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Comemoração dos 25 anos de fotoetnografia: entrevista com Luiz Eduardo Robinson Achutti

Celebration of 25 years of photoetnography: interview with Luiz Eduardo Robinson Achutti

Resumo

No ano de 2021 comemora-se o aniversário de 25 anos da fotoetnografia. Para celebrarmos um quarto de século da emergência desse campo no âmbito da antropologia visual, realizamos uma entrevista com Luiz Eduardo Robinson Achutti. A entrevista está estruturada em torno de três tópicos. O primeiro dialoga sobre a trajetória profissional e acadêmica do entrevistado; o segundo aborda aspectos teóricos e metodológicos da fotoetnografia e o terceiro apresenta um balanço dos desafios e perspectivas desse conceito para os próximos 25 anos.

Palavras-chave:
fotoetnografia; antropologia visual; Luiz Eduardo Robinson Achutti; fotografia

Abstract

The year 2021 marks the 25th anniversary of photoethnography. To celebrate a quarter of a century of the emergence of this field withing Visual Anthropology, we conducted an interview with Luiz Eduardo Robinson Achutti. It is structured around three topics. The first examines the interviewee’s professional and academic trajectory; the second deals with theoretical and methodological aspects of photoethnography. The third topic offers a balance of the challenges and perspectives of this concept for the next 25 years.

Keywords:
photoetnography; visual anthropology; Luiz Eduardo Robinson Achutti; photography


Luiz Eduardo Robinson Achutti.

Adrian Alvarez Estrada: Professor Achutti, em primeiro lugar, muito obrigado por nos conceder esta entrevista quando comemoramos o aniversário de 25 anos de fotoetnografia. Sua dissertação de mestrado se caracteriza pelo ineditismo, à medida que você propôs um conceito antropológico até então inexistente e, com isso, inaugurou um novo campo no âmbito da antropologia visual. Desse modo, os trabalhos, de mestrado e de doutorado, de sua autoria, se constituem em importantes referências para a fotoetnografia, pois ambos influenciaram uma geração de pesquisadores, professores, alunos e disciplinas. Por essa razão, é possível afirmar que, indubitavelmente, suas pesquisas e seu nome se estabeleceram como referências nacional e internacional no campo da antropologia visual.

Para celebrarmos esse momento, propomos a composição do diálogo1 1 O presente texto se constitui na transcrição da entrevista realizada no dia 23 de junho de 2020, de forma remota, em função da pandemia da Covid-19, com Luiz Eduardo Robinson Achutti. em três tópicos. Inicialmente, falaremos da sua trajetória profissional e acadêmica; em seguida, sobre aspectos teóricos e metodológicos da fotoetnografia e, ao final, solicitaremos uma reflexão sobre os desafios e perspectivas para os próximos 25 anos.

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Estou fazendo 45 anos de fotografia e apenas 25 anos de fotoetnografia. Ao longo de meus estudos na graduação, procurei trazer a fotografia para o campo da antropologia; esse era o meu esforço. A Dra. Ondina Fachel Leal, minha orientadora de mestrado, me incentivou a percorrer esse caminho. Talvez ela seja a autora de uma das primeiras dissertações, no Brasil, que tem um capítulo com fotografias. Ela não é fotógrafa, mas aprecia a fotografia. Naquele momento sentíamos muita resistência, algo que atualmente não nos deparamos mais.

Havia certa aversão da academia em relação à imagem como conteúdo pertinente ao campo investigativo. Em determinada ocasião, ao separar a palavra fotografia e acrescentar a termo etno no meio… Foi um achado! Porque nunca tinha lido isso. Existe etnofotografia. Sabemos a existência da etnofotografia, mas fotoetnografia seria diferente. Assim, a proposta é partir da fotografia e buscar a antropologia e não o contrário. Essa palavra/conceito em 1995 não existia2 2 Utilizei-a pela primeira vez no texto que fiz para um livro que a professora Ondina organizou. A esse respeito, ver Achutti (1995). aqui no Brasil. Em 1998 fui fazer o doutorado na Université Paris 7 Denis-Diderot. Na biblioteca François Mitterrand, ao fazer buscas pela palavra-chave fotoetnografia, não obtinha nenhum resultado. Hoje, se digitarmos no Google, em inglês ou em francês, photoethnography, photoethnographie e fotoetnografia, veremos uma série de itens, alguns relacionados a mim e outros, talvez, não. Certa vez, uma amiga fez uma pesquisa no Google com a palavra fotoetnografia não relacionada com o nome Luiz Eduardo Robinson Achutti e encontrou mais de cem tópicos, links, usando essa palavra.

Houve um período em que eu era muito procurado por pessoas para auxiliá-las no uso da fotografia em seus trabalhos. Havia certa resistência em seu uso, mas após esclarecimentos sobre como eu utilizava as imagens, passaram a se sentir mais seguras para fazerem isso. Concluí o doutorado em 2002.3 3 Ver Achutti (2002). No final da defesa, fui convidado pela editora Téraèdre [Paris] a publicar a tese na França. Posteriormente, em 2004, a tese também foi publicada no Brasil pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em coedição com a Tomo Editorial.4 4 Ver Achutti (2004).

Claudia Barcelos de Moura Abreu: Como você ingressou na fotografia?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Meu avô tinha uma farmácia e foi fotógrafo desde os 20 anos de idade. Ele nasceu em 1898. Ou seja, cem anos antes de iniciar meu doutorado, meu avô nasceu e, nos anos 1920, já possuía câmera fotográfica e registrava o que acontecia em Santa Maria (RS). Ele tinha um laboratório pequeno em um galpão de madeira e os itens que precisava, mas ao que ele não tinha acesso ou não existia, ele fabricava, adaptava ou esperava que o trem trouxesse de São Paulo ou de outros lugares. Às vezes eu ia ao laboratório com ele. Certa vez ele me colocou para ver a lua com uma luneta que possuía. Para mim era uma coisa mágica. A influência de meu avô nesse aspecto de minha vida foi muito marcante. Com 14 ou 15 anos, fiquei com vontade de ser fotógrafo. Com 16 anos fiz um curso básico da fotografia no Foto-Cine Clube Gaúcho. Posteriormente, aprendia de forma autodidata, por meio de perguntas e pesquisas nas revistas especializadas.

Na época assinei a revista francesa Photo. Não sabia ler direito em francês, mas como era sobre fotografia eu entendia, compreendia mais ou menos. Desse modo, comecei a fotografar. O fotojornalismo se tornou uma possibilidade, pois tinha o hábito de acompanhar as fotos de jornal. Em seguida descobri o Henri Cartier-Bresson: uma sumidade, um exemplo. Porém, quando fui prestar vestibular, optei por ciências sociais. Fiz vestibular e, em seguida, comecei a trabalhar como fotógrafo, em uma cooperativa de jornalistas, a Coojornal, famosa cooperativa dos jornalistas de Porto Alegre, a qual se tornou uma das últimas mídias de pequenos jornais de esquerda que existiram no Brasil. Foram todos fechando e o jornal foi o último a ser perseguido, a tal ponto de prenderem quatro chefes colegas meus, por revelações de documentos secretos do exército, isso salvo engano, em 1980.

Foi nesse momento me tornei fotógrafo profissional. Cheguei a fazer vestibular para jornalismo, dois anos depois. Porém, como já tinha registro e queria mesmo a fotografia, resolvi me dedicar somente à antropologia e deixei a faculdade de jornalismo. Também tentei ser ator de teatro. Tive uma experiência no colégio, depois outra experiência de atuação como ator profissional. No entanto, optei finalmente por permanecer no curso de ciências socias/antropologia e, em paralelo, me tornei associado da cooperativa e comecei a trabalhar na Coojornal.

Posteriormente, me tornei freelancer para o Jornal do Brasil e para a Folha de S. Paulo, além de outros trabalhos em São Paulo, além, obviamente, do curso universitário. Tempos depois, em 1993, retornei à academia para cursar o mestrado, pois a intenção era de qualificar ainda mais meu lado fotógrafo prosseguindo com meus estudos na área da antropologia. Assim, ingressei na pós-graduação stricto sensu na UFRGS.

Fabio Lopes Alves: Como ocorreu seu ingresso como docente da UFRGS?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Eu fiz um concurso para professor substituto - na Comunicação, em que eu acabei ficando em segundo lugar. A partir desse resultado frustrante, decidi-me por tentar a carreira do magistério superior. Um tempo depois meu amigo, hoje colega, Eduardo Vieira da Cunha, avisou-me que abriria concurso público para o Instituto de Artes da UFRGS. Após o concorrido concurso, eram 11 inscritos, obtive a primeira colocação e, portanto, a vaga para professor público federal. Esse momento coincide com o mestrado. Veja que interessante: eu estava cursando mestrado quando abre o concurso; eu fui aprovado e me tornei professor, em junho de 1994. Foi um período bastante intenso, de modo que me afastava cada vez mais da vida de fotojornalista, e voltava meus interesses profissionais à pesquisa e à docência.

Tânia Maria Rechia Schroeder: Ao longo de sua carreira você estabeleceu importantes parcerias intelectuais para a consolidação da pesquisa em imagens. Dentre essas parcerias, podemos destacar: Cornelia Eckert, Ondina Leal e Ana Luiza Carvalho, da UFRGS. Mauro Koury da UFPB, Etienne Samain e Fernando de Tacca, da Unicamp, entre outros. Como essas histórias se entrecruzaram com a sua?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: A Cornelia e a Ondina eram minhas colegas de graduação. Eu me atrasei por causa do teatro. Trabalhei como ator durante poucos anos. Quando voltei para a academia em 1993, inicio o mestrado e minhas colegas já eram doutoras. Fui aluno das duas. Na vivência acadêmica conheci o querido Mauro Koury, de modo que somos amigos até hoje. Ele veio diversas vezes a Porto Alegre e eu fui uma vez, com o apoio dele, para um encontro da sociologia da região amazônica. Colaborei algumas vezes com a revista que há anos ele edita.5 5 RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção.

Com o Fernando de Tacca, foi a mesma coisa, pois nos conhecemos em um congresso da ABA no Uruguai. Com relação ao Samain, o conheci lendo seus textos na graduação e pós-graduação e, posteriormente, ele veio dar uma aula em Porto Alegre. Em seguida, decidimos convidá-lo para minha banca de mestrado, pois era um dos maiores incentivadores e pesquisadores da questão da imagem na antropologia e da imagem fixa, sobretudo a fotografia.

Adrian Alvarez Estrada: Conte-nos sobre seu processo de doutoramento?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Conheci o professor Jorge Pozzobom da UFRGS, que trabalhava com a questão indígena. Era um grande especialista, fez formação na França e atuava aqui no Brasil. Ele tinha um colega, o Patrick Deshayes, a quem fui apresentado. Meu sonho sempre foi morar em Paris: pátria da fotografia, da liberdade, do Cartier-Bresson. Em determinada ocasião, almocei com o Patrick e manifestei meu interesse em fazer mestrado na França. Ele se prontificou em me conceder uma carta de apresentação. No entanto, a partir de orientações, optei por desenvolver o mestrado no Brasil, como disse anteriormente, na Antropologia Social da UFRGS, e, após a defesa do trabalho, protocolei, no ano de 1997, a solicitação para cursar doutorado pleno no exterior e fui procurar o Patrick.

Com sua ajuda realizei o trâmite burocrático, pleiteei bolsa junto à Capes e ao CNPq e obtive resposta positiva de ambos. Naquele ano de 1998 fui o único bolsista do CNPq no Brasil inteiro da área das ciências humanas. Ao chegar em Paris, procurei o professor que havia me concedido o aceite. Ele me recebeu para tomar um café e me disse: “Estou muito atarefado e não vou poder te orientar. Porém, vou te indicar um colega meu, o antropólogo e cineasta Jean Arlaud.” A secretária me confidenciou que Arlaud era uma pessoa muito legal e iria me receber. Aconselhou-me a organizar minha vida e procurar Arlaud em um mês. No entanto, naquele momento soube que o aludido professor não falava português. E, mesmo inseguro e apavorado, fui procurá-lo. Veja minha situação: estava com bolsa, porém sem orientador e sem possuir um objeto definido, além de dominar pouco o francês. Eu tinha clareza que meu objeto de estudo era fotografia, antropologia visual, mas não sabia qual o campo de pesquisa. Felizmente, fui aceito por Arlaud, fiz e defendi minha tese e ganhei um amigo. Não podia ter sido melhor.

Claudia Barcelos de Moura Abreu: Você sentiu algum preconceito por fazer uma narrativa essencialmente com imagens?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Não! O Arlaud já fazia isso com o cinema. Ele gostava muito de fotografia. Ele disse: “Eu te ajudo. Não sei bem como é que nós vamos fazer, mas eu te ajudo.” E a França, dependendo da área acadêmica em que a pessoa está, tem lugares mais rígidos, tradicionais, mas há outros bastante abertos.

O laboratório do Arlaud chamava-se Laboratório de Antropologia Visual e Sonora do Mundo Contemporâneo. Concebiam o som como uma escrita e buscavam o que se chamava de paisagens sonoras dos diferentes quartiers. Por exemplo, um bairro que tenha muita feira popular, é um bairro que tem um som. No bairro mais nobre, mais chique, mais rico, perto da Torre Eiffel, é um bairro que tem outro som ou não tem som nenhum [risos]. Desse modo, a proposta do Laboratório de Antropologia Visual e Sonora do Mundo Contemporâneo era a de estudar essas temáticas. Se, por um lado, a academia francesa tem uma rigidez institucional, por outro lado, há uma sensibilidade para “escutar” novas demandas.

Fabio Lopes Alves: Como você define a fotoetnografia?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: A fotoetnografia é uma forma de utilização da imagem fotográfica na composição de narrativas. É uma espécie de investigação documental, mas com um olhar da técnica da antropologia, da teoria antropológica. É uma maneira de conhecer determinada realidade e discorrer sobre ela por meio da imagem fixa, que se associa ao texto, mas, ao mesmo tempo, mantém autonomia. Há diversas pesquisas que, se forem realizadas somente com imagens, ficam insuficientes. E, ao mesmo tempo, há outras que se forem realizadas somente com texto, se tornam insuficientes ou enfadonhas. O que a fotoetnografia se propõe é utilizar texto e imagem em colaboração. O resultado é um trabalho mais interessante, eloquente, bonito e agradável. E, inclusive, mais acessível para o público que não é especialista no assunto. Aliás, não vejo sentido em fazer um trabalho, uma proposta, um texto, que as pessoas não entendam. Não faz sentido. O maior elogio que eu tive, decorrente da minha tese de doutorado, foi quando um leitor ressaltou a fluidez da leitura, próxima a um texto jornalístico. Eu sempre busquei escrever de forma que as pessoas me entendam. Nunca quis ser impenetrável.

Tânia Maria Rechia Schroeder: Há diferenças entre fotografia documental e fotoetnografia?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Para responder a essa pergunta, preciso ter cuidado para não extrapolar os sentidos da fotoetnografia ou ferir suscetibilidades, pois, como sabemos, a fotografia tem diversos campos. A fotografia, aliás, é um mundo. Até hoje, não foi definida por completo. Tem a fotografia documental, a de moda, a policial, foto arte, fotografia urbana, e a fotoetnografia. A fotografia é muito vasta. A fotografia pode ser tudo e pode ser nada. O que procurei foi delimitar um campo para a fotografia, aplicada ao universo das ciências humanas, a qual denominei de fotoetnografia.

Tem a fotografia documental, que deve ser feita ao longo do tempo. Isso não pode ser feito em um ou dois dias. Há pesquisadores e estudiosos que dedicam a vida a um tema; há quem dedique um ano e vai morar em algum lugar para fotografar. Isso é a fotografia documental. E há a fotoetnografia, que é um aprofundamento mais voltado ao campo da antropologia do que à fotografia documental. Não estou dizendo, com isso, que a fotografia documental é menor que a fotoetnografia. Afinal, fotoetnografia pressupõe um olhar informado de etnógrafo, de antropólogo: essa é a diferença.

Claudia Barcelos de Moura Abreu: Você acredita que é possível fazer fotoetnografia a partir da experiência com uma câmera de celular?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Sim! A tecnologia veio facilitar. Os celulares mais modernos fotografam com pouca luz. Isso, para a fotografia, é um milagre. Nunca imaginei que avançaríamos tanto. Pessoalmente, nunca gostei do flash, que tem que ser muito bem usado, e não como a luz principal. Na antropologia, o flash é um problema porque ele ilumina uma cena. Na fotoetnografia, é preciso respeitar um dos elementos primordiais de uma cena que é a luz. Acredito que seja possível utilizar o celular, sim. O que se precisa é conseguir fazer a foto que se queira. A pessoa não pode querer uma foto e sair outra, que é o que muitas vezes acontece e acontecia antes, porque não se sabia fazer. Agora, sabendo fotografar, até com celular se pode porque ele oferece mais recursos do que no princípio. Uma questão que sempre funcionou bem, e que é a maestria de grandes fotógrafos, é a questão dos planos: primeiro plano, plano de fundo, etc. O cinema sempre usou muito isso. Profundidade de campo, tirar o foco do primeiro plano, tirar do último plano. Quando se usa o foco, se dá uma maior importância a um elemento, mas vai contracenar com outro elemento da cena que está fora de foco, porém que é fundamental. Ou seja, é muito importante se poder trabalhar tendo como recurso a profundidade de campo. Isso, que o cinema sempre teve, as novelas e o vídeo banalizam porque achataram tudo; não se consegue nunca mais fazer camadas, ficou aquela cara de novela.

Com a evolução do equipamento da fotografia digital, passou-se a ter a possibilidade do desfoque; começou a aproximar mais dessa linguagem de poder brincar com os planos de desfoques, sendo que muitos celulares já vêm com várias lentes, de maneira que ele possibilita jogar com os planos e com foco dos planos. Em uma câmera profissional, é mais fácil, mas tem celulares que permitem isso. Quem nem sabia o que era plano, fundo, primeiro plano, passou a descobri-los. É preciso olhar uma cena e conseguir retratar isso com base na imagem em duas dimensões. Assim, fecho essa pergunta afirmando que sim, é possível realizar fotoetnografias com celular.

Fabio Lopes Alves: Como você avalia a interdisciplinaridade?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: A fotoetnografia é bastante utilizada por outras áreas e cada vez mais convergente para área da antropologia. As pessoas ficavam ofendidas, como se você quisesse propiciar outra espécie de status ao texto. Eu nunca disse que a fotografia iria substituir o texto. A fotografia colabora com o texto. A fotografia é um texto rico. E, ao lado do texto escrito, verbal, enriquece o trabalho. Porém, é preciso ter cuidado. Não podemos cair na seguinte armadilha: tirar o texto e colocar somente fotografia. Eu nunca fui partidário dessa teoria, isto é, aquele que afirma que tudo se resolve com foto. Não é verdade, não resolve. É um trabalho em colaboração, duas formas de texto que uma informam uma a outra.

Tânia Maria Rechia Schroeder: Como você avalia o uso de legendas em fotoetnografias?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Eu tenho alguns problemas com texto-legenda. Quase sempre, esses trabalhos em um congresso, por exemplo, vão para a parede. A leitura de texto é uma coisa, e a leitura da imagem é outra. No entanto, quando se unem, em minha perspectiva, tornam-se enfadonhos. Principalmente quando se usam textos enormes. A pessoa precisa ficar em pé, olhando para uma parede, querendo ver a foto e, ao mesmo tempo, tendo que ler o que está escrito. São dois movimentos cerebrais distintos. Um é mais da ordem poética; o outro, mais de ordem ultrarracional. Fora que, muitas vezes, as legendas são óbvias. Exemplo: tem uma imagem com uma pessoa com uma pá na mão e tem um monte de terra e tem um buraco. A legenda diz: “Fulaninho cavando buraco.” Não pode! É um absurdo, mas infelizmente acaba sendo assim. Eu escapei disso. Claro que o texto é importante, mas não pode ser utilizado para detectar buracos. Em minha tese de doutorado eu apresento o texto e somente depois a narrativa visual. Ou seja, depois de ter lido o texto, a pessoa tem condições de entender as fotos que está vendo. Afinal, ela já tem os pressupostos. A primeira metade da tese é uma espécie de legenda analítica colaborando com a da segunda metade, que é a narrativa visual fotoetnográfica.

Adrian Alvarez Estrada: Quais são os desafios e as perspectivas para os próximos anos da fotoetnografia?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: A fotoetnografia enfrentou o problema de se legitimar. Muitos estudantes se veem seduzidos pelo uso das imagens, assim como do vídeo. Não se fala, mas a fotografia era a prima pobre do mundo imagético. Nos próximos anos, será um desafio não cair na banalização, na plastificação, na pasteurização, em algo muito espetacular. Esse tipo de valor jogado, exposto em trabalhos que querem inventariar a vida das pessoas, da cultura, da poesia. Querer fazer espetáculo, no mau sentido, ou fazer uma coisa falsa, encenada, em nome da antropologia, esse será um grande risco. Os diferentes olhares, além das questões éticas, deverão compor esse campo de pesquisa e estudos - ciências humanas, antropologia, fotografia, arte, isso seria o ideal na minha opinião. Pode ser no mesmo dia e mês de hoje: 23 de junho de 2046.

Claudia Barcelos de Moura Abreu: Gostaria de destacar algum aspecto que não lhe perguntamos?

Luiz Eduardo Robinson Achutti: Não! Só agradecer o interesse em meu trabalho. Vocês me lembraram dos 25 anos. Eu estava tão obcecado nos 45 do Achutti fotógrafo que iria me esquecer dos 25 da fotoetnografia, se não fosse o trabalho de vocês e o nosso diálogo. Agradeço muito o interesse, me senti valorizado pela entrevista. Se vocês não tivessem feito o convite, o registro em vídeo, todas as opiniões e fatos que narrei não existiriam! Agora existirão até 2046 ou mais. Agradeço-lhes por terem valorizado meu trabalho e propiciarem que outras pessoas me escutem e me leiam. Enfim, só tenho a agradecer-lhes. Mas quanto à entrevista comemorativa dos 50 anos da fotoetnografia, que vocês não me perguntaram, vou torcer para que eu esteja vivo para fazê-la. Que aparelho vamos usar? Onde estaremos pendurados? Em uma bolha? Ou vestidos de astronautas o tempo inteiro, não sei! Mas, se eu estiver vivo, já está marcada a nossa próxima entrevista.

Referências

  • ACHUTTI, L. E. R. Imagem e fotografia: aprendendo a olhar. In: LEAL, O. F. (org.). Corpo e significado: ensaios de antropologia social. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995. p. 431-442.
  • ACHUTTI, L. E. R. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Tomo Editorial, 1997.
  • ACHUTTI, L. E. R. Photoethnographie à la Bibliothèque Nationale de France: la photographie comme narration ethnographique: une autre façon de raconter. 2002. Tese (Doutorado em Antropologia) - Laboratoire d’Anthropologie Visuelle et Sonore du Monde Contemporain, Université de Paris 7 Denis-Diderot, Paris, 2002.
  • ACHUTTI, L. E. R. A biblioteca jardim Porto Alegre: Editora da UFRGS: Tomo Editorial, 2004.
  • 1
    O presente texto se constitui na transcrição da entrevista realizada no dia 23 de junho de 2020, de forma remota, em função da pandemia da Covid-19, com Luiz Eduardo Robinson Achutti.
  • 2
    Utilizei-a pela primeira vez no texto que fiz para um livro que a professora Ondina organizou. A esse respeito, ver Achutti (1995)ACHUTTI, L. E. R. Imagem e fotografia: aprendendo a olhar. In: LEAL, O. F. (org.). Corpo e significado: ensaios de antropologia social. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995. p. 431-442..
  • 3
    Ver Achutti (2002)ACHUTTI, L. E. R. Photoethnographie à la Bibliothèque Nationale de France: la photographie comme narration ethnographique: une autre façon de raconter. 2002. Tese (Doutorado em Antropologia) - Laboratoire d’Anthropologie Visuelle et Sonore du Monde Contemporain, Université de Paris 7 Denis-Diderot, Paris, 2002..
  • 4
    Ver Achutti (2004)ACHUTTI, L. E. R. A biblioteca jardim. Porto Alegre: Editora da UFRGS: Tomo Editorial, 2004..
  • 5
    RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2021
  • Aceito
    12 Mar 2021
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