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Negritude e relações raciais: racismo e antirracismos no espaço atlântico

Blackness and race relations: racism and anti-racism in the Atlantic space

A Negritude, aos meus olhos, não é uma filosofia. A Negritude não é uma metafísica. A Negritude não é uma concepção pretensiosa de universo. É uma maneira de viver a história na história: a história de uma comunidade cuja experiência, na verdade, nasce de maneira singular com as deportações de sua população, as transferências dos homens de um continente a outro, as lembranças de crenças longínquas e restos de culturas assassinadas. […]

A Negritude tem sido uma forma de revolta, primeiro contra o sistema mundial da cultura tal qual se tem constituído durante os últimos séculos o qual se caracteriza por um certo número de preconceitos, de pressupostos que levam a uma severa hierarquia.

De qualquer maneira, a Negritude foi uma revolta contra o que chamarei de reducionismo europeu. Aimé Césaire1 1 Aimé Césaire (2004, p. 82-84, tradução nossa), originalmente escrito em 1955.

A compreensão das condições históricas da emergência da problemática da negritude nas Américas torna compreensível os fundamentos sociais do racismo nas sociedades pós-escravistas, como ilustrado pela genealogia da palavra “nègre/negro” que se refere ao status social associado à cor da pele. A atualização dessas relações sociais baseadas na racialização é um fenômeno generalizado a todas as sociedades das Américas no século XXI. A experiência brasileira é particularmente rica em ensinamentos sobre o assunto, por ter perpetuado a escravização como sistema colonial duradouro em termos temporais e capaz de se desdobrar na vida social e cultural como um racismo estrutural da sociedade atual. Refletindo os desdobramentos históricos recentes da percepção da sociedade brasileira sobre essas questões nas últimas três décadas, a temática das relações raciais tem tomado novos impulsos em uma interação constante do campo acadêmico com as abordagens das relações raciais empreendidas por ativistas nas mais diversas arenas públicas.

O conceito de raça, mesmo que revisto cientificamente e compreendido como construção social e política, ainda é um desafio atual posto que atravessa o debate antropológico seja quanto ao modo de revelar como as relações entre grupos raciais são vivenciadas, seja ao evidenciar os aspectos relativos a relações de poder e o modo como o tema ingressa na agenda pública visando o enfrentamento ao racismo.

Este artigo introduz o número de Horizontes Antropológicos e explora o lugar da negritude e da questão negra no campo das relações raciais no Brasil e mais geralmente nas Américas. O volume reúne trabalhos recentes que hoje permitem apresentar a própria disciplina de modo crítico e perceber seu reposicionamento na reflexão conceitual sobre a raça, avançando em novos temas que evidenciam e examinam as relações raciais e de poder que incidem sobre as noções tanto de branquitude quanto de negritude. O desafio de referir ao “estado da arte” na produção sobre a temática, forçosamente não exaustivo neste artigo introdutório, é o de perspectivar os principais marcos da evolução do campo de investigação e apontar a produtividade que a temática vem projetando para as ciências sociais, notadamente para a antropologia.

Das origens da negritude: cinco séculos de categorizações

A utilização do termo “noir/negro” pelas classes dominantes europeias durante a era moderna referia-se indiferentemente às populações que ficaram na África, bem como aos africanos deslocados forçosamente pelo tráfico e escravizados nas sociedades coloniais das Américas. Em contraste, a emergência subsequente do termo “nègre/negro” nas representações sociais dessas mesmas classes dominantes refletiu uma realidade mais complexa no contexto da intensificação do tráfico negreiro transatlântico e da expansão do “modelo da plantation”. Desde a virada do século XVIII, o termo “nègre/negro” se refere a um indivíduo de condição ou de ascendência escrava e de origem africana (Delesalle; Valensi, 1972DELESALLE, S.; VALENSI, L. Le mot “nègre’ dans les dictionnaires français d’Ancien Régime. Histoire et lexicographie. Langue Française, [s. l.], v. 15, n. 1, p. 79-104, 1972.), articulando assim a dimensão social com a atribuição racial num contexto histórica e geograficamente situado: o da América das plantações coloniais como eixo de um sistema-mundo, e não mero exercício classificatório de corpos. Isso significava uma expansão e desenraizamento de sujeitos de seus modos de vida tradicionais e uma expansão de um sistema mundial que colocava a escravização como um pilar do avanço do empreendimento colonial e conexão entre mercados inter e transcontinentais. Inicialmente justificado pelos discursos teológicos e filosóficos, a ordem sociorracial foi legitimada pelas teorias de pretensão científica herdadas do Iluminismo (o darwinismo social).

Muito do que se produz sobre a negritude remete a uma necessidade de revisitar criticamente a história mundial no período colonial e perceber suas permanências e continuidades nos séculos seguintes quanto a um duplo movimento: o de desenraizar comunidades tradicionais localmente e o de colocar em diáspora forçada segmentos populacionais que ingressaram de modo subordinado no sistema colonial, ao passo que devemos perceber tal violência colonial como parte fundamental no próprio avanço do empreendimento colonialista (Mignolo, 2007MIGNOLO, W. El pensamiento decolonial: desprendimiento y apertura. Un manifiesto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (ed.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores: Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos: Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007.).

A evolução dos estudos sobre a problemática da branquitude é historicamente articulada com a da negritude, sendo estas duas faces da mesma moeda. Foi no século XVII que o uso da palavra “branco” se desenvolveu, com a organização do espaço atlântico através do comércio triangular e do desenvolvimento da plantação colonial (Allen, 1994ALLEN, T. W. The invention of the white race: volume I. London: Verso, 1994., 1997ALLEN, T. W. The invention of the white race: volume II. London: Verso, 1997.). Tal como o termo “nègre/negro” que o precedeu, tem um significado tanto social como biológico (Cottias, 2013COTTIAS, M. Blancs. In: TAGUIEFF, P.-A. Dictionnaire historique et critique du racisme. Paris: PUF, 2013. p. 217-220.). A generalização concomitante dos dois termos durante a era moderna, compreendida entre os séculos XVII e XVIII, traduz a afirmação de relações de poder inscritas nas posições socioeconômicas (proprietários/despojados) e nos distintos status jurídicos constituem uma complexa categorização das procedências africanas através de termos que as posicionam como corpos possuídos: como livres, pardos, libertos e escravos.

As lutas pela abolição da escravatura do século XIX não puseram em causa as relações sociais assimétricas ligadas às categorias raciais, como demonstra a criação de legislações coercitivas - tais como o crime de vagabundagem no Caribe francês e britânico - e até mesmo segregacionistas - como as leis de Jim Crow nos Estados Unidos - por parte das sociedades pós-escravistas que retomam essas distinções. Todavia, a repercussão desse modo de produção colonial que no Brasil foi o mais longevo (com uma abolição formal em 1888, mas com formas variadas de subalternização perpetuadas no pós-abolição) marcou um modo científico de abordar o tema. As rupturas produzidas no campo da historiografia brasileira, com Chaulhoub (1990)CHAULHOUB, S. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990., tiveram uma imensa repercussão nas abordagens críticas sobre as subalternidades, frequentemente denunciadas por trabalhos científicos, mas que revisitaram as declinações até então dominantes na sociologia brasileira através da ideia-chave do “escravo-objeto”, dando pouca margem para a escuta de histórias dissidentes e protagonistas construtores de outras experiências emancipatórias e mais além dos corpos subjugados pelo sistema colonialista e escravista. Hoje podemos ter uma necessária incursão crítica a essas camadas de história, antes delas, até se buscava vocalizar os subalternos sem, contudo, examinar profundamente as balizas do conhecimento científico e as retóricas da subalternidade sedimentadas no campo científico.

Ora, o termo “nègre/negro” e o conjunto das percepções coletivas que se construíram em torno dele lançaram as bases de uma organização social baseada na hierarquização sociorracial, que marcou duradouramente as sociedades americanas e inscreveu relações assimétricas ao longo tempo. Cinco séculos de categorizações raciais produziram hierarquias sociais solidamente enraizadas, que serviram de justificação ao domínio e à exploração econômica. Uma herança importante desse período nas sociedades americanas dos séculos XX e XXI é o legado das percepções e práticas sociais que reproduzem esses esquemas sociorraciais (Fanon, 1952FANON, F. Peau noire, masques blancs. Paris: Le Seuil, 1952.).

A tomada em consideração do ponto de vista das populações escravizadas e dos seus descendentes introduz aqui uma nuance e dá conta da complexidade das relações sociais para as quais a negritude remete, como ilustrado pela polissemia do termo “nègre/negro”. A passagem desse termo da língua do dominante (nègre em francês) à do dominado (nèg em kreyòl) resulta em uma inversão do estigma, já que a palavra nèg significa de uma só vez “negro” e “homem” e tem uma conotação positiva para os negros no Haiti e nas Antilhas francesas. Esse duplo significado constitui a raiz cultural e política profunda da noção de “negritude” que opera um reverso do estigma (Césaire, 1947CÉSAIRE, A. Cahier d’un retour au pays natal. Paris: Bordas, 1947.). No contexto do Haiti e da Martinica, refere-se a uma humanidade que não existe no termo nègre da língua do colonizador. A polissemia do termo nas antigas colônias do Caribe francês testemunha a imbricação das lógicas de heteroidentificação e de autoidentificação na construção das identidades culturais negras. A polissemia testemunha também a pertinência da tomada em consideração dos contextos locais (além dos nacionais, regionais e urbanos) na compreensão dessas lógicas.

A evolução da problemática das relações raciais e sua politização na segunda metade do século XX e nas duas primeiras décadas do século XXI dão uma segunda nuance à racialização das relações sociais anteriormente descrita aqui e que tinha constituído o contexto inicial em que tinha sido forjada a noção de negritude. O período de 1960 a 1980 foi marcado pela descolonização e pela luta pelo movimento dos direitos civis. É caracterizado por uma dialética paradoxal entre a descarga e a permanência da “raça” nas sociedades do espaço atlântico (Poiret; Hoffmann; Audebert, 2011POIRET, C.; HOFFMANN, O.; AUDEBERT, C. Contextualiser pour mieux conceptualiser la racialisation. Revue Européenne des Migrations Internationales, Poitiers, v. 27, n. 1, p. 7-16, 2011.). Nos Estados Unidos, o racismo no campo científico e político tornou-se politicamente incorreto, o que não impediu a persistência da “raça” como parte da gestão institucional da diversidade e na exclusão social em que é supostamente combatido (Massey; Denton, 1993MASSEY, D.; DENTON, N. American apartheid: segregation and the making of the underclass. Cambridge: Harvard University Press, 1993.; Post; Rogin, 1998POST, R.; ROGIN, M. (ed.). Race and representation: affirmative action. New York: Zone Books, 1998.; Rogers, 2006ROGERS, R. Afro-Caribbean immigrants and the politics of incorporation: ethnicity, exception or exit. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.). No Caribe francês (Antilhas, Guiana Francesa) e na França, a “raça” é oficialmente rejeitada pela ideologia republicana e assimilacionista, ao mesmo tempo que está cada vez mais presente no debate público e na denúncia das desigualdades sociais e raciais (Audebert, 2008AUDEBERT, C. L’intégration des Antillais en France et aux Etats-Unis: contextes socio-institutionnels et processus de territorialization. Revue Européenne des Migrations Internationales, Poitiers, v. 24, n. 1, p. 65-87, 2008.; Giraud, 2002GIRAUD, M. Racisme colonial, réaction identitaire et égalité citoyenne: les leçons des expériences migratoires antillaises et guyanaises. Hommes et Migrations, [s. l.], n. 1237, p. 40-53, mai/juin 2002.; Ndiaye, 2008NDIAYE, P. La condition noire: essai sur une minorité française. Paris: Calmann-Lévy, 2008.). Em vários países da América Latina (Colômbia, Brasil, etc.), as categorias raciais são relativizadas sob o argumento desmobilizador da evocação de um contexto de miscigenação, o que não impede a ressemantização feita pelos movimentos de luta pela igualdade social e racial, como modo de desracialização das relações sociais, ou mesmo a sua institucionalização contra as discriminações (Audebert et al., 2012AUDEBERT, C. et al. Rapport scientifique du programme ANR Afrodesc: Afrodescendants et esclavages: domination, identification et héritages dans les Amériques (15ème-21ème siècles). [Rapport de recherche, halshs-01104672]. [S. l.]: IRD: URMIS: CEMCA: INAH: Universidad de Cartagena: CIRESC, 2012.).

Os debates fundadores e a questão negra nas Américas

Na reflexão sobre os mundos negros das Américas, o debate acadêmico entre Herskovits (1941)HERSKOVITS, M. The myth of the Negro past. New York: Harper and Brothers, 1941. e Frazier (1949)FRAZIER, E. F. The Negro in the United States. New York: MacMillan, 1949. continua a ser fundador. Enquanto o primeiro sustentou a ideia de uma reprodução quase idêntica das heranças culturais africanas nas Américas, o segundo contestou fortemente essa posição ao considerar que, em vez de um transplante, as identidades culturais afro-americanas eram mais o produto de uma reconstrução in situ em contexto escravista e subsequentemente da discriminação em contexto pós-escravista. As questões inspiradas por esse debate permanecem de grande atualidade para compreender a condição negra nas sociedades americanas.

O debate teve, nomeadamente, o mérito de pôr em evidência o risco de essencialização colocado pela confusão entre afrodescendência e identidade africana, sob dois aspectos apontados pelas ciências sociais. O primeiro aspecto é o da essencialização que atribui características socioculturais fixas e globalizantes às populações categorizadas como negras, que permitam justificar os processos discriminatórios de que são objeto e o seu controle social. Essa declinação das reflexões sobre essencialização deu impulso a uma abundante investigação no mundo anglo-saxônico e na América Latina inspirada nos trabalhos de Michel Foucault (1975)FOUCAULT, M. Surveiller et punir. Paris: Gallimard, 1975.. O segundo foi o de considerar o mundo afro-americano como um espaço indiferenciado sem ter em conta a notável diversidade das situações locais e das identidades afrodescendentes, nomeadamente destacadas pela obra fundadora Les Amériques noires (Bastide, 1967BASTIDE, R. Les Amériques noires: les civilisations africaines dans le nouveau monde. Paris: Payot, 1967.).

Cabe indagar de modo crítico sobre como tais autores foram incorporados ao debate e ensino da antropologia no Brasil e reiterar as preocupações que atravessam os autores desta coletânea. Não só é necessário rever as formas de construção do conhecimento científico no tema das relações raciais, mas urge examinar as invisibilizações das críticas à doxa. Criticas essas que demonstram os pressupostos da branquitude.

Ora, se um projeto culturalista se expandia academicamente nas Américas e a marcava como uma área de especialização antropológica, a América de Herskovits, é porque essa área sempre possibilitou uma ambição de formação de acadêmicos que descobriram o Novo Mundo a partir da ideia de mosaico cultural, para o qual mobilizaram indagações sobre a “integração social” de populações autóctones e transplantadas. As noções de “integração” se vulgarizavam e desidratavam diretamente os aspectos conflitivos e tensões advindas de um racismo estrutural constitutivo do projeto colonial.

Desse conjunto de estudantes/pesquisadores americanos que se destacam no mapeamento da sociedade sul-americana e central, observamos à distância outras declinações, como a que tivemos com a obra de Zora Neale Hurston (1891-1960), estudante de Franz Boas. Em que pese uma produção acadêmica, fílmica e literária de grande envergadura da autora, seu trabalho Olualê Kossola: as palavras do último homem negro escravizado (Hurston, 2021HURSTON, Z. N. Olualê Kossola: as palavras do último homem negro escravizado. Rio de Janeiro: Record, 2021.) veio a ser publicado em português no Brasil somente em 2021. A própria Zora Hurston buscava empreender uma etnografia que incluía realizar trabalho de campo no Caribe. Nessa escavação histórica que tem sido feita no contexto brasileiro, é mais fácil descobrirmos “brasilianistas” contemporâneos como Henry Louis Gates Jr. (2014)GATES JR., H. L. Os negros na América Latina. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. a tratar das relações raciais e do racismo do que perceber a necessidade urgente de reconhecer as densas camadas da produção antropológica brasileira e internacional das experiências no vasto subcontinente sul-americano sobre as relações raciais.

Muitas informações de trabalhos antropológicos se situam na produção sobre o devir histórico e atual de comunidades palenques na Colômbia, Peru, Equador e Chile. Por essa razão, o volume tem a grata presença de reflexões sobre os tais “reaparecimentos” e as afirmações identitárias na Argentina e no Uruguai. Não por serem inusitadas, mas porque correspondem a uma linha de reflexão da antropologia atual sobre a presença negra constantemente vocalizada como “novidade em terra de brancos”. Entretanto, nos apontam o vigor das comunidades tradicionais negras na atualidade e expandem nosso conhecimento sobre as lutas antirracistas como constituintes do subcontinente sul-americano.

No Caribe francófono, a reflexão sobre a negritude se inscreve neste debate fundador entre continuidade e reconstrução, ao mesmo tempo que inicia um debate sobre o lugar das identidades negras no contexto colonial e pós-colonial francês de meados do século XX. Com efeito, esse movimento, nascido em Paris na década de 1930 do encontro entre o martinicano Aimé Césaire, o senegalês Léopold Sédar Senghor e o guianês Léon Gontran-Damas, é ao mesmo tempo pan-africano e transatlântico com obras de grande envergadura, como Pigments, de Damas (1937)DAMAS, L. G. Pigments. Paris: Guy Lévi-Mano, 1937.; Cahier d’un retour au pays natal, de Césaire (1947)CÉSAIRE, A. Cahier d’un retour au pays natal. Paris: Bordas, 1947. e a famosa Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache, organizada por Senghor (2015)SENGHOR, L. S. Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de la langue française. Précédée de “Orphée noir” de J. P. Sartre. 9 éd. Paris: PUF, 2015. em 1948, que incluía o prefácio de Jean Paul Sartre, “Orphée noir” (“Orfeu negro”). Para alguns leitores e estudiosos, a negritude tem sido, do ponto de vista cultural, uma revolução. Mas, do ponto de vista de luta pela independência política e econômica da África, a negritude tem sido uma autêntica contrarrevolução (Joseph, 2011JOSEPH, H. Aimé Césaire: negritude, etnicidade e culturas afro nas Américas. In: BOLAÑOS, A. G.; BENAVENTE, L. R. (org.). Voces negras de las Américas: diálogos contemporâneos = Vozes negras das Américas: diálogos contemporâneos. Rio Grande: Editora da FURG, 2011. p. 37-52. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/49578972/_Aim%C3%A9_C%C3%A9saire_Negritude_etnicidade_e_culturas_afro_nas_Am%C3%A9ricas_ . Acesso em: 24 abr. 2022.
https://www.academia.edu/49578972/_Aim%C...
). Nas palavras de Senghor (1980SENGHOR, L. S. La poésie de l’action. Paris: Stock, 1980., p. 32, tradução nossa):

Objetivamente, a negritude é o conjunto dos valores de civilizações do mundo negro, do qual o sentido da comunicação, o dom da imagem analógica, o dom do ritmo faz um paralelismo assimétrico. Em uma palavra, é uma certa dialética, melhor, uma simbiose entre a inteligência e a alma, entre a matéria e o espírito, entre o homem e a mulher. Subjetivamente, a negritude é uma certa vontade e certa maneira de viver os valores.

Esse movimento literário e cultural é também um projeto político contemporâneo da Harlem Renaissance nos Estados Unidos liderado pelo jamaicano Claude McKay (1928)McKAY, C. Home to Harlem. New York: Harper, 1928. e o afro-estadunidense Langston Hughes (2001)HUGHES, L. The collected works of Langston Hughes: vol. 1 to 4. Columbia: University of Missouri Press, 2001. ou o da École des Griots e do indigenismo no Haiti (Price-Mars, 1928PRICE-MARS, J. Ainsi parla l’Oncle: essai d’ethnographie. Compiègne: Imprimerie de Compiègne, 1928.; Roumain, 2013ROUMAIN, J. Gouverneurs de la rosée. Montréal: Mémoire d’Encrier, 2013.). O fio condutor desses movimentos intelectuais do Atlântico negro é a crítica da alienação colonial e o reconhecimento e a promoção da contribuição social e cultural das pessoas negras onde quer que estejam no mundo, mesmo que sob a ótica do indigenismo a identidade haitiana seja considerada uma construção endógena e original que não pode ser assimilada nem à Europa, nem à civilização pré-colombiana, nem à África.2 2 “No Haiti, o indigenismo constitui uma tomada de consciência por parte de escritores e artistas no sentido de incorporar a cultura popular, até então relegada à margem da sociedade. […] O termo não evocava, portanto, o ‘indígena’ ou o ‘índio’ da América, sendo empregado nos textos haitianos da época como sinônimo de nacional, podendo ser associado a nativismo, particularmente reativado por causa da ocupação americana (1915-1934), no país” (Joseph, 2015, p. 538-539). No contexto colonial martinicano dessa época, o Cahier d’un retour au pays natal de Aimé Césaire (1947)CÉSAIRE, A. Cahier d’un retour au pays natal. Paris: Bordas, 1947. afirma-se como um ponto de referência importante da negritude e um marcador da reabilitação da herança cultural antilhana e da sua componente africana. Constatando os traumatismos, a alienação e a despersonalização gerados pela colonização, Frantz Fanon (1952FANON, F. Peau noire, masques blancs. Paris: Le Seuil, 1952., 1961FANON, F. Les damnés de la Terre. Paris: Maspero, 1961.) defende uma abordagem mais revolucionária e política da luta a favor dos direitos dos negros e dos povos colonizados.

Como resultado dessa efervescência literária, cultural e política, nota-se a criação de várias revistas dedicadas à causa negra na primeira metade do século XX, dentre as quais se pode citar as mais importantes delas, a Revue Indigène (1927), organizada por jovens intelectuais haitianos, entre os quais se destacam Jacques Roumain, Carl Brouard, Philippe Thoby Marcelin, Emile Roumer; a revista bilíngue La Revue du Monde Noir (1931); a Légitime Défense (1932), fundada por estudantes martinicanos: Etienne Léro, René Menil e Jules Monnerot; e a revista L’Étudiant Noir (1934), por Aimé Césaire, Léon Gontran Damas e Léopold Sédar Senghor. Os termos do debate fundador entre continuidade e reconstrução ressurgem com a emergência de uma tomada de distância em relação a um movimento ao qual se acusa de amalgamar realidades diferentes e de promover uma unidade mítica dos povos negros na diáspora. René Dépestre (1986)DÉPESTRE, R. Buenos días y adiós a la negritud. La Habana: Casa de las Américas, 1986., embora perto do movimento da negritude, e depois Édouard Glissant (1981)GLISSANT, E. Le discours antillais. Paris: Gallimard, 1981., têm reservas quanto à sua radicalidade e defendem a ideia de uma antillanité, que levará à teorização da noção de créolisation. No Caribe anglófono, a reflexão sobre a West Indianness articula-se com a abordagem pan-africana (Brathwaite, 1981BRATHWAITE, E. K. The folk culture of the slaves in Jamaica. London: New Beacon Book, 1981.; James, 1989JAMES, C. L. R. The Black Jacobins. New York: Vintage Books Edition, 1989.) e o tema da emigração emerge como uma escapatória do isolamento insular colonial e pós-colonial, mas a experiência dos afro-caribenhos no contexto migratório é descrita como outra forma de alienação (Lamming, 1954LAMMING, G. The emigrant. London: Michael Joseph, 1954., 1992LAMMING, G. Natives of my person. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1992., 2017LAMMING, G. In the castle of my skin. London: Michael Joseph, 2017.). A partir dos anos 1980 e 1990, a diáspora constitui um prisma privilegiado do estudo da pluralidade das identidades afro-caribenhas em contexto pós-colonial. Voltamos a encontrar nas entrelinhas os termos do debate inicial, através da coexistência entre as lógicas de hibridização diaspórica (Gilroy, 1993GILROY, P. The black Atlantic: modernity and double consciousness. Cambridge: Harvard University Press, 1993.; Hall, 1996HALL, S. Cultural identity and diaspora. In: MONGIA, P. (ed.). Contemporary postcolonial theory: a reader. London: Arnold, 1996. p. 110-121.), afrocentrismo e alienação cultural (Chivallon, 2004CHIVALLON, C. La diaspora noire des Amériques. Paris: CNRS éditions, 2004.).

As novas orientações de investigação relacionadas com a crescente interação entre o mundo acadêmico e as abordagens das relações raciais desenvolvidas pelos ativistas ainda trazem consigo a herança desse debate original, apesar das suas reflexões científicas. Essas novas inflexões, datadas dos anos 1990, permitem identificar três pistas principais de reflexão. A primeira é a da investigação sobre os marcadores de diferenciação mobilizados na produção das identidades negras ou afrodescendentes. A segunda é a da reflexão sobre a relação entre Estado-nação e mestiçagem, e sobre o posicionamento dos atores que produzem os marcadores de diferenciação, nesse debate. A terceira inflexão da investigação diz respeito às políticas de gestão da diferença a nível nacional e supranacional. Embora seja impossível propor aqui um estado da arte exaustivo, dois programas de investigação importantes implantados à escala do espaço atlântico - AFRODESC e EURESCL - ofereceram uma abordagem de conjunto dessas novas orientações de investigação.3 3 O primeiro é o programa ANR Internacional AFRODESC - Afrodescendants et esclavages: Domination, identification et héritages dans les Amériques (15e-21e siècles), coordenado por Elisabeth Cunin, e o segundo é o programa europeu EURESCL - Slave Trade, Slavery and their Legacies in European Histories and Identities, coordenado por Myriam Cottias.

Essas reflexões demonstram a tomada em consideração do papel central da herança da escravatura na estruturação das sociedades e nas mobilizações políticas e culturais atuais, que foi complementada com a questão das relações de poder e da aceleração dos processos de racialização. De outra parte, as ciências sociais tiveram em conta a mobilização das organizações negras contra a sua invisibilidade histórica nas narrativas nacionais, e levaram uma reflexão sobre a instrumentalização estatal da mestiçagem em diferentes contextos latino-americanos. No Caribe francês, essas mobilizações contestaram o modelo republicano da cidadania universal que nega as relações sistêmicas do poder e os mecanismos da racialização. Assim, paralelamente ao desenvolvimento de identidades multiculturais locais fora de qualquer instrumentalização política, a articulação de lógicas de atores infranacionais e supranacionais (Unesco, etc.) fizeram da América Latina um laboratório do multiculturalismo e da institucionalização das identidades negras (Audebert et al., 2012AUDEBERT, C. et al. Rapport scientifique du programme ANR Afrodesc: Afrodescendants et esclavages: domination, identification et héritages dans les Amériques (15ème-21ème siècles). [Rapport de recherche, halshs-01104672]. [S. l.]: IRD: URMIS: CEMCA: INAH: Universidad de Cartagena: CIRESC, 2012.).

Perspectivado com esse quadro geral, o contexto brasileiro apresenta um certo número de especificidades históricas, geográficas e sociológicas de grande interesse para fazer avançar o conhecimento sobre a questão negra. Historicamente, o comércio transatlântico brasileiro de escravos se distingue pelo longo tempo de seu desenvolvimento - quatro séculos - e uma abolição tardia, que explica em grande medida que o país tenha concentrado por si só 40% do volume total do tráfico nas Américas: 5 milhões de escravizados africanos chegaram nesse território. Essa história teve implicações demográficas e sociológicas distintas das dos países vizinhos, já que um pouco mais da metade dos brasileiros se identificam como afrodescendentes. O Brasil é, pois, um campo incontornável para a reflexão sobre a negritude e as relações raciais. Além disso, a geografia do país é marcada pela vastidão do território, cujas numerosas particularidades regionais permitem a abordagem comparativa: a questão da negritude não se coloca nos mesmos termos no Nordeste, na Amazônia ou no Sul e Sudeste do Brasil, como mostram os artigos aqui reunidos.

Por conseguinte, o interesse da problemática das relações raciais na sociedade brasileira reside simultaneamente nas questões que partilha com os outros contextos americanos e nas questões específicas que a caracterizam. Essa problemática, tal como é tratada pelas ciências sociais, se interessa pelos efeitos do enraizamento profundo do racismo no inconsciente coletivo e no modo de funcionamento e o modo como reverbera na estrutura social.

Essa questão é importante no Brasil e também no Caribe e a sua diáspora, como já se viu anteriormente, e constitui, portanto, um ponto pertinente de aproximação e comparação entre os dois espaços. A atualização nas estruturas sociais desse preconceito antigo herdado da colonização e da escravatura é objeto de abundante investigação, relativa às desigualdades de renda e de acesso ao emprego e às desigualdades no acesso à educação e à saúde - tal como demonstrado por estudos recentes sobre a mortalidade relacionada com a Covid-19 (Goes; Ramos; Ferreira, 2020GOES, E. F.; RAMOS, D. de O.; FERREIRA, A. J. F. Desigualdades raciais em saúde e a pandemia da Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, e00278110, 2020.; Santos et al., 2020SANTOS, M. et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 225-243, 2020.). As ciências sociais interessam-se também pela multiplicidade das formas de manifestação do racismo, quer se trate do racismo cultural, quer do racismo estrutural e institucional na lei e nas práticas das instituições - nomeadamente a violência policial e as práticas de encarceramento dos negros.

A negritude e a antropologia atual

Se, historicamente, os saberes científicos e a antropologia silenciaram e invisibilizaram intelectuais negros que buscaram problematizar as relações raciais sob a perspectiva da enunciação e desvelamento do racismo, os intelectuais negros, por sua vez, nunca desistiram da antropologia. Descentrando a questão da negritude de clássicas problematizações sobre “o lugar do negro na sociedade” (Fernandes, 1978FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.), ou da “eterna surpresa” que constituíram o fio condutor de trabalhos sobre comunidades negras tradicionais em contexto rural, a produção antropológica brasileira e sul-americana se expandiu no intuito de evidenciar outros pontos de vivência sobre o sistema colonial e pós-colonial. Estas não podem mais ser vistas como histórias à margem, mas conhecimentos desestabilizadores de modo pontual e robusto sobre histórias tecidas dentro de um saber colonizador. Destaca-se a produção antropológica realizada no âmbito de relatórios de identificação e reconhecimento de comunidades quilombolas, em um marco constitucional brasileiro, com autores pesquisadores negros que marcam uma nova geração de antropólogos inspirados em uma literatura de intelectuais como Abdias do Nascimento, Clovis Moura e Lélia Gonzalez, que já apontavam para novas formas de inspecionar a experiência histórica e racial em terra brasilis.

Se a história das ciências sociais brasileiras, em especial a antropologia social, e de modo ainda mais particular a antropologia afro-brasileira, foi marcada pela influência europeia, como de resto a própria identidade das elites intelectuais “nacionais”, a história da mobilização política e crítica de autores afro-brasileiros se inscreve em uma relação direta com o vocabulário e as lutas dos negros africanos e principalmente estadunidenses. As conexões internacionais das comunidades de debatedores e entre a cultura popular negra nos Estados Unidos e no Brasil são conhecidas e usualmente conectam-se as malhas de interinfluência do Atlântico negro e do Caribe. Inclusive, e talvez principalmente vernáculas, como no caso da expansão do hip-hop e do “black power”, são linguagens de afirmação política e de reinvenção estética. Circulam com vigor como elemento da cultura juvenil, notadamente nos grandes centros urbanos brasileiros, marcados tanto pela presença negra de longa duração como pela reprodução da desigualdade socioeconômica, violência e folclorização da cultura de origem africana. Em Salvador, no Rio de Janeiro, em São Luís do Maranhão observa-se a continuada renovação de laços culturais e políticos entre os pretos brasileiros e as experiências africano-americanas (Pinho, 2020PINHO, O. Race and cultural politics in Bahia. In: OXFORD Research Encyclopedia of Latin American History. [S. l.]: Oxford University Press, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1093/acrefore/9780199366439.013.946 . Acesso em: 24 abr. 2022.
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; Sansone, 2000SANSONE, L. Os objetos da identidade negra: consumo, mercantilização, globalização e a criação de culturas negras no Brasil. Mana, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 87-119, 2000.; Silva, 1983SILVA, C. B. R. “Black soul”: aglutinação espontânea identidade étnica. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, v. 2, p. 244-262, 1983., 1995SILVA, C. B. R. Da Terra das Primaveras à Ilha do Amor. reggae, lazer e identidade cultural. São Luís: EDUFMA, 1995.).

Alguns certamente já enfatizaram esse aspecto, no campo do debate público, ou nas ciências sociais, vocalizando essa circulação internacional como uma mera importação estrangeira ou fruto espúrio do imperialismo cultural estadunidense. Todavia, não deixa de ser irônico o fato de que os autores alçados em determinado momento como campeões dessa crítica antiestadunidense, acionem eles próprios olhares dotados de exterioridade nesse campo de debates das relações raciais, nomeadamente Pierre Bourdieu e Loic Wacquant (1998)BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. Prefácio: sobre as artimanhas da razão imperialista. In: BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 17-32.. O argumento, como já discutido, parece fraco e mesmo ofensivo para afro-brasileiros (Pinho; Figueiredo, 2002PINHO, O.; FIGUEIREDO, A. Ideias fora do lugar e o lugar do negro nas ciências sociais brasileiras. Estudos Afro-Asiáticos, [s. l.], ano 24, n. 1, p. 189-210, 2002.), na medida em que primeiro desconsidera a influência estrangeira, estadunidense ou francesa, liberal, marxista ou pós-estrutural, como matriz fundamental para a formação da consciência sociológica ou antropológica brasileira, inclusive em termos institucionais, com a importação de professores estrangeiros, como na missão francesa em São Paulo (Massi, 1989MASSI, F. P. Franceses e norte-americanos nas ciências sociais brasileiras. In: MICELI, S. (org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo: Idesp: Vértice: Finep, 1989. v. 1, p. 410-459.). E porque desconsidera também a agência e o discernimento dos afro-brasileiros, quer sejam intelectuais críticos como Abdias do Nascimento ou garotos da periferia nos bailes black do Rio de Janeiro ou São Paulo nos anos 1970. Uns e outros sabiam o que faziam quando se voltavam para a insurgência política e estética afro-americana, mas também africana e caribenha, como modo de realinhamento identitário e político. Mais perturbador ainda é perceber que a crítica de Bourdieu e Wacquant encontra eco atual, na cruzada contra aquilo que é nomeado como um identitarismo negro, acusado mais uma vez, como muitas vezes no passado, de mera cópia, ou importação ingênua ou mal-intencionada de problemas dos Estados Unidos para o Brasil (Domingues, 2022DOMINGUES, P. ‘Racismo reverso’ de Risério busca deslegitimar luta por igualdade racial. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 jan. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/01/racismo-reverso-de-riserio-busca-deslegitimar-luta-por-igualdade-racial.shtml . Acesso em: 24 abr. 2022.
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).

As ciências sociais de um modo em geral e antropologia social brasileira nunca primaram pela preocupação com a inclusão racial em seus próprios quadros (Candido; Feres Junior; Campos, 2018CANDIDO, M. R.; FERES JUNIOR, J.; CAMPOS, L. A. Raça e gênero nas ciências sociais: um perfil dos docentes de pós-graduação no Brasil. Boletim OCS, [s. l.], n. 1, set. 2018.). Se no caso da antropologia indigenista há uma certa tradição “simétrica”, o mesmo não ocorre com relação aos intelectuais negros e negras. Nesse caso, a própria formação da disciplina, notadamente em sua gênese híbrida entre a medicina legal, a antropologia afro-brasileira e o direito, constituiu uma grade epistemológica que implicava uma severa objetificação da população negra, além da exclusão prática do negro do ambiente acadêmico (Corrêa, 2001CORRÊA, M. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 2. ed. rev. Bragança Paulista: Fapesp: Universidade São Francisco/CDAPH, 2001.).

Como a biografia de Edison Carneiro, apesar dos esforços de relativização de Gustavo Rossi (2015)ROSSI, G. O intelectual feiticeiro: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2015., parece demonstrar, o apagamento da participação institucional seguia-se ao apagamento de suas reflexões acadêmicas. Impossível não lembrar da desconfiança, para não dizer objeção, que parte dos principais quadros da antropologia social brasileira manifestaram com relação às políticas de ação afirmativa racial nas universidades, acionando argumentações sobre o resguardo do mérito como base da construção do campo científico em contraposição à proposta de diversificação de corpos e vozes no debate e na produção científica. Além da acusação de importação estrangeira, os argumentos contrários à ação afirmativa semeavam o pânico e o medo, velhas armas utilizadas contra o protagonismo negro, ao dizer que as cotas raciais iriam destruir a universidade brasileira ou que iriam aviltar uma identidade nacional brasileira mestiça, sob a compreensão de que seria o ponto zero, inaugural, de uma racialização da sociedade que não existia até então (Risério, 2007RISÉRIO, A. A utopia brasileira e os movimentos negros. São Paulo: Editora 34, 2007.). Um passado recente do debate antropológico que pode ser revisitado em Jardim e López (2013)JARDIM, D. F.; LÓPEZ, L. C. (org.). Políticas da diversidade: (in)visibilidades, pluralidade e cidadania em uma perspectiva antropológica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2013..

Nada disso obviamente sucedeu, mas outras mudanças e conflitos advieram. A presença de estudantes cotistas negros e negras nos cursos de graduação e pós-graduação mudou a paisagem das universidades e trouxe à tona reflexões críticas em relação às epistemologias euro-estadunidensecentradas, provocando outras formas do processo de ensino-aprendizagem, notadamente outros modos de ensinar antropologia no Brasil a partir também de outras epistemes descolonizadoras. É justo neste momento que escrevemos que esse campo de estudos das relações raciais mostra sua expansão não somente em termos de produção, mas de formação de gerações de intelectuais e crítica às bases histórico-conceituais da antropologia das relações raciais.

Nos últimos 20 anos, como diversos estudos vêm demonstrando, a presença de estudantes negros nas universidades brasileiras cresceu exponencialmente. Notadamente nos cursos mais concorridos, historicamente reserva de reprodução das elites racializadas brasileiras (Lima, 2015LIMA, M. Ações afirmativas e juventude negra no Brasil. Cadernos Adenauer, [s. l.], v. 16, n. 1, p. 23-43, 2015.; Pinho, 2019PINHO, O. Integração e subversão - produção de conhecimento e transformação social. Novos Olhares Sociais, [s. l.], v. 2, n. 1, p. 119-134, 2019.). Mas, de um modo em geral em todo o ambiente universitário, a presença da juventude negra, também oriunda da escola pública, uma vez que as políticas combinam os dois critérios, é marcante. Acresce-se a isso a expansão do ensino público superior com a criação de novas universidades federais, com novos cursos de graduação e programas de pós-graduação em ciências sociais e em antropologia.

O estado da Bahia é um bom exemplo, além de emblemático, em virtude da demografia racial e da tradição de estudos sobre o negro. Até os anos 2000 a Bahia, com uma população aproximada de 15 milhões de habitantes, contava com apenas uma universidade federal e um curso de graduação em ciências sociais. Atualmente, a Bahia conta com cinco universidades federais, fora os institutos federais de educação, e cinco graduações em ciências sociais. Além disso, a expansão universitária deu-se em grande parte em territórios marginalizados historicamente, de modo muito claro no Norte e Nordeste.4 4 O que parece bem exemplificado pela criação em 2006 da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, encravada no coração do Brasil colonial, região que amargou ao longo do século XX profunda degradação econômica e hoje é uma das mais pobres, e pretas, do país. Mesmo que a distribuição demográfica aponte as regiões Sul e Sudeste do Brasil como espaços em que a demografia racial revela percentuais menores de negros do que os expressos pelo IBGE para o cenário nacional, os espaços universitários públicos e de produção científica representavam uma hegemonia branca.

Em contraposição, podemos pensar no contexto da região Sul como espaço em que o avanço de temáticas e de compromissos éticos com o enfrentamento ao racismo encontram ressonância em comunidades acadêmicas que percebem a discrepância em sua composição e em sua própria formação intelectual sobre a questão racial. Outrora, tal formação era situada como parte das disciplinas de “minorias étnicas” e tida e vista como uma especialidade que produzia a outrificação sem reservas (Jardim; López, 2013JARDIM, D. F.; LÓPEZ, L. C. (org.). Políticas da diversidade: (in)visibilidades, pluralidade e cidadania em uma perspectiva antropológica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2013.). As cores eram “dos outros”, a “integração” um problema de segmentos e raramente encarada como um exame do racismo estrutural constitutivo das relações acadêmicas e socioculturais.

Ora, diante desse momento recente de constituição de uma antropologia negra não é então de se estranhar que os jovens estudantes e os nem tão jovens professores negros busquem referências intelectuais e críticas que lhes permitam abordar a produção acadêmica em antropologia no Brasil e as próprias lutas negras por emancipação e reconhecimento de outro ponto de vista. E, por outra parte, insertando no ambiente acadêmico referências que repercutiam, até então, nos ambientes intelectuais e de ativistas, nos quais já eram referências históricas, enquanto eram negligenciados no espaço universitário. Referências não exatamente novas no contexto global, mas represadas no Brasil pelos fatores apontados acima. Tal movimento deve ser interpretado como uma oportunidade de renovação e reflexão para a antropologia social brasileira, e não de pânico ou rejeição.

Os desdobramentos recentes são concretos e apontam para uma ainda controlada nova ebulição. Em 2018, durante a Reunião Brasileira de Antropologia (RBA) realizada em Brasília, foi criado o Comitê de Antropólogos Negros e Antropólogas Negras da Associação Brasileira de Antropologia, a partir de mobilização e protesto destes que estavam presentes, como está bem documentado (Dias, 2021DIAS, L. O. Circuitos antropológicos. Por uma Antropologia Negra no Brasil. Novos Debates, [s. l.], v. 7, n. 2, e7276, 2021.).

Além dessas transformações institucionais, vale a pena mencionar algumas das principais vertentes teórico-metodológicas impulsionadas pelo debate sobre negritude e relações raciais, não casualmente relacionadas com a produção afro-estadunidense, esquecendo-se de suas raízes no debate de intelectuais brasileiros, e que, ao passo das transformações sociológicas manifestadas nas políticas de inclusão racial, espelham novos horizontes de transformação por meio de novas abordagens epistemológicas e/ou ontológicas, como veremos.

Uma das vertentes do debate, e com antecedência histórica, revela-se no impacto do feminismo negro, antes restrito a círculos ativistas e intelectuais ligados ao legado de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Suely Carneiro e Luiza Bairros, que ganhou nos últimos anos grande expressão. O feminismo negro afro-brasileiro tem sua genealogia própria, ligado aos nomes de Gonzalez e Nascimento, e baseado fundamentalmente no movimento social, quer seja negro, quer seja feminista, como a trajetória de Lélia Gonzalez e ela própria refletem (Bairros, 1999BAIRROS, L. Lembrando Lélia Gonzalez. Afro-Ásia, Salvador, n. 23, 1999.; Carneiro, 2014CARNEIRO, S. Lélia Gonzalez: o feminismo negro no palco da história. Brasília: Fundação Banco do Brasil: REDEH, 2014.; Gonzalez, 1982GONZALEZ, L. O movimento negro na última década. In: GONZALEZ, L.; HASENBALG, C. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. p. 11-66.; Gonzalez; Hasenbalg, 1982GONZALEZ, L.; HASENBALG, C. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.; Ratts; Rios, 2010RATTS, A.; RIOS, F. Lélia Gonzalez. São Paulo: Selo Negro, 2010.). Categorias como “amefricanidade”, e textos como “Racismo e sexismo na cultura brasileira” (Gonzalez, 1983GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, v. 2, p. 223-245, 1983.) de Lélia, que associam psicanálise, sociologia e teoria crítica, sob inspiração da cultura negra popular, são marcos inclusive de um pensamento transnacional que antecipa formulações posteriores como a de “interseccionalidade” (Gonzalez, 2018GONZALEZ, L. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa… Diáspora Africana [São Paulo]: Filhos da África, 2018.). A articulação corpo-território, para definir quilombo e, mais uma vez com antecipação, a ideia de um “transatlanticidade”, ou de um Atlântico negro, diríamos, encontrada em Beatriz, significa também um labor teórico e critico estabelecido fora da universidade ou no mínimo em relação tensa com ela (Nascimento, 2021NASCIMENTO, B. Uma história feita por mãos negras. Organização Alex Ratts. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.). Autoras como Lélia e Beatriz precisam justamente esperar que transformações estruturais ocorram para ganhar, como ocorre agora, grande aceitação e penetração no debate acadêmico, inclusive na antropologia social, disciplina à qual Lélia, em particular, estava associada.

Ora, essa genealogia própria do feminismo negro brasileiro encontrou-se, ou reencontrou-se, nos últimos anos com a influência avassaladora do pensamento de Angela Davis (2016)DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. e de Kimberle Crenshaw (2002)CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002.. Ambas têm visitado com frequência o Brasil e atraído grande atenção, notadamente, é claro, dos/das jovens estudantes e ativistas negros/as.

A outra vertente, que enfatiza a relevância das articulações entre raça e classe e a crítica ao feminismo branco estadunidense, tem permitido a Angela Davis produzir quadros de referência críticos para uma abordagem interseccional comprometida com a historicidade e com o materialismo histórico. Creenshaw, uma jurista, cunhou o conceito de interseccionalidade, de enorme impacto no contexto da Conferência de Durban, na África do Sul, convocada pela ONU em 2001, com inúmeras reuniões preparatórias no subcontinente sul-americano, para discutir o racismo e formas de discriminação correlata (Bairros, 2002BAIRROS, L. III Conferência Mundial Contra o Racismo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 169-170, 2002.).

Proposta como uma abordagem teórico-metodológica para dar visibilidade a discriminações e opressões invisibilizadas pelo uso em separado de categorias de classe e raça, a posição que ocupam na intersecção de vetores de opressão, impulsionou o enfoque interseccional e logrou ampla disseminação justamente no momento em que começaram as políticas de inclusão racial no Brasil. Tais referências tornaram-se hoje uma perspectiva necessária e quase obrigatória aos estudos de gênero e também no âmbito das políticas públicas no sentido de demonstrar quantitativamente e qualitativamente as argúcias do racismo.

Por fim, Audre Lorde, bell hooks e Patricia Hill Collins, as duas primeiras autoras extensamente traduzidas no Brasil nos últimos anos, têm projetado sua influência crescente no pensamento social, no ativismo e também nos estudos antropológicos, com assuntos diferentes e repercussões de magnitude diversa. Das três, talvez Collins (2000)COLLINS, P. H. Black feminist thought: knowledge, consciousness and the politics of empowerment. 2nd. ed. New York: Routledge, 2000., com a poderosa categoria de imagens-controle, tenha maior impacto nas ciências sociais e na antropologia, ainda que os estudos de masculinidade de hooks (2004)HOOKS, b. We real cool: black men and masculinity. New York: Routledge, 2004. e as reflexões sobre sexualidade e erotismo em Lorde conectem-se com vigor a leituras queer e feministas no campo negro ou afro-brasileiro.

Em muitos sentidos, então, o feminismo negro, primeiro o afro-brasileiro histórico mas também com muita força o afro-estadunidense, tem permitido conexões críticas entre o pensamento disciplinar acadêmico e os movimentos sociais, e entre gerações diferentes de ativistas negras, ao tempo em que iluminam aspectos relativamente ignorados, mas profundamente estruturantes para a formação de padrões de opressão e subjetividades interseccionadas por variáveis raciais, sexuais, de classe e gênero. E de um modo, o que é mais importante, que negue ou critique pressupostos epistemológicos ocidentais tradicionais como a oposição sujeito versus objeto e a irrelevância da experiência para a produção do conhecimento válido, o que aparece de diversas formas exemplificado nas autoras e também em diversos artigos reunidos aqui neste volume.

Uma outra vertente de forte influência, bem mais recente, mas de grande potencial para a teoria social crítica, está identificada ao afropessimismo de Frank Wilderson III e outros autores (Sexton, 2011SEXTON, J. The social life of the social death: on afro pessimism and black optimism. InTensions, Toronto, n. 5, Fall/Winter 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.yorku.ca/intent/issue5/articles/jaredsexton.php . Acesso em: 23 abr. 2022.
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; Spillers, 1987SPILLERS, H. J. Mama’s baby, papa’s maybe: an american grammar book. Diacritics, [s. l.], v. 17, n. 2, p. 64-81, 1987.; Wilderson III, 2010WILDERSON III, F. B. Red, White and Black: cinema and the structure of U.S. antagonisms. Durham: Duke University Press, 2010., 2020WILDERSON III, F. B. Afropessimism. New York: Liveright Publishing Corporation, 2020.). Enraizada no radicalismo negro estadunidense e no pensamento anticolonial africano, apoia-se na obra de Orlando Patterson (2008)PATTERSON, O. Escravidão e morte social. São Paulo: Edusp, 2008. e de Frantz Fanon (1952)FANON, F. Peau noire, masques blancs. Paris: Le Seuil, 1952., para fundamentar, em primeiro lugar, a centralidade da morte social, como categoria histórica e ontológica, definidora da condição escrava. Como em Patterson, para quem o escravizado, como tipo trans-histórico, seria definido pelo desenraizamento social radical, a violência gratuita, ausência de personalidade/personalidade jurídica ou reconhecimento social. De modo algo análogo ao encontrado em Meillassoux (1995)MEILLASSOUX, C. Antropologia da escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995., o escravizado em Patterson seria um isolado genealógico, seccionado das fontes de reconhecimento social, como família, linhagem, clã ou parentesco, de tal forma que precariamente pode se reconhecer como uma pessoa, em sentido estrito. Ora, para Wilderson III a escravidão, o escravizado e o afterlife da escravidão (Hartman, 1997HARTMAN, S. Scenes of subjection: terror, slavery, and self-making in nineteenth-century America. New York: Oxford University Press, 1997.), formam o coração, o verdadeiro sentido e significado, ontológico, da negritude, ou pretitude, como traduções brasileiras recentes parecem preferir.

Para Wilderson III (2010)WILDERSON III, F. B. Red, White and Black: cinema and the structure of U.S. antagonisms. Durham: Duke University Press, 2010., assim como Sexton e outros, não há temporalidade anterior à escravidão para definir a negritude. E a própria escravidão pode ser definida, como em Patterson, como parasitismo social, de tal forma que o escravizado, o negro, configuram um “recurso” para os senhores, ou para os brancos. Um recurso, aliás, indispensável para a própria configuração da branquidade e do mundo moderno, colonial, branco, em suma, antinegro. Desse ponto de vista, a dimensão relacional é fundamental, justamente como em Fanon, onde aprendemos que o problema não é ser negro, mas sê-lo diante de, isto é, do branco.

Fanon (1952)FANON, F. Peau noire, masques blancs. Paris: Le Seuil, 1952. foi muito enfático quando dizia que o negro se descobre objeto no meio de outros objetos. É óbvio existir o momento de ser para o outro, segundo Hegel, mas qualquer ontologia torna-se irrealizável em uma sociedade colonizada e civilizada. Fanon mostra que, para o branco, o negro não tem resistência ontológica. De um dia para o outro, os negros tiveram de enfrentar dois sistemas de referência. Sua metafísica ou, menos pretensiosamente, seus costumes e instâncias às quais eles se referem, foram abolidos porque estavam em contradição com uma civilização que eles ignoravam e lhes foi imposta. Fanon fez críticas radicais em relação ao mito do ser negro marcado pela imaginação, sensibilidade e sensualidade. E ainda mostra que todas as qualidades humanas serão retiradas do negro uma por uma. Depois propõe uma contramitologia através das tecnologias anticoloniais.

As leituras fanonianas de Wilderson III insistem nessa precariedade e instabilidade, na insegurança ontológica que define a condição negra. Como diz por fim Fanon, o negro não tem resistência ontológica diante do branco, mas deve ser “fixado”. De uma forma ou de outra, ressalta-se aqui a indissociabilidade da produção do negro como uma não pessoa, e na verdade não humano, da própria constituição do mundo, em amplo sentido, em que vivemos. E, nesse sentido também, é necessário reconhecer que a violência antinegra não é um efeito colateral ou subproduto histórico ou sociológico contingente, mas a própria condição para estabilização e integridade do mundo branco. Por isso, e seguindo mais uma vez a Fanon, seria preciso destruir o mundo radicalmente, e não reformá-lo.

Em termos antropológicos a influência afro-pessimista ganha concretude e espaço de diálogo na produção associada à chamada Austin School (Gordon, 2007GORDON, E. T. The Austin School manifesto: an approach to the Black or African diaspora. Cultural Dynamics, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 93-97, 2007.). Sob a liderança de Edmund Gordon, Charles Halle e outros, então sediados no Departamento de Estudos da África e Diáspora na Universidade do Texas em Austin (AADS), o desenvolvimento de preocupações metodológicas, e não apenas no campo da representação discursiva, buscou definir uma agenda e um paradigma de produção etnográfica, activist research, que se alinhava aos interesses políticos emancipatórios dos grupos estudados, com as ressalvas e contradições próprias, como sugerido por Forster (1973)FORSTER, P. A review of the new left critique of social anthropology. In: ASAD, T. (ed.). Anthropology and the colonial encounter. Amherst: Humanity Books, 1973. p. 23-40. para outro contexto (Hale, 2008HALE, C. R. (ed.). Engaging contradictions: theory, politics, and methods of activist scholarship. Berkeley: University of California Press, 2008.). Nesse sentido, a activist research busca contribuir efetivamente para que esse outro, concretizado com um sujeito histórico, em um contexto histórico, possa encontrar os meios próprios não apenas de representação, mas de emancipação efetiva (James; Gordon, 2008JAMES, J.; GORDON, E. T. Afterword. Activist Scholars or Radical Subjects? In: HALE, C. R. (ed.). Engaging contradictions: theory, politics, and methods of activist scholarship. Berkeley: University of California Press, 2008. p. 367-373.).

Além do paradigma da pesquisa ativista, a influência da obra de Wilderson III, Fanon, Hartman, Sexton e outros é presente, por exemplo, no trabalho de outros autores associados ao AADS, como o antropólogo afro-brasileiro João H. Costa Vargas (2010)VARGAS, J. H. C. Never meant to survive: genocide and utopias in Black Diaspora communities. Washington: Rowman and LittleField Publishers, 2010., que realizou trabalho de campo no Rio de Janeiro e em Los Angeles, profundamente comprometido com a ideia de antinegritude estrutural e morte social. Assim como Vargas, outros brasileiros, atuando nos Estados Unidos, como Luciane Rocha (2014)ROCHA, L. O. Outraged mothering: black women, racial violence, and the power of emotions in Rio de Janeiro’s African Diaspora. 2014. Dissertation (Doctor of Philosophy) - Faculty of the Graduate School, University of Texas at Austin, Austin, 2014. e Jaime Amparo-Alves (2010)AMPARO-ALVES, J. À sombra da morte: juventude negra e violência letal em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Análise e Dados, Salvador, v. 20, n. 4, p. 563-578, out./dez. 2010., ou no Brasil, como Maria Andrea Soares (2019)SOARES, M. A. S. On the colonial past of anthropology: teaching race and coloniality in the global south. Humanities, [s. l.], v. 8, n. 2, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.3390/h8020088 . Acesso em: 24 abr. 2022.
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, presente neste volume, desenvolvem, com base em etnografias inspiradas, abordagens críticas em diálogo como esse repertório, que presta especial atenção a questões de violência e desigualdade, afastando-se da tradição culturalista dos estudos afro-brasileiros tradicionais, durante muito tempo a principal referência aceita na antropologia brasileira para informar os estudos raciais (Pinho; Vargas, 2016PINHO, O.; VARGAS, J. H. C. Antiblackness: o impossível sujeito negro na formação social brasileira. Cachoeira: FT: Editora UFRB: Uniafro, 2016.).

Ao apontar tais vertentes, gostaríamos de realçar não somente a variedade de caminhos do campo de estudos sobre a negritude e o enfrentamento ao racismo através de estudos antropológicos. É importante perceber que o campo de reflexões é crítico e tem intensidades que vêm propiciando sua dinamicidade e renovação, sobretudo porque os intelectuais/ativistas atravessam sem cerimônia fronteiras disciplinares, com muito entusiasmo e força, e nos demonstram que a ancestralidade é dotada de anseios pelo bem viver e pela luta constante a ser honrada pelas novas gerações.

Antropologias negras

Os textos reunidos neste volume mostram a contextualização das relações raciais no Brasil e nas Américas possibilitando sua desnaturalização e desconstrução. Através de onze artigos apresentam-se as perspectivas antropológicas negras no Brasil, na Argentina e no Uruguai. Depois de quase cem anos desde o surgimento do movimento da negritude, procurou-se explorar as principais abordagens teóricas da negritude, da antinegritude, da branquitude, da amefricanidade e Améfrica Ladina, da escrevivência, e de outras perspectivas epistemológicas negras como o afro-pessimismo e o feminismo negro.

Dada a amplitude da temática, a organização da estrutura deste volume poderia percorrer geograficamente o continente americano e a região caribenha, apontando suas ênfases e debates próprios. Optamos, entretanto, por realçar as vertentes e eixos temáticos que atravessam esse campo de debates e o atualizam. Dessa forma, procuramos romper com o suposto regionalismo e nacionalismo negro, visto que as questões raciais ultrapassam as escalas nacionais e regionais. Nesse sentido, iniciamos com o debate sobre evocações da escravidão, perpassando pela discussão interseccional sobre raça, gênero e classe; abordamos as múltiplas violências pelas quais as pessoas negras, notadamente a juventude negra é submetida; depois focamos nos aportes linguísticos, musicais, religiosos das populações negras; e no final nos debruçamos sobre os debates recentes no campo da educação, principalmente sobre mestiçagem, as bancas de heteroidentificação, as cotas raciais e as epistemologias negras que rompem com séculos de epistemicídio e da colonização dos saberes tradicionais.

Em “Evocações da escravidão. Sobre sujeição e fuga em experiências negras”, María Elvira Díaz-Benítez e Everton Rangel, ao dialogar com as perspectivas teóricas do afropressimismo, tomam como foco as trajetórias de vida de duas mulheres negras brasileiras (Dona Luiza e Fafá) para tratar da oscilação das vidas negras entre a sujeição e a fuga e para falar sobre imagens e narrativas da escravidão, continuação da servidão, relações coloniais históricas de poder e imagens de representações de fetiche de humilhação de mulheres, principalmente negras, trazendo à tona um conjunto de questões centrais que permitem analisar criticamente as precariedades das vidas negras e a gramática da violência pela qual foram e continuam sendo submetidas.

Em “La madre (negra de la) patria. Raza, género y nación en una fiesta tradicional”, Valentina Brena toma como lócus privilegiado a Fiesta de la Patria Gaucha realizada em 2018 no Uruguai, notadamente o cartaz de anúncio no qual uma mulher negra amamenta um bebê branco (ama de leite) para analisar os discursos públicos e polêmicos sobre as problemáticas raciais no país, o continuum da escravatura e as múltiplas violências submetidas pelas mulheres negras a serviço do projeto nacional, que por sua vez são ressignificadas através da persistência do racismo e das desigualdades de raça, gênero e classe.

No artigo “Améfrica Ladina e a crítica à democracia racial em Lélia de Almeida Gonzalez”, Aristeu Portela Júnior e Bruno Ferreira Freire Andrade Lira mergulham na obra de Lélia Gonzalez e de outros pensadores e pensadoras negras brasileiras, e analisam o conceito Améfrica Ladina, que propõe uma leitura renovada da formação nacional do pensamento crítico político-social, desvelando o mito da democracia racial e o silenciamento histórico de intelectuais e pensadoras negras no Brasil e apontando a tripla discriminação interseccionada entre raça, classe e gênero que caracteriza o “racismo por denegação”, expressão cunhada por Lélia. A autora propõe a criação de uma identidade étnica de resistência perante o imperialismo e o racismo dominante nas sociedades afrodiaspóricas americanas.

Em “Biologicismo (racismo) y clasismo. Los/as actuales ‘negros/as’ en Córdoba, Argentina”, Juan Manuel Zeballos mostra como a categoria “negro/a” está associada à dimensão biológica e à de classe para se referir às pessoas negras, e em alguns casos incluindo não negras em Córdoba, e como tal categoria é mobilizada de forma pejorativa, depreciativa e de humilhação ao outro; ao mesmo tempo, quando é nuançada para chamar outra pessoa de “negrito”, transforma-se em categoria afetiva para qualificar pessoas próximas. O autor mostra como o racismo e a aporofobia por vezes se cruzam através da categoria negro/a como dupla degradação no mundo social argentino, em associação às condições materiais de existência do ser negro no que tange à dimensão cultural e a capacidade intelectual.

Nos deslocamos novamente para o Brasil, para compreendermos com Maria Andrea dos Santos Soares, em “Antinegritude: ser negro e fobia nacional”, um cenário crítico e desigual: a autora privilegia o conceito antinegritude, a ideia de “vida póstuma da escravidão” e a transnacionalidade das relações raciais, notadamente no Brasil, a partir da corrente teórica do afropessimismo para explicar a condição do sujeito negro no mundo, sua morte social e sua relação humana de parasitismo, que são forjadas pelas tecnologias (neo)coloniais. A violência é legitimada, naturalizada e normatizada contra os corpos negros que são desumanizados e descartados, a negritude se constitui como fóbica e indesejada no corpo da nação, o que por sua vez provoca um efeito genocida das práticas em segurança, saúde e educação, além de outras.

Mari Cristina de Freitas Fagundes e Paula Correa Henning lançam seus olhares sobre as políticas de segurança pública visando, mais precisamente, compreender como policiais militares e gestores paraibanos abordam os marcadores raça e juventudes no texto “Os ‘múltiplos afluentes’ que permeiam as relações raciais contemporâneas: problematizações sobre branquitude, políticas de inimizade e segurança pública”. As autoras se debruçam sobre os conceitos de biopolítica e governamentalidade de Michel Foucault, necropolítica e políticas de inimizade de Achille Mbembe e dialogam com autoras e autores do campo da sociologia das relações raciais e da violência, mobilizando conceitos como raça e branquitude para tratar da acumulação social da violência. As autoras mostram a necessidade de levar a sério as relações raciais e as estratégias do racismo para discutir sobre a gestão da morte, poder sobre a vida, fazer viver, deixar morrer e fazer morrer no campo da segurança pública, tendo como fio condutor uma pesquisa empírica realizada no estado da Paraíba, no Nordeste brasileiro.

Mônica Prates Conrado e Thiane de Nazaré Monteiro Neves Barros, no texto “A categoria ‘afro-indígena’ na Amazônia paraense: usos, confluências e ambivalências em debate acadêmico”, analisam a categoria identitária afro-indígena, que se remete às ancestralidades dos povos da diáspora africana e indígenas na Amazônia paraense. As autoras problematizam as questões linguísticas na referida região, evidenciando a importância dos elementos indígenas e negros no português brasileiro, destacando a necessidade de conhecer as bases, fundação e história da Amazônia brasileira a partir de seus povos, etnias e comunidades.

Em “As musicovivências do reggae e suas pulsões de (re)existência”, Anderson de Jesus Costa aborda as musicovivências do reggae, enquanto estética musical que emerge das condições impostas pelos processos de colonização, racialização e subalternização na Jamaica, e ao mesmo tempo discute as relações estabelecidas entre os elementos de formação do estilo musical jamaicano e sua constituição como expressão do processo de (re)existências das populações afrodiaspóricas nas Américas. O autor analisa criticamente o processo de dominação colonial das formas musicais negras, notadamente o reggae, e mostra seus modos de resistência e seu papel cultural e político no processo de descolonização que emerge nos anseios de contestação e libertação.

Em “Ouve, meu filho, o silêncio: a experiência racial de Dorival Caymmi e a epistemologia silenciosa dos candomblés”, Vítor Queiroz aborda as questões musicais e religiosas que atravessam a trajetória de Dorival Caymmi, enfatizando a expressão da raça no percurso biográfico-profissional deste último, trazendo à tona o debate sobre memória e cultura negra e discutindo a pedagogia do silêncio e a epistemologia do segredo dos candomblés. O autor também evidencia as possibilidades de agência e a importância conceitual das ideias e histórias atualizadas pela vivência dos candomblecistas, suas entidades e seus terreiros.

Em “Incorporando a mestiçagem: a fraude branca nas comissões de heteroidentificação racial”, Gabriela Machado Bacelar Rodrigues analisa a performance da mestiçagem através da encarnação do mito da democracia racial e o trabalho das bancas de aferição, desvelando as fraudes em relação às políticas de ações afirmativas por candidatos não negros, e traz novos conceitos para iluminar o debate racial e a mestiçagem como transracialidade (nos Estados Unidos) e “afro-conveniente” (no Brasil). A autora sugere que o bronzeamento parece ser uma técnica de manipulação estética engatilhada pelo mito da democracia racial, conformando técnicas discursivo-corporais inseridas no dispositivo da mestiçagem, atuando no controle dos indivíduos racializados e dos seus movimentos políticos. Para ela, as fraudes no sistema de cotas raciais não configuram apenas um ato de roubar, mas de mobilizar um discurso basilar ao “fazer-se mestiço”.

Por último, em “Encontro de Saberes: por uma universidade antirracista e pluriepistêmica”, Pablo de Castro Albernaz e José Jorge de Carvalho abordam o racismo institucional e a noção estrutural do racismo, e delineiam caminhos e práticas antirracistas, principalmente no que tange à educação superior no Brasil através do projeto Encontro de Saberes. O texto denuncia a universidade como um poderoso instrumento de controle cultural e social e de reprodução do racismo e do colonialismo. Os autores trazem à tona a ideia de “cotas epistêmicas” buscando romper com a lógica do espitemicídio imposta historicamente às populações negras (e indígenas), na qual a educação exerce um papel fundamental ao legitimar uma visão de conhecimento que inferioriza o negro do ponto de vista intelectual, consolidando a supremacia branca e seu privilégio epistêmico. Como mostram os autores, o projeto Encontro de Saberes trata da inserção de mestres e mestras na docência no ensino superior e dos saberes tradicionais nos currículos acadêmicos, em suas quatro dimensões básicas, a da inclusão étnico racial, a dimensão política, a dimensão pedagógica e a dimensão epistêmica. O artigo reflete sobre uma proposição que tem sido acolhida com vigor por segmentos da comunidade universitária e se capilarizado no campo acadêmico brasileiro, trazendo novas feições para a luta antirracista nas universidades brasileiras.

Como capa para este volume, os organizadores reproduzem uma imagem da atriz brasileira Ruth de Souza e a ela prestam sua homenagem. Nascida no Rio de Janeiro em 12 de maio de 1921 e falecida em 28 de julho de 2019, Ruth de Souza faz parte da geração que realizou o projeto do Teatro Experimental do Negro, que em seu tempo debatera o racismo na arena pública, por ofício, nos palcos. Durante toda sua vida foi uma formadora de novas gerações e debateu os limites, anseios e significados das promessas da abolição e da liberdade criativa. Sobretudo, Ruth de Souza deixou sua presença e anima para as novas gerações. Obtendo destaque internacional, exemplificou o alcance de sua voz e sua formação artística e intelectual. Foi a primeira artista brasileira indicada a um prêmio internacional de cinema no Festival de Veneza, em 1954. Esse volume é dedicado a Ruth de Souza e, através dela, buscamos homenagear um conjunto incrível de mulheres negras, com formações em múltiplas áreas de conhecimento, que projetam sua voz no debate público e acadêmico.

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  • 1
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  • 2
    “No Haiti, o indigenismo constitui uma tomada de consciência por parte de escritores e artistas no sentido de incorporar a cultura popular, até então relegada à margem da sociedade. […] O termo não evocava, portanto, o ‘indígena’ ou o ‘índio’ da América, sendo empregado nos textos haitianos da época como sinônimo de nacional, podendo ser associado a nativismo, particularmente reativado por causa da ocupação americana (1915-1934), no país” (Joseph, 2015JOSEPH, H. Diásporas negras no contexto pós-colonial: dialogando com intelectuais haitianos. Educere e Educare, [s. l.], v. 10, n. 20, p. 537-548, jul./dez. 2015., p. 538-539).
  • 3
    O primeiro é o programa ANR Internacional AFRODESC - Afrodescendants et esclavages: Domination, identification et héritages dans les Amériques (15e-21e siècles), coordenado por Elisabeth Cunin, e o segundo é o programa europeu EURESCL - Slave Trade, Slavery and their Legacies in European Histories and Identities, coordenado por Myriam Cottias.
  • 4
    O que parece bem exemplificado pela criação em 2006 da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, encravada no coração do Brasil colonial, região que amargou ao longo do século XX profunda degradação econômica e hoje é uma das mais pobres, e pretas, do país.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
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