.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm
  • BRASIL. Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008 Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm >. Acesso em: 29 set. 2016.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
  • CORRÊA, M. A revolução das normalistas. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 66, p. 13-24, ago. 1988.
  • CURY, C. R. J. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo: Cortez, 1988.
  • DAUSTER, T. An interdisciplinary experience in anthropology and education: memory, academic project and political background. Vibrant, Brasília, v. 12, n. 2, p. 451-496, 2015.
  • DWYER, T.; BARBOSA, M. L. O.; BRAGA, E. Esboço de uma morfologia da sociologia brasileira. Revista Brasileira de Sociologia, Aracaju, v. 1, n. 2, p. 147-178, 2013.
  • FERREIRA, M. S. O Centro de Pesquisas Educacionais do INEP e os estudos em ciências sociais sobre educação no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 38, p. 279-292, 2008.
  • FELDMAN-BIANCO, B. (Org.). Desafios da antropologia brasileira Brasília: ABA, 2013.
  • FONSECA, C. Avaliação dos programas de pós-graduação: do ponto de vista de um nativo. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 7, n. 16, p. 261-275, 2001.
  • GOMES, A. M. R.; GOMES, N. L. Anthropology and education in Brazil: possible pathways. In: ANDERSON-LEVITT, K. M. (Ed.) Anthropologies of education: a global guide to ethnographic studies of learning and schooling. New York: Berghahn Books, 2011. p. 111-130.
  • GROSSI, M. P. Os egressos dos programas de pós-graduação em antropologia. In: TRAJANO FILHO, W.; RIBEIRO, G. L. (Org.). O campo da antropologia no Brasil Rio de Janeiro: Contra Capa: Associação Brasileira de Antropologia, 2004. p. 39-68.
  • GUSMÃO, N. M. M. Antropologia e educação: história e trajetos/Faculdade de Educação - Unicamp. In: GROSSI, M. P.; TASSINARI, A.; RIAL, C. (Org.). Ensino de antropologia no Brasil: formação, práticas disciplinares e além-fronteiras. Blumenau: Nova Letra, 2006. p. 299-331.
  • GUSMÃO, N. M. M. Entrelugares: antropologia e educação no Brasil. Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 1, p. 29-46, 2009.
  • GUSMÃO, N. M. M. Antropologia e educação: um campo e muitos caminhos. Linhas Críticas, Brasília, v. 21, n. 44, p. 19-37, 2015.
  • MICELI, S. História das ciências sociais no Brasil: vol. 1. São Paulo: Vértice, 1989.
  • NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República São Paulo: EDUSP, 1974.
  • OLIVEIRA, A. O lugar da antropologia na formação docente: um olhar a partir das Escolas Normais. Pro-Posições, Campinas, v. 24, n. 2, p. 27-40, 2013a.
  • OLIVEIRA, A. Por que etnografia no sentido estrito e não estudos do tipo etnográfico em educação?. Revista FAEEBA, Salvador, v. 22, n. 40, p. 69-82, 2013b.
  • OLIVEIRA, A. Sobre o lugar da educação na antropologia brasileira. Temas em Educação, João Pessoa, v. 24, n. 1, p. 40-50, 2015.
  • OLIVEIRA, A.; BOIN, F.; BÚRIGO, B. A antropologia, os antropólogos e a educação no Brasil. Revista Anthropológicas, Recife, v. 27, n. 2, p. 21-44, 2016.
  • OLIVEIRA, R. C. Sobre o pensamento antropológico Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
  • PEIRANO, M. The anthropology of anthropology: the Brazilian case. 1981. Tese (Doutorado em Antropologia)-Harvard University, Cambridge, 1981.
  • PEIRANO, M. A teoria vivida - reflexões sobre a orientação em antropologia. Ilha, Florianópolis, v. 6, n. 1-2, p. 209-218, 2004.
  • RUBIM, C. de R. Antropólogos brasileiros e a antropologia no Brasil: a era da pós-graduação. 1996. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)-Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996.
  • SANABRIA, G. V. O ensino de antropologia no Brasil: um estudo sobre as formas institucionalizadas de transmissão da cultura. 2005. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)-Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
  • SCOTT, P.; CAMPOS, R. B. C.; PEREIRA, F. G. (Org.). Rumos da antropologia no Brasil e no mundo: geopolíticas disciplinares. Recife: Editora UFPE: ABA, 2014.
  • SILVA, G. M. D. Sociologia da sociologia da educação: caminhos e desafios de uma policy science no Brasil (1920-1979). Bragança Paulista: Edusf, 2002.
  • SARTORI, A. J. A experiência como mediadora no ensino da antropologia para quem não vai ser antropólogo 2010. Tese (Doutorado em Antropologia Social)-Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.
  • TOSTA, S. de F. P. Cruzando fronteiras- entre a antropologia e a educação no Brasil e na Argentina. Pro-Posições, Campinas, v. 24, n. 2, p. 95-107, 2013.
  • VALENTE, A. L. Usos e abusos da antropologia na pesquisa educacional. Pro-Posições, Campinas, v. 7, n. 20, p. 54- 64, 1996.
  • 1
    Assumo aqui o termo “antropologia da educação”, ainda que reconheça que este não é consensual entre pesquisadores brasileiros, porém compreendo que esta é uma das possíveis interfaces existentes em meio às amplas possibilidades de diálogo que se colocam entre a antropologia e a educação. Portanto, preocupo-me aqui com o desenvolvimento de uma reflexão antropológica que assume a educação como objeto de reflexão.
  • 2
    Reconhece-se aqui a existência de outros percursos acadêmicos que possibilitam a formação em antropologia, seja através da graduação e/ou mestrado em antropologia/ciências sociais, ou ainda da orientação antropológica recebida em programa de pós-graduação de outra área do conhecimento. Todavia, o recorte aqui estabelecido levou em consideração dois aspectos: a) a disponibilidade dos dados na plataforma Sucupira, que indica em termos de formação profissional dos docentes em programas de pós-graduação apenas a última titulação; b) o fato de que, no campo acadêmico, a constituição da identidade profissional dá-se recorrentemente através da formação em nível de pós-graduação, especialmente o doutorado, como indica o trabalho de Dwyer, Barbosa e Braga (2013)DWYER, T.; BARBOSA, M. L. O.; BRAGA, E. Esboço de uma morfologia da sociologia brasileira. Revista Brasileira de Sociologia, Aracaju, v. 1, n. 2, p. 147-178, 2013., ao analisarem o perfil dos sócios da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) a partir da sociologia das profissões.
  • 3
    Apesar de os trabalhos sobre a história da antropologia no Brasil nos possibilitarem uma retomada do processo de institucionalização dessa ciência em nosso país, creio que ainda se está por fazer uma análise sócio-histórica cuidadosa sobre como se desenvolveram as relações institucionais entre a antropologia e a educação no Brasil. Devido, portanto, à ausência de uma literatura especializada nessa temática, procuro nesse subtópico apresentar ao leitor de forma sucinta como essas relações se deram, de modo que se possam compreender melhor os processos de distanciamentos e aproximações entre a antropologia e a educação no Brasil.
  • 4
    Trata-se de um movimento de renovação do ensino que passa a desenhar-se a partir do final do século XIX, ganhando força no começo do século XX. No Brasil, esse movimento ganha maior visibilidade com o chamado Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932. Para uma melhor análise do debate no período, vide o trabalho de Cury (1988)CURY, C. R. J. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo: Cortez, 1988..
  • 5
    Os primeiros cursos de ciências sociais criados são os da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (1933), da Universidade de São Paulo (1934) e da Universidade do Distrito Federal (1935).
  • 6
    Apesar de ser um centro nacional, ele também contava com centros regionais nas cidades de Recife, Salvador, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.
  • 7
    Trata-se do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), com uma linha de pesquisa voltada para a educação indígena.
  • 8
    Lei que torna obrigatório o ensino de história e culturas afro-brasileiras em todas as séries da educação básica.
  • 9
    Altera a lei nº 10.639/2003 ao introduzir também a questão da história e cultura indígena.
  • 10
    Trata-se do programa “Educação, Culturas e Identidades”, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco e pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.
  • 11
    Destaca-se que parte significativa realizou curso de licenciatura em sua graduação, porém devido à profunda diversidade de modelos formativos existentes, alguns nos quais o contato com o debate educacional e com a escola é ínfimo, destaquei aqui apenas aqueles que realizaram a formação em pedagogia em nível de graduação ou em educação em nível de mestrado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2016
  • Aceito
    12 Abr 2017
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: horizontes@ufrgs.br