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NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2013. 304 p.

NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. . As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2013. 304 p.

Diversidade sexual e religiosidades cristãs: embates discursivos e subjetividades na esfera pública e privada

As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil, escrito pelos antropólogos Marcelo Natividade e Leandro de Oliveira, é fruto de suas pesquisas etnográficas sobre homossexualidade e religião.

O livro elucida os embates travados na esfera pública e privada entre duas importantes esferas da vida social: religião e sexualidade, tendo como foco a experiência das igrejas inclusivas.

De modo geral, os autores buscaram aclarar as relações entre religião e sexualidade no Brasil atual, colocando em discussão a construção da cidadania da população LGBT e as respostas religiosas a essas construções. O objetivo do livro, portanto, é discutir a questão da mudança social relacionada ao reconhecimento da diversidade sexual e o modo como as diferentes instituições religiosas dão respostas a essa mudança.

“Os caminhos metodológicos da pesquisa” e construção do livro são tecidos no capítulo inicial de mesmo nome, no qual os autores apresentam a metodologia empregada na pesquisa, expondo as diferentes técnicas qualitativas combinadas. No que se refere ao levantamento e revisão bibliográficos foram privilegiadas a produção recente e as pesquisas documentais em sites, blogs e páginas da internet com conteúdos religiosos. Na interpretação de dados, a análise de biografias foi técnica muito proveitosa para olhar para as dinâmicas de mudança social. Os dados obtidos apresentaram-se como um universo heterogêneo, que necessitou esforço dos autores para apresentar “vozes dissonantes e a perspectiva das sexualidades policiadas, de sujeitos periféricos, bem como suas estratégias de resistência, deslocamentos e disjunções” (p. 38).

O segundo capítulo, denominado “Diversidade sexual e religião: a construção de um problema”, apresenta um apanhado da literatura sobre as relações entre diversidade sexual e religião, especialmente no que se refere às bibliografias do campo das ciências sociais. As primeiras literaturas dessa área apontam para a rejeição à homossexualidade por segmentos religiosos, em especial católicos e evangélicos; em contrapartida os cultos afro-brasileiros são retratados como universos mais flexíveis à homossexualidade.

O terceiro capítulo, “Diferenças indesejáveis: reinventando a ‘ameaça homossexual’ em tempos de cidadania LGBT”, aponta para as reconfigurações desse cenário introduzidas com a emergência das ditas “igrejas gays”. Nesse capítulo os autores apresentam os discursos sobre a diversidade sexual ancorado por atores e instituições cristãs. Com relatos etnográficos contundentes, revelam que a visibilidade e mobilização política das minorias sexuais ameaçam as fantasias de poder e de identidade cultivada nos discursos, que, por um lado, pretendem orquestrar consensos que deveriam ser universalmente difundidos e aceitos e, por outro lado, trata-se, se não da defesa de interesses, ao menos da manutenção de privilégios exclusivos a pessoas às quais é atribuída a identidade heterossexual em detrimento dos direitos sexuais e reprodutivos da minoria LGBT.

As igrejas autodenominadas “igrejas inclusivas” são o foco do quarto capítulo, cujo título é “Contra o monopólio heterossexista do poder religioso: grupos e igrejas inclusivas”. Nesse capítulo os autores apresentam as diferentes nuances das percepções sobre a população LGBT no campo religioso brasileiro, explorando dados da pesquisa na esfera pública e etnografia de cultos e outros eventos. Revela-se que a pluralidade interna do segmento inclusivo é destacada nos múltiplos discursos forjados no seu interior, comportando mediações, rupturas, continuidades e novas construções. As falas evidenciam o modo pelo qual a diversidade sexual é significada nos cultos, demonstrando a dissidência em relação às igrejas convencionais.

No quinto capítulo, “‘Nós amamos os homossexuais’: algumas perspectivas pastorais de ‘acolhimento’ a pessoa LGBT”, Natividade e Oliveira se aprofundam no exame dos discursos de “acolhida” proferidos no universo evangélico conservador. Demonstram-se os aspectos de regulação da sexualidade e do controle das condutas dirigidos às travestis, gays e lésbicas. Nesse sentido, dissociam o “pecador” do “pecado”, como apontam os autores, fazendo com que o discurso sobre acolhida opere com juízos morais sobre as pessoas LGBT, trabalhando na “transformação” dessas pessoas para salvação. Os autores apontam ainda essa estratégia como ação micropolítica de resistência às transformações contemporâneas que demandam uma maior visibilidade da diversidade sexual.

“O poder religioso e as pessoas LGBT” é tema do sexto capítulo, no qual os autores refletem sobre as formas de socialização nos ambientes religiosos e como essas formas podem ou não ensejar processos de estigmatização. Através das trajetórias religiosas e afetivo-sexuais de entrevistados, exploram as situações de interação e como os aspectos da construção da subjetividade são impactados pelos valores e pertencimento religioso.

No sétimo capítulo “Deus ‘transforma’ ou Deus ‘aceita’? Negociações e mediações na passagem às igrejas inclusivas”, Natividade e Oliveira discutem as alternativas religiosas, cujas normas não interditam o exercício da sexualidade: as “igrejas inclusivas”. São apontadas como uma inovação no campo religioso brasileiro e se caracterizam por conciliar a religiosidade cristã e a vivência da homossexualidade (p. 215). Elas oferecem um contraponto no qual é possível perceber e problematizar dilemas de constituição das identidades LGBT vivenciadas em contextos religiosos, onde mediações e tensões entre idiomas culturais distintos são polarizados entre as noções de transformação e aceitação. Esse capítulo constitui-se como uma colaboração importante no que se refere à constituição da subjetividade de uma parcela da população LGBT, cuja adesão a cultos religiosos é dimensão essencial da vida (p. 242).

As “Convenções culturais, relações familiares e orientação sexual” são tema do oitavo capítulo, de mesmo nome. Nele são elucidadas questões referentes às relações familiares, subjetividade, religião e convenções culturais sobre a sexualidade. Focados principalmente nas concepções sobre diversidade sexual e religião das mães de fiéis homossexuais que frequentavam os cultos, os autores sugerem que se produz uma mediação entre a perspectiva religiosa cristã hegemônica sobre a homossexualidade e sua própria visão de mundo. Um dos exemplos é a percepção de que a igreja inclusiva afasta seus membros do “mundo”.1 1 A categoria “mundo”, acionada principalmente por religiosos cristãos, se refere à ideia de que fora da igreja o fiel está “no mundo”, sujeito a práticas consideradas denegritórias, como fazer uso de bebida alcoólica, fumo, práticas sexuais não heterossexuais e fora do casamento (no caso da igreja inclusiva essa prática poderia “corresponder” à relação de homossexuais com parceiros que não sejam namorados ou casados), ter sociabilidade noturna em festas e boates, entre outras práticas. O cuidado com o filho e a manutenção do vínculo filial, prescrição cultural do cuidado materno, engendra atitudes e discursos de aceitação por parte das mães que foram entrevistadas nas pesquisas dos autores. Nesse sentido, os autores colaboram para a melhor compreensão das atuais dinâmicas das relações entre adesão religiosa e experiência no campo da sexualidade, trazendo uma gama de discursos de distintos atores que ilustram dilemas e soluções complexas.

“À guisa de conclusão”, constante no nono capítulo, traz um resumo geral dos temas abordados no livro, buscando refletir em que medida a religião reproduz estigmas ou colabora para a construção de discursos positivos em face da diversidade sexual. Os diferentes capítulos postulam a existência de idiomas culturais e práticas sociais religiosas que se tensionam com a visibilidade recente da diversidade sexual.

O livro de Natividade e Oliveira traz à tona os embates entre os discursos religiosos hegemônicos e os novos discursos frente à atual visibilidade da população LGBT, apontando a construção de um novo problema social que é a homofobia, revelando que muito ainda deve ser feito para desvelar lógicas opressoras no contexto contemporâneo brasileiro, que, por repetidas vezes, aparecem sob o véu da bondade e do cuidado (p. 283).

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    A categoria “mundo”, acionada principalmente por religiosos cristãos, se refere à ideia de que fora da igreja o fiel está “no mundo”, sujeito a práticas consideradas denegritórias, como fazer uso de bebida alcoólica, fumo, práticas sexuais não heterossexuais e fora do casamento (no caso da igreja inclusiva essa prática poderia “corresponder” à relação de homossexuais com parceiros que não sejam namorados ou casados), ter sociabilidade noturna em festas e boates, entre outras práticas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017
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