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Café-com-leite, piques e gigantes: brincando no acampamento Canaã (MST - DF)

Playing at the Canaã occupation (MST - Federal District, Brazil)

Resumo

Este artigo busca compreender as brincadeiras em sua endogenia (Mafeje, 1971, 1991). A partir das brincadeiras de queimada, do pique-esconde, do dominó com crianças que participam de ocupações do acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, busco levar a sério os significados conceituais de café-com-leite, guardar caixão e licença. Argumento que a maneira de pensar as brincadeiras pode mudar perspectivas da disciplina antropológica. O artigo foi desenvolvido a partir de uma etnografia no acampamento Canaã (MST), localizado no Distrito Federal, e na ocupação que o movimento fez na Praça do Buriti para pressionar o governo Rollemberg (2015-2018) por políticas de reforma agrária.

Palavras-chave:
brincadeira; MST; jogo; etnografia

Abstract

This article seeks to understand play in its endogeny (Mafeje, 1971, 1991). Playing dodgeball, the hide and seek, the dominoes with children who participate in occupations of Landless Workers’ Movement (MST), I seek to take seriously the conceptual meanings of café-com-leite, guardar caixão and licença. I argue that the way games are thought can change perspectives in anthropological discipline. The article was developed from an ethnography at the Canaã camp (MST), located in the Federal District, and in the occupation that the movement made in Praça do Buriti to pressure the Rollemberg government (2015-2018) for agrarian reform policies.

Keywords:
play; MST; game; etnography

Ser criança é ser feliz, pra ser feliz tem que brincar

pra brincar tem que sorrir, pra sorrir tem que lutar.

Música cantada no encontro dos Sem-Terrinha

A literatura do que se convencionou chamar de Antropologia da Criança tem desenvolvido, no Brasil, uma profícua discussão com potencial de impactar, de forma ampla, o conjunto de etnografias que são produzidas entre os pares da Antropologia. Talvez sua principal contribuição seja de mostrar que as crianças estão presentes e atuando nos mais diferentes contextos, e que a recorrente obliteração dessa agência acaba por eliminar formulações que enriquecem a compreensão dos modos de vida. A Antropologia da Criança tem dito que as crianças não são reflexos mecânicos decorrentes de uma socialização unidirecional dos adultos, que é preciso reconhecer sua agência e negar noções universais de infância (Buss-Simão, 2009BUSS-SIMÃO, M. Antropologia da criança: uma revisão da literatura de um campo em construção. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 10, n. 20,p. 1-16, jul. 2009.; Cohn, 2005COHN, C. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005., 2013COHN, C. Concepções de infância e infâncias. Um estado da arte da antropologia da criança no Brasil. Civitas, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p.221-244, 2013.; Tassinari, 2009TASSINARI, A. Múltiplas infâncias: o que a criança indígena pode ensinar para quem já foi a escola - ou a sociedade contra a escola. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 33., 2009, Caxambu. Anais […]. São Paulo: Anpocs, 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/papers-33-encontro/gt-28/gt16-24/1935-antonellatassinari-multiplas/file . Acesso em: 20 jan. 2020.
http://www.anpocs.com/index.php/papers-3...
).

Essas valiosas discussões esbarram em um limite constitutivo da própria Antropologia enquanto disciplina acadêmica: a alteridade fundamental entre crianças e adultos é o que sustenta a categorização e a instituição da Antropologia da Criança enquanto um campo acadêmico (Belisário; Borges, 2018BELISÁRIO, G.; BORGES, A. Ser criança em movimento: ontologias e alteridades na pesquisa com crianças. DESidades: Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude, Rio de Janeiro, v. 21, p. 83, 2018.). Assim, as vozes das crianças são praticamente restritas às discussões da Antropologia da Criança, enquanto parte considerável das etnografias simplesmente ignoram a presença delas nas formações sociais estudadas, como se somente os adultos habitassem o mundo. É como se existisse um campo de estudos para fazer antropologia1 1 Utilizo duas grafias para a palavra Antropologia/antropologia. Antropologia com “A” maiúsculo para designar a disciplina científica e os cânones e a antropologia com “a” minúsculo para se referir às outras discussões sob essa insígnia. com crianças e todos os outros campos para fazer antropologia com adultos.

Tal divisão doméstica da Antropologia a partir da ideia de alteridade - particularmente essa que estabelece a alteridade fundamental entre crianças e adultos - tem efeitos no conhecimento que é produzido. A divisão de crianças e adultos enquanto objetos de estudos cria pontos cegos para tudo aquilo que ultrapassa os limites dessas taxonomizações. Assuntos entendidos como “de adultos” como a política estatal, a economia capitalista e a sexualidade ficam muito distantes das etnografias com crianças. Ao mesmo tempo a educação escolar, as brincadeiras são entendidas como temas “das crianças”. A Antropologia da Criança faz uma importante reflexão sobre o ser criança, no entanto, não é objeto de nenhum campo o debate do que é ser adulto e o questionamento da adultez como uma noção universal. (Belisário; Borges, 2018BELISÁRIO, G.; BORGES, A. Ser criança em movimento: ontologias e alteridades na pesquisa com crianças. DESidades: Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude, Rio de Janeiro, v. 21, p. 83, 2018.).

As brincadeiras, tema deste artigo, são um exemplo emblemático do nó que as categorizações internas à Antropologia podem criar. Ao longo da pesquisa de mestrado, pude notar que adultos não só participavam dos jogos, brincavam de queimada, assistiam aos filmes infantis junto com as crianças no acampamento Canaã (MST-DF), como inclusive jogavam jogos restritos às crianças menores. A obra clássica de Ariès (1981)ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981. mostra como a brincadeira foi sendo relegada ao mundo das crianças no imaginário social à medida que se erigia o sentimento moderno de infância. Diferentes relatos históricos, diários, obras de artes analisadas pelo historiador mostram como o divertimento das crianças e dos adultos eram as mesmas atividades, pelo menos até o século XVII.

Se a brincadeira, historicamente e etnograficamente, pode ultrapassar os limites do ser criança e do ser adulto, por que não vemos uma reflexão sobre o brincar que afete o conjunto da Antropologia? Este artigo busca se afastar de entender as brincadeiras aqui descritas como “reprodução interpretativa do mundo adulto entre pares” ou “culturas infantis” (Corsaro, 2002CORSARO, W. A. A reprodução interpretativa no brincar ao “faz-de-conta” das crianças. Educação, Sociedade e Cultura: Revista da Associação de Sociologia e Antropologia da Educação, Porto, v. 17, p. 113-134, 2002.; Sarmento, 2005SARMENTO, M. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-378, 2005.). A tentativa metodológica deste artigo é de compreender a brincadeira em sua endogenia, evitando a definição a partir de conceitos exógenos a ela (Mafeje, 1971MAFEJE, A. The ideology of “Tribalism”. The Journal of Modern, African Studies, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 253-261, 1971., 1991MAFEJE, A. The theory and ethnography of African social formations: the case of the interlacustrine kingdoms. Dakar: Codesria, 1991.). O desafio é compreender a queimada, o pique-cola, o esconde-esconde, o café-com-leite em seus próprios termos. Brincar é entendido por meus anfitriões2 2 O termo “anfitriões” é uma opção metodológica utilizada por Antonádia Borges (2009) para se referir ao que comumente na Antropologia se chama de interlocutores. Opto por pensar as relações de pesquisa aqui descritas na mesma chave. como uma maneira de pensar e de agir. Brincar é movimentar simultaneamente ideias, conceitos, imagens, sons, texturas e sentimentos. Quando alguém brinca de casinha, coloca em movimento panelinhas e filhinhos,3 3 Borges e Kaezer (2011) narram a brincadeira de crianças no Recanto das Emas (DF) que consistia em inventar uma cidade com materiais e objetos que as rodeavam. As autoras defendem que as brincadeiras das crianças não se circunscrevem por uma “experiência naturalista”, mas envolvem formas plásticas de “mundos possíveis” e “não necessariamente conhecidos” (Borges; Kaezer, 2011). junto com ideias sobre habitação, família e mesmo sentimentos de raiva, de alegria, tristeza.

Essa maneira de pensar do brincar pode afetar o jeito como pensamos toda a Antropologia e a etnografia, não só da Antropologia da Criança. A antropologia pode ser entendida enquanto um jogo de deslocamentos e movimentações de ideias e conceitos e sentimentos também. Levando a sério as propostas de Wagner (2009)WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2009., podemos entender as etnografias da antropologia como um jogo, em que se faz de conta que os outros constituem uma cultura própria, convive-se com as pessoas dessa “cultura” por um tempo e brinca-se com os conceitos antropológicos a partir do que é aprendido em campo com os outros.4 4 É uma espécie de jogo, se quisermos - um jogo de fingir que as ideias e convenções de outros povos são as mesmas (num sentido mais ou menos geral) que as nossas para ver o que acontece quando “jogamos com” nossos próprios conceitos por intermédio das vidas e ações dos outros. A antropologia movimenta seus conceitos clássicos como se fossem peças em um jogo de xadrez. No lugar de peões, reis e rainhas, a antropologia joga com os conceitos de alteridade, estrutura, cosmologia, poder e parentesco observando os movimentos que os outros fazem em suas próprias brincadeiras, em outros tabuleiros.

Também é possível encarar o papel da antropóloga e do antropólogo - a sua postura, os prazos, as leituras obrigatórias - como uma brincadeira. Manter a postura de antropólogo - com toda a seriedade que implica fazer esse jogo - faz parte de ser um antropólogo. Imitar, interpretar e jogar com papéis não estão entre as brincadeiras das crianças? Essa ideia pode ficar mais nítida trazendo as notas de campo de Bascom (1969)BASCOM, W. The Yoruba of Southwest Nigeria. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1969. sobre a brincadeira de crianças iorubás usadas no livro de Schwartzman (1978)SCHWARTZMAN, H. Transformations: the anthropology of children’s play. New York: Plenum Press, 1978.. Nessas notas, o autor narra uma nova brincadeira inventada por essas crianças enquanto ele estava em campo: brincar de antropólogo.5 5 “Durante meu trabalho com seus pais, essas três crianças inventaram um novo jogo: brincar de antropólogo. Um sentou-se na minha cadeira ou almofada com papel e lápis nas mãos. O segundo sentou-se na cadeira do pai, atuando como ‘intérprete’, enquanto o terceiro sentou-se em um banco como o informante costumava fazer. A segunda criança voltou-se para a primeira e disse: ‘Você é meu mestre’, e depois para a terceira criança, dizendo em iorubá: ‘O homem branco quer que você conte sobre Odua.’ A terceira criança respondeu em iorubá e a segunda voltou-se para a primeira e ‘interpretou’, fazendo uma série de sons sem sentido que deveriam soar como o inglês. A primeira criança rabiscou no papel e respondeu com mais sílabas sem sentido e a segunda criança passou para a terceira com uma nova questão em iorubá” (Bascom, 1969, p. 58, tradução minha). Uma das crianças sentava na cadeira com um papel e uma caneta interpretando o antropólogo. Uma segunda criança sentava em outra cadeira e era a intérprete. A criança que brincava de ser a intérprete virava-se para uma terceira criança e dizia: “O homem branco quer que você fale a respeito de Odua.” A terceira criança a respondia em iorubá e a intérprete proferia sons sem significado como se falasse inglês para a que brincava de antropólogo. A criança que interpretava o antropólogo anotava e tornava a pronunciar sons sem significado para a intérprete, que tornava a perguntar em iorubá para a que brincava de nativa. Essa brincadeira diz tanto sobre brincar quanto sobre Antropologia (Schwartzman, 1978SCHWARTZMAN, H. Transformations: the anthropology of children’s play. New York: Plenum Press, 1978.).

Seguindo nessa chave da brincadeira enquanto uma maneira de pensar, busco levar a sério nas páginas que seguem a brincadeira como inspiração metodológica. Nesta brincadeira etnográfica, tento, em forma de texto, pensar a maneira da criança que brinca de casinha, ou seja, misturando ideias, conceitos, imagens, texturas e sons em um pensamento de faz de conta. Para isso, busco borrar as fronteiras entre realidade e ficção. Os diálogos que apresento aqui não são transcrições exatas das falas que presenciei no acampamento. Muitos deles são misturas do que foi falado a mim em diferentes momentos e contextos. Alguns deles são inteiramente inventados a partir de conversas e ideias difusas que tive em campo. Tampouco segui a ordem dos acontecimentos na narrativa e sim a ordem que achei que melhor expressaria os aprendizados que tive durante a pesquisa. Evidentemente, não é porque contaram com uma dose de minha criatividade que as ideias contidas neste texto são totalmente minhas. A invenção deste trabalho é um esforço de “criatividade mútua” (Wagner, 2009WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2009.), que busca levar a sério as pessoas que encontrei em campo.

Segundo esta metodologia de faz de conta, inventei também as personagens que habitam nestas páginas. Suas características e personalidades são inspiradas em pessoas que conheci no Canaã. Da mesma forma, eu não teria competência para inventá-las sozinho. Além de fazer parte de um borramento entre os limites da ficção e da realidade, a criação de personagens é uma maneira que encontrei para não ser possível identificar crianças que, em muitos casos, trabalhavam - o que é ilegal -, e outros militantes que como elas eventualmente não gostariam de ser identificados por suas posições e falas. Esse borramento de identidades de militantes que ocupam terra torna-se ainda mais importante em tempos de forte perseguição política que vivemos no Brasil. Com diálogos, personagens e narrações, o Canaã que apresento é uma invenção cujas pretensões não são englobar totalmente a realidade.

A maior parte das cenas relatadas neste trabalho foram inventadas a partir de vivências que tive no acampamento Canaã - DF, uma parcela de terra em que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) reivindica política de assentamento rural. A ocupação é localizada em uma floresta de eucaliptos abandonada. No entanto, a pesquisa também foi realizada a partir de outros locais. A escola do Rodeador, em que a maioria das crianças e dos adultos do Canaã estudam, foi visitada por três vezes. Também estive por muitas vezes na ocupação da Praça Buriti em frente ao palácio do governador, onde militantes do MST dormiram e fizeram manifestações por cerca de um mês a partir de 21 de setembro de 2015. Os acontecimentos na praça também são relatados ao longo deste artigo.

Depois de alguns fins de semana passando filmes, brincando e conversando com as crianças do Canaã, fui recebido por Dona Rita e seus filhos Verônica e Caetano (na época com 16 anos e 5 anos, respectivamente), em casa por três semanas de setembro de 2015. A confiança da minha anfitriã para abrir a casa a um quase completo estranho como eu foi de fundamental importância para minha presença em boa parte das cenas narradas aqui. Ficando com essa família, além de brincar mais, tive a possibilidade de participar de atividades políticas do movimento na Praça do Buriti (sede do governo distrital), ir em algumas aulas na escola e viver o cotidiano da casa.

Caetano é difícil

Eram quatro horas da manhã quando o barulho do foguete me acordou. Rapidamente me levantei no susto. O ônibus que levaria os acampados para frente do Palácio do Buriti sairia em 30 minutos. Entrando no nono mês do novo governo eleito em 2014, os dirigentes do MST no Distrito Federal disseram que quase não houve novas destinações de áreas para assentar famílias, o que paralisara a reforma agrária na região. Ônibus vindos de várias partes do Distrito Federal foram para a Praça do Buriti para montar um acampamento que duraria algumas semanas. A estrutura do acampamento com cozinha, brinquedoteca, vendas e barracas para a militância dormir no meio do Eixo Monumental tinha como propósito pressionar o governo Rollemberg (2015-2018) a dar mais celeridade às políticas de reforma agrária.

Não era somente o MST que entrava em embate com o governo naquele dia. Caetano não teve aula devido à paralisação de professores. O Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro) chamava uma mobilização de professores para a mesma praça para onde estávamos nos deslocando.6 6 Depois de algumas paralisações em setembro de 2015, os professores da rede pública do DF entraram em greve contra a suspensão do último reajuste prometido em 2013. A greve durou do dia 15 de outubro ao dia 12 de novembro. Sob a insígnia “Calote não”, naquela mesma manhã, os professores e outras categorias foram para a frente do palácio contra a suspensão dos reajustes de seus salários, feitos pelo Governo de Brasília.7 7 No dia 18 de abril de 2015, o governador Rodrigo Rollemberg anunciou que o Governo do Distrito Federal (GDF) passaria a ser chamado de Governo de Brasília. Com a paralisação dos professores para o dia de mobilização, Dona Rita e Caetano puderam ir à mobilização sem ter que faltar aula. Verônica não foi conosco porque a professora de matemática resolveu dar prova no dia de paralisação.

Troquei de roupa e saí do quarto. Ainda estava escuro e eu estava atordoado de sono quando Caetano diz: “Mãe, a Fiona está com catapora.” A cadela tinha várias pintas pretas no rosto. Dona Rita exclama: “Caetano! Você pintou o cachorro!” O menino tinha pintado a cadela com o rímel da irmã, que ainda segurava em sua mão. Não conseguimos deixar de rir. “Caetano é difícil, Gustavo. Faz muita arte”, disse Dona Rita sorrindo e preconizando as outras travessuras que o menino ainda faria naquele dia. Dona Rita colocou comida, algumas roupas e uns brinquedos de Caetano em uma mochila e saímos de casa. Cerca de 20 crianças, adultos e idosos do Canaã foram no ônibus para a ação do MST. Passamos ainda em outros dois acampamentos para buscar mais militantes. Eliana puxava com empolgação as músicas do movimento até chegar no palácio. Caetano ficou quieto por quase todo o percurso. O menino só abriu a boca para cantar um verso de uma das músicas: “Essa luta é nossa. Essa luta é do povo.”

Chegamos à praça em nosso destino por volta das 6h30. A Praça do Buriti fica no Eixo Monumental de Brasília e separa o Palácio do Buriti, que sedia o Governo de Brasília, da Câmara Legislativa e o Tribunal de Justiça do DF. Um espelho d’água divide a praça em duas áreas grandes. Na parte de cima do espelho d’água, muitos pés de manga. Dos dois lados, entre os monumentos e a praça, ficam vias enormes, com cinco faixas cada. Os militantes logo se espalharam pela praça, entre as mangueiras, e armaram barracas. Alguns foram fazer a cozinha e outros foram jogar dominó. Eliana pegou o triângulo e continuou cantando as músicas do movimento enquanto tocava. Caetano pega o relógio de brinquedo do Ben 108 8 Ben 10 é um personagem de um desenho animado que usa seu relógio para se transformar em criaturas alienígenas e derrotar outros alienígenas. da mochila que sua mãe levou e começa a brincar:

Caetano: Esse relógio tá quebrado…

Gustavo: O meu tá funcionando - apontando para um relógio invisível que estava no meu braço.

Caetano: Funciona nada!

Gustavo: Olha aqui! - faço um barulho com a boca.

Caetano pega novamente seu relógio e diz: Sou um gigante! E tô pegando fogo! - ele roda pela praça um pouco, para na minha frente e diz - Você agora é um diamante! Pá!

Gustavo: Ahhhh!

Caetano: Agora eu sou um eucalipto e vou cair em você! - levanta seus braços e tomba para o lado em minha direção - Meu relógio agora não tá funcionando de novo…

Gustavo: Mas é de mentirinha, né, Caetano?

Caetano: É de sonho.

Fians (2015)FIANS, G. Entre crianças, personagens e monstros: uma etnografia de brincadeiras infantis. Rio de Janeiro: Ponteio Edições, 2015. explora a categoria “de mentirinha”, usada pelas crianças durante seu trabalho de campo para distinguir a brincadeira do que é sério. Seguindo o pensamento de Bateson (2000)BATESON, G. Steps to an ecology of mind. Chicago: The University of Chicago Press, 2000., o autor argumenta que a comunicação da brincadeira - de mentirinha - se baseia em um registro do como se fosse, em uma instável e parcial contraposição com o registro de como é, do que é sério. Na brincadeira com Caetano, a comunicação guarda similaridades com o registro da mentirinha descrito por Fians. O fato de falar “sou um gigante” não distingue Caetano de “ser um gigante” em certo nível. A brincadeira consiste em agir como se fosse um gigante, apontar o relógio para alguém como se o transformasse em diamante, correr como se estivesse sendo perseguido. Bateson (2000BATESON, G. Steps to an ecology of mind. Chicago: The University of Chicago Press, 2000., p. 317, tradução minha) apresenta muito bem esse caráter metacomunicativo da brincadeira, que de forma muito instável se diferencia da denotação: “Expandida, a menção ‘isso é uma brincadeira’ é algo como: estas ações em que nos engajamos agora não denotam o que elas denotariam.”

Muito inspirado nessas reflexões, perguntei a Caetano se aquele faz de conta era de mentirinha. A resposta de Caetano associou a brincadeira ao sonho. Do mesmo modo que os sonhos, o limite da brincadeira é a barreira entre o que é falso e o que é verdadeiro. Sonhos e brincadeiras não operam com essa dicotomia.9 9 “Da mesma forma, no sonho ou na fantasia o sonhador não opera com o conceito de ‘falso’. Ele opera com todos os tipos de declarações, mas com uma curiosa incapacidade de realizar metacomunicações. Ele não pode, a menos que esteja perto de acordar, sonhar com um pensamento referente (ou seja, dar um enquadramento) ao seu sonho” (Bateson, 2000, p. 321, tradução minha). Qualquer pensamento referente à condição de sonhar ou questionamento da sua veracidade só ocorre quando estamos despertos ou em um momento próximo a acordar (Bateson, 2000BATESON, G. Steps to an ecology of mind. Chicago: The University of Chicago Press, 2000.).

Freud (1987aFREUD, S. A interpretação dos sonhos (I) (1900). 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987a. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 4)., 1987bFREUD, S. A interpretação dos sonhos (II) e Sobre os sonhos (1900-1901). 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987b. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 5).) diz que os sonhos se diferenciam do pensamento lógico-formal. Os sonhos operam por imagens que são vividas enquanto realidade e enquanto experiência. Estamos falando de uma linguagem não denotativa, não representacional. Na leitura de A interpretação dos sonhos de Tambiah (2013TAMBIAH, S. Múltiplos ordenamentos de realidade: o debate iniciado por Lévy-Bruhl. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 22, p. 193-220, 2013., p. 14): “Em outras palavras, o sonho faz as relações lógicas colapsarem, ou no mínimo ele não dispõe de nenhum meio para representar relações como as de ‘e se’, ‘porque’, ‘tais como’, ‘isso ou aquilo’ e relações de ‘causa’, ‘conexão’ e ‘contradição’.”

Seguindo esse pensamento, ao levantar as mãos e tombar, o menino não está representando um eucalipto, e sim expressando com gestos, sons e palavras o que é ser um eucalipto e evocando os efeitos de seu derrubamento. Essa forma não representacional de comunicação e de pensamento aproxima a brincadeira da ficção, da poesia, da música, e de outras artes, “que nada denotam mas ‘muito mostram’ e transmitem sentimento” (Tambiah, 2013TAMBIAH, S. Múltiplos ordenamentos de realidade: o debate iniciado por Lévy-Bruhl. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 22, p. 193-220, 2013., p. 28). A brincadeira surge a partir de um ato criativo, em que a percepção da realidade é simultânea à lembrança de sabores, cheiros, nomes, formas, animais e sentimentos. Essa simultaneidade entre percepção da realidade e a memória da criança distancia a brincadeira da dicotomia entre realidade e ficção, aproximando-a de outras atividades da mente. A brincadeira de Caetano mistura os eucaliptos do Canaã, o relógio do Ben 10 da TV e a lembrança de algum gigante, atualizando todos esses elementos no mesmo ambiente da praça em frente ao Palácio do Buriti.

Já era quase meio-dia quando Dona Rita interrompeu a brincadeira e chamou Caetano. Militantes do movimento se dirigiam à pista do Eixo Monumental. No caminho para ocupar a via, Caetano vê o espelho d’água da praça:

Caetano: Mainha, posso entrar na água?

Dona Rita: Tá suja, Caetano.

Caetano: Ah, não!

Dona Rita: Tem jacaré aí. - Caetano olhou para a água procurando o jacaré do espelho d’água. O menino não disse mais nada e seguimos para a rua.

Do outro lado do espelho d’água, ainda na praça em frente ao Buriti, o carro de som do Sinpro puxava gritos de ordem contra o governo de Rollemberg. O MST ocupou uma via do Eixo Monumental em frente ao Palácio do Buriti e deu a volta na praça pela contramão dos carros, passando ao lado do carro de som dos professores. A militância contornou a praça e marchou no outro sentido do Eixo Monumental, em frente à Câmara Legislativa do Distrito Federal, ainda na contramão. A polícia acompanhou todo o trajeto. Kethlen, Lucas, Leonardo e outras crianças do Canaã também ocuparam a via. Eliana seguia puxando as músicas do movimento enquanto marchava. Mais tarde, Chico me falou que o movimento repetiria o mesmo trajeto nos dias posteriores até a polícia se acostumar. Assim poderiam ocupar algum órgão com a polícia desatenta.

Depois de contornarem a praça pela contramão da via, os integrantes do movimento voltaram para seus afazeres na praça. Caetano novamente quis entrar no espelho d’água. Dona Rita alertou: “E o jacaré, Caetano?” O menino ignorou, ficou só de cueca e pulou na água. A mãe riu. “Caetano dá trabalho”, disse ela para mim. Depois que Caetano pulou na água, não demorou muito e outras crianças entraram também. Uma menina e dois meninos de outros acampamentos pularam na água e brincaram de jogar água uns nos outros. Outra menina chega na beira do espelho d’água sem entrar:

Menino: Entra também!

Menina: Minha mãe não deixa…

Dona Rita, que antes estava reticente de seu filho entrar, diz: Entra um pouquinho.

A menina se anima e pula na água de roupa mesmo. As cinco crianças riem muito. Não passa muito tempo uma mulher bastante irritada vem andando e grita “Júlia”. A menina que tinha entrado por último rapidamente sai da água. “Eu não tinha dito pra você não entrar aí?” A menina não responde nada e volta com a mãe até as barracas entre as mangueiras.

Assim como nas atividades do MST na praça, as brincadeiras que acompanhei muitas vezes se depararam com esse tipo de limite. As mães proíbem os filhos de irem a certos lugares ou de se engajarem em certas atividades. Apesar disso, como com qualquer limite, essas proibições são testadas e recorrentemente negociadas.

A negociação desses limites muitas vezes se dá a partir de uma ontologia desobediente, que insiste em ultrapassá-los. Dona Rita não deixou Caetano entrar no espelho d’água e o menino entrou assim mesmo. A mãe de Júlia igualmente não a deixou entrar na água. Incentivada pela própria Dona Rita, a menina também entrou apesar da proibição, enfrentando consequências diferentes das de Caetano. A desobediência de Caetano “dá trabalho”, como Dona Rita disse. Mesmo assim, a mãe parece se divertir em alguns momentos que o filho se torna “difícil”, como quando ele pintou a cadela com rímel. A postura de Dona Rita, que muitas vezes me parecia um incentivo à desobediência de suas próprias ordens, me chamou atenção. Essa postura de incentivar que suas ordens não sejam levadas a sério lembra o que Wagner (2009)WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2009. descreve em relação aos daribi, em que tornar-se adulto é aprender a não levar tão a sério as convenções e a vergonha de não segui-las: “Isso significa aprender, sob as devidas circunstâncias, a não levar a vergonha nem um pouco a sério, a ser capaz de usar a vergonha (fazendo-se vergonhoso ou elicitando-o nos outros) para fins morais. Significa aprender a pecar, pois sem pecado não há salvação” (Wagner, 2009WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2009., p. 234).

É também movido pela desobediência que o MST ocupa a Praça do Buriti, as vias e os órgãos públicos. A polícia tenta o tempo todo limitar a ação do movimento. Mesmo assim, o movimento possui técnicas para enganar e surpreender a polícia e ultrapassar os limites da contenção. Como Chico disse, a repetição do mesmo trajeto todos os dias tinha como propósito pegar a polícia desprevenida, da mesma forma como nas brincadeiras existe a finta, quando um jogador faz que vai para um lado e vai para o outro, para enganar o adversário.

Tô de licença

A criatividade e as mensagens metacomunicativas também fizeram parte de brincadeiras coletivas. No trecho a seguir, as orientações e limites colocados pelas mães conformam os tempos e espaços do pique-cola americano. A passagem começa com Cleonice e Victor indo nas casas de outras crianças do acampamento para chamá-las para brincar. Algumas vezes, uma negociação com as mães precede a sair de casa.

Era domingo, 6 de setembro, quando fui à casa de Laura. Eu já tinha almoçado, mas não neguei a cachaça que João, seu marido, me ofereceu. Além de mim e do casal, Tião e Alberto estavam na parte externa do barraco almoçando, tomando cachaça e vendo a tarde passar. Os filhos de Laura e João estavam dentro de casa assistindo a um desenho animado na televisão. Cleonice, de 11 anos, e Victor, de 6 anos, estavam ansiosos para sair para brincar. A mãe lhes disse para esperar o sol baixar. Por volta das 15 horas, Cleonice e Victor saem do quarto e perguntam para a mãe:

Cleonice: Agora já pode, mãe?

Laura: Pode.

Cleonice, bastante empolgada: Vamos, Gustavo!

Levanto-me da cadeira, Cleonice e Victor pegam as suas bicicletas, passamos pelo cachorro e pelo galinheiro até sair do barraco. A poeira subia bastante no passar das bicicletas, típico do tempo seco do início de setembro no Distrito Federal. Sobre a terra vermelha e entre os eucaliptos e barracos, Cleonice e Victor foram chamar as outras crianças. Os dois irmãos param em frente a um dos barracos e Cleonice grita com certo ritmo:

Cleonice: Verôôôônica! Verônicáááááá! Verôôôôôônica!

Verônica: Que foi?

Cleonice: Vamos brincar de pique-cola!

Verônica: Onde? Cleonice: Pode ser no campinho da sua casa.

Verônica: Tá bom. Chama o resto.

Cleonice sai com sua bicicleta novamente entre os eucaliptos. Chegamos na casa de Eliana, mãe de quatro filhos: Lorena (14 anos), Lucas (12 anos), Leonardo (9 anos) e Luisa (5 anos). Cleonice comenta que Eliana raramente deixa que os filhos saiam para brincar. A menina torna a gritar o nome da filha mais velha:

Cleonice: Loreeeeeeena! Lorenáááá!

Lorena: Que foi?

Cleonice: Vamos brincar de pique-cola?

Lorena: Tô lavando a louça.

Eliana sai do barraco com as outras crianças e carregando uma Bíblia: Que foi, Cleonice?

Cleonice: Deixa os meninos brincar com a gente.

Eliana: Cê não tá lavando a louça Lorena?

Lorena: Tô acabando já, mãe. Deixa!

Eliana: Eu num gosto quando escurece e vocês ainda não voltaram…

Gustavo: Eu trago eles aqui quando estiver escurecendo.

Depois de alguma insistência, Eliana deixou que Lorena, Lucas e Leonardo fossem brincar conosco. Entretanto, a caçula Luisa não ganhou a permissão de ir com seus irmãos. Tinha tomado banho e sua mãe não queria que a menina se sujasse de terra. Frustrada de não poder ir, Luisa ficou aos prantos no barraco enquanto seus irmãos foram jogar pique-cola americano com as outras crianças. Mais de uma vez enquanto estive no Canaã, as brincadeiras coletivas no acampamento foram precedidas desse momento de chamar as outras participantes. Em algumas casas, as crianças tinham que negociar com as mães os termos para poderem sair. Algumas mães eram reconhecidas por serem mais difíceis para negociar, como é o caso de Eliana.

Nem todas as crianças eram visitadas para que participassem da brincadeira. Algumas eram em uns dias e não eram no outro. Tinha aquelas que as outras sabiam que não estavam no acampamento naquela hora. Outras não eram chamadas por alguma desavença. Como nas trocinhas do Bom Retiro descritas por Florestan Fernandes (1979)FERNANDES, F. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes, 1979., a composição dos grupos para as brincadeiras no acampamento tinham forte caráter vicinal - de forma que se procurava primeiro aquelas crianças que moravam mais perto. No entanto, diferente da análise clássica no Bom Retiro, o gênero não era um divisor determinante das brincadeiras que presenciei.

A brincadeira propriamente não começou. Porém, à medida que as crianças vão sendo chamadas ela já começa a ganhar alguns contornos: quem participa, quando ela pode começar, até que horas ela vai, onde vai ser, etc. Depois de o sol baixar, antes de escurecer, antes de banhar, após terminar as tarefas domésticas indicam os marcos temporais do início e do término da brincadeira. O espaço da brincadeira também começa a ganhar forma nesse momento de chamamento e negociação com as mães. Se as crianças vão brincar no campinho perto da casa de Verônica e Caetano ou no campão fora do acampamento, longe o suficiente para que algumas mães não deixem, são todas possibilidades cogitadas quando se chama as outras crianças para brincar. O convite feito por Cleonice, “vamos brincar de pique-cola?”, anuncia uma atividade com uma qualidade singular de perturbar as outras feitas no cotidiano.

Alguns minutos depois, sete crianças do Canaã se reúnem no campinho do acampamento. Discutem por um tempo quem seria o “pego” da brincadeira. Decidem que o pego seria a Lorena. Em poucos segundos nós começamos a correr. Lorena corre atrás de mim. Corri o mais rápido que consegui. Virei em um dos barracos perto do campinho. O cansaço logo denunciou a falta de costume de correr. Apoiei-me em um eucalipto e Lorena toca em mim dizendo “tá pego”. Fico parado por estar “colado” um tempo com Lorena em pé ao meu lado. “Não vale guardar caixão!”, grita Lucas de longe. A menina então corre atrás de Verônica e Lucas chega correndo e me “descola”. Verônica e Lorena correram em direção à casa de Alberto. O cachorro da casa late bem alto à medida que as crianças se aproximam e Verônica desvia para outro lado. Corri em direção à igreja do falecido pastor Marcos e Verônica me diz:

Verônica: A gente não corre praí, não.

Gustavo: Não?

Verônica: Não. A igreja é mal-assombrada.

À medida que a brincadeira acontece, ela vai conformando um certo lugar, um certo espaço. “A gente não corre praí” apresenta a forma como esse espaço é conformado. A construção do espaço aqui se difere muito do esquadrinhamento territorial das parcelas feito pelo Incra. A divisão “não correr praí” e “correr praí” não apontam um espaço determinado por um sistema métrico dimensionalmente limitado. Mesmo não seguindo uma delimitação espacial métrica, a brincadeira das crianças também se orienta por limites. Correndo em determinada direção, as crianças esbarram em casas, eucaliptos, cachorros e no “pego” da brincadeira. Os latidos, a casa mal-assombrada, os galhos de eucalipto são matérias de expressão que produzem limites no espaço em que as crianças correm.

Em um curso sobre Spinoza em 1981, Deleuze (2019)DELEUZE, G. Cursos sobre Spinoza (Vincennes, 1978-1981). Trad. Emanuel Angelo da Rocha Fragoso, Francisca Evilene Barbosa de Castro, Hélio Rebello Cardoso Júnior e Jefferson Alves de Aquino. 3. ed. Fortaleza: EdUECE, 2019. propõe a distinção entre duas formas de limite: o limite-contorno e o limite-tensão, que é semelhante à diferenciação entre espaço estriado e espaço liso O limite-contorno é aquele que produz uma contenção externa e dimensional daquilo que é interno. No limite-contorno, a ação do conteúdo é menos relevante do que a forma gerada pelos limites. Contrariamente, o limite-tensão se define justamente pela potência do corpo. Assim, o limite do latido do cachorro vai até onde ele age, o limite do pego não é definido por uma área inteira, mas até onde vai a potência dele. A brincadeira no pique-cola americano, assim, possui limites-tensão que orientam o espaço e nenhum limite-contorno.

Alguns desses limites do espaço da brincadeira são produzidos no frame “isso é uma brincadeira” descrito por Bateson. É o caso de quando Lucas pede para que Lorena não “guarde caixão”. “Guardar caixão” é quando o “pego” da brincadeira fica próximo ao “colado” para impedir que as demais pessoas a “descolem”. Isso produz uma estabilidade na brincadeira, uma vez que a “pega” não corre atrás de mais ninguém e as outras pessoas não se arriscam para “descolar” o “colado”. Por paralisar os vetores do pique-cola, Lucas evoca a uma regra que ninguém tinha mencionado até então: não vale guardar caixão. A evocação dessa regra torna a desestabilizar o espaço da brincadeira e recria o movimento dos vetores. O colado passa a ser um limite-tensão para o pego.

O espaço do pique-cola americano se transforma criativamente de acordo com as sucessivas mudanças de direções das crianças. Esses movimentos estão sempre atentos às marcas que expressam diferenças no espaço. Essas marcas podem ser de brincadeira (guardar caixão) ou produto de outras ficções (latir do cachorro, mal-assombro, os eucaliptos).

Lorena estava quase pegando Cleonice quando a menina exclama:

Cleonice: Tô de licença!

Lorena: Não vale.

Lucas: É, Lorena. Não pode pedir licença só pra não ser pega.

“Tô de licença” é uma expressão que suspende uma pessoa da brincadeira por um tempo determinado, de forma que ela, no caso do pique-cola americano, não pode ser colada. De maneira geral, a licença é pedida para que se possa beber água, ir ao banheiro ou mesmo descansar por um tempo. Obviamente, a licença somente suspende a brincadeira, não suspende o latido dos cachorros ou o mal-assombro da igreja. Porém, Cleonice pediu licença para não ser queimada, usando-a para interromper o fluxo correr-ser colado-ser descolado. Lorena e Lucas rapidamente disseram que esse uso não vale. As regras da brincadeira aqui novamente são evocadas ao longo do jogo, não tendo sido ditas ou combinadas antes. “Não vale guardar caixão”, “não vale [pedir licença só pra não ser pega])” foram frases ditas ao longo do processo de invenção iniciado com a brincadeira.

Dominó e a história social do brinquedo

Dona Rita não ficou o tempo todo na praça por causa das aulas de Caetano. A paralisação de professores ainda não tinha culminado na greve, que só se iniciaria no dia 15 de outubro. No dia seguinte da ocupação da praça, Dona Rita voltou comigo e com Caetano para o Canaã. Quando a ocupação completou uma semana, no dia 30 de setembro, quinta-feira, Dona Rita voltou para a frente do Palácio do Buriti. Dessa vez, a militante foi preparada para ficar uns dias a mais, inclusive tendo trazido sua barraca, e estava acompanhada também de Verônica. A adolescente falou para sua mãe sobre uma nova paralisação de professores para aquela semana, o que Dona Rita descobriu posteriormente ter sido uma invenção de Verônica para também poder ir para a praça.

Quando chegamos, o MST já estava ocupando a Terracap,10 10 A Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) é uma empresa pública responsável pela gestão imobiliária das terras públicas do Distrito Federal. Pelo histórico de desocupações e compra das terras antes privadas quando da construção da capital Brasília, a Terracap é a maior companhia imobiliária do Brasil e está no centro das disputas fundiárias do DF. A notícia sobre essa ocupação pelo MST foi veiculada pelo jornal Correio Braziliense (Prédio…, 2015). que fica atrás do Palácio do Buriti. Além do MST, outros movimentos de luta pela terra no DF participaram, como a Frente Nacional de Luta (FNL) e o Movimento Brasileiro dos Sem-Terra (MBST). O objetivo da ocupação era denunciar a grilagem de terras feitas no DF com anuência da Terracap e exigir que a empresa pública agilizasse o repasse de terras para a reforma agrária. Não passamos muito tempo lá. Alguns minutos depois, o movimento organizou a sua saída do prédio da Terracap para voltar para a Praça do Buriti. Fizemos três filas com mulheres, homens e crianças e cantamos as músicas do movimento. Na fila, Caetano puxava um pedaço de isopor amarrado por um pedaço de barbante. Com a força do barbante, o menino fazia curvas com o isopor e, de repente, corria um trecho para ver a aceleração de seu novo brinquedo, saindo por alguns minutos da fila de militantes. O isopor torna-se um carro nas mãos de Caetano.

Para Vygotsky (1991)VYGOTSKY, L. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991., a brincadeira produz sempre uma situação imaginária da qual é possível observar regras. Uma brincadeira se aproxima da situação real, por exemplo, de dirigir um carro, e é orientada pela forma como os adultos se comportam. Mesmo que de forma oculta, essa brincadeira carregaria regras relacionadas a dirigir um carro:

Pode-se ainda ir além, e propor que não existe brinquedo sem regras. A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori. A criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa forma, deve obedecer as regras do comportamento maternal. (Vygotsky, 1991VYGOTSKY, L. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991., p. 63).

Nessa perspectiva, as brincadeiras são entendidas como um meio para o desenvolvimento do pensamento abstrato e da introjeção das regras de comportamento social. A brincadeira faz parte da socialização, da trajetória que leva uma criança a ser adulto. Adoto uma perspectiva diferente da de Vygostky. A infinidade de formas de brincar com um pedaço de isopor, como Caetano nos mostra, não prescinde de nenhuma obediência às regras e nenhum caminho único em direção ao pensamento abstrato e ao mundo convencional. As muitas maneiras de brincar envolvem muitas maneiras de lidar com as convenções, inclusive da possibilidade de brincar de subvertê-las. Essa perspectiva de que as brincadeiras podem submeter as convenções a ela, e não só reproduzi-las, se aproxima da de Benjamin (2009)BENJAMIN, W. Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.. O autor defende uma desvinculação da imaginação de quem brinca e o conteúdo dos brinquedos:

Hoje talvez se possa esperar uma superação efetiva daquele equívoco básico que acreditava ser a brincadeira da criança determinada pelo conteúdo imaginário do brinquedo, quando na verdade dá-se o contrário. A criança quer puxar alguma coisa e torna-se cavalo, quer brincar com areia e torna-se padeiro, quer esconder-se e torna-se bandido ou guarda. (Benjamin, 2009BENJAMIN, W. Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009., p. 93).

A situação imaginária, portanto, não está submetida às regras. O mundo e as regras estão sujeitos a se transformar frente à imaginação de quem brinca. Benjamin diz que os “instrumentos de brincar” (bonecas, carrinhos, etc.) afastam a criança da “brincadeira viva” e da imaginação, pois tentam imitar aspectos do mundo adulto. Para esse autor, as convenções, as regras e a estética do mundo adulto fazem parte do jogo, que ele diferencia da brincadeira por esta enfatizar o movimento, a imaginação. Benjamin também entende como parte do jogo os objetos feitos para serem brinquedos, e que muitas vezes são feitos para parecerem de verdade - bebês de verdade, carros de verdade. No lugar de focar uma socialização para o mundo adulto por meio da brincadeira (Vygotsky, 1991VYGOTSKY, L. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.), as regras podem ser entendidas como um constrangimento à continuidade da brincadeira. Ou, nas palavras de Wagner (2009)WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2009., as convenções podem ser “responsabilidades” intrusivas. Minha experiência em campo foi de que a imitação pode sim ser uma “brincadeira viva”. Mesmo assim, essa distinção entre jogo e brincadeira pode ser interessante para pensar uma diferença de postura em relação às regras, por exemplo, no jogo de dominó da praça em frente ao Palácio do Buriti.

Assim que voltamos para a praça, Cleonice me chama para jogarmos dominó com outros dois homens que estavam embaixo das mangueiras. Aceitei o convite e Caetano também foi junto. Cada jogador começa com sete pedras. Cada uma delas carrega dois números de zero a seis. O jogador só pode baixar a pedra quando ela tem um número que corresponda ao da pedra na mesa. A dupla pontua quando um dos jogadores desce todas as pedras de sua mão. A dupla vence quando completa quatro pontos. Arrumamos os banquinhos de plástico e uma caixa de papelão para ser a mesa. Caetano começou a mexer nas pedras do dominó e um dos homens disse que ele não poderia jogar, pois não sabe e só atrapalharia. Caetano voltou para a barraca chorando. Cleonice (11 anos) foi minha dupla contra os dois homens.

Ariès (1981)ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981. escreve que a exclusividade de brinquedos e brincadeiras para crianças é recente, assim como o próprio sentimento moderno de infância. Os arqueólogos dizem ter dificuldade de distinguir bonecas e artefatos em miniatura feitos para crianças e de uso de adultos da Idade Média. Para o autor, o divertimento dos adultos era o mesmo das crianças. A separação entre jogos de crianças e de adultos só vem a ocorrer ao longo dos séculos XVII e XVIII, quando um movimento de moralização da infância convenciona que os jogos de azar como o baralho, xadrez e dados, até então jogados comumente pelas crianças, passam a não mais ser adequados a elas. Segue-se a isso uma sucessão de regras e de punições elaboradas pelos padres das escolas para convencionar que jogos eram adequados.

Quando o homem diz a Caetano que ele não pode jogar, o homem não evocou um impeditivo moral, e sim um impeditivo cognitivo. Caetano não só é incapaz de jogar dominó como é incapaz de aprender a jogar dominó, capacidade essa que Cleonice, alguns anos mais velha, possui. Partindo dessa postura, as regras estipulam como é o jogo de dominó e qualquer forma de manusear as pedras como se estivesse em outra situação imaginária é suficiente para que o jogo não aconteça. Saber jogar dominó implica saber os limites que as regras colocam.

A distinção de Benjamin entre brincadeira e jogo é bastante adequada para pensar a diferença entre a relação de Caetano com o isopor puxado como carrinho e do adulto com o dominó jogado na praça. No dominó jogado na praça, o jogo é determinado pelo conteúdo imaginário do próprio instrumento e de suas regras. Enquanto com o menino e o isopor, o conteúdo do brinquedo é definido pela imaginação de quem brinca. Evidentemente, essa distinção não é somente uma propriedade dos objetos de brincar/jogar. É possível brincar com pedras de dominó de infinitas maneiras, assim como é possível inventar um jogo que envolva um pedaço de isopor.

Benjamin associa a brincadeira à criança assim como o jogo ao adulto. Não deixa de existir certa referência à idade quando Caetano é expulso por não saber jogar e Cleonice, poucos anos mais velha, pode jogar. Porém, essa distinção etária entre criança e adulto se mostrou mais complexa durante a pesquisa. Por exemplo, na brincadeira, mesmo sendo associada comumente ao mundo da infância, essa distinção entre criança e adulto não se colocou, como explorarei na seção seguinte.

Eles são cafés-com-leite

No último domingo de setembro, Verônica me chamou para jogar queimada no campinho do Canaã. Além de mim, Verônica chamou André, Kethlen e Felipe na casa de Rosa e depois chamou Cleonice e Victor. A próxima casa no caminho do campinho era a de Dona Eliana. Quando vi que estávamos passando da casa de Eliana sem chamar os filhos dela para brincar, perguntei:

Gustavo: Vamos passar na casa da Lorena agora?

Verônica: Ah, não. O Lucas e o Leonardo não sabem brincar de queimada.

Gustavo: Como assim, não sabem brincar?

Verônica: Eles jogam a bola muito forte.

O saber-brincar neste caso da queimada é diferente do saber-jogar do dominó. O saber jogar dominó envolve o pleno conhecimento das regras. O saber-brincar na queimada nada tem a ver com saber ou não as regras. Lorena não diz que Lucas e Leonardo não sabem brincar por não saberem as regras do jogo-queimada, mas por jogarem a bola muito forte, ou seja, por levarem a brincadeira a sério demais ao ponto de machucarem outras pessoas. Esquecem que “isso é uma brincadeira” e que mais importante que ganhar é não sair ninguém de lá machucado.

Mesmo com essa ressalva de Verônica, acabamos passando pela casa dos filhos de Eliana. Lucas e Leonardo estavam brincando “de sério”. Um olhava para o outro fixamente tentando segurar o riso. Lucas logo perdeu a postura e começou a rir. Leonardo disse feliz “ganhei”. Eles recomeçaram a se olhar esperando um o riso do outro. Dessa vez foi Leonardo que olhou para baixo e soltou um pequeno riso. É importante salientar que “brincar de sério” é bem diferente de “levar a sério uma brincadeira”. O brincar de sério opera pelo frame “estamos brincando”, os meninos estão sérios, mas é de brincadeira. É diferente do não saber-brincar por levar a sério demais a brincadeira, pois esse é um momento de suspensão do frame “estamos brincando”.

Quando a brincadeira cessou, Verônica disse para que os meninos chamassem Lorena para jogar queimada. Os meninos gritaram “Lorêêêêna!” e a menina saiu de casa. Verônica a convidou para jogar queimada. Os três irmãos nos acompanharam até o campinho. Chegando no campinho, Verônica se vira para Lorena e diz:

Verônica: Podemos chamar o Alberto também, né?

Lorena: É mesmo!

Verônica e Lorena se dirigem a um barraco próximo ao campinho e gritam: Albeeeerto! Albertooooo!

Alberto: Que foi?

Verônica: Vem jogar queimada com a gente!

Alberto: Agora?

Lorena: É.

Alberto: Tô indo já. Espera um pouquinho.

As meninas foram para o campo tirar time. Dessa vez, Alberto, um adulto, estava sendo chamado para jogar queimada junto com as crianças. Alberto de fato apareceu depois na brincadeira e jogou conosco, da mesma forma que Cleonice jogou dominó na praça e que Dona Rita brincou que tinha um jacaré no espelho d’água em frente ao Palácio do Buriti.

A brincadeira começa com Verônica e Lucas tirando time. Os dois tiram par ou ímpar. Lucas ganha e me escolhe como jogador. Os dois alternam-se na escolha dos jogadores até que somente Caetano e Victor, ambos de 5 anos, sobrassem. Verônica diz que eles podem ser cafés-com-leite e divide um para cada time. Cleonice pergunta “eles podem queimar e ser queimado?” e Verônica responde que sim. “Só não pode jogar a bola forte neles.” Logo após tirarem os times, Alberto chega e integra o time de Verônica.

Depois de tirar os times, Cleonice marca com um chinelo o meio do campo, dá dez passos grandes para uma das direções e faz outra marcação, retorna para o meio do campo e dá outros dez passos grandes na outra direção. Assim, marca os campos dos dois times e a área para onde vão as pessoas queimadas. Começamos a brincadeira. A bola começou com o nosso time (eu, Lucas, Lorena, Victor, Kethlen e Felipe). Lucas foi o primeiro a jogar a bola. O menino jogou com força em direção a Cleonice, que escapou por um triz. Corro para a borda do campo para não ser queimado. Cleonice joga a bola em minha direção e a bola deixa uma marca de terra em minha camiseta branca. As crianças riem. Pego a bola, cruzo o campo adversário e lanço a bola para o meu time. Enquanto a bola está com a gente é a vez de o outro time ser alvo, o que os leva a ficar correndo de uma borda a outra no campo. As pessoas do nosso time se espalham entre o campo em vez de correrem todas para o mesmo lado e ficam revezando a vez de quem lança a bola para o outro lado.

As marcações dos espaços na queimada se diferem muito do espaço do pique-cola americano. As crianças também correm na queimada. Porém, a corrida na queimada é delimitada por uma área, por um campo medido em passos. Quando a bola está com o adversário, os jogadores correm em direção às bordas, aos limites do campo, para não serem atingidos pela bola. Quando a bola está com o próprio time, os jogadores se espalham mais dentro da área. A direção para onde os jogadores correm depende não só da bola, como do campo que ela parte. Novamente, retomo a diferença entre limite-contorno e limite-tensão de Deleuze (2019)DELEUZE, G. Cursos sobre Spinoza (Vincennes, 1978-1981). Trad. Emanuel Angelo da Rocha Fragoso, Francisca Evilene Barbosa de Castro, Hélio Rebello Cardoso Júnior e Jefferson Alves de Aquino. 3. ed. Fortaleza: EdUECE, 2019.. No pique-cola americano, a brincadeira é orientada somente por limites-tensão, que só agem no limite da sua potência. Na queimada, os limites-tensão ainda estão presentes: a bola, que produz o movimento dos times, só age no limite de sua força e da intensidade com que é jogada. Diferente do pique-cola, a queimada também produz limites-contorno, das bordas do campo. Esses limites dimensionalmente fixados são relativamente fixos e produzem as áreas dos times.

Enquanto Alberto, Verônica, Leonardo, Cleonice e André ficam correndo de um lado para o outro para fugir da bola, o café-com-leite Caetano se diverte com uma garrafa de plástico. O menino enche a garrafa com a terra vermelha, anda um pouco e despeja a terra no chão. Em alguns momentos ele até cruza o campo adversário sem grandes prejuízos para o jogo. Victor presta atenção no amigo com a garrafa e pega um pouco de terra com a mão. Quando a bola finalmente para no seu campo, o menino solta a terra e reclama que não lançou a bola ainda. Lucas, contrariado, entrega a bola para ele. O menino faz um lançamento bem fraco e a bola vai direto para o chão no campo adversário. O jogo continua.

Os cafés-com-leite prestam menos atenção nos limites que contornam os campos da queimada. O zanzar de Caetano e de Victor tomam direções muito diferentes dos outros jogadores de seu time, que correm de um lado para o outro. Mesmo assim, a participação de Victor é garantida quando ele nota que está há muito tempo sem encostar na bola e pede para lançá-la. Eles fazem parte da queimada e, ao mesmo tempo, de outros jogos com a garrafa, com a terra, etc. Fians chega a relatar uma ocasião em que uma brincadeira esteve “dentro da outra”. Quando o autor perguntou o que o menino que subiu no muro durante a queimada na escola estava fazendo, recebeu a seguinte resposta: “Eu estou fingindo que aqui está cheio de lava e que ali é normal, aí eu estou pensando em como eu vou para lá sem cair na lava” (Fians, 2015FIANS, G. Entre crianças, personagens e monstros: uma etnografia de brincadeiras infantis. Rio de Janeiro: Ponteio Edições, 2015., p. 70). A cena que poderia ser tirada de um filme de aventura coexistia com um jogo de queimada.

Por estarem em várias brincadeiras ao mesmo tempo, a corrida dessas crianças menores segue trajetórias bem diferentes daquela das que correm de um limite ao outro no campo, mais focadas em não serem queimadas. Diferentemente do dominó, a simultaneidade de jogos e brincadeiras não configura para os outros jogadores que Victor e Caetano não saibam brincar. Implica uma participação específica, na figura do café-com-leite. “Não pode jogar a bola forte neles” e os jogadores fazem vista grossa se eles passam para o outro campo. Jogando com cafés-com-leite, o bom jogador não é aquele que faz de tudo para vencer. O bom jogador é aquele que está atento às especificidades que envolvem a participação de cada um, mesmo que eventualmente isso signifique perder o domínio da bola para o adversário.

A convivência de diferentes idades - Caetano de 5 e Alberto com aproximadamente 40 anos - na queimada prescinde da simultaneidade de outros jogos e brincadeiras. No dominó do Buriti dificilmente seria aceito com tranquilidade que outras brincadeiras simultâneas influíssem nos rumos do jogo, como fingir que algumas pedras estavam com lava ou jogar terra no meio do jogo com uma garrafa. Isso tem tudo a ver com a diferença entre jogo e brincadeira que pego emprestada de Benjamin. Quanto mais se leva a sério o jogo ou a brincadeira, menor é o espaço para os cafés-com-leite, ou seja, quanto mais se esquece que o importante da brincadeira é brincar, menos brincadeiras diferentes cabem dentro do jogo.

A distinção entre adulto e criança some na brincadeira. Alberto e eu participamos da brincadeira como Cleonice ou Caetano. Dependendo do jogo, crianças muito pequenas não sabem jogar por não dominarem as regras. Por outro lado, a brincadeira não é restrita às crianças e nem mesmo aos seres humanos (Bateson, 2000BATESON, G. Steps to an ecology of mind. Chicago: The University of Chicago Press, 2000.). As diferenças entre cafés-com-leite e os outros brincantes são manejadas dentro da brincadeira à medida que elas se apresentam.

Brincando com as regras do jogo

Se Tambiah (2013)TAMBIAH, S. Múltiplos ordenamentos de realidade: o debate iniciado por Lévy-Bruhl. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 22, p. 193-220, 2013. apresenta dois ordenamentos do mundo baseados nos princípios da causalidade ou da participação, poderíamos igualmente sugerir que existiriam duas orientações gerais que aparecem nas brincadeiras. Por um lado, a brincadeira balizada predominantemente pela mensagem metacomunicativa “estamos brincando”, orientada por uma comunicação não denotativa (Bateson, 2000BATESON, G. Steps to an ecology of mind. Chicago: The University of Chicago Press, 2000.). Essa mensagem comunica que os signos não devem ser levados a sério. Por outro lado, o que Benjamin chama de jogos, em que o conteúdo imaginativo está predominantemente contido em regras pré-fixadas. Os jogos operam por um registro naturalista do como é, exatamente como está nas regras, e a mensagem “isso é uma brincadeira” é suspensa.

A distinção entre jogo e brincadeira trabalhada aqui se parece com a distinção que faz Bispo:

O jogo de futebol é regido por regras estáticas e pré-definidas, onde vinte e duas pessoas jogam, uma pessoa julga e milhares de pessoas assistem. Pode ocorrer que entre as pessoas que assistem exista alguém que jogue melhor que uma das vinte e duas pessoas que estão jogando. Mesmo assim dificilmente esse alguém poderá entrar no jogo. Numa roda de capoeira, regida pelos ensinamentos de vida, podemos ter cinquenta pessoas jogando, uma pessoa ensinando e pouquíssimas assistindo. Entre as poucas pessoas que assistem pode haver alguma que nunca viu a capoeira. No entanto, se esta quiser, ela pode entrar na roda e jogar. (Bispo, 2015BISPO, A. Colonização, quilombos, modos e significados. Brasília: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, Universidade de Brasília, 2015, p. 42).

A rigidez nas regras “estáticas e predefinidas” no jogo de futebol se relaciona, para Bispo, com a restrição que o futebol - profissional, talvez - coloca para que as pessoas participem dele. As pessoas que ficam de fora podem assistir, mas dificilmente participar do jogo. Em vez de regido por regras predefinidas, a capoeira é regida pelos ensinamentos da vida. A participação na capoeira, como na queimada com os cafés-com-leite, não prescinde de um saber prévio para entrar na roda. Mesmo crianças pequenas ou alguém que nunca tenha jogado pode participar. Enquanto, para Vygotsky, as brincadeiras com regras ocultas evoluem invariavelmente para brincadeiras com regras às claras ao longo do desenvolvimento da criança, para Bispo, não faz sentido falar nessa evolução. O autor demarca uma diferença entre quem leva a sério demais as regras e quem prima mais pela participação, a despeito das regras. Essa diferença não é devida a uma evolução, mas sim por cosmovisões distintas que organizam as experiências coletivas (Bispo, 2015BISPO, A. Colonização, quilombos, modos e significados. Brasília: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, Universidade de Brasília, 2015).

É importante ressaltar que a relação com as regras não é totalizante em nenhuma brincadeira. Na queimada, Leonardo e Lucas às vezes levavam a brincadeira muito a sério e jogavam a bola forte demais. Mesmo tendo expulsado o menino Caetano por não saber as regras, a linguagem não denotativa e os blefes faziam parte do jogo de dominó. Na terminologia de Benjamin (2009)BENJAMIN, W. Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009. brincadeira e jogo possuem sentidos opostos. As brincadeiras no Canaã e na Praça do Buriti mostram que elas podem acabar se tornando jogos, os jogos podem desdobrar-se em brincadeiras. Talvez exista futebol na capoeira e capoeira no futebol.

Adotando essa perspectiva de relativização da importância das regras nas brincadeiras, desmoronam os pressupostos dos estudos que focam na socialização e no desenvolvimento cognitivo. No lugar de uma atividade que permite às crianças aprender a desempenhar papéis, regras, reproduzir e interpretar o mundo dos adultos, a brincadeira é aqui entendida como passatempo compartilhado por crianças e adultos. Nas palavras de Caetano, um sonho, em que pode participar mais de uma pessoa. E que, menos do que socializar crianças e desenvolver pessoas adultas, a brincadeira torna adultos e crianças mais criança.

A experiência no Canaã ensina não só sobre a importância de incorporar os adultos nas pesquisas com crianças, como também sobre a importância de pesquisar as diferentes concepções e formas de ser adulto. Adultos e crianças são produzidos um a partir do outro, como demonstram as pesquisas que incorporaram os adultos em suas investigações com crianças. Pires (2007)PIRES, F. Ser adulta e pesquisar crianças: explorando possibilidades metodológicas na pesquisa antropológica. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 50, n. 1, p. 225-270, 2007., por exemplo, relata o atrito que teve com uma vizinha durante sua pesquisa em Catingueira (PB). Quando as crianças a visitavam, a pesquisadora lhes permitiu fazer coisas que, em geral, um adulto não deveria assentir. Em sua casa, as crianças podiam pular no sofá, fazer barulho e brincar de uma forma que nas suas próprias casas não seria permitida. A “irresponsabilidade” da pesquisadora por não colocar limites nas crianças chegou ao ponto de uma vizinha fazer reclamações (Pires, 2007PIRES, F. Ser adulta e pesquisar crianças: explorando possibilidades metodológicas na pesquisa antropológica. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 50, n. 1, p. 225-270, 2007.).

Ao defender que comportar-se demasiadamente como criança a colocava em uma situação de desconfiança frente aos outros por não corresponder às expectativas do comportamento adulto, Pires apresenta que existiam em Catingueira noções de adulto relacionadas às noções de crianças, e que refletir sobre as concepções de infância têm relação com o que é esperado dos adultos. É bem verdade que a postura dos adultos encontrada por Pires em Catingueira foi bem diferente da que encontrei no Canaã. Na sua experiência de pesquisa, crianças e adultos formavam ontologias completamente distintas, o que lançava desafios para Pires, que não se encaixava na perspectiva corrente de ser adulta (Pires, 2007PIRES, F. Ser adulta e pesquisar crianças: explorando possibilidades metodológicas na pesquisa antropológica. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 50, n. 1, p. 225-270, 2007.). A autora falando somente de Catingueira é muito cautelosa e não universaliza a forte distinção entre crianças e adultos. O fato de adultos e crianças serem concebidos de maneira distinta em Catingueira é um aspecto importante para a pesquisa com crianças lá. Assim como Pires, muitos adultos no Canaã não caberiam no que se espera de um adulto em Catingueira. O que é ser adulto em determinado lugar não deveria também ser uma questão? O que é igualmente obliterado nas pesquisas que tomam essa concepção de adulto como universal?

Essa maneira de encarar as brincadeiras tem potencial de impactar a Antropologia, se levadas a sério. Quem sabe podemos pensar em uma brincadeira etnográfica com um componente maior de imaginação? Essa forma de pensar destrói fronteiras e dicotomias e as regras pré-fixadas da disciplina antropológica, e nos permite aventar uma flexibilização dos limites entre Antropologia da Criança e os demais campos da Antropologia.

Referências

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  • VYGOTSKY, L. A formação social da mente 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
  • WAGNER, R. A invenção da cultura São Paulo: Cosac Naify, 2009.
  • 1
    Utilizo duas grafias para a palavra Antropologia/antropologia. Antropologia com “A” maiúsculo para designar a disciplina científica e os cânones e a antropologia com “a” minúsculo para se referir às outras discussões sob essa insígnia.
  • 2
    O termo “anfitriões” é uma opção metodológica utilizada por Antonádia Borges (2009)BORGES, A. Explorando a noção de etnografia popular: comparações e transformações a partir dos casos das cidades-satélites brasileiras e das townships sul-africanas. Cuadernos de Antropología Social, Buenos Aires, n. 29, p. 23-42, 2009. para se referir ao que comumente na Antropologia se chama de interlocutores. Opto por pensar as relações de pesquisa aqui descritas na mesma chave.
  • 3
    Borges e Kaezer (2011)BORGES, A.; KAEZER, V. El Rincón de los Niños: un abordaje etnográfico sobre l@s niñ@s y sus ensayos políticos. In: MILSTEIN, D. et al. Encuentros etnográficos con niñ@s y adolescentes: entre tiempos y espacios compartidos. Buenos Aires: Miño y Dávila, 2011. p. 145-168. narram a brincadeira de crianças no Recanto das Emas (DF) que consistia em inventar uma cidade com materiais e objetos que as rodeavam. As autoras defendem que as brincadeiras das crianças não se circunscrevem por uma “experiência naturalista”, mas envolvem formas plásticas de “mundos possíveis” e “não necessariamente conhecidos” (Borges; Kaezer, 2011BORGES, A.; KAEZER, V. El Rincón de los Niños: un abordaje etnográfico sobre l@s niñ@s y sus ensayos políticos. In: MILSTEIN, D. et al. Encuentros etnográficos con niñ@s y adolescentes: entre tiempos y espacios compartidos. Buenos Aires: Miño y Dávila, 2011. p. 145-168.).
  • 4
    É uma espécie de jogo, se quisermos - um jogo de fingir que as ideias e convenções de outros povos são as mesmas (num sentido mais ou menos geral) que as nossas para ver o que acontece quando “jogamos com” nossos próprios conceitos por intermédio das vidas e ações dos outros.
  • 5
    “Durante meu trabalho com seus pais, essas três crianças inventaram um novo jogo: brincar de antropólogo. Um sentou-se na minha cadeira ou almofada com papel e lápis nas mãos. O segundo sentou-se na cadeira do pai, atuando como ‘intérprete’, enquanto o terceiro sentou-se em um banco como o informante costumava fazer. A segunda criança voltou-se para a primeira e disse: ‘Você é meu mestre’, e depois para a terceira criança, dizendo em iorubá: ‘O homem branco quer que você conte sobre Odua.’ A terceira criança respondeu em iorubá e a segunda voltou-se para a primeira e ‘interpretou’, fazendo uma série de sons sem sentido que deveriam soar como o inglês. A primeira criança rabiscou no papel e respondeu com mais sílabas sem sentido e a segunda criança passou para a terceira com uma nova questão em iorubá” (Bascom, 1969BASCOM, W. The Yoruba of Southwest Nigeria. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1969., p. 58, tradução minha).
  • 6
    Depois de algumas paralisações em setembro de 2015, os professores da rede pública do DF entraram em greve contra a suspensão do último reajuste prometido em 2013. A greve durou do dia 15 de outubro ao dia 12 de novembro.
  • 7
    No dia 18 de abril de 2015, o governador Rodrigo Rollemberg anunciou que o Governo do Distrito Federal (GDF) passaria a ser chamado de Governo de Brasília.
  • 8
    Ben 10 é um personagem de um desenho animado que usa seu relógio para se transformar em criaturas alienígenas e derrotar outros alienígenas.
  • 9
    “Da mesma forma, no sonho ou na fantasia o sonhador não opera com o conceito de ‘falso’. Ele opera com todos os tipos de declarações, mas com uma curiosa incapacidade de realizar metacomunicações. Ele não pode, a menos que esteja perto de acordar, sonhar com um pensamento referente (ou seja, dar um enquadramento) ao seu sonho” (Bateson, 2000BATESON, G. Steps to an ecology of mind. Chicago: The University of Chicago Press, 2000., p. 321, tradução minha).
  • 10
    A Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) é uma empresa pública responsável pela gestão imobiliária das terras públicas do Distrito Federal. Pelo histórico de desocupações e compra das terras antes privadas quando da construção da capital Brasília, a Terracap é a maior companhia imobiliária do Brasil e está no centro das disputas fundiárias do DF. A notícia sobre essa ocupação pelo MST foi veiculada pelo jornal Correio Braziliense (Prédio…, 2015PRÉDIO da Terracap é invadido por sem-teto; grupo critica atuação do órgão. Correio Braziliense, Brasília, 30 set. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2015/09/30/interna_cidadesdf,500632/predio-da-terracap-e-invadido-por-sem-teto-grupo-critica-atuacao-do-o.shtml . Acesso em: 28 jan. 2020.
    https://www.correiobraziliense.com.br/ap...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2020
  • Aceito
    29 Mar 2021
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