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Os “múltiplos afluentes” que permeiam as relações raciais contemporâneas: problematizações sobre branquitude, políticas de inimizade e segurança pública

The “multiple affluents” that permeate contemporary racial relations: problematizations about whiteness, enmity policies and public security

Resumo

O artigo tem como proposta uma discussão sobre relações raciais no campo da segurança pública, tendo como fio condutor uma pesquisa de campo realizada no estado da Paraíba, no decorrer dos anos de 2019 e 2020. Aqui problematizamos um dos eixos analíticos construídos ao longo do estudo, denominado políticas de inimizade. Nele, além de fazermos uma discussão sobre branquitude e necropolítica, apontamos para a necessidade de pensarmos sobre a existência de um fazer morrer, quando os marcadores raça e juventudes se interseccionam no campo da segurança pública. Apoiadas em estudiosos e estudiosas como Achille Mbembe, Michel Foucault, Maria Aparecida Silva Bento, Michel Misse, entre outros, é que buscamos problematizar os múltiplos afluentes que seguem construindo estratégias de morte e de vida de forma desigual no cenário brasileiro.

Palavras-chave:
branquitude; necropolítica; governamentalidade; Paraíba Unida Pela Paz

Abstract

The article proposes a discussion on race relations in the field of public security, having as a guideline a field research carried out in the State of Paraíba in Brazil, during the years 2019 and 2020. Here we problematize one of the analytical axes built throughout the study, called enmity policies. In it, besides making a discussion about whiteness and necropolitics, we point to the necessity of thinking about the existence of making people die, when markers of race and youth intersect in the field of public security. Supported by scholars such as Achille Mbembe, Michel Foucault, Maria Aparecida Silva Bento, Michel Misse, among others, we seek to problematize the multiple affluents that continue to construct death and life strategies in an unequal way in the Brazilian scenario.

Keywords:
whiteness; necropolitics; governmentality; Paraíba United For Peace

Juventude negra. Encarceramento em massa. Juventudes vivas. Autos de resistência. Raça. Violência. Projetos culturais. Impunidade. Maioridade penal. Governança. Salvação. Controle. Produção. Adjetivos e propostas que se articulam não raramente em nosso cotidiano, seja porque assistimos a filmes, séries, jornais; seja porque escutamos músicas, entrevistas, desabafos; lemos jornais, poemas, letras de músicas; enxergamos e interpretamos corpos, corporeidades. Academia, mídia, estatísticas, senso comum, teias ínfimas e infinitas que se articulam na arte do conhecimento, da disciplina, da produção, da biopolítica: na gestão da vida e da morte na governamentalidade contemporânea. É nessa miríade de relações que lançamos nossos olhares às políticas de segurança pública visando, mais precisamente, compreender como policiais militares, gestoras e gestores paraibanos abordam os marcadores raça e juventudes.

Na correnteza dessas discussões engendramos este artigo, buscando, a partir das teorizações de Michel Foucault, Achille Mbembe e algumas autoras e alguns autores do campo da sociologia das relações raciais e da violência, mobilizar conceitos como governamentalidade, biopolítica, necropolítica e branquitude. Desse modo, enfrentamos algumas discussões sobre fazer viver, deixar morrer e fazer morrer no campo da segurança pública, tendo como fio condutor uma pesquisa empírica realizada, no estado da Paraíba, com policiais militares, gestoras e gestores de uma política desenvolvida no campo da segurança pública, entendida como produtora da vida: o Programa Paraíba Unida pela Paz (PPUPP). A pesquisa que segue é fruto desse estudo e, por meio dela, buscamos apontar as artimanhas do fazer morrer, mesmo em políticas ditas de vida.

As aproximações1 1 Oportuno destacar que os debates entre Michel Foucault e Achille Mbembe têm sido mobilizados no contexto brasileiro. Aqui, efetuamos o cruzamento entre esses autores, bem como com pesquisadoras brasileiras e pesquisadores brasileiros, visando pontuar o quanto “governar” não resulta apenas num atuar estatal, mas se irradia por diferentes setores da sociedade. Logo, quando mobilizamos conceitos como os de biopolítica e necropolítica, assim como o de políticas de inimizade, elaborado por Mbembe (2017), o ligamos, diretamente, ao conceito de governamentalidade, desenvolvido por Foucault (2008), visto que há chancela por parte do Estado, instituições e nossa enquanto sujeitos, enquanto sociedade, para a produção da morte, da vida e para a mantença de privilégios de parte da população, como buscaremos demonstrar ao longo deste artigo. entre Michel Foucault e Achille Mbembe se tornaram recorrentes diante da realidade que atravessamos no Brasil, tendo em vista as relações de morte como estratégia de gestão que operam no cenário atual, especialmente em tempos pandêmicos. Aqui, além de apontarmos o quanto há um acirramento desse poder de morte no presente, olhamos para as articulações históricas que produzem subjetividades de policiais militares diante da nomeação, abordagem e naturalização dos sujeitos suspeitos. Buscamos problematizar como as estratégias de governança são postas em ação no estado da Paraíba, onde o índice de letalidade policial é o terceiro menor do Brasil, ao passo que a mortalidade relativa da juventude negra é considerada alta.

Os trabalhos no campo da sociologia da violência sinalizam para a existência de um “currículo oculto” que permeia a formação das e dos soldados da polícia militar, a construção do chamado tirocínio policial, visto que há uma ênfase para a aprendizagem “na rua” por parte desses agentes da segurança pública (Schlittler, 2016SCHLITTLER, M. C. C. “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8914/TeseMCCS.pdf?sequence=3&isAllowed=y . Acesso em: 4 fev. 2019.
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). Nosso intento, aqui, além de discutir as metamorfoses do racismo no campo da segurança pública, em especial a paraibana, é demonstrar que existem estratégias visíveis e não ocultas na composição do atuar policial e estas se ligam, fundamentalmente, às relações raciais, invisibilizando, estrategicamente, os privilégios da branquitude, ao passo que elegem o “outro” como o suspeito, o bandido, o perigoso, o matável.

Conceitos como branquitude e privilégio serão melhor delineados ao longo do texto, mas cabe frisar, desde já, que a branquitude não se trata de uma categoria fixa, como nos coloca Maia (2019)MAIA, S. M. Espaços de branquitude: segregação racial entre as classes médias em Salvador, Bahia. Século XXI: revista de ciências sociais, Santa Maria, v. 9, n. 1, p. 253-282, jan./jun. 2019. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/seculoxxi/article/view/36942/pdf . Acesso em: 31 jan. 2022.
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, mas uma prática que se vale de diferentes performances levando em consideração o lugar social, a classe, entre outros elementos que requerem essa performatividade. Há disposições, valores, visão de mundo que se imbricam na formação e sustentação do privilégio branco. Diante da composição histórica brasileira, ser branco já reverbera em privilégios para essa raça, tendo em vista as inúmeras barreiras sociais sistematicamente construídas ao longo da nossa formação social. É para esse debate que convidamos a/o leitor/a para adentrar as linhas que seguem.

Biopolítica e necropolítica: alargamentos possíveis para pensar o cenário brasileiro

Necropolítica tem sido um conceito recorrentemente mobilizado, o que demandou de pesquisadores e pesquisadoras a necessidade de alertar para o seu alargado uso e para a possibilidade de esvaziamento de sua potencialidade se empregado em qualquer situação (Rodrigues, 2021RODRIGUES, E. O. Necropolítica: uma pequena ressalva crítica à luz das lógicas do ‘arrego’. Dilemas: revista de estudos de conflito e controle social, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 189-218, jan./abr. 2021.). Aqui não nos deteremos nesse ponto, mas cabe frisar, de início, que estaremos acionando os escritos de Achille Mbembe (2014MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014., 2017MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., 2018MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. 2. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018.) em uma perspectiva política, isto é, estratégica, como nos ensinou Antônio Sérgio Guimarães (2005)GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2005. ao falar sobre a potencialidade do termo raça no Brasil. Mais do que necropolítica, agenciaremos o conceito políticas de inimizade, desenvolvido por Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., visto que estas são os fios que se alastram socialmente, se capilarizam e tornam possível que uma gestão da morte se irradie.

Antes de chegarmos na precisão desses conceitos, cabe situar que o filósofo camaronês Achille Mbembe - o qual prefere ser nomeado como um teórico decolonial - traça suas discussões com inúmeros autores como Frantz Fanon, Giorgio Agamben, Carl Schimitt, entre outros, mas aqui nos aproximaremos das discussões que efetua com Michel Foucault, visto que o conceito necropolítica é desenvolvido a partir das problematizações que Mbembe efetua sobre biopolítica, isto é, um poder sobre a vida. No curso “Em defesa da sociedade”, mais precisamente, na aula de 17 de março de 1976, Foucault (2005)FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collége de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005. traça suas discussões sobre o racismo de Estado, discussão essa que já havia sido iniciada no último capítulo do primeiro volume do livro História da sexualidade, a vontade de saber (Foucault, 1997FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1997.), mas que toma contornos mais precisos na referida aula.

É interessante notar que mesmo diante dos alargamentos que Mbembe efetua sobre as teorizações foucaultianas, ambos tomam como elemento central de suas análises a vida, embora, para Mbembe, a morte de alguns não possa mais ser tomada na ordem da exceção, como supunha Foucault, mas como o motor das relações sociais modernas (Lima, F., 2018LIMA, F. Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, n. 70, p. 20-33, 2018. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672018000400003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt . Acesso em: 30 jun. 2020.
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). Poderíamos sintetizar, então, que o elemento central que aproxima as teorizações desses autores é a vida, enquanto a gestão da morte é o que os afasta, visto que, ao tratarmos das relações raciais, o “fazer morrer” não pode ser visto apenas como um poder de espada, algo que diz não, mas como um fio condutor das nossas relações sociais, segundo os escritos mbembianos (Fagundes; Queiroz, 2019FAGUNDES, M. C. F.; QUEIROZ, T. C. N. Governamentalidade, necropolítica e necrogovernamentalidade: uma discussão sobre “deixar morrer” no âmbito da segurança pública. Revista Abordagens, [s. l.], v. 1, p. 50-68, 2019.).

Ao analisarmos o campo da segurança pública brasileiro, torna-se possível identificar, historicamente, o quanto o marcador raça foi sistematicamente invisibilizado na construção de políticas públicas de segurança, embora os índices de mortalidade envolvendo a população negra sejam significativamente superiores2 2 Cabe pontuar que um dos déficits do campo de segurança foi a construção sistemática de dados, isto é, produção estatística confiável. Em um país com dimensões continentais como o nosso, os dados estatísticos - embora possamos problematizá-los - tornam-se necessários para “bem governar” a população. Por outro lado, a não produção de dados também é uma estratégia de governança, visto que não conhecer uma dada realidade também impossibilita a construção de políticas reparatórias, assim como o não direcionamento de esforços para conter o extermínio de uma população, por exemplo. e reiterados (Fagundes, 2021FAGUNDES, M. C. F. “Se evita abordar aquele pessoal que parece que é de alto nível”: uma discussão sobre governamentalidade e necropolítica no âmbito do Programa Paraíba Unida pela Paz. 2021. Tese (Doutorado em Sociologia) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2021.). Além disso, frequentemente o olhar dirigido a esse marcador alinha-se à perspectiva do risco e, consequentemente, à necessidade de controle. No Brasil, as políticas de embranquecimento e, posteriormente, de higienização implementadas no início do século XX acabaram por alocar parte da população negra em regiões periféricas dos centros urbanos. Ademais, foram primordiais para a construção da memória social, onde permaneceu a raça branca com pouca ou nenhuma problematização quanto ao seu status de privilégio e, em contrapartida, a população negra como produtora da criminalidade e do risco.

Isso nos permite perceber o quanto a gestão da morte - embora não entendamos esta apenas como a retirada da vida, na esteira de Foucault (2005)FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collége de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005. - se tornou um mecanismo de governança no Brasil, pois, além de mobilizar políticas estatais e agentes do Estado, como é o caso das polícias, alastra-se no imaginário social, tecendo os fios da governamentalidade contemporânea, tendo a raça como o seu motor. Olhando mais precisamente para o campo da segurança pública, torna-se possível identificar que a parca discussão sobre raça e racismo no âmbito das políticas de segurança, quando a abordagem ocorre, alinha-se aos pressupostos de gestão do risco e de controle.

Ao deslocar o olhar eurocentrado sobre as discussões raciais, Achille Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. aponta para as diferentes Áfricas compostas ao longo da modernidade, demonstrando as relações geminadas entre plantation, colônias, escravidão e democracia. Mirando o processo histórico brasileiro, identificamos o quanto a fraturada construção democrática se especializou em trilhar rastros mortíferos diante das fronteiras porosas que nos constroem e nos segregam.

A expressão utilizada por Mbembe - fronteiras porosas - representa de forma precisa o vivenciado no Brasil, visto que não é raro ouvirmos sobre a inexistência do racismo nesse território, pois não houve segregação racial como ocorrera nos Estados Unidos, comparação essa já refutada inúmeras vezes (Cardoso, 2008CARDOSO, L. O branco “invisível”: um estudo sobre a emergência da branquitude nas pesquisas sobre relações raciais no Brasil (Período: 1957-2007). 2008. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Economia/Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008.; Schucman, 2012SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.), embora tenha encontrado ressonância em autores clássicos que desenvolveram suas pesquisas na recente república brasileira (Pierson, 1971PIERSON, D. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. 2. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1971.). A ideia de uma fronteira porosa nos permite construir a imagem de que é possível a passagem pelas fronteiras; não significa que essa travessia venha ilesa dos resquícios do território atravessado, tampouco que haja um trânsito livre. Não significa, também, que marcas sejam suprimidas.

É nesse sentido, inclusive, que tanto Michel Foucault (2005)FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collége de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005. quanto Achille Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. apontam para a morte não apenas em seu sentido físico, isto é, a retirada da vida, mas também esse “marcar” corpos, o qual possibilita nomear territórios de risco, sujeitos de risco, mais propensos ou não ao cometimento de práticas delitivas. Como veremos, por meio das falas dos entrevistados e das entrevistadas, a construção de um sujeito suspeito, ou, como destaca Michel Misse (2008MISSE, M. Sobre acumulação social da violência do Rio de Janeiro. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n. 3, p. 371-385, set./dez. 2008., 2010MISSE, M. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova, São Paulo, n. 79, p. 15-38, 2010.), um sujeito criminal, dá-se a partir da acumulação social da violência, essa que se impregna em pequenos gestos, mas também por meio da aniquilação de sujeitos em depósitos de supermercados,3 3 Em setembro de 2019 um vídeo, onde um jovem negro, de 17 anos, era chicoteado pelos seguranças de um supermercado, circulou nas redes sociais. A punição direta ocorrera porque, supostamente, ele havia tentando furtar uma barra de chocolate do estabelecimento. Ver Ribeiro (2019). com pés no pescoço,4 4 Em maio de 2020, George Floyd foi morto por um policial, em Minneapolis, Estados Unidos. O policial ajoelhou-se sobre o pescoço até provocar a sua morte. Mais informações, consultar Caso…(2020). em políticas públicas que não conseguem enfrentar a redução da mortalidade da juventude negra, tendo como justificativa que o perfil de quem mais mata e morre são jovens negros, por exemplo (Brasil, 2016BRASIL. Senado Federal. CPI Assassinato de Jovens. Relatório final. Relator: Senador Lindbergh Farias. Brasília: Senado Federal, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/06/08/veja-a-integra-do-relatorio-da-cpi-do-assassinato-de-jovens . Acesso em: 31 ago. 2020.
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). Aqui perguntamos: é mesmo sobre a gestão da vida que tratamos no campo da segurança pública quando marcadores como raça e juventudes se articulam?

Michel Foucault (2008)FOUCAULT, M. Segurança, território e população. Curso dado no Collège de France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008. nos explicou sobre o como da construção de espaços, territórios e sujeitos ao abordar o conceito de governamentalidade, salientando que a população foi o disparador para que os processos biopolíticos de compreensão das recorrências, dispersões, e para que a construção da normalidade, de controle, se preferirmos, se tornassem possíveis em meio à gama populacional. Tratando das relações raciais e das ficções úteis criadas por meio do processo de exploração das colônias, Achille Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. aponta que indígenas e demais populações nativas, assim como os povos vindos da África, foram os sujeitos marcados pelo manto da “outridade”, o qual segue causando efeitos na construção das fronteiras porosas ou, ainda, na relação de quase vivos quase mortos que compõe o tecido social, na atualidade.

À medida que essa construção se estabelece há, consequentemente, o firmamento de relações de poder díspares, posto que outra raça é tida como privilegiada, mais do que isso, considerada “norma/neutra”, qual seja, a raça branca. Como nos faz pensar Lia Schucman (2012)SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., nós, brancos e brancas, além de ocuparmos um local de privilégio ao longo da nossa composição social, somos produtores e produtoras ativos e ativas dessa desigualdade no presente. Nas palavras de Maria Aparecida Silva Bento (2002BENTO, M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: BENTO, M. A. S.; CARONE, I. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58., p. 45):

[…] a escravidão envolveu apropriação indébita concreta e simbólica, violação institucionalizada de direitos durante 400 dos 500 anos que tem o país. Assim, a sociedade empreendeu ações concretas para apagar essa “mancha negra da história”, como fez Rui Barbosa, que queimou importante documentação sobre esse período. Essa herança silenciada grita na subjetividade contemporânea dos brasileiros, em particular dos brancos, beneficiários simbólicos ou concretos dessa realidade.

Esses benefícios circulam pelas instituições, nas práticas cotidianas, no agir dos agentes públicos, nas legislações, nas políticas públicas, nesta escrita (Almeida, 2019ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro: Pólen, 2019.). Há, como afirma Schucman (2012SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 29), “uma hipervalorização silenciosa do branco”, a qual sustenta relações de poder assimétricas ao longo da nossa composição, visto que “[…] a branquitude é um constructo ideológico, no qual o branco se vê e classifica os não brancos a partir de seu ponto de vista” (Silva, P., 2017SILVA, P. E. da. O conceito de branquitude: reflexões para o campo de estudo. In: MULLER, T. M. P.; CARDOSO, L. (org.). Branquitude: estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba: Appris, 2017.p. 19-32., p. 27).

Ao mirar o campo da segurança pública, é possível identificar as artimanhas da branquitude agindo em diferentes facetas. O mais comum são debates voltados para o encarceramento em massa da população negra, assim como a morte dessa população (Sinhoretto, Morais, 2017SINHORETTO, J.; MORAIS, D. de S. Violência e racismo: novas faces de uma afinidade reiterada. Revista de Estudios Sociales, [s. l.], n. 64, p. 15-26, abr./jun. 2017. Disponível em: Disponível em: https://revistas.uniandes.edu.co/doi/full/10.7440/res64.2018.02 . Acesso em: 30 jun. 2018.
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). Essa discussão, entretanto, toma o marcador raça como ligado à população negra e como um “objeto” a ser analisado, não enfrentando a população branca como mobilizadora desse encarceramento, tampouco como beneficiária dessa posição hierárquica.

À medida que o branco, enquanto raça, elege “objetos” de análise, constrói subjetividades, coloca-se em uma posição de neutralidade científica (Bento, 2002BENTO, M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: BENTO, M. A. S.; CARONE, I. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58.). Guerreiro Ramos (1981)GUERREIRO RAMOS, A. O problema do negro na sociologia brasileira. In: SCHWARTZMAN, S. (ed.). O pensamento nacionalista e os “Cadernos de Nosso Tempo”. Brasília: Câmara dos Deputados: Biblioteca do Pensamento Brasileiro, 1981. p. 39-69. Disponível em: Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/negritude.htm . Acesso em: 31 maio 2018.
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, já na década de 1950, sinalizava para o problema do branco, visto que enquanto os pesquisadores e as pesquisadoras elegiam o negro como “tema”, não se colocavam como elementos de análise. No diálogo com Schucman (2012)SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., podemos apontar para a hipervalorização silenciosa que rotula a intelectualidade, isto é, intelectuais tendem a ser entendidos como brancos, enquanto os suspeitos, os bandidos, os encarcerados são compostos pelas categorias de não brancos.5 5 As discussões sobre antinegritude têm apontado para o não reconhecimento do negro como parte da humanidade, tendo em vista as sistemáticas formas de exclusão dessa população, além de serem parte constitutiva das subjetividades das pessoas não negras no mundo moderno, sinalizando a dificuldade de uma mudança estrutural sem que antes se reveja noção de humanidade (Vargas, 2020). Um outro ponto importante trazido por essas discussões é o fato de se nomear pessoas negras e não negras, contrapondo, assim, a ideia de uma superioridade racial quando se nomeia pessoas brancas e não brancas, isto é: mesmo diante de uma perspectiva crítica, nomeia-se primeiramente brancos, e os “outros” são os que não se encaixam nessa nomenclatura. Quando há negros e negras intelectuais, as duas categorias - intelectual e negra/o - são nomeadas, assim que se apresenta o autor ou autora.

Priscila Silva (2017)SILVA, P. E. da. O conceito de branquitude: reflexões para o campo de estudo. In: MULLER, T. M. P.; CARDOSO, L. (org.). Branquitude: estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba: Appris, 2017.p. 19-32. atenta para a necessidade de não tratarmos as discussões sobre relações raciais numa dualidade brancos versus negros, mas pensar nessa produção a partir dos efeitos produzidos por meio da miscigenação e das composições sociais daí advindas.6 6 Importante frisar que branqueamento e branquitude são elementos distintos. O primeiro trata-se dos efeitos da miscigenação e, o segundo, das posições de poder da raça branca. Dialogando com Bento (2002), há conexões entre esses dois conceitos, visto que o branqueamento foi inventado pela própria elite branca, ocasionando privilégios a esta. Quando pensamos esses elementos e os trazemos para a atualidade, especialmente, no campo da segurança pública, o qual se fundamenta em legislações, políticas públicas e agentes públicos, muitas vezes se torna problemático olhar essas relações e apontar os efeitos da branquitude, mais ainda quando tratamos da gestão de políticas públicas, visto que a justificativa de ações fundamenta-se em números, como se eles fossem uma realidade em si e não recorte de um dado interesse (Popkewitz; Lindblad, 2001POPKEWITZ, T.; LINDBLAD, S. Estatísticas educacionais como um sistema de razão: relações entre governo da educação e inclusão e exclusão sociais. Educação & Sociedade, Campinas, ano 22, n. 75, p. 111-148, ago. 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302001000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em: 2 dez. 2020.
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). Entretanto, trabalhando com os conceitos de acumulação social da violência, saber estatístico e sujeição criminal, é imprescindível questionar o olhar “interessado” das políticas públicas e o quanto elas seguem marcando locais e sujeitos como produtores das políticas e seus receptores.

Como nos colocam Traversini e Bello (2009TRAVERSINI, C. S.; BELLO, S. E. L. O numerável, o mensurável e o auditável: estatística como tecnologia para governar. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 135-152, maio/ago. 2009., p. 144) “[…] um local passa a ser considerado de risco quando são associadas várias condições ou fatores tais como: analfabetismo, baixa escolarização, falta de empregos, condições potenciais para a proliferação de doenças, entre outras características dessa ordem”, como a criminalidade. Aqui cabe pontuarmos, mais uma vez, como diferentes pontilhados se articulam na construção de uma necropolítica, pois a construção de políticas públicas que reforçam certos locais como “naturalmente” de risco servem para construir “classes de pessoas”, reificando posições de sujeitos e asseverando desigualdades. Assim, podemos apontar que o Estado, ao ratificar essas posições, contribui para a construção de políticas de inimizade, visto que reforça territórios como de risco, como problema, como espaços a serem tutelados e vigiados pelas instituições e pela própria sociedade, quando não leva em consideração um diálogo horizontal e interseccional para a implementação de políticas públicas, como as de segurança.

Seguindo o diálogo com Mbembe (2014MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014., 2017MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.), a raça é o motor que autoriza o fazer morrer. Desse modo, as políticas de inimizade constituem-se em estratégias do racismo, as quais tomam caráter de veneno e de antídoto nas sociedades democráticas, visto que ora se apresentam como elementos geradores de risco, medo, ora como as justificativas para o extermínio de parte da população, tomando “extermínio” não só como a retirada da vida, mas também como as práticas que marcam corpos quase vivos, quase mortos. Como nos sinaliza o autor:

A transformação da guerra em pharmakon da nossa época, em contrapartida, libertou paixões funestas que, pouco a pouco, empurram as nossas sociedades para fora da democracia, transformando-as em sociedade de inimizade, como aconteceu durante o colonialismo. […] A guerra contra o terror e a instauração de um “estado de exceção” a uma escala mundial vêm apenas dar-lhe força. (Mbembe, 2017MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., p. 11, grifo do autor).

Atentando para essas discussões, ao longo dos anos de 2019 e 2020, estudamos o Programa Paraíba Unida pela Paz (PPUPP), uma política pública desenvolvida no estado da Paraíba e referenciada nacionalmente pela redução dos índices de crimes violentos letais intencionais (CVLI) em oito anos consecutivos (Paraíba, 2019PARAÍBA. Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social. Paraíba Unida Pela Paz: anuário da segurança pública da Paraíba, 2019. João Pessoa: SESDS, 2019. Disponível em: Disponível em: https://paraiba.pb.gov.br/diretas/secretaria-da-seguranca-e-defesa-social/arquivos/Anuario_Seguranca_Publica_2019_.pdf . Acesso em: 31 mar. 2020.
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). Por outro lado, esse mesmo estado figura como um dos territórios entendidos como de média a alta vulnerabilidade relativa, como apontamos acima; a chance de um jovem negro morrer em relação a um jovem branco é 8,82 vezes maior (Lima, R., 2017LIMA, R. S. de et al. Índice de vulnerabilidade juvenil à violência 2017: desigualdade racial, municípios com mais de 100 mil habitantes. São Paulo: Secretaria de Governo da Presidência da República: Secretaria Nacional de Juventude: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017. Disponível em: Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/indice-de-vulnerabilidade-juvenil-a-violencia-2017-desigualdade-racial-e-municipios-com-mais-de-100-mil-habitantes/ . Acesso em: 31 jan. 2021.
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).

O nosso olhar se dirigiu às ações realizadas na capital paraibana, João Pessoa, e região metropolitana, visto que o curso de formação acompanhado ocorreu na capital. Além disso, ela fora escolhida como uma das cidades para a implementação do Plano Juventude Viva,7 7 O Plano Juventude Viva foi uma política desenvolvida pelo governo federal - gestão Dilma Rousseff - que visava a implementação de políticas públicas envolvendo diferentes secretarias, a fim de reduzir o genocídio da juventude negra no país (Schlittler, 2016). pois o índice de mortalidade de jovens negros era considerado entre médio e alto. As regiões de João Pessoa com maior índice de mortalidade juvenil negra eram Alto do Céu (área específica do bairro Mandacaru), Padre Zé, Varjão e Planalto da Boa Esperança. Além disso, cidades que fazem parte da região metropolitana e eram recorrentemente referenciadas pelos entrevistados e pelas entrevistadas também foram contempladas pelo plano, como foi o caso de Bayeux e Santa Rita.

João Pessoa é uma cidade litorânea e com um acervo histórico considerável, além de estar próxima de cidades como Olinda (PE) e Natal, recebendo turistas de diversas regiões. Essa divisão entre praia e bairros periféricos foi um dos pontos ressaltados ao longo das entrevistas, posto que o território é considerado um elemento basilar para a realização das abordagens policiais, como pontuado a seguir.

Foi diante de uma política reconhecida como produtora da vida e a alta mortalidade de parte da população que passamos a investigar como o programa em questão criava estratégias, ou não, para a contenção da mortalidade da juventude negra. Com isso, fundamentadas na pesquisa qualitativa (Becker, 1993BECKER, H. Métodos de pesquisa em ciência sociais. São Paulo: Hucitec, 1993.), realizamos entrevistas com policiais militares e com gestores e gestoras, visto que o PPUPP, embora seja desenvolvido pela Secretaria de Segurança e Defesa Social da Paraíba (SESDS), tem como articuladores as polícias militar, civil e corpo de bombeiros. Como prevê a lei nº 11.049/2017 (Paraíba, 2017PARAÍBA. Lei 11.049, de 21 de dezembro de 2017. Dispõe sobre o Programa Paraíba Unida pela Paz e dá outras providências. Diário Oficial [do] Estado da Paraíba, João Pessoa, n. 16.522, p. 1-2, 22 dez. 2017. Disponível em: Disponível em: http://static.paraiba.pb.gov.br/2017/10/Lei_11049_2017_PB_Unida_pela_Paz.pdf . Acesso em: 31 mar. 2020.
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), que a institui, a política busca garantir a atuação integrada entre os órgãos da secretaria, prezando pelo cumprimento de metas e uma gestão para resultados.

Visando compreender a percepção desses agentes sobre a mortalidade da juventude negra e como as relações raciais eram enfrentadas na composição da política em questão, nosso olhar foi dirigido para os agentes da polícia militar, buscando nos aproximar de oficiais e de alunos e alunas praças. Os primeiros, agentes responsáveis pela formação e composição de políticas públicas; os segundos, recém-ingressados e ingressadas no Curso de Formação de Soldados (CFSD) já atuantes no policiamento ostensivo. Inicialmente, realizamos entrevistas semiestruturadas8 8 Buscando preservar as identidades dos entrevistados e das entrevistadas, identificamos oficiais por meio do posto ocupado no âmbito da instituição militar - capitão, tenente - e alguma letra do alfabeto. Os alunos e as aluna são identificados e identificadas por números a partir de 30, pois na caserna as turmas são compostas por até 30 alunos e alunas e, para não haver coincidência com os números adotados na instituição, passamos a nomeá-los e nomeá-las a partir de 31. Como foi possível perceber ao longo da pesquisa, a hierarquia militar ainda é muito acentuada nas composições dos sujeitos e, por isso, o cuidado aqui empregado. com gestoras e gestores do programa: uma tenente, dois capitães e dois majores, pertencentes à Polícia Militar da Paraíba (PMPB).

Diante da aproximação com os sujeitos pesquisados, houve a oportunidade de acompanhar o curso de formação de soldados da PMPB (CFSD/PMPB), tendo a possibilidade de compreender como se dava o processo educacional desses agentes. Embora tenhamos recebido a autorização do comando-geral da PMPB para a realização de uma etnografia, com o advento da pandemia da Covid-19, o curso de formação fora suspenso e, diante disso, optamos pela realização de entrevistas online, valendo-nos da ferramenta Google Meet para tanto.

Entrevistamos, além de oficiais, alunos e alunas do CFSD: três mulheres e cinco homens. Por meio das articulações entre o material teórico e entrevistas, chegamos a três eixos analíticos, quais sejam: nova gestão pública, políticas de inimizade e polícia solidária. Neste artigo, enfrentaremos o eixo analítico políticas de inimizade, visto que por meio dele se torna possível compreender o quanto as relações raciais seguem sendo um tabu na fala dos entrevistados e das entrevistadas, ao passo que direcionam o atuar ostensivo. Ademais, mesmo em uma política de vida, o racismo e seus efeitos, embora identificados pelos gestores e gestoras, continuam sendo silenciados na produção de políticas efetivas para a contenção da mortalidade dessa população.

Tratando-se de entrevistas semiestruturadas (Deslauriers, Kérisit, 2010DESLAURIERS, J.-P.; KÉRISIT, M. O delineamento da pesquisa qualitativa. In: DESLAURIERS, J.-P.; KÉRISIT, M. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 127-153.), algumas pautas foram mobilizadas, incialmente almejando compreender: a) no que consistia, na visão dos entrevistados e das entrevistadas, as estratégias do PPUPP para a redução do CVLI; b) no caso dos alunos e das alunas praças, como a política em questão integrava a formação policial; c) como as bonificações atingiam ou não as atuações ostensivas; d) como se dava a escolha de territórios para a realização de blitz e policiamento ostensivo estratégico; e) como as atuações das polícias de São Paulo e Rio de Janeiro eram compreendidas na sua perspectiva;9 9 Essa questão merece contextualização: na época das entrevistas, há pouco havia ocorrido a intervenção policial em um baile funk, em Paraisópolis, São Paulo, a qual resultou na morte de nove jovens. Diante da repercussão, contextualizou-se a ação a fim de compreender o posicionamento dos policiais militares paraibanos sobre a questão para, então, introduzir as discussões sobre relações raciais e segurança pública. f) no que consistia a atitude suspeita; g) se havia procedimentos diferenciados nas abordagens realizadas na praia e nas comunidades; e h) como percebiam a mortalidade da juventude negra em solo paraibano. A partir dessas pautas, outras questões foram sendo levantadas ao longo de cada uma das entrevistas. Além disso, a vivência que tivemos no Centro de Educação da PMPB (CE/PMPB) facilitou nossa comunicação e o aceite para a realização das entrevistas online.

Como vimos sustentando, para além da retirada da vida, há estratégias que marcam sujeitos, colocando-os em posições de privilégio, ao passo que estigmatizam outros. Essa “marcação” envolve territórios, vestimentas, corporeidades que mobilizam os constructos raciais, elegendo as performances negras como objeto de vigia e, no caso em análise, de reiteradas abordagens policiais. Como sustenta Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., na esteira de Frantz Fanon, a guerra tornou-se o pharmakon da nossa época. E, no diálogo com Foucault (2005)FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collége de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005., a política e as legislações se tornaram um dos meios de exercício dessa guerra.

É nessa passada que se torna possível apontar para um “fazer morrer” na contemporaneidade, alargando a discussão travada por Michel Foucault, especialmente, ao mirarmos o campo da segurança pública, articulando os marcadores raça e juventudes. Fatima Lima (2018LIMA, F. Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, n. 70, p. 20-33, 2018. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672018000400003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt . Acesso em: 30 jun. 2020.
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, p. 27) ao empregar o conceito de bio-necropoder, sintetiza as aproximações entre os autores referidos, frisando que a exceção “[…] nos marca e os seus efeitos modelam as práticas discursivas reatualizando os traços de colonialidade, colocando em suspensão o que realmente almejamos ou queremos dizer quando falamos em democracia”, isto é, os constructos democráticos que nos atravessam forjaram-se tendo como pressuposto marcar sujeitos, criar fronteiras e estabelecer estratégias desse guerrear contínuo.

Salienta Achille Mbembe (2017MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., p. 173) que o racismo se utiliza de estratégias para não se “esclerosar” e é nessa passada que se metamorfoseia. Há uma permanente renovação de suas práticas, atos e estratégias de atuação. Essas mudanças ocorrem, consequentemente, metamorfoseando as posições de privilégio da raça branca, visto que “[…] ser branco, ou seja, ocupar o lugar simbólico de branquitude, não é algo estabelecido por questões genéticas, mas sobretudo por posições e lugares sociais que os sujeitos ocupam” (Schucman, 2012SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 84). Essas posições circulam nas legislações, nas tomadas de decisões políticas, na criação de políticas públicas, na interrupção e fratura de políticas que visam denunciar e criar estratégias para a contenção da mortalidade da juventude negra, como foi o caso do Plano Juventude Viva (Schlittler, 2016SCHLITTLER, M. C. C. “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8914/TeseMCCS.pdf?sequence=3&isAllowed=y . Acesso em: 4 fev. 2019.
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).

Esse plano foi desenvolvido na gestão Dilma Rousseff, sendo uma das poucas políticas em solo nacional a nomear o genocídio da população jovem negra no corpo do projeto, mas, como se afere, não trouxe em seu título a “juventude negra”, tendo em vista os jogos de forças que permearam a sua elaboração, pois a raça permanece sendo um tabu em solo brasileiro, e não a nomear contribui para a ideia da democracia racial tão difundida em nossa memória social.

Como referido anteriormente, o campo da segurança pública historicamente desenvolve políticas públicas de segurança de forma fraturada, especialmente, quando as categorias raça e juventudes são focalizadas. A categoria juventudes, inclusive, é adotada frequentemente pela perspectiva do risco ou do problema, o que aciona mais políticas de repressão e controle do que de gestão participativa (Pimenta, 2014PIMENTA, M. M. Juventude e violência. In: LIMA, R. S. de; RATTON, J. L; AZEVEDO, R. G. (org.). Crime, polícia e justiça social no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. p. 265-276.). Como se percebe, são múltiplos os afluentes que sustentam as políticas de inimizade no Brasil. Afluentes esses que constroem subjetividades, instituições e permitem a sustentação do racismo cotidiano e, consequentemente, práticas discriminatórias, truculentas e homicidas. É para esse debate que nos encaminhamos ao próximo item, que problematiza os constructos das relações raciais que permeiam o atuar policial mesmo em uma política reconhecida como produtora da vida. Indagamos: que vida se busca preservar no campo da segurança pública, especialmente, a paraibana?

Entre a fabricação de categorias de pessoas e a mantença de privilégios: um gerir populacional

Dialogar com Foucault e com Mbembe para problematizar políticas de vida e de morte é ter como pressuposto que nenhum desses fenômenos é natural. Como apontado, por meio das teias da governamentalidade contemporânea, diferentes instituições e agentes sociais se comunicam na criação e composição de táticas e estratégias para bem governar. Com o biopoder, como nos aponta Foucault (2005FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collége de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005., p. 290), constrói-se mecanismos de seguridade para gerir a população, “um conjunto de processos”, não mais atendendo a um poder de espada, mas a uma razão política.

Nessa passada, o saber estatístico se apresenta como uma ferramenta imprescindível na composição populacional e na criação de “classes de pessoas” (Popkewitz; Lindblad, 2001POPKEWITZ, T.; LINDBLAD, S. Estatísticas educacionais como um sistema de razão: relações entre governo da educação e inclusão e exclusão sociais. Educação & Sociedade, Campinas, ano 22, n. 75, p. 111-148, ago. 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302001000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em: 2 dez. 2020.
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), visto que a população se torna um problema político, no sentido de gestão, organização social, produção da vida e da morte. Aproximando-nos de Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., essa mesma razão estratégica que é parte da modernidade gesta um terror de efeito molecular que traz a morte de parte da população como regra e não como exceção, pois é, ao mesmo tempo, “[…] ideologia e tecnologia do governo” (Mbembe, 2014MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014., p. 71).

No caso brasileiro, pelo fato de não ter havido uma segregação autorizada legalmente, o racismo se desenvolveu de forma bastante peculiar, como sustenta Schucman (2012SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 86): no Brasil temos um “racismo de atitudes”. Identificamos tais práticas ao longo da pesquisa de campo, como no caso de uma visita realizada a uma Unidade de Polícia Solidária10 10 As Unidades de Polícia Solidária na Paraíba fazem parte de uma estratégia de aproximação da polícia com a comunidade desenvolvida pelo PPUPP, sendo alocadas nos lugares entendidos como mais vulneráveis por parte da SESDS. (UPS); quando questionamos o capitão responsável sobre a implementação do local e o diálogo com o batalhão, referiu:

[…] na primeira ou na segunda semana teve uma viatura que veio trazer um professor que ele trabalha lá na Companhia e vem aqui pra cima só pra dar a aula dele. Aí ele pediu o apoio de uma viatura, ela veio trazer ele, foi lá deixar na ONG que ainda era lá a aula e foi, deixou ele lá e ele entrou. Aí dois minutinhos que ele foi entrando, foi chegado um dos alunos dele lá, tava com um bonezinho aba reta, tal, o menino tinha uns 11 anos na época. Aí eles viram o menino e já foram pra cima dele, empurraram ele na parede e disseram “tá fazendo o que com esse chapéu, aí?”, chamaram um palavrão e… Poderia ter colocado tudo a perder, só nesse menino aí. E aí a gente teve que dialogar com todo mundo nas reuniões e dizer “ó, pessoal, a gente tá fazendo um trabalho lá diferenciado, que vocês tenham mais calma aí nas abordagens e tal, e vocês vão ver que vai ser melhor pra vocês lá na frente. Vai ajudar no trabalho de vocês”. E hoje o pessoal percebe, o trabalho aqui é uma paz. Todo mundo quer trabalhar aqui. Porque a pessoa passa o dia todinho aqui, atende uma, duas ocorrências. Aí nas outras localidades é ocorrência direto. (Entrevista realizada com o capitão A., em 10/12/2019).

É nesse sentido que a gestão da morte, a necropolítica, apresenta-se como norma, visto que o comum é abordar de forma truculenta jovens que carreguem os símbolos e simbologias da cultura hip-hop, como nos alerta Schlittler (2016)SCHLITTLER, M. C. C. “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8914/TeseMCCS.pdf?sequence=3&isAllowed=y . Acesso em: 4 fev. 2019.
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. Estilos de vida, territórios, formas de percorrer e habitar a cidade autorizam ou não o uso da força. A implementação de uma UPS mobiliza a ideia de “locais de risco”, e a partir disso aciona-se identidade racial, posição de classe entre outros fatores que estão diretamente ligados ao marcador raça, pois, como referido, visões de mundo e estilos de vida remetem à ideia de criminalidade, tendo em vista a acumulação social da violência que percorre o imaginário social e formam a sujeição criminal (Misse, 2008MISSE, M. Sobre acumulação social da violência do Rio de Janeiro. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n. 3, p. 371-385, set./dez. 2008.).

É interessante retomar o conceito de branquitude, pois não é possível discutir racismo sem sinalizar, constantemente, o privilégio branco que se edifica a partir da nomeação do outro como o vulnerável, desigual, criminoso tendo como ponto de referência o branco. Como sinaliza Lia Schucman (2012SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., p. 14):

O branco não é apenas favorecido nessa estrutura racializada, mas é também produtor ativo dessa estrutura, através de mecanismos mais diretos de discriminação e da produção de um discurso que propaga a democracia racial e o branqueamento.

Ao longo da pesquisa de campo, ouvimos reiteradamente que o racismo, por exemplo, trata-se de algo desenvolvido individualmente. Logo, não é algo “ensinado” dentro da polícia militar, assim como cada um e cada uma dos entrevistados e entrevistadas não se admitia racista, o que é comum na sociedade brasileira, embora, em alguns casos, a ideia de estereótipo tenha sido apontada como uma das estratégias, nas abordagens ostensivas, realizadas pelos alunos e pelas alunas praças do CFSD. Alguns entrevistados e algumas entrevistadas se sentiam constrangidos e constrangidas ao admitir e reconhecer a abordagem de forma seletiva; outros e outras respondiam bruscamente, salientando que o procedimento adotado era o “padrão” e que, portanto, não havia seletividade.

A cidade de João Pessoa é composta por diversas praias, há um constante trânsito de turistas e da própria população local. As praias que ficam na cidade - Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa, por exemplo - se localizam em bairros nobres e foi justamente essa divisão espacial que utilizamos nas entrevistas para entender as abordagens realizadas pelos entrevistados e pelas entrevistadas. Nesse sentido, buscamos questionar sobre a possibilidade de haver alguma diferença entre as revistas realizadas nas comunidades, entendidas como bairros periféricos, e na praia. Entre os e as soldados entrevistados e entrevistadas, apenas um salientou que a sua abordagem era “padrão”, isto é, a sua “revista” aos sujeitos, seja na praia ou em comunidades, dava-se da mesma forma.

Visando compreender as dinâmicas de escolha dessa polícia dita “mais humanizada”, como nos foi relatado pelos gestores e pelas gestoras, buscamos perceber os diferentes elementos que constituíam as abordagens. Com isso, foram apontadas desde características pessoais dos sujeitos, roupas, tatuagens, linguagem, até o próprio território onde se desenrolam as ações da polícia militar:

Assim, o policial, quer queira, quer não, se preocupa um pouco mais, porque sabe que na praia pode ser pessoas que tenham um certo conhecimento, que é… […] as pessoas na praia é como se tivesse mais direitos, eles sabem dos seus direitos, e na favela, não, tiveram pouco estudo, e eu acho que trata sim, de uma forma diferente, muitas vezes pela pessoa não saber que aquilo não pode acontecer com ela e o policial vai e trata daquela forma e na praia fica assim, como a gente diz, pisando em ovos, tem um trato melhor, tem mais medo. Até porque assim, como tá ali, é uma região mais turística e assim, eu acredito que tem que ser diferente mesmo, não em relação a preconceito, mas em relação a forma vigorosa de se estar, porque assim, você tá lá, um turista, você já não vai chegar com uma ação vigorosa, já dois jovens, na favela, vindo de duas horas da tarde com uma mochilinha nas costas, você também tem que se posicionar mais, porque senão eles também podem querer se voltar contra você, vê que você tá ali muito, muito assim, relaxado no serviço e aí você também tem que demonstrar mais atitude. (Entrevista online realizada com a aluna 35 do CFSD, em 09/09/2020).

Nota-se na fala da entrevistada a construção de categorias de sujeitos inferiores e superiores, naturalizando espaços como propícios para uma abordagem “vigorosa” produzindo, portanto, a condição de inimigo do Estado. Torna-se possível perceber o quanto a posição de privilégio da aluna demonstra o seu atuar seletivo como algo justificável, apontando para o que hoje chamamos de racismo estrutural (Almeida, 2019ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro: Pólen, 2019.). Embora não se identifique como preconceituosa, como alerta, entende justificáveis atuações desiguais nos diferentes territórios. Ademais, supõe que na praia, um território de classe média alta, haja mais conhecimento por parte dos habitantes, enquanto, nos bairros, o desconhecimento dos direitos se torne uma verdade e isso seja enfrentado com naturalidade. Aliás, não ter conhecimento dos próprios direitos é referido como um fator que permite abordagens seletivas e discriminatórias por parte dos agentes e das agentes policiais.

Quando apontamos, na esteira de Maria Aparecida Silva Bento (2002)BENTO, M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: BENTO, M. A. S.; CARONE, I. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58., que nós brancos e brancas silenciamos nossos privilégios e, ainda, os reproduzimos de forma estratégica, sustentamos que, de maneira mais ou menos enfática, contribuímos para a gestão da morte no presente. Retomando o pontuado por Achille Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., quando destaca que a raça é uma ficção útil, analisando os ditos da entrevistada acima citada, percebemos o quanto essa ficção contribui para a atuação dos agentes públicos, seja ostensivamente, seja por meio das designações dos gestores e das gestoras quando apontam “zonas quentes”, onde é preciso realizar blitz. Há uma constante produção discursiva que legitima o extermínio da população jovem negra, produzido tanto pelas instituições como pelos agentes sociais em sua amplitude.

No mesmo sentido, quando se aborda a perspectiva da acumulação social da violência: o racismo se metamorfoseia, como destaca Mbembe (2014)MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014., forjando-se no apontamento de sujeitos mais propensos ao crime, seja porque habitam territórios considerados como de risco; seja porque “naturalmente” não são entendidos como portadores de um “intelecto diferenciado”, quando comparados aos frequentadores da praia; seja, ainda, porque possuem uma certa idade ou por não olharem para uma viatura no momento em que essa passava:

A gente passou por uma casa, aí tava três meninos sentados, aí ficaram tudo olhando, assim, pro celular, aí daqui a pouco… A viatura passando por eles, eles com a cabeça baixa, tipo, olhando o celular. E era numa comunidade que tem o foco da criminalidade, então, isso também é uma atitude suspeita, porque todo mundo fica olhando pra viatura, né, tá passando uma viatura tarde da noite, quem é que não olha pra viatura? E os três rapazes fingindo que não tava vendo ninguém, só ali no celular, né, e a viatura passando devagar, eles sem olhar? Não existe isso. Aí pararam mesmo na hora, quando foi ver todos os três com passagem pela polícia, não estavam portando arma, não estavam. Tinha um que tava com duas bichinha de droga, mas isso não configura tráfico, não configura tráfico, só uso pessoal, mas quando puxaram a ficha deles, tudo com passagem pela polícia. A polícia não pode fazer muita coisa na hora, só destruir a droga, mandar ir pra casa ou fazer o que quiser. (Entrevista online realizada com a aluna 33 do CFSD, em 03/09/2020).

O que queremos problematizar com esses excertos, na perspectiva de Popkewitz e Lindblad (2001)POPKEWITZ, T.; LINDBLAD, S. Estatísticas educacionais como um sistema de razão: relações entre governo da educação e inclusão e exclusão sociais. Educação & Sociedade, Campinas, ano 22, n. 75, p. 111-148, ago. 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302001000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em: 2 dez. 2020.
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, é como se conseguiu fazer parecer, mesmo em uma sociedade dita democrática, tão natural a ligação entre sujeitos, territórios e a respectiva relação como sujeitos de risco, vulneráveis, perigosos? Como, na atualidade, se torna comum desenvolver, mesmo tendo uma política de segurança pública de vida, progressista, como é o caso do Paraíba Unida Pela Paz, a vigia constante de alguns territórios e a incessante abordagem de jovens negros? Vemos que dificilmente se nomeia o marcador raça como um elemento de suspeição, aliás, ele é negado reiteradas vezes.

Quando o marcador juventudes é intersecionado com o marcador raça, a complexidade dessa discussão se torna ainda mais desafiadora, como sustentam Nilma Lino Gomes e Ana Amélia de Paula Laborne (2018)GOMES, N. L.; LABORNE, A. A. P. Pedagogia da crueldade: racismo e extermínio da juventude negra. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 34, e197406, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/edur/v34/1982-6621-edur-34-e197406.pdf . Acesso em: 4 ago. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/edur/v34/1982-...
. As autoras nos inquietam a pensar sobre quem são os suspeitos número um no cenário brasileiro e, entre outros pontos, atentam para os diversos mecanismos que possibilitam acobertar a impunidade dos agentes desse genocídio, como nomeiam. Nesse sentido, os dados nacionais mostram o quanto o extermínio da juventude negra é um acontecimento contínuo. Aliás, podemos observar que no estado da Paraíba esse índice é significativamente maior, segundo o Índice de vulnerabilidade juvenil, publicado em 2017 (Lima, R., 2017LIMA, R. S. de et al. Índice de vulnerabilidade juvenil à violência 2017: desigualdade racial, municípios com mais de 100 mil habitantes. São Paulo: Secretaria de Governo da Presidência da República: Secretaria Nacional de Juventude: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017. Disponível em: Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/indice-de-vulnerabilidade-juvenil-a-violencia-2017-desigualdade-racial-e-municipios-com-mais-de-100-mil-habitantes/ . Acesso em: 31 jan. 2021.
https://forumseguranca.org.br/publicacoe...
).

Ao passo que esses números podem exigir uma maior atuação do estado na implementação de dispositivos que contenham essa mortalidade, o que se vê no território paraibano é a constatação desse extermínio e um gerir populacional que entende que, “reduzindo a morte de todo mundo” (major V., entrevista realizada no dia 18/11/2019), será suficiente para conter esse extermínio. O que se percebe nesse território, além do alto índice de mortalidade juvenil negra, é a sua ínfima redução quando se analisa proporcionalmente os índices de morte envolvendo esses marcadores. Portanto, há aceitação desses números como dados pertencentes a uma realidade.

Quando realizado o cruzamento proporcional da redução dos homicídios das pessoas negras ao longo dos anos de vigência do PPUPP, isso constitui cerca de 1% na redução total dos homicídios, embora os gráficos disponibilizados pelo anuário de segurança pública local nos informem o êxito dos números absolutos (Paraíba, 2019PARAÍBA. Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social. Paraíba Unida Pela Paz: anuário da segurança pública da Paraíba, 2019. João Pessoa: SESDS, 2019. Disponível em: Disponível em: https://paraiba.pb.gov.br/diretas/secretaria-da-seguranca-e-defesa-social/arquivos/Anuario_Seguranca_Publica_2019_.pdf . Acesso em: 31 mar. 2020.
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). Apontar para essas questões, é colocar-se na retaguarda das verdades numéricas, as quais tendem a nos mostrar a paz forjada apenas com base nos números, o que aqui buscamos desestabilizar, especialmente ao mobilizar os marcadores juventudes e raça por meio da pesquisa qualitativa.

Na perspectiva de alguns entrevistados e de algumas entrevistadas, a população jovem negra é “muito específica”, tomando essa afirmativa como uma justificativa para o não direcionamento de políticas públicas. Além disso, o major V., responsável pelo Núcleo de Análise Criminal e Estatística do Estado (NACE), enfatizou que “a maioria dessas pessoas que são assassinadas, elas têm algum envolvimento prévio com a criminalidade”. Logo, crime, raça e juventudes passam a ser organizados dentro da racionalidade política paraibana como elementos geminados. Assim sendo, se antevê o crime, justamente porque se trata de um “outro”, essa ficção útil, da qual nos fala Achille Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., e, havendo envolvimento com a criminalidade, sua vida não seria algo com o que as lógicas governamentais devessem se preocupar.

Abordando a ideia de risco e a sua produção (Foucault, 2008FOUCAULT, M. Segurança, território e população. Curso dado no Collège de France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.), percebe-se que, mesmo na sociedade neoliberal, essa que preza pelo “faça você mesmo”, pelo individualismo, no caso das “populações de risco” a individualidade está ligada a outros membros dessa população (Popkewitz; Lindblad, 2001POPKEWITZ, T.; LINDBLAD, S. Estatísticas educacionais como um sistema de razão: relações entre governo da educação e inclusão e exclusão sociais. Educação & Sociedade, Campinas, ano 22, n. 75, p. 111-148, ago. 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302001000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em: 2 dez. 2020.
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). Aqui “a comunidade”, “a periferia” são entendidas em seu conjunto e não nos indivíduos que ali habitam. Embora entrevistados e entrevistadas coloquem que nem todo mundo da comunidade “é bandido”, a régua que mensura a gestão dessa população é a do risco.

[…] nas abordagens, realmente, são mais abordados negros, tem aquele estereótipo daquele pessoal que é mais escuro, pessoal que é magrinho, pessoal que anda com aquelas roupas que é características, aquele short folgadão, aquela camisa folgada. Tem aquele estereótipo formado do pessoal que parece ser errado, mas, assim, não se trata exatamente de cor, é mais o estereótipo de comportamento. Assim, eu acho que a gente não quer ser racista, a instituição não quer ser racista e nem direciona pra cor, a questão é realmente o comportamento suspeito. Só que esse comportamento suspeito, geralmente, é direcionado pra pessoas de cor, não adianta dizer que não é, porque não é, né. É como eu te disse, assim, a gente vê muito nesses bairros mais pobres, pessoas pobres e negras, né. A imensa maioria. Então acaba que a abordagem é mais pra essas pessoas. (Entrevista realizada online com a aluna 34 do CFSD, em 02/09/2020).

É nesse sentido que comungamos com Achille Mbembe (2018)MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. 2. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018. quando ele sinaliza que a noção de biopoder não consegue dar conta de explicar algumas realidades contemporâneas. Como escreve o autor, a construção de “mundos de morte” direciona a vida de parte da população à condição de “mortos-vivos”, visto que são constantemente vigiados, abordados, entendidos como causadores de ameaças e perigo. Nas palavras do autor:

O medo racial, em particular, foi desde sempre um dos pilares da cultura do medo intrínseca à democracia liberal. A consequência deste medo, lembra Foucault, tem sido o crescimento de processos de controle, de coação e de coerção, que, longe de serem aberrações, surgem como contrapartida às liberdades. A raça, e em particular a existência do escravo negro, desempenhou um papel central na formação histórica de tais contrapartidas. (Mbembe, 2014MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014., p. 144).

Como é possível observar nos relatos trazidos aqui, as condutas dos sujeitos são “incriminadas” antes mesmo do cometimento de qualquer prática delitiva (Misse, 2010MISSE, M. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova, São Paulo, n. 79, p. 15-38, 2010.). Uma das entrevistadas pontuou, inclusive, que qualquer coisa pode ser considerada atitude suspeita, especialmente se estivermos falando de determinados territórios, como é o caso das comunidades. É nessa perspectiva que Michel Misse (2008)MISSE, M. Sobre acumulação social da violência do Rio de Janeiro. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n. 3, p. 371-385, set./dez. 2008. aponta para o conceito de sujeição criminal e afirma o quanto se autoriza socialmente a prática de crimes para justificar a punição de outros crimes, ou seja, a ação mais truculenta, ou, como sugeriu uma das entrevistadas, uma “ação mais vigorosa”, é aceitável quando se aborda esses sujeitos subjetivamente construídos como criminosos. É nesse aspecto, dialogando com Mbembe (2014)MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014., que a disposição de mecanismos de controle emerge como fundadora de liberdade, preferencialmente, se esse controle for direcionado ao “outro”.

Em um dos relatos realizados na CPI Assassinato de Jovens, o coronel Ibis Pereira sinalizava:

A gente acha que não tem problema nenhum utilizar as Forças Armadas para invadir favela! Isto não nos incomoda, não atinge a nossa sensibilidade democrática! Nós assistimos à operação que aconteceu no Rio de Janeiro em 2010, uma invasão do Alemão domingo! Nós assistimos isso dentro das nossas casas! Duzentos milhões de brasileiros viram isso! E ninguém se ofendeu! Ninguém achou que tinha alguma coisa errada ali! Eu duvido que as Forças Armadas americanas invadissem uma favela americana! Eu duvido que as Forças Armadas da França invadissem! Que um francês não se sentisse incomodado por isso. (Brasil, 2016BRASIL. Senado Federal. CPI Assassinato de Jovens. Relatório final. Relator: Senador Lindbergh Farias. Brasília: Senado Federal, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/06/08/veja-a-integra-do-relatorio-da-cpi-do-assassinato-de-jovens . Acesso em: 31 ago. 2020.
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, p. 91).

Assim, argumentamos que a produção midiática exerce um significativo papel na construção de sujeitos e territórios de risco, contribuindo para a hipervalorização silenciosa da raça branca, fomentando o racismo na construção da nossa subjetividade. Nessa esteira, dialogamos com Silvio Almeida (2019)ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro: Pólen, 2019. quando refere que o racismo é norma no Brasil, na mesma passada quando Achille Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. sustenta que as colônias, a escravidão e as democracias são sistemas geminados.

Mirando o campo da segurança pública, isso se torna ainda mais intenso porque, em princípio, estamos falando de agentes e instituições que representam o monopólio do uso da força, como nos ensinava Weber. Entretanto, as políticas de inimizade que sustentam a gestão governamental tornam o fazer morrer uma regra, inclusive, legitimada socialmente. Filmar espancamentos em garagens de supermercados, aplaudir linchamentos ou ainda justificar uma sentença judicial11 11 As mídias sociais e televisivas deram visibilidade a uma sentença proferida na 1ª Vara Criminal de Curitiba onde, segundo a notícia, a juíza responsável pelo julgamento de roubos e assaltos realizados por um grupo de nove pessoas, ao individualizar a pena de um dos réus, com base no art. 59 do Código Penal, sinalizou: “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente” (Vianna; Brodbeck, 2020, grifo nosso). com base na raça não é acaso, não é exceção, não comporta mais pedidos de sinceras desculpas. Sustentamos que é uma forma de governar o barco, os ventos e os baixios (Foucault, 2008FOUCAULT, M. Segurança, território e população. Curso dado no Collège de France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.).

Essa fabricação não ignora graus de materialidade, como é o caso da mortalidade da juventude negra em território nacional e, mais profundamente, no território paraibano. O que destacamos são as invenções e espaços de subalternidade e o quanto se autoriza os efeitos de morte que acabam por gerar e sustentar esses espaços. Em outras palavras: avistar uma viatura da polícia militar e se assustar apresenta-se como uma atitude suspeita; não encarar essa mesma viatura e permanecer concentrado no celular, também. Questionamos: o que não é uma atitude suspeita em uma sociedade calcada no racismo estrutural?

“O atendimento vai de acordo com o cliente”:12 12 Fala de um dos alunos do CFSD ao se referir às abordagens policiais. políticas de inimizade e o metamorfosear das ações de morte

Seguindo as passadas dos autores e autoras que orientam esta escrita e dialogando com a perspectiva de um atuar/escrever estratégico, a gestão para a condução da morte e da vida ocorrem de forma política. Voltando o olhar para os efeitos da branquitude, é interessante mencionar que, em alguns casos, ao serem questionados e questionadas sobre as “abordagens diferenciadas” realizadas no policiamento ostensivo, certas entrevistadas e certos entrevistados sinalizavam que a abordagem não se referia a cor: “A gente parou e abordou e, inclusive, um era negro e um era branco, então não associou a cor, se associou a questão dele tá com uma mochila” (entrevista online realizada com a aluna 35 do CFSD, em 09/09/2020).

Como sinaliza Misse (2010)MISSE, M. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova, São Paulo, n. 79, p. 15-38, 2010., são “tipos sociais de agentes” que demarcam socialmente os “suspeitos”, embora haja abordagem de sujeitos brancos, o “devir negro” que lhes rodeia (Mbembe, 2014MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014.), possibilita a construção de uma suspeição.13 13 Embora a discussão neste artigo não mobilize de forma sistemática o conceito de antinegritude, cabe relacioná-la neste ponto, visto que a construção de um sujeito criminal, de mundos de morte e negação da circulação entre os espaços urbanos vai ao encontro dessa perspectiva, pois não compreender sujeitos negros como sujeitos é associá-los a não humanos. Nesse sentido: “A antinegritude torna abjeto tudo o que é supostamente ligado à negritude. A antinegritude torna não lugares todos os espaços marcados pela negritude: espaços físicos, espaços metafísicos, espaços ontológicos, espaços sociais” (Vargas, 2020, p. 22). Ademais, território, vestimentas, corporeidades, faixa etária também se acoplam nessa suspeição. Mais uma vez: como sustentar neutralidade em uma sociedade que se fundamenta no poder de morte?

Além de olhar para o “outro” como ser racializado, foi possível notar que entrevistados e entrevistadas sustentavam a ideia de neutralidade quando a questão “mortalidade da juventude negra” era pautada nas entrevistas. Isso remete diretamente ao discutido por Schucman (2012)SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. e Bento (2002)BENTO, M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: BENTO, M. A. S.; CARONE, I. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58. sobre a possibilidade de o branco ser considerado uma raça interessada quando aborda o racismo e, quando negros e negras trazem essa temática para a discussão, são apontados como “interesseiros”. Nesse sentido:

[…] aquelas outras questões de benefícios, de cotas e tudo o mais, que aí eu acho que não deveria ser voltado pra esse sentido de que é negro e pronto, porque a gente sabe que da mesma forma que tem negros pobres que é ali da favela, a gente tem negros que conseguiram é, ficar bem de vida, tudo. Só porque ele é negro vai conseguir a cota? Não deveria ser voltado pra isso, porque às vezes acaba até criando aquela questão: o negro não é capaz, pra ter cota pra ele? Tá entendendo? De conquistar as coisas? Eu acho que deveria ser votado assim, pras pessoas mais humildes ou carentes, as cotas deveriam ser votadas pra esse sentido. (Entrevista realizada online com o aluno 39 do CFSD, em 01/09/2020).

Nota-se, então, que são as ações dos outros o “problema”, não a mantença de privilégios históricos. Percebe-se na fala do entrevistado que é entendido que a maior parte da população periférica é negra, mas a problematização dessa mantença em situação de precariedade é responsabilidade dos próprios negros e não dos privilégios brancos que continuam sendo gestados. A fala desse entrevistado, inclusive, nos remete à discussão feita por Maria Aparecida Silva Bento (2002)BENTO, M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: BENTO, M. A. S.; CARONE, I. (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 25-58. quando refere que nós brancos e brancas entendemos que há discriminação no Brasil, mas isso não está ligado a nós, e sim a uma mancha do período escravocrata, mesmo estando em 2021.

Voltando à citação da aluna 34, na seção anterior, ao elencar as características dos sujeitos suspeitos, percebe-se que, assim como aponta Maria Carolina Schlittler (2016)SCHLITTLER, M. C. C. “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8914/TeseMCCS.pdf?sequence=3&isAllowed=y . Acesso em: 4 fev. 2019.
https://repositorio.ufscar.br/bitstream/...
, o que os forja, sob as lentes dos entrevistados e das entrevistadas, encontra ressonância no estilo jovem do movimento hip-hop. Dialogando com Priscila Silva (2017SILVA, P. E. da. O conceito de branquitude: reflexões para o campo de estudo. In: MULLER, T. M. P.; CARDOSO, L. (org.). Branquitude: estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba: Appris, 2017.p. 19-32., p. 20), é necessário pensar como a branquitude pode ser vista como um “dispositivo analítico”, “capaz de fazer emergir o pensamento racial, mais especificamente a subjetividade do branco, em contextos aparentemente não racializados”.

No âmbito da segurança pública, especialmente, tratando da polícia militar, que é historicamente alvo de investigações pelo reiterado extermínio da população jovem negra (Gomes, Laborne, 2018GOMES, N. L.; LABORNE, A. A. P. Pedagogia da crueldade: racismo e extermínio da juventude negra. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 34, e197406, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/edur/v34/1982-6621-edur-34-e197406.pdf . Acesso em: 4 ago. 2020.
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; Sinhoretto, Morais, 2017SINHORETTO, J.; MORAIS, D. de S. Violência e racismo: novas faces de uma afinidade reiterada. Revista de Estudios Sociales, [s. l.], n. 64, p. 15-26, abr./jun. 2017. Disponível em: Disponível em: https://revistas.uniandes.edu.co/doi/full/10.7440/res64.2018.02 . Acesso em: 30 jun. 2018.
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) - voltamos a sinalizar: a Polícia Militar da Paraíba não se encaixa no quesito retirada da vida física, visto que é uma das polícias que menos mata no Brasil -, assim como das estratégias de gestão do PPUPP, o que se percebe são artimanhas que silenciam o extermínio dessa juventude e sua discussão, especialmente, tendo em vista a falta de problematização do quesito raça no âmbito daquela instituição.

Como foi possível aferir com as entrevistas, além de não haver uma discussão institucional por parte da polícia, os próprios entrevistados e as próprias entrevistadas não entendem que o racismo seja algo que direciona as suas ações quando da escolha dos “suspeitos” ou quando apontam para uma abordagem mais “enérgica”. Os e as oficiais que, a princípio, recebem uma formação mais prolongada e, no caso dos entrevistados e das entrevistadas aqui, são sujeitos que trabalham em UPS e na formação de praças e oficiais, ao apontarem que as discriminações vivenciadas por parte da população são uma “questão mais social”, nos levam a perceber como a mortalidade da juventude negra e como o racismo são tratados pelo efetivo policial de forma ampla, entendendo que a discriminação positiva é algo prejudicial no trato social.

O capitão F., especialmente por ter uma visão sociológica dos fenômenos que nos interpelam, visto ser doutor em sociologia, mesmo sugerindo que o racismo não é algo explícito no âmbito da corporação, enfatiza que o papel da polícia é a vigia dos corpos negros. Em suas palavras:

[…] a polícia foi criada especificamente para atuar na repressão aos negros. Essa é a lógica central da polícia, né. É pra não prevenir, mas reprimir mesmo. Reprimir os negros. […] Então, assim, pra mim como pessoa, como indivíduo, isso é muito triste, porque a gente acaba ovacionando uma instituição que diz atuar em nome da democracia, quando na verdade a gente sabe que implicitamente falando, a lógica é outra. (Entrevista realizada com o capitão F., em 16/12/2019).

É nesse sentido que falar sobre o “outro”, sobre os efeitos do racismo estrutural (Almeida, 2019ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro: Pólen, 2019.), do nanorracismo (Mbembe, 2017MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.) e, precisamente, da branquitude (Schucman, 2012SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.) no campo da segurança pública é tratar sobre as políticas de inimizade que permeiam o campo social brasileiro e, de forma mais contundente, a área em questão. O silenciamento do PPUPP a respeito da mortalidade da juventude negra, embora esse índice alcance o patamar de 8,82 vezes mais chances de morte (Lima, R., 2017LIMA, R. S. de et al. Índice de vulnerabilidade juvenil à violência 2017: desigualdade racial, municípios com mais de 100 mil habitantes. São Paulo: Secretaria de Governo da Presidência da República: Secretaria Nacional de Juventude: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017. Disponível em: Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/indice-de-vulnerabilidade-juvenil-a-violencia-2017-desigualdade-racial-e-municipios-com-mais-de-100-mil-habitantes/ . Acesso em: 31 jan. 2021.
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), é gerenciar estrategicamente o extermínio dessa população. Esse silenciar não significa não reconhecer, conforme pontuamos ao longo desta escrita, significa, nas malhas da governamentalidade contemporânea, governar; mesmo que para isso a gestão da vida de alguns se torne regra, e a morte de outros, também.

Seguindo nessa perspectiva, cabe retomar as discussões travadas por Gomes e Laborne (2018)GOMES, N. L.; LABORNE, A. A. P. Pedagogia da crueldade: racismo e extermínio da juventude negra. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 34, e197406, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/edur/v34/1982-6621-edur-34-e197406.pdf . Acesso em: 4 ago. 2020.
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ao problematizarem os mecanismos que atravessam o extermínio da juventude negra. Colocam as autoras:

É importante, então, compreender que a violência que incide sobre a juventude negra tem raízes históricas mais profundas. Quanto mais desiguais os sujeitos se encontram na vida social, mais o medo do outro, do diferente é produzido naqueles e por aqueles que ocupam o topo das relações de poder. Quanto mais se luta por justiça social e igualdade e os segmentos discriminados conseguem algum tipo de mobilidade social e melhoria de condições econômicas e de vida, mais as elites têm medo de que eles se aproximem. E, ainda, que passem a almejar e disputar, em condições de maior igualdade, os lugares dos quais foram historicamente excluídos. (Gomes; Laborne, 2018GOMES, N. L.; LABORNE, A. A. P. Pedagogia da crueldade: racismo e extermínio da juventude negra. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 34, e197406, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/edur/v34/1982-6621-edur-34-e197406.pdf . Acesso em: 4 ago. 2020.
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, p. 17).

Como vimos sustentando, falar em genocídio não significa a retirada da vida propriamente, mas as reiteradas práticas que constroem o “outro” e, como destaca Mbembe (2017MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., p. 176), “[…] Ser o Outro é sentir-se sempre instável. A tragédia do Outro tem origem nesta instabilidade. O Outro está constantemente alerta.” A circulação em certos espaços é considerada suspeita; assim como as roupas, as rimas em letras de rap, os territórios.

A apropriação de saberes “informais”, esses saberes da rua, denominados “tirocínio policial”, possibilita aos policiais que atuam ostensivamente a construção de justificativas que lhes autorizam a desprezar informações, questionamentos de pessoas que não atuam nas ruas. Aponta-se para um possível saber oculto,14 14 Alguns estudos demonstram que há uma modificação nos conteúdos programados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública em relação àquilo que realmente é apresentado nas salas de aula das forças de segurança pública (Silva, S., 2015). Seguindo a perspectiva pós-estruturalista, não enfrentamos o currículo, neste caso a Matriz Curricular Nacional e as “práticas” dos agentes de segurança pública, policiais militares, como algo em separado. Entendemos que há uma discursividade que se compõe e isso representa artimanhas de poder. Nas palavras de Tomaz Tadeu da Silva (2005, p. 16), “privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação de poder. Destacar, entre as múltiplas possibilidades, uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é uma operação de poder.” Logo, o tirocínio policial não é algo oculto na formação, é algo que circula e compõe a produção de saberes. isto é, aquele que não está previsto nas grades curriculares da polícia militar ou aquele que se obtém através dos policiais mais antigos (Brasil, G., 2012BRASIL, G. M. O novo diálogo: academias de polícia e universidades. In: TAVARES DOS SANTOS, J. V.; TEIXEIRA, A. N. (org.) Conflitos sociais e perspectivas de paz. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2012. p. 205-224.; Silva, S., 2015SILVA, S. M. L. da. Formação dos soldados bombeiros do estado do Pará: (re)significações das competências a partir da Matriz Curricular Nacional de Segurança Pública. 2015. Dissertação (Mestrado em Defesa Social e Mediação de Conflitos) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.). Percebe-se que o tirocínio fortalece a construção dos sujeitos suspeitos e, como visto aqui, esse saber que circula para além das grades curriculares não é algo oculto, pelo contrário, ele é visível e imiscui-se nas práticas cotidianas dos e das policiais (Silva, T., 2005SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.).

Ainda no que tange à composição do sujeito suspeito, um dos alunos do CFSD sinalizou: “A gente não tem bem um padrão, não. Na verdade, é justamente isso, o que foge do padrão. Aí, o que é o padrão?” (entrevista online realizada com o aluno 36 do CFSD, em 01/09/2020). É nessa passada que território, vestimentas, cor da pele e expressões corporais se tornam elementos basilares na organização do tirocínio e isso, como aponta Michel Misse (2008)MISSE, M. Sobre acumulação social da violência do Rio de Janeiro. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n. 3, p. 371-385, set./dez. 2008., reverbera na sujeição criminal ou, na esteira de Mbembe (2014)MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014., na construção do “outro”.

O que queremos sinalizar com as discussões sobre mortalidade da população jovem negra, conceitos como sujeição criminal, branquitude, tirocínio, seletividade penal, entre outros, não é necessariamente o extermínio da vida, este que aparece nos Atlas da violência. Também é essa morte, mas, sobretudo, o que visamos argumentar na defesa da existência de uma necropolítica no campo da segurança pública paraibana, isto é, num fazer morrer estratégico, são justamente esses pontilhados descritos em conceitos, em frases proferidas pelos entrevistadas e pelos entrevistados, que nos mostram parte do atuar policial, o atuar ostensivo, particularmente, o qual é mobilizado para a produção da “paz” querida pelo PPUPP, paz esta direcionada para um segmento populacional; tal atuação envolve marcadores como o de classe social, mas, especialmente, está calcado nos pressupostos raciais que erguem, historicamente no Brasil, posições de privilégios à raça branca e insistem em erguer fronteiras porosas à raça negra.

Falar em políticas de inimizade é atentar para a rede de silenciamentos que tecemos ao apontar o tratamento “igualitário” da mortalidade da juventude negra em solo paraibano e o quanto esse silenciamento é significativo para a gestão necropolítica, não só nesse território, mas também em âmbito nacional, tendo em vista as políticas públicas recorrentemente fraturadas que sustentam a segurança pública brasileira. É desestabilizar o silêncio ensurdecedor do PPUPP frente às políticas de morte dessa população e identificar o quanto os privilégios brancos seguem sustentando a tomada de decisão de gestores e gestoras na formulação de políticas públicas.

Considerações finais

Estranhar verdades triunfantes é uma das propostas que Michel Foucault (1997)FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1997. convida a fazer ao longo dos seus escritos. Aqui, por meio das discussões sobre relações raciais, buscamos isso, precisamente, posto que, mesmo diante de uma política entendida como promotora da vida, como é o caso do PPUPP, quando marcadores raça e juventudes são apontados como elementos centrais do debate, se percebe que brancos e negros ocupam locais distintos de tratamento, porque se acoplam a eles diferentes posições de sujeitos. Foi nessa passada, por meio das teorizações de Achille Mbembe, que defendemos a existência de um fazer morrer no campo da segurança pública, especialmente, paraibana, visto que seus agentes, sejam eles gestores e gestoras, sejam alunos e alunas praças, apontam, por meio do tirocínio policial e da acumulação social da violência, a existência de um sujeito suspeito, o qual está envolto em signos e símbolos da cultura negra.

Chamamos a atenção que os escritos de Mbembe e Foucault atentam para a produção e gestão da vida da população, embora para Mbembe, no contexto das colônias, não seja possível pensar a morte de parte da população como algo na linha da exceção, mas da regra, porque democracias e colônias são construções políticas geminadas. Aqui, defendemos que os marcadores raça e juventudes, quando interseccionados no campo da segurança pública, sintetizam essa gestão da morte. Ao mobilizar esses elementos, sugerimos a necessidade de alargar as problematizações sobre branquitude e segurança pública, entendendo que a gestão de políticas que ignoram os privilégios brancos e tratam a “morte de todo mundo” na mesma toada seguem reverberando os rastros mortíferos que ergueram - e erguem - nossas instituições e relações sociais no contemporâneo.

Referências

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    » https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2020/08/12/juiza-diz-em-sentenca-que-reu-negro-era-seguramente-integrante-de-grupo-criminoso-em-razao-da-sua-raca.ghtml
  • 1
    Oportuno destacar que os debates entre Michel Foucault e Achille Mbembe têm sido mobilizados no contexto brasileiro. Aqui, efetuamos o cruzamento entre esses autores, bem como com pesquisadoras brasileiras e pesquisadores brasileiros, visando pontuar o quanto “governar” não resulta apenas num atuar estatal, mas se irradia por diferentes setores da sociedade. Logo, quando mobilizamos conceitos como os de biopolítica e necropolítica, assim como o de políticas de inimizade, elaborado por Mbembe (2017)MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., o ligamos, diretamente, ao conceito de governamentalidade, desenvolvido por Foucault (2008)FOUCAULT, M. Segurança, território e população. Curso dado no Collège de France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008., visto que há chancela por parte do Estado, instituições e nossa enquanto sujeitos, enquanto sociedade, para a produção da morte, da vida e para a mantença de privilégios de parte da população, como buscaremos demonstrar ao longo deste artigo.
  • 2
    Cabe pontuar que um dos déficits do campo de segurança foi a construção sistemática de dados, isto é, produção estatística confiável. Em um país com dimensões continentais como o nosso, os dados estatísticos - embora possamos problematizá-los - tornam-se necessários para “bem governar” a população. Por outro lado, a não produção de dados também é uma estratégia de governança, visto que não conhecer uma dada realidade também impossibilita a construção de políticas reparatórias, assim como o não direcionamento de esforços para conter o extermínio de uma população, por exemplo.
  • 3
    Em setembro de 2019 um vídeo, onde um jovem negro, de 17 anos, era chicoteado pelos seguranças de um supermercado, circulou nas redes sociais. A punição direta ocorrera porque, supostamente, ele havia tentando furtar uma barra de chocolate do estabelecimento. Ver Ribeiro (2019)RIBEIRO, B. Jovem é chicoteado em supermercado e a violência histórica contra crianças e adolescentes negros. E+, [s. l.], 6 set. 2019. Disponível em: Disponível em: https://emais.estadao.com.br/blogs/bruna-ribeiro/jovem-e-chicoteado-em-supermercado-e-a-violencia-historica-contra-criancas-e-jovens-negros/ . Acesso em: 31 jan. 2021.
    https://emais.estadao.com.br/blogs/bruna...
    .
  • 4
    Em maio de 2020, George Floyd foi morto por um policial, em Minneapolis, Estados Unidos. O policial ajoelhou-se sobre o pescoço até provocar a sua morte. Mais informações, consultar Caso…(2020)CASO George Floyd: morte de homem negro filmado com policial branco com joelhos em seu pescoço causa indignação nos EUA. G1, [s. l.], 27 maio 2020. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/05/27/caso-george-floyd-morte-de-homem-negro-filmado-com-policial-branco-com-joelhos-em-seu-pescoco-causa-indignacao-nos-eua.ghtml . Acesso em: 31 jan. 2021.
    https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/...
    .
  • 5
    As discussões sobre antinegritude têm apontado para o não reconhecimento do negro como parte da humanidade, tendo em vista as sistemáticas formas de exclusão dessa população, além de serem parte constitutiva das subjetividades das pessoas não negras no mundo moderno, sinalizando a dificuldade de uma mudança estrutural sem que antes se reveja noção de humanidade (Vargas, 2020VARGAS, J. H. C. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista Em Pauta, Rio de Janeiro, v. 18, n. 45, p. 16-26, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/view/47201/0 . Acesso em: 31 jan. 2022.
    https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
    ). Um outro ponto importante trazido por essas discussões é o fato de se nomear pessoas negras e não negras, contrapondo, assim, a ideia de uma superioridade racial quando se nomeia pessoas brancas e não brancas, isto é: mesmo diante de uma perspectiva crítica, nomeia-se primeiramente brancos, e os “outros” são os que não se encaixam nessa nomenclatura.
  • 6
    Importante frisar que branqueamento e branquitude são elementos distintos. O primeiro trata-se dos efeitos da miscigenação e, o segundo, das posições de poder da raça branca. Dialogando com Bento (2002)BECKER, H. Métodos de pesquisa em ciência sociais. São Paulo: Hucitec, 1993., há conexões entre esses dois conceitos, visto que o branqueamento foi inventado pela própria elite branca, ocasionando privilégios a esta.
  • 7
    O Plano Juventude Viva foi uma política desenvolvida pelo governo federal - gestão Dilma Rousseff - que visava a implementação de políticas públicas envolvendo diferentes secretarias, a fim de reduzir o genocídio da juventude negra no país (Schlittler, 2016SCHLITTLER, M. C. C. “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8914/TeseMCCS.pdf?sequence=3&isAllowed=y . Acesso em: 4 fev. 2019.
    https://repositorio.ufscar.br/bitstream/...
    ).
  • 8
    Buscando preservar as identidades dos entrevistados e das entrevistadas, identificamos oficiais por meio do posto ocupado no âmbito da instituição militar - capitão, tenente - e alguma letra do alfabeto. Os alunos e as aluna são identificados e identificadas por números a partir de 30, pois na caserna as turmas são compostas por até 30 alunos e alunas e, para não haver coincidência com os números adotados na instituição, passamos a nomeá-los e nomeá-las a partir de 31. Como foi possível perceber ao longo da pesquisa, a hierarquia militar ainda é muito acentuada nas composições dos sujeitos e, por isso, o cuidado aqui empregado.
  • 9
    Essa questão merece contextualização: na época das entrevistas, há pouco havia ocorrido a intervenção policial em um baile funk, em Paraisópolis, São Paulo, a qual resultou na morte de nove jovens. Diante da repercussão, contextualizou-se a ação a fim de compreender o posicionamento dos policiais militares paraibanos sobre a questão para, então, introduzir as discussões sobre relações raciais e segurança pública.
  • 10
    As Unidades de Polícia Solidária na Paraíba fazem parte de uma estratégia de aproximação da polícia com a comunidade desenvolvida pelo PPUPP, sendo alocadas nos lugares entendidos como mais vulneráveis por parte da SESDS.
  • 11
    As mídias sociais e televisivas deram visibilidade a uma sentença proferida na 1ª Vara Criminal de Curitiba onde, segundo a notícia, a juíza responsável pelo julgamento de roubos e assaltos realizados por um grupo de nove pessoas, ao individualizar a pena de um dos réus, com base no art. 59 do Código Penal, sinalizou: “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente” (Vianna; Brodbeck, 2020VIANNA, J.; BRODBECK, P. Juíza cita raça ao condenar réu negro por organização criminosa. G1, [s. l.], 12 ago. 2020. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2020/08/12/juiza-diz-em-sentenca-que-reu-negro-era-seguramente-integrante-de-grupo-criminoso-em-razao-da-sua-raca.ghtml . Acesso em: 18 ago. 2020.
    https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2...
    , grifo nosso).
  • 12
    Fala de um dos alunos do CFSD ao se referir às abordagens policiais.
  • 13
    Embora a discussão neste artigo não mobilize de forma sistemática o conceito de antinegritude, cabe relacioná-la neste ponto, visto que a construção de um sujeito criminal, de mundos de morte e negação da circulação entre os espaços urbanos vai ao encontro dessa perspectiva, pois não compreender sujeitos negros como sujeitos é associá-los a não humanos. Nesse sentido: “A antinegritude torna abjeto tudo o que é supostamente ligado à negritude. A antinegritude torna não lugares todos os espaços marcados pela negritude: espaços físicos, espaços metafísicos, espaços ontológicos, espaços sociais” (Vargas, 2020VARGAS, J. H. C. Racismo não dá conta: antinegritude, a dinâmica ontológica e social definidora da modernidade. Revista Em Pauta, Rio de Janeiro, v. 18, n. 45, p. 16-26, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/view/47201/0 . Acesso em: 31 jan. 2022.
    https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
    , p. 22).
  • 14
    Alguns estudos demonstram que há uma modificação nos conteúdos programados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública em relação àquilo que realmente é apresentado nas salas de aula das forças de segurança pública (Silva, S., 2015SILVA, S. M. L. da. Formação dos soldados bombeiros do estado do Pará: (re)significações das competências a partir da Matriz Curricular Nacional de Segurança Pública. 2015. Dissertação (Mestrado em Defesa Social e Mediação de Conflitos) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.). Seguindo a perspectiva pós-estruturalista, não enfrentamos o currículo, neste caso a Matriz Curricular Nacional e as “práticas” dos agentes de segurança pública, policiais militares, como algo em separado. Entendemos que há uma discursividade que se compõe e isso representa artimanhas de poder. Nas palavras de Tomaz Tadeu da Silva (2005SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005., p. 16), “privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação de poder. Destacar, entre as múltiplas possibilidades, uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é uma operação de poder.” Logo, o tirocínio policial não é algo oculto na formação, é algo que circula e compõe a produção de saberes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2021
  • Aceito
    14 Fev 2022
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