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Histórias contaminadas: alianças ambientais das comunidades pesqueiras e quilombolas contra a violência lenta do petróleo na Baía de Todos os Santos

Contaminated histories: environmental alliances of the fishing and quilombola communities against the slow violence of oil in Baía de Todos os Santos

Resumo

Baseado em duas situações de vazamento ocorridas em 2018, o artigo apresenta a violência lenta do petróleo na Baía de Todos os Santos. Com ele, pretendo contribuir para as abordagens antropológicas sobre percepções e impactos ambientais na longa duração a partir de três dimensões de análise. Na primeira, mostro as formas de produção da violência lenta do petróleo, vinculadas aos mecanismos de negação de sua realidade por parte da Petrobras e do poder público. Na segunda, descrevo de que modo as comunidades pesqueiras e quilombolas da região a ela se opõem, articulando seus direitos na esfera judicial e no debate público através da intersecção das agendas ambiental, racial, de gênero e climática. E, por fim, revelo as formas de inscrição da violência lenta do petróleo nos ambientes costeiros da Baía de Todos os Santos, estimulando um olhar sobre a produção de paisagens e habitabilidades na longa duração.

Palavras-chave:
violência lenta; petróleo; percepções e impactos ambientais; comunidades pesqueiras e quilombolas

Abstract

Based on two spill situations that occurred in 2018, the article presents the slow violence of oil in Baía de Todos os Santos. With it, I intend to contribute to anthropological approaches on environmental perceptions and impacts in the long term from three dimensions of analysis. In the first, I show the forms of production of the slow violence of oil, linked to the mechanisms of denial of its reality by Petrobras and the State. In the second, I describe how the fishing and quilombola communities of the region oppose it, articulating their rights in the judicial sphere and in the public debate through the intersection of the environmental, racial, gender, and climate agendas. And finally, I reveal the ways in which the slow violence of oil is inscribed in the coastal environments of the Baía de Todos os Santos, stimulating a look at the production of landscapes and habitabilities in the long term.

Keywords:
slow violence; oil; environmental perceptions and impacts; fishing and quilombola communities

Antropologia da violência lenta1 1 Este artigo foi escrito no período do meu pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia realizado no ano de 2022 sob supervisão de Catherine Prost. É fruto de pesquisa colaborativa junto às comunidades quilombolas da Baía de Todos os Santos, ao Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais e ao Conselho Pastoral dos Pescadores da Bahia, nas figuras de Joselita Gonçalves dos Santos, José Américo Borges, Eliete Paraguassu, Marcos Brandão, Maria José Pacheco, Maria da Conceição Pereira e Pedro Diamantino. É, também, desdobramento de duas mesas-redondas em eventos da antropologia. A primeira, Sobre viver nas ruínas: diálogos sobre antropologia e sustentabilidade, ocorreu em novembro de 2020 durante a 32ª Reunião Brasileira de Antropologia, e contou com a participação de Tiago Mota Cardoso, Pedro Silveira, Karine Naharaha e Emanuel Almada. A segunda, Vidas ressurgidas e artefatos de horror: os grandes projetos na longa duração, foi organizada pelo Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia durante a 7ª Reunião Equatorial de Antropologia, ocorrida em abril de 2022. Contou com a participação de Sônia Maria Simões, Deborah Bronz e Antônia Melo. Sou grato a cada uma e cada um desses amigos e colegas por suas orientações, sugestões e ensinamentos, pois contribuíram sobremaneira para a elaboração e o aprimoramento deste trabalho.

Com este artigo trago histórias sobre vazamentos de petróleo na Baía de Todos os Santos. Elas têm peculiaridades próprias, mas em comum guardam aspectos do que Rob Nixon (2011)NIXON, R. Slow violence and the environmentalism of the poor. Cambridge: Harvard University Press, 2011. chama de “violência lenta”, típicas de processos de contaminação e precarização de lugares e pessoas na longa duração. As formas de violência lenta estão dispersas no tempo e no espaço em um ritmo geralmente muito vagaroso para atribuir culpa. Não se trata, por isso, de catástrofes cinematográficas que permitem determinar com melhor precisão culpados e afetados. Pelo contrário, a dissimulação de suas causas bem como a indeterminação espacial e temporal dos seus efeitos é uma das características e formas de produção da violência lenta.

Diferente de Nixon, defendo que a violência lenta não necessariamente esteja fora do campo perceptivo das pessoas afetadas. Nesse sentido, concordo com Thom Davies (2019)DAVIES, T. Slow violence and toxic geographies: ‘out of sight’ to whom? EPC: politics and space, [s. l.], v. 40, n. 2, p. 409-427, 2019., para quem a violência lenta pode ser testemunhada e sentida pelos que a sofrem. Por isso, é dever das ciências sociais contar histórias que encurtem as conexões de causa e efeito na produção das geografias tóxicas na longa duração. Para isso, é necessário etnografia, mais especificamente, “observação lenta”, que produza análise a partir das percepções sobre formas de produção da violência lenta e seus efeitos na vida e no mundo das pessoas (Davies, 2019DAVIES, T. Slow violence and toxic geographies: ‘out of sight’ to whom? EPC: politics and space, [s. l.], v. 40, n. 2, p. 409-427, 2019.).

Evocando categorias locais emergidas em duas situações de vazamento de petróleo ocorridas na Baía de Todos os Santos no ano de 2018, Mancha negra e Água preta são os nomes das histórias trazidas neste ensaio. Com elas pretendo abarcar três dimensões que entendo importantes para uma abordagem antropológica da violência lenta. A primeira diz respeito às suas formas de produção por parte das corporações ligadas ao extrativismo para produção de commodities e aos grandes projetos de desenvolvimento. Aqui a ênfase recai tanto sobre a engenharia e os modos de funcionamento das infraestruturas extrativistas quanto sobre os discursos institucionais na defesa de suas ações, sobretudo em relação aos impactos ambientais gerados em decorrência de casos específicos de vazamento e contaminação. Trata-se de incorporar às análises sobre violência lenta as abordagens ligadas às antropologias da infraestrutura (Vailati; D’Andrea, 2020VAILATI, A.; D’ANDREA, A. Antropologia da infraestrutura no Brasil: desafios teóricos e metodológicos em contextos emergentes. Anthropológicas, Recife, ano 24, v. 31, n. 2, p. 3-27, 2020.) e das instituições de poder vinculadas aos grandes projetos de desenvolvimento (Bronz, 2013BRONZ, D. “O Estado não sou eu”. Estratégias empresariais no licenciamento ambiental de grandes empreendimentos industriais. Campos, Curitiba, ano 14, n. 1-2, p. 37-55, 2013.), sobretudo porque estas possuem, também, profissionais técnicos responsáveis por produzir suas próprias versões sobre os fatos.

Nesse sentido, a análise recairá sobre os documentos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) referentes ao funcionamento de algumas bases de produção petrolífera na região, bem como notas públicas e relatórios técnicos da Petrobras e instituições ambientais municipais e estaduais acerca de situações de vazamentos, incluindo ações civis púbicas e notícias de imprensa em meio digital. Com viés investigativo, busco elucidar os motivos que fazem dos vazamentos de petróleo eventos ordinários na Baía de Todos os Santos, além de explicar os mecanismos de negação de sua ocorrência e gravidade por parte da Petrobras a partir do que chamo de dispositivos de inversão e ruptura. Estes são aqui entendidos como as formas pelas quais a petrolífera explica e descreve os eventos ligados ao petróleo a partir tanto da dissimulação da ocorrência dos vazamentos quanto da negação dos seus efeitos nos ambientes e relações vitais que conformam os modos de existência das comunidades afetadas. A frouxidão na aplicação das leis ambientais por parte do poder público contribui para a eficácia desses dispositivos.

A segunda dimensão diz respeito às formas de contraposição à violência lenta por parte das comunidades afetadas, em especial os engajamentos comunitários contrários à contaminação e precarização da vida. Com foco nas ações de comunidades negras e quilombolas articuladas às organizações e movimentos sociais da pesca, delimito para a Baía de Todos os Santos o que Cristiana Losekann (2016)LOSEKANN, C. A política dos afetados pelo extrativismo na América Latina. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 20, p. 121-164, 2016. chama de “política dos afetados pelo extrativismo na América Latina”: entendida como um conjunto de ações coletivas que articulam comunidades a uma comum condição de afetados pelos impactos ambientais gerados por grandes corporações de extração e movimentação de commodities. A desigual exposição aos riscos a que estão submetidas apenas revela o direcionamento racial da violência lenta (Chavis, 1993CHAVIS, B. Foreword. In: BULLARD, R. (ed.). Confronting enviromental racism: voices from the grassroots. Boston: South and Press, 1993. p. 3-5.), e explica por que na Baía de Todos os Santos a pauta ambiental tem sido vocalizada pelas comunidades quilombolas sob o prisma do racismo ambiental. De diferentes formas ao longo dos últimos 20 anos, essas comunidades vêm incorporando à reivindicação pela regularização dos seus territórios uma agenda propositiva ligada à justiça ambiental, antirracista e climática como forma de proteger seus modos de existência ligados à maré (Buti, 2023BUTI, R. P. The message from the tide: quilombola fisherman communities in the ruins of environmental and climate injustices (Baía de Todos os Santos, Bahia, Brazil). In: ATLAS of the other worlds. Stockholm: Occupy Climate Change!, 2023. Disponível em: Disponível em: https://occupyclimatechange.net/baia/ . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://occupyclimatechange.net/baia/...
; Carvalho et al., 2014CARVALHO, I. G. S. et al. Por um diálogo de saberes entre pescadores artesanais, marisqueiras e o direito ambiental do trabalho. Ciências & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 10, p. 4011-4022, 2014.; Rodin, 2021RODIN, P. Interseccionalidade em uma zona de sacrifício do capital: a experiência de mulheres negras, quilombolas e marisqueiras da Ilha de Maré, baía de Todos os Santos (Bahia, Brasil). Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, [S. l.], v. 23, E202133pt, 2021.; Zagatto; Souza, 2020ZAGATTO, B. P.; SOUZA, L. E. A necropolítica ambiental nos quilombos de Ilha de Maré, Bahia, Brasil. Amazônica, Belém, v. 12, n. 1, p. 253-276, 2020.).

A partir de atividades de pesquisa, ensino e extensão articuladas junto às comunidades pesqueiras e quilombolas da região ao longo dos últimos seis anos, incluindo etnografia de situações de vazamento de petróleo, buscarei mostrar que os engajamentos comunitários contrários ao petróleo estão amparados pelo que chamo de dispositivos de aliança. Estes são aqui entendidos como formas comunitárias de descrever e explicar os eventos ligados aos vazamentos de petróleo a partir da publicização de sua ocorrência e reconhecimento de sua gravidade para a continuidade das relações vitais imprescindíveis aos seus modos de existir no mundo.

A terceira dimensão diz respeito às formas de inscrição da violência lenta nos ambientes, em especial, os modos como afetam e produzem lugares e modos de habitar. Trata-se, aqui, de incorporar aos estudos da violência lenta as abordagens sensíveis às transformações nas paisagens e habitabilidades (Ingold, 2000INGOLD, T. The perception of the environment: essays in livelihood, dwelling and skill. London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2000.; Rocha; Eckert, 2021ROCHA, A. L. C. da; ECKERT, C. Tempo e memória ambiental: etnografia da duração das paisagens citadinas. Brasília: ABA Publicações, 2021.; Tsing, 2017TSING, A. L. A threat to Holocene resurgence is a threat to livability. In: BRIGHTMAN, M.; LEWIS, J. (ed.). The anthropology of sustainability. New York: Palgrave Macmillan, 2017. p. 51-65.), investindo em descrições não necessariamente centradas no humano. Por isso as águas adquirem uma dimensão importante neste artigo. Não somente por regerem boa parte dos seres presentes nos modos de existência dos pescadores artesanais, mas por serem veículos espacial e temporalmente indeterminados de propagação do petróleo na produção da morte. De uma forma inequívoca, Água preta e Mancha negra são histórias de águas que atravessaram e foram atravessadas pelo petróleo. Histórias híbridas, portanto, contaminadas, que comunicam o quão as ações humanas ligadas ao extrativismo predatório afetam de maneira incontornável e desproporcional o sistema terrestre (Chakrabarty, 2020CHAKRABARTY, D. O planeta: uma categoria humanista emergente. [S. l.]: Zazie Edições, 2020).

São dessas águas de vida e de morte, de pesca e petróleo, de indiferença e engajamento, que boa parte das comunidades pesqueiras, negras e quilombolas da Baía de Todos os Santos depende para sua segurança alimentar e seu trabalho, empenhando a luta contra a destruição de seus modos de existência, que é também a luta contra o racismo ambiental. Como procurarei mostrar, os sentidos das águas estão implicados às três dimensões propostas para uma antropologia da violência lenta do petróleo na Baía de Todos os Santos: como forma de produzi-la por parte das instituições; como forma de contrapô-la por parte das comunidades afetadas; e como forma de propagá-la por parte dos fluxos e relações vitais que regem o mundo.

Mancha negra

No dia 14 de junho de 2018 um vídeo circulou na internet com a denúncia de pescadores e marisqueiras na praia do Caípe de Baixo, em São Francisco do Conde.2 2 O vídeo está disponível em Vazamento… (2018). Realizada no dia anterior, tratava-se de uma performance dramática e perigosa sobre a chegada de petróleo vazado em suas áreas de vida e pesca. Nela, duas mulheres entravam no mar para sujar as mãos de um petróleo depositado na areia ao fundo da maré. No início do vídeo, uma delas estendia à câmera as palmas das suas mãos cobertas de petróleo, e dizia em tom de alarme: “O óleo já chegou aqui, o óleo de Passé já está chegando na praia do Caípe.” Dentro da maré, um homem se aproxima e questiona: “Se acontece com as nossas mãos aqui, o que acontecerá com os mariscos que nós vamos vender para os demais?” Para comprovar a data do ocorrido e conferir veracidade à denúncia, um dos presentes mantinha o jornal do dia em punho frente à câmera.

No dia seguinte, o portal de notícias Bahia Manchetes noticiava o ocorrido com o seguinte título: “São Francisco do Conde é a 3ª cidade atingida com mancha de óleo em menos de uma semana” (2018)SÃO FRANCISCO DO CONDE é a 3ª cidade atingida por mancha de óleo em menos de uma semana. Bahia Manchetes, Salvador, 15 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://bahiamanchetes.com.br/sao-francisco-do-conde-e-a-3a-cidade-atingida-por-mancha-de-oleo-em-menos-de-uma-semana/ . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://bahiamanchetes.com.br/sao-franci...
. Na capa estava estampada a imagem dos manifestantes presentes no vídeo, e suas mãos tingidas de petróleo segurando o jornal da data. Dizia a matéria que o vazamento teve origem em um duto da Petrobras rompido em uma área de manguezal do rio São Paulo, no Distrito de Passé, município de Candeias. Segundo o portal, antes de chegar em São Francisco do Conde, as águas levaram o petróleo à praia do Bonfim, na cidade de Madre de Deus, lugar onde seus moradores avistaram o aparecimento de “pelotas de óleo”. Limítrofe a Madre de Deus e a esta conectada pelas águas da Baía de Todos os Santos, São Francisco do Conde era, de acordo com a matéria, a terceira cidade a receber o petróleo em menos de uma semana.

A denúncia era feita por uma “Associação de Pescadores e Marisqueiras”, para quem “o vazamento de óleo pode pôr em risco a saúde da vida marinha e prejudicar a vida dos pescadores”. De acordo com o relato de um dos representantes ao portal, o registro das imagens com as mãos sujas de petróleo era uma forma de “simbolizar que o incidente deixou uma mancha negra tanto neles como no mar”. Um pescador, inclusive, informava ter perdido sua rede de pesca por conta do ocorrido, ressaltando que este não era episódio isolado, pois “vivem em uma área de poluição crônica [qu]e ninguém resolve”. A associação alertava que, apesar da denúncia, o petróleo não havia sido removido pela Petrobras até a tarde daquela quinta-feira.

Um dia depois da manchete, em 16 de junho, o mesmo portal publicava uma réplica da Petrobras sobre o ocorrido, com o seguinte título: “Em nota, Petrobras nega resíduo de óleo em São Francisco do Conde e Madre de Deus” (2018)EM NOTA, Petrobras nega existência de resíduos de óleo em São Francisco e Madre de Deus. Bahia Manchetes, Salvador, 16 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://bahiamanchetes.com.br/em-nota-petrobras-nega-existencia-de-residuos-de-oleo-em-sao-francisco-e-madre-de-deus/ . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://bahiamanchetes.com.br/em-nota-pe...
. A nota afirmava que a Petrobras “concluiu cerca de 99% dos trabalhos de limpeza na região de Pitinga, em Candeias”. A companhia esclarecia, também, que “aumentou a área da inspeção e segue com os serviços de limpeza e monitoramento”, e “que [n]ão foi confirmada a ocorrência de resíduos de água oleosa em Madre de Deus e São Francisco do Conde relacionadas ao fato” (Em nota…, 2018EM NOTA, Petrobras nega existência de resíduos de óleo em São Francisco e Madre de Deus. Bahia Manchetes, Salvador, 16 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://bahiamanchetes.com.br/em-nota-petrobras-nega-existencia-de-residuos-de-oleo-em-sao-francisco-e-madre-de-deus/ . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://bahiamanchetes.com.br/em-nota-pe...
).

Aquela não era a primeira denúncia do ocorrido. Dois dias antes da performance na praia do Caípe de Baixo, o noticiário local do portal A Tarde informava a ocorrência de um protesto realizado por “150 pescadores” nas imediações do rio São Paulo, lugar onde o duto se rompera. Sob o título “Pescadores realizam protesto após vazamento de óleo em Candeias” (2018)PESCADORES realizam protesto após vazamento de óleo em Candeias. A Tarde, Salvador, 11 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://atarde.com.br/bahia/bahiasalvador/pescadores-realizam-protesto-apos-vazamento-de-oleo-em-candeias-968582?wn=&r1= . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://atarde.com.br/bahia/bahiasalvado...
, a matéria informava que o vazamento ocorrido na sexta-feira do dia 8 de junho acarretou “poluição ambiental” e “danos no município da Região Metropolitana de Salvador”. Segundo o portal, no mesmo dia do vazamento a Petrobras informava que o processo de limpeza fora iniciado e “que não houve dano às pessoas”.

O noticiário trazia também imagens da mobilização realizada pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais da Bahia (MPP). Ali, uma roda era formada por homens, mulheres e crianças, tendo as bandeiras do MPP e da Via Campesina postas no chão de terra ao centro. Marizelia Lopes, liderança do movimento presente ao ato e moradora do quilombo da Ilha de Maré (localizado em frente ao estuário do rio São Paulo) informava a “grande quantidade do produto [petróleo] na lama e na água do rio, o que preocupa[va] quem trabalha na região”. Afirmava a liderança que “90% dos quase 10 mil moradores da Ilha de Maré necessitam do pescado para viver, e que o vazamento prejudica[va] o trabalho deles e o meio ambiente” (Pescadores…, 2018PESCADORES realizam protesto após vazamento de óleo em Candeias. A Tarde, Salvador, 11 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://atarde.com.br/bahia/bahiasalvador/pescadores-realizam-protesto-apos-vazamento-de-oleo-em-candeias-968582?wn=&r1= . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://atarde.com.br/bahia/bahiasalvado...
).

Um dia depois, esse mesmo protesto ocorrido nas imediações do local do vazamento foi reportado pelo site Brasil de Fato (Pina, 2018PINA, R. Vazamento de óleo contamina a Baía de Todos-os-Santos (BA), denunciam quilombolas. Brasil de Fato, São Paulo, 12 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/06/12/vazamento-de-oleo-contamina-a-baia-de-todos-os-santos-ba-denunciam-quilombolas . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.brasildefato.com.br/2018/06/...
). Nele, a Petrobras afirmava que a equipe de contingência da companhia havia limpado cerca de 90% da área atingida, e que, novamente, “não houve danos às pessoas”. Na ocasião, a versão da Petrobras era contestada por outra importante liderança marisqueira e quilombola da Ilha de Maré presente ao ato: Eliete Paraguassu. Esta informava que a contaminação no manguezal era resultado de um “modelo desenfreado de desenvolvimento” que ameaçava as comunidades locais. Segundo Eliete, “no sábado [dia 9 de junho], os pescadores começaram a chegar com pedaços de petróleo nas redes. Mas ninguém sabia a dimensão desse acidente.”

Referindo-se ao lugar do rompimento do duto, o rio São Paulo, Eliete afirmava tratar-se de “uma extensão de manguezal maravilhosa, muito produtiva”, sendo “uma das áreas mais importantes, porque o mangue é berçário, consegue agregar muitos mariscos, camarão e caranguejos”. Na ocasião, a reportagem concluía com um alerta: “As comunidades ponderam que o impacto ambiental não se restringe ao município, já que a região de maré possibilita a propagação das substâncias para outras regiões por meio das correntezas” (Pina, 2018PINA, R. Vazamento de óleo contamina a Baía de Todos-os-Santos (BA), denunciam quilombolas. Brasil de Fato, São Paulo, 12 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/06/12/vazamento-de-oleo-contamina-a-baia-de-todos-os-santos-ba-denunciam-quilombolas . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.brasildefato.com.br/2018/06/...
).

Outras duas reportagens curtas sobre o ocorrido foram publicadas naquela mesma data. Veiculadas pelo portal Bahia Notícias, ambas traziam o recado de Eliete Paraguassu em relação aos perigos da propagação do petróleo (Moradores…, 2018MORADORES de Candeias ocupam lancha da Petrobras em ato contra vazamento de óleo. Bahia Notícias, [s. l.], 12 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/noticia/223132-moradores-de-candeias-ocupam-lancha-da-petrobras-em-ato-contra-vazamento-de-oleo . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.bahianoticias.com.br/noticia...
; Vigné, 2018VIGNÉ, J. Vazamento de óleo em Candeias já atinge Ilha de Maré e Madre de Deus, diz líder comunitária. Bahia Notícias [s. l.], 12 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/noticia/223116-vazamento-de-oleo-em-candeias-ja-atinge-ilha-de-mare-e-madre-de-deus-diz-lider-comunitaria . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.bahianoticias.com.br/noticia...
). Esta alertava que a situação “não tem controle, [pois] o óleo já entrou nos manguezais da região onde a gente marisca” (Moradores…, 2018MORADORES de Candeias ocupam lancha da Petrobras em ato contra vazamento de óleo. Bahia Notícias, [s. l.], 12 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/noticia/223132-moradores-de-candeias-ocupam-lancha-da-petrobras-em-ato-contra-vazamento-de-oleo . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.bahianoticias.com.br/noticia...
). Além disso, o vazamento ocorrido em Candeias já estava atingindo a Ilha de Maré e Madre de Deus, pois “o rio se encontra com mais dois e, com isso, o óleo está se espalhando para outros lugares pela corrente” (Vigné, 2018VIGNÉ, J. Vazamento de óleo em Candeias já atinge Ilha de Maré e Madre de Deus, diz líder comunitária. Bahia Notícias [s. l.], 12 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/noticia/223116-vazamento-de-oleo-em-candeias-ja-atinge-ilha-de-mare-e-madre-de-deus-diz-lider-comunitaria . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.bahianoticias.com.br/noticia...
). E concluía: “O rio não é uma piscina, vai correndo. Já está atingindo pelo menos esses três lugares” (Vigné, 2018VIGNÉ, J. Vazamento de óleo em Candeias já atinge Ilha de Maré e Madre de Deus, diz líder comunitária. Bahia Notícias [s. l.], 12 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/noticia/223116-vazamento-de-oleo-em-candeias-ja-atinge-ilha-de-mare-e-madre-de-deus-diz-lider-comunitaria . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://www.bahianoticias.com.br/noticia...
).

Dois dias depois, o petróleo aportava na praia do Caípe de Baixo, e tingia as mãos das pescadoras no ato da denúncia com jornal em punho. Estas o faziam alertadas por pescadores e marisqueiras de outras localidades, e incorporavam a si mesmas como a materialidade da prova. Suas mãos, utilizadas no cotidiano da pesca para coletar mariscos e peixes em um dos setores da pesca artesanal mais importantes da Bahia (Soares, L. et al., 2009SOARES, L. S. H. et al. Pesca e produção pesqueira. In: HATJE, V.; ANDRADE, J. B. (org.). Baía de Todos os Santos: aspectos oceanográficos. Salvador: Edufba, 2009. p. 157-205.) coletavam, na beira da praia, petróleo. Extraía-se, portanto, petróleo.

Figura 1
Mapa ilustrativo da rota do petróleo vazado no rio São Paulo. Os localizadores fazem referência às datas da chegada do petróleo reportadas pela imprensa a partir das denúncias dos pescadores. São eles: Duto Rompido em 8 de junho no rio São Paulo (Candeias); Petróleo nas Redes de Pesca em 9 de junho na ilha de Maré (Salvador); Pelotas de Óleo em 13 de junho na praia do Bonfim (Madre de Deus); Mancha Negra em 14 de Junho na praia do Caípe de Baixo (São Francisco do Conde). Estão localizados também a Refinaria Mataripe (antiga Landulpho Alves) e o Terminal Aquaviário de Madre de Deus (Temadre).

Campo Candeias

Originado a partir do rompimento de um duto nas áreas de manguezal do município de Candeias, não é ao acaso que o vazamento de petróleo se propagou à Ilha de Maré e às praias de Madre de Deus e São Francisco do Conde. Esses lugares situam-se na porção norte da Baía de Todos os Santos, sendo conectados entre si por águas litorâneas. Reentrância da costa brasileira no estado da Bahia, a Baía de Todos os Santos é a segunda maior baía do mundo, sendo conformada por praias, recifes de corais, estuários e manguezais com um canal de entrada naturalmente navegável, além de duas baías interiores e canais internos profundos (Hatje; Andrade, 2009HATJE, V.; ANDRADE, J. B. Introdução. In: HATJE, V.; ANDRADE, J. B. (org.). Baía de Todos os Santos: aspectos oceanográficos. Salvador: Edufba, 2009. p. 15-23.). Possui população superior a 3 milhões de pessoas, incluindo dezenas de comunidades pesqueiras distribuídas nos seus 16 municípios, que fazem da pesca artesanal fonte de renda e segurança alimentar de grande parcela de sua população, sobretudo a de baixa renda (Hatje; Andrade, 2009HATJE, V.; ANDRADE, J. B. Introdução. In: HATJE, V.; ANDRADE, J. B. (org.). Baía de Todos os Santos: aspectos oceanográficos. Salvador: Edufba, 2009. p. 15-23.; Soares, L. et al., 2009SOARES, L. S. H. et al. Pesca e produção pesqueira. In: HATJE, V.; ANDRADE, J. B. (org.). Baía de Todos os Santos: aspectos oceanográficos. Salvador: Edufba, 2009. p. 157-205.).

Tais características ecossistêmicas, associadas às águas navegáveis e ao solo fértil de massapê, fizeram da região um polo importante do colonialismo português na conquista das Américas. Ali vicejou desde o dezesseis a sociedade escravista baseada nos grandes engenhos de cana-de-açúcar. Durante quatro séculos, as infraestruturas do açúcar ali dispostas para fins de exportação, com suas vastas fazendas, casas-grandes, casas de moendas, instalações para o fabrico, as igrejas, o gado, os senhores de engenho, os trabalhadores africanos e afro-brasileiros escravizados, as usinas e os canaviais, ocuparam os muitos lugares das suas principais freguesias e vilas, como as dos atuais municípios de Cachoeira, Santo Amaro e São Francisco do Conde. Ocuparam, também, a zona costeira e seus manguezais, por serem pontos estratégicos para o transporte de produtos e pessoas através dos rios conectados à Baía de Todos os Santos e à capital Salvador (Amorim, 2008AMORIM, L. A. de. Memórias e trajetórias da cana-de-açúcar na Bahia. 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.; Costa Pinto, 1998COSTA PINTO, L. de A. Recôncavo: laboratório de uma experiência humana. In: BRANDÃO M. A. (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia de transição. Salvador: Fundação Casa Jorge Amado: Academia de Letras da Bahia: Universidade Federal da Bahia, 1998. p. 101-215.; Schwartz, 1988SCHWARTZ, S. B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.).3 3 Pela história associada à migração forçada africana, os municípios da Baía de Todos os Santos têm na população negra seu principal contingente demográfico, perfazendo os principais índices do Brasil. De acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2010, 92% da população de São Francisco do Conde se autodeclara negra. A população autodeclarada negra de Candeias perfaz 84% de sua população, sendo Salvador a capital mais negra do país: 80%. Em decorrência das atividades ligadas a produção, movimentação e refino do petróleo, o Censo de 2020 informa que São Francisco do Conde está classificado como o maior PIB per capita da Bahia e o nono maior do Brasil. Já Candeias se situa na 11ª posição estadual e 425ª nacional. As boas colocações do PIB per capita nacional desses dois municípios não traduzem bom ranqueamento no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nono maior PIB per capita do Brasil, São Francisco do Conde está na crítica colocação 2.573 do ranking do IDH nacional do IBGE em 2010. À sua frente está Candeias, na colocação 2.161, mesmo tendo em 2020 o 425º maior PIB per capita nacional. Esses dados reforçam que desenvolvimento econômico não coincide com desenvolvimento social, sobretudo quando a população é majoritariamente negra. Das 27 capitais brasileiras, Salvador está na 18ª colocação no ranking do IDH conforme Censo do IBGE de 2010.

Central na história colonial das Américas, a relação dessa região com o petróleo remonta aos anos 1940, quando foram localizados os primeiros campos de produção petrolífera no Brasil (Brito, 2008BRITO, C. A Petrobras e a gestão do território no Recôncavo Baiano. Salvador: Edufba, 2008.). A descoberta do petróleo justamente no “ventre mole do massapê” na zona açucareira da Baía de Todos os Santos reconfigurou os modos de produção da região, que passou a concentrar riqueza não mais da agricultura intensiva da cana-de-açúcar, mas da indústria baseada no petróleo (Costa Pinto, 1998COSTA PINTO, L. de A. Recôncavo: laboratório de uma experiência humana. In: BRANDÃO M. A. (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia de transição. Salvador: Fundação Casa Jorge Amado: Academia de Letras da Bahia: Universidade Federal da Bahia, 1998. p. 101-215.). Essa passagem da exploração do solo para o subsolo baiano configura o que Luiz de Aguiar Costa Pinto (1998)COSTA PINTO, L. de A. Recôncavo: laboratório de uma experiência humana. In: BRANDÃO M. A. (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia de transição. Salvador: Fundação Casa Jorge Amado: Academia de Letras da Bahia: Universidade Federal da Bahia, 1998. p. 101-215. chama de “contraponto do petróleo”: baseado por um modo de relações de trabalho para geração de riqueza fruto não mais da pessoalidade entre peão e patrão inerente ao padrão tradicional patriarcal canavieiro, mas da impessoalidade contratual próprias da racionalidade moderno industrial, configurando um “capitalismo sem capitalistas” (Sansone, 2007SANSONE, L. Contraponto baiano do açúcar e do petróleo: São Francisco do Conde, Bahia, 50 anos depois. In: PEREIRA, C.; SANSONE L. Projeto Unesco no Brasil: textos críticos. Salvador: Edufba, 2007. p. 194-218.).

Diferente das usinas de açúcar (centradas no modelo de produção agrícola a exemplo dos engenhos), o petróleo inaugura um processo produtivo sem precedentes na região. Esse tipo de produção de riqueza é inicialmente regido por uma relação incipiente com o contexto local. Boa parte da mão de obra qualificada é forasteira, e a proximidade com a capital Salvador jamais estimulou a fixação dos profissionais na cidade. Aos poucos, algumas famílias locais foram sendo incorporadas ao projeto petroleiro, que com o aumento da máquina burocrática municipal decorrente dos royalties formou uma pequena elite econômica e política (Sansone, 2007SANSONE, L. Contraponto baiano do açúcar e do petróleo: São Francisco do Conde, Bahia, 50 anos depois. In: PEREIRA, C.; SANSONE L. Projeto Unesco no Brasil: textos críticos. Salvador: Edufba, 2007. p. 194-218.). Afora estes, a população geral ficou alijada dos processos de trabalho e geração de riqueza, dependendo de arranjos clientelistas e assistencialistas da política local para trabalhar e viver. Incluem-se, aqui, os pescadores e pescadoras artesanais, trabalhadores informais impactados pelos poços, tubulações, estações e aterros construídos a serviço do petróleo. Coexistindo nos lugares de pesca da região, é como se as infraestruturas petroleiras e seus profissionais paramentados pertencessem a um outro mundo, estranho e descomprometido com os lugares, pessoas e modos de vida de homens e mulheres que ali sempre estiveram.

Afora isso, monocultura e petróleo continuaram coexistindo na estrutura social e agrária do lugar, o que explica o fato de grandes extensões de terra ainda pertencerem a poucos proprietários, incluindo latifúndios absenteístas (Geografar, 2015GEOGRAFAR. Comunidade negra rural quilombola Porto de Dom João: relatório preliminar. Salvador: UFBA, 2015.). Estes lucram alugando à Petrobras e investindo com plantio de bambu, eucalipto e cacau, além da pecuária. Não é ao acaso que, a despeito das terras agricultáveis e vastidão territorial, São Francisco do Conde e Candeias apresentam-se como municípios com produção agrícola incipiente na composição dos seus respectivos produtos internos brutos (Costa, 2018COSTA, B. C. B. Petróleo, um passaporte não seguro para o desenvolvimento: a heterogeneidade estrutural dos municípios da Bacia do Recôncavo. 2018. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Ciências Econômicas) - Faculdade de Economia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.). Essa conjunção entre a histórica concentração fundiária e o extrativismo petroleiro fez com que a população, sem terras para plantar e alienada dos processos produtivos do petróleo, encontrasse na maré e no manguezal o seu principal modo de existência e trabalho. É por isso que o trabalho na pesca significa, para muitos, a possibilidade de “não ter patrão”, ou seja, de não se submeter às formas de relação históricas marcadas pela exploração.

É por isso que lugares como o rio São Paulo, nos dizeres de Eliete Paraguassu, são como “berçários muito produtivos”: produzem peixes, caranguejos e mariscos responsáveis por garantir renda e segurança alimentar da população. Mas não só. Por estar localizado no primeiro campo de produção petrolífera para fins comerciais no Brasil, o estuário do rio São Paulo produz, também, mancha negra. O Campo Candeias, como é conhecido, abrange uma área de 52 km², cobrindo parte da malha urbana de Candeias, uma refinaria de petróleo em São Francisco do Conde e a porção norte da Ilha de Maré, em Salvador. Por isso, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) o classifica como campo petrolífero de terra e mar que abarca manguezais da região em três municípios (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016aAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Candeias, 2016. [S. l.]: ANP, 2016a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/candeias.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
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).

Descoberto em novembro de 1941, este foi um dos campos petrolíferos da região com atuação importante para a hegemonia da produção baiana até os anos 1960. Nesse período, a Bacia do Recôncavo respondia por toda produção de petróleo nacional, configurando-se como o principal enclave petrolífero brasileiro à época (Federação das Indústrias do Estado da Bahia, 2018FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DA BAHIA. Superintendência de Desenvolvimento Industrial. Indústria de petróleo e gás da Bahia: características, perspectivas e desafios. Salvador: FIEB, 2018.). Por esse motivo, ao lado do rio São Paulo e em uma área de manguezal vinculada às fozes dos rios Caípe e Mataripe, foi erguida no ano de 1950 a primeira refinaria nacional de petróleo, a Landulpho Alves, hoje Refinaria de Mataripe (ver Figura 1).4 4 A Petrobras concluiu, no dia 30 de novembro de 2021, a venda da Refinaria Landulpho Alves à empresa árabe Mubadala Investment Company, sediada em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Desde então a refinaria passou a chamar-se Refinaria de Mataripe. Ver Concluímos… (2021). Esta, construída entre os principais poços de produção da região em uma área estratégica para movimentação dos produtos por terra e mar, ocupa hoje uma área de 6,5 km² na cidade de São Francisco do Conde. É formada por um conjunto de unidades de processamento, tanques, gasodutos, oleodutos e reservatórios para a produção de seus derivados, como gasolina, diesel, asfalto, querosene, parafina e nafta.5 5 Ver Refinaria… ([2021]). Parte do petróleo refinado e da produção escoada é movimentada pelo Terminal Aquaviário de Madre de Deus, o Temadre (ver Figura 1), localizado na zona costeira da cidade homônima.6 6 A existência da refinaria induziu o processo de industrialização na Baía de Todos os Santos, culminando na criação de dois importantes polos industriais brasileiros: o Complexo Industrial Aratu, localizado em Candeias; e o Complexo Industrial de Camaçari, localizado no município homônimo.

No Campo Candeias estão 307 poços em terra e mar, sendo 252 perfurados, 50 produtores e 5 injetores (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016aAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Candeias, 2016. [S. l.]: ANP, 2016a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/candeias.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
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). Além da refinaria e dos poços, fazem parte das suas infraestruturas três estações coletoras de petróleo (Pedra Branca, São Paulinho e Palmeira) e uma estação de oleoduto (o Parque São Paulo). Aquelas são responsáveis por processar o petróleo recebido dos poços através de dutos e linhas de produção. Dali encaminham, também por dutos, o petróleo processado ao Parque São Paulo. De lá, o petróleo processado é transferido à Refinaria Landulpho Alves. Essa última movimentação se dá tanto por oleodutos quanto por carretas (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016aAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Candeias, 2016. [S. l.]: ANP, 2016a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/candeias.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
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), o que faz com que caminhões a serviço do petróleo e seus derivados componham a paisagem das vias automotivas locais, geralmente bastante esburacadas. Além de receber o petróleo processado dessas três estações coletoras do Campo Candeias, o Parque São Paulo recebe também o petróleo coletado pelas estações de mais quatro campos vizinhos: o Campo Cexis, em Candeias, e os campos Dom João Terra, Dom João Mar e Socorro, em São Francisco do Conde.7 7 Ainda que hoje a grande maioria do petróleo trabalhado pela refinaria seja proveniente dos campos offshore das bacias de Campos e Santos, a produção dos campos maduros do Recôncavo continua em atividade, contribuindo para alçar a Bahia ao segundo estado de maior produção em terra, e o quarto de maior produção nacional (Mendes et al., 2019). No ano de 2016, por exemplo, o Campo Candeias produziu aproximadamente mil barris de óleo por dia, tendo produção acumulada de 17,305 milhões de m³ de óleo (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016a).

Figura 2
Mapa de localização do Campo Candeias no Brasil e na Baía de Todos os Santos conforme Agência Nacional do Petróleo (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016aAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Candeias, 2016. [S. l.]: ANP, 2016a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/candeias.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
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, p. 1). Ilustrado em coloração verde, notar que o campo abarca região terrestre e marinha. Inclusive, três dos pontos ilustrados no mapa da Figura 1 encontram-se em sua área de abrangência: Duto Rompido, Petróleo nas Redes e Refinaria de Mataripe.

É dessa infraestrutura de produção, refino e movimentação do petróleo que emerge a mancha negra. Como vimos, boa parte dos poços de petróleo e suas tubulações e estações ativadas e desativadas está localizada na zona costeira dessa porção norte da Baía de Todos os Santos, incluindo manguezais entrecortados por rios, como o São Paulo. Há, por isso, uma realidade petrolífera conectada à refinaria que conforma as paisagens litorâneas da Baía de Todos os Santos, impactando de diferentes formas os ambientes, espécies, habitabilidades e modos de vida dos pescadores artesanais e marisqueiras (Buti, 2020BUTI, R. P. Imagens do Petroceno: habitabilidade e resistência quilombola nas infraestruturas do petróleo em manguezais do Recôncavo Baiano. Amazônica, Belém, v. 12, n. 1, p. 277-301, 2020.). Não foi diferente naquela semana do dia 8 de junho de 2018.

O inquérito civil instaurado pelo Ministério Público da Bahia a partir da denúncia feita pela colônia de pescadores Z4 da Ilha de Maré informa que o “vazamento de emulsão oleosa” ocorreu justamente em um oleoduto de transferência da Estação Pedra Branca para o Parque São Paulo (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 154). A Estação Coletora Pedra Branca recebe a produção de dois “satélites” de produção petrolífera: da Ilha de Maré, em Salvador, e da Roça Grande, em Candeias (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016aAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Candeias, 2016. [S. l.]: ANP, 2016a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/candeias.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
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). Portanto, mancha negra tem sua trajetória de origem associada aos subterrâneos geológicos de uma dessas duas localidades. Ao escapar do sistema precário de tubulações e se espalhar pelas águas da Baía de Todos os Santos, encontrará praias, manguezais, águas, petrechos, corpos e mãos de quem a indústria petroleira não reconhece como vítima. O quilombo Ilha de Maré, assim como os pescadores da praia do Caípe de Baixo, vão lutar contra o petróleo vindo do seu próprio subsolo. Como veremos adiante, mancha negra não é exceção à regra.

Água preta

Era manhã do dia 25 de maio de 2018 e participávamos de uma atividade do Festival das Culturas da Unilab. Intitulada Tóxico tour Marapé-Dom João, a atividade consistia na visitação de um local atingido por vazamento de petróleo no quilombo Dom João, em São Francisco do Conde. Tratava-se de um roteiro de caminhada que partia do campus dos Malês da Unilab em direção à Estação Coletora Marapé (onde ocorreu o rompimento de um duto), e desta ao quilombo Dom João (para onde o petróleo se espalhou). A realização do Tóxico tour não estava planejada previamente, sendo desdobramento de uma atividade pedagógica realizada no dia 12 de maio daquele mesmo ano para o componente curricular “Cultura e Meio Ambiente”, por mim lecionado para os cursos de Licenciatura em Ciências Sociais e Bacharelado em Humanidades.

Na ocasião do dia 12 de maio, fizemos uma atividade de campo chamada “caminhaula”: consistia em um trajeto que ligava o campus dos Malês à Trincheira de Marapé, nome de uma base de produção petrolífera localizada em uma área de manguezal homônima. Realizada em colaboração com a Associação Quilombola de Dom João, o roteiro da atividade foi elaborado juntamente com um pescador quilombola da comunidade, que guiou a turma durante o trajeto. A data escolhida não foi aleatória: ela antecedia o 13 de maio. Com isso buscávamos refletir sobre a discriminação racial no debate ambiental.

A intenção com a vivência foi produzir uma experiência sobre o racismo ambiental com foco nos modos de habitar e resistir das comunidades quilombolas e pesqueiras da cidade diante dos efeitos da cadeia petrolífera nos manguezais (Buti, 2021BUTI, R. P. História quilombola no chão: no caminho para o ensino de uma antropologia imersa na vida. Novos Debates, Brasília, v. 7, n. 1, e7126, 2021., 2022BUTI, R. P. Pedagogias colaborativas em antropologia: uma proposta de ensino como educação compartilhada junto aos quilombos da grande Salvador (Unilab, Brasil). Antropolítica, Niterói, v. 54, n. 3, p. 218-244, 2022. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/54938/33132 . Acesso em: 15 jun. 2022.
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). Por isso, no trajeto o pescador nos ensinava desde referências da territorialidade local (mostrando lugares de despacho do candomblé, roças, plantas e árvores frutíferas) às técnicas de pesca e de ocorrência dos caranguejos, bem como os diferentes impactos da cadeia petrolífera nos manguezais, com seus aterros, dutos ativados e desativados, manguezais mortos e outras formas de precarização que percorríamos nas diferentes texturas do chão.

A intenção era que na noite da quinta-feira do dia 17 fizéssemos uma dinâmica da turma em sala de aula com a presença do nosso convidado, para que pudéssemos fazer um relato das experiências e construir uma devolutiva à comunidade. Qual não foi nossa surpresa quando, na data combinada em sala de aula, nosso convidado relatara, com indignação e preocupação, que durante aquele mesmo dia Dom João havia amanhecido com parte de sua área de manguezal atingida por um vazamento de petróleo ocorrido na madrugada. Na ocasião, um duto que liga a Trincheira de Aroeira à Estação Marapé se rompeu por decorrência das fortes chuvas que fizeram desabar um aterro particular erguido sobre as tubulações do petróleo. O petróleo desceu morro abaixo até encontrar o território de Dom João, atingindo manguezais, roças e áreas residenciais dos seus moradores. Aliada às fortes chuvas, a subida da maré contribuiu para a propagação do vazamento, tendo em vista que moradores de diferentes localidades em Dom João informaram a presença de animais petrolizados (Buti, 2020BUTI, R. P. Imagens do Petroceno: habitabilidade e resistência quilombola nas infraestruturas do petróleo em manguezais do Recôncavo Baiano. Amazônica, Belém, v. 12, n. 1, p. 277-301, 2020.).

Ao fazermos a “caminhaula” na Trincheira do Marapé quatro dias antes do vazamento com o intuito de tematizar o racismo ambiental, era como se tivéssemos antevisto o ocorrido. A catástrofe no dia anterior à aula apenas reforçou um ensinamento do próprio pescador quilombola sobre a dimensão ordinária, corriqueira e cotidiana dos vazamentos, sejam eles em grande ou pequena proporção, de curta ou longa duração, perceptíveis ou não: afinal de contas, não existe exploração de petróleo segura (Naharaha, 2020NAHARAHA, K. Os “desastres ambientais” e a máquina de morte do Ocidente: diálogos entre Ailton Krenak e Marimba Ani. Coletiva, [s. l.], dossiê 27, 2020.). Nosso plano de ensino, que visava capturar o debate sobre precarização dos lugares de habitabilidade pesqueira, ia aos poucos sendo capturado pela lógica rotineira e ecocida do petróleo, tendo em vista que desastres ambientais não são acidentes de percurso, são um projeto, são o próprio percurso. Extraordinário ali não era a presença de um petróleo que vazou, mas nós, a própria turma da Unilab que atravessou o seu caminho. Por isso poderíamos pautar, como nos ensinam as comunidades quilombolas da região, esse ambiente injustiçado, proceder no engajamento pela justiça ambiental.

Foi como desdobramento desse vazamento ocorrido no intervalo dos nossos dois encontros com o pescador quilombola que a turma entendeu por bem organizar uma caminhada ao território contaminado. A intenção era conhecer os efeitos imediatos do vazamento e visitar a sede da Defesa Civil para estimular soluções. Realizada no dia 25 de maio e incluída nas atividades de extensão do III Festival das Culturas da Unilab, essa segunda caminhada se inspirou em um evento chamado Tóxico tour Ilha de Maré, comunidade quilombola aliada de Dom João e igualmente afetada pelas infraestruturas petroleiras na longa duração. Nessa comunidade, o Tóxico tour vem sendo realizado com certa recorrência junto ao Movimento dos Pescadores e Pescadores Artesanais da Bahia, e tem inspiração nas dinâmicas da campanha antipetroleira “Nenhum Poço a Mais”.8 8 A campanha “Nem um Poço a Mais” foi lançada em Vila Velha, no Espírito Santo, entre os dias 26 e 28 de junho de 2015. O evento de lançamento reuniu integrantes de comunidades quilombolas e de pescadores artesanais capixabas, da Bahia, do Ceará e do Rio de Janeiro. Junto a eles, integrantes de redes, organizações e movimentos sociais. Para maiores informações, ver https://areaslivresdepetroleo.org/ (acessado em 02/05/2020). Trata-se de um tour feito em pequenas embarcações e em terra mediado pelas lideranças comunitárias, com a intenção político-pedagógica de denunciar conflitos e injustiças ambientais, ensinar sobre as territorialidades e saberes locais, além de fomentar a justiça e o cumprimento dos direitos das comunidades pesqueiras quilombolas (Buti, 2021BUTI, R. P. História quilombola no chão: no caminho para o ensino de uma antropologia imersa na vida. Novos Debates, Brasília, v. 7, n. 1, e7126, 2021., 2022BUTI, R. P. Pedagogias colaborativas em antropologia: uma proposta de ensino como educação compartilhada junto aos quilombos da grande Salvador (Unilab, Brasil). Antropolítica, Niterói, v. 54, n. 3, p. 218-244, 2022. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/54938/33132 . Acesso em: 15 jun. 2022.
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).

Inspirados na proposta da Ilha de Maré, propusemos o Tóxico tour Dom João-Marapé, com a elaboração de um roteiro construído junto às lideranças comunitárias. O evento contou com outros estudantes e professores presentes no festival, além da equipe multimídia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), responsável por fazer os registros audiovisuais. Esse roteiro tinha três principais destinos: a sede da Defesa Civil do município, localizada a alguns metros da Unilab; a Estação Coletora Marapé, onde o duto se rompeu; e o quilombo Dom João, para onde o petróleo se dirigiu.

Durante a caminhada daquela manhã do dia 25 de maio, ao nos avizinharmos de um lugar próximo dos destroços do aterro e dos dutos rompidos na Estação Marapé onde trabalhavam homens a serviço da Petrobras junto à Defesa Civil, repentinamente se aproximou do grupo o proprietário das terras responsável pelo aterro. Víamos, do alto, pedaços de dutos quebrados em meio ao aterro destroçado. Ao explicar sobre aquela paisagem em ruínas, o referido homem negou veementemente o vazamento de petróleo, afirmando tratar-se simplesmente de um vazamento de água. Sua versão foi rebatida pelos moradores quilombolas presentes, que afirmavam tratar-se de petróleo. Um ambiente de dúvida, e equivocação, se criou.

Instantes depois dessa disputa de narrativas, seguimos rumo às áreas de manguezal de Dom João, para onde o vazamento tinha escoado. Ao ali chegarmos, pudemos percorrer os rastros devastadores deixados pelo petróleo: sentir seu forte cheiro, perceber sua consistência oleaginosa e compreender como se inscreve nas diferentes texturas do chão que percorríamos, dentre a mata, o canavial, a lama, as árvores, os arbustos e os riachos do mangue. Assim foi possível aos participantes tirarem as suas próprias conclusões acerca do fato associado ao petróleo, e conhecer in locu seus dispositivos de negação e silenciamento. Para confirmá-lo, um dos quilombolas presentes pegou um pedaço de planta de cana do chão, mergulhou uma de suas extremidades em uma poça de petróleo formada em terra, ergueu-a ao alto e disse em bom tom: “só se for água preta”.

Figura 3
Participante mergulha a extremidade de uma planta de cana de açúcar em um canavial atingido por petróleo. A intenção era mostrar a “água preta” que desceu do morro rumo à Dom João. Maio de 2018 (Buti, 2022BUTI, R. P. Pedagogias colaborativas em antropologia: uma proposta de ensino como educação compartilhada junto aos quilombos da grande Salvador (Unilab, Brasil). Antropolítica, Niterói, v. 54, n. 3, p. 218-244, 2022. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/54938/33132 . Acesso em: 15 jun. 2022.
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, p. 236).

Campos Dom João Terra e Dom João Mar

A história da Água preta não é, como Mancha negra, resultado de análise em fontes jornalísticas. Inclusive, o vazamento em Dom João não saiu na imprensa. Água preta emerge de encontros produzidos nos espaços de ensino, pesquisa e extensão da Unilab, universidade localizada em uma encosta de manguezal nos arredores dos campos petrolíferos de Dom João Terra e Dom João Mar. O petróleo vazado a partir do rompimento de um duto atingido por um aterro particular é originário do Campo Dom João Terra. Como o Campo Candeias, este foi um dentre os primeiros campos de produção petrolífera para fins comerciais no Brasil. Descoberto em março de 1947, seu nome faz referência à fazenda Dom João (nele inserida), lugar que sediou de 1906 a 1960 uma dentre as principais usinas de produção de açúcar da região: a Usina Tourinho, também conhecida por Usina Dom João (Amorim, 2008AMORIM, L. A. de. Memórias e trajetórias da cana-de-açúcar na Bahia. 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.). Essa fazenda remete aos domínios territoriais de uma importante família de barões históricos da cidade: os Bulcão. À véspera da abolição jurídica da escravidão brasileira, em 12 de maio de 1888, a fazenda do Engenho Dom João ocupava 534 tarefas de terras e contava com mão de obra de 38 escravizados (Barickman, 1998-1999BARICKMAN, B. J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo Baiano (1850-1881). Afro-Ásia, [s l.], n. 21-22, p. 177-238, 1998-1999.).

Inscrito na história do açúcar, Campo Dom João tem aproximadamente 29 km² de uma área que engloba um campo de produção de petróleo, uma estação coletora e pontos de coleta de poços isolados, alguns localizados no interior das grandes propriedades que ainda existem e lucram com o petróleo, como a fazenda Engenho D’água, vizinha a Dom João. O campo tem produção acumulada de 5,111 milhões de metros cúbicos de óleo, possuindo 371 poços, sendo 274 perfurados, 58 produtores e 39 injetores. (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016aAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Candeias, 2016. [S. l.]: ANP, 2016a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/candeias.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
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). Ele está limítrofe ao Campo Dom João Mar. Descoberto em novembro de 1954, este Campo está localizado nos limites dos manguezais nas águas da Baía de Todos os Santos em uma área de 47 km² vizinha às ilhas de Cajaíba e do Frade. Engloba um Campo de Produção com nada mais nada menos do que 664 poços, boa parte submersos, sendo 651 perfurados, 7 produtores e 6 injetores. Em comparação aos Campos Candeias e Dom João Terra, o Campo Dom João Mar é o que possui maior produção de óleo acumulada (14,34 milhões de metros cúbicos), ainda que hoje tenha na produção de gás seu maior ativo (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016cAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Dom João Mar, 2016. [S. l.]: ANP, 2016c. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/dom_joao_mar.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/ex...
).

Como no rio São Paulo, o vazamento no Marapé foi objeto de denúncia por parte dos pescadores artesanais, desdobrando-se na abertura de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal da Bahia contra a Petrobras em 16 de setembro de 2019.9 9 Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 (Brasil, 2019). A solicitação da abertura dessa ação foi feita pela Associação Quilombola de Dom João em 21 de maio de 2018, através de um documento enviado ao Ministério Público relatando os fatos associados ao vazamento, bem como os impactos sofridos pela comunidade (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 15). Essa ação fez com que o Ministério Público instaurasse um inquérito civil para apurar os fatos no dia 21 de junho de 2018.10 10 Inquérito Civil nº 1.14.000.002058/2018-84 (Brasil, 2019). De acordo com o documento enviado pela associação quilombola, “quando o vazamento foi contido, uma quantidade muito grande de petróleo já tinha se espalhado pela área de roça, moradia e pesca da comunidade” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 17). Informava também que “tardiamente a empresa contratada introduziu boias para conter a dispersão do óleo”, e que “por imperícia e falhas técnicas, as barreiras não foram capazes de conter o óleo, que continuou a se dispersar para além das mesmas” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 17).

O documento informava que “por conta do ciclo da maré torna-se difícil conter a contaminação, haja vista que um dos fatores de dispersão do petróleo ser a subida da maré […], além da ocorrência das chuvas, que espalham o petróleo depositado no aterro e nas encostas de mangue” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 17). No dia 2 de julho do mesmo ano, a referida associação publicou uma carta aberta assinada por entidades e grupos parceiros denunciando o ocorrido, onde divulgava imagens de animais e ecossistemas petrolizados, além de responsabilizar a Petrobras e os órgãos públicos pelo histórico de contaminações (Associação Quilombola de Dom João, 2018ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE DOM JOÃO. Quilombo Dom João em defesa do meio ambiente e contra o derramamento e contaminação de petróleo: carta aberta da Comunidade Quilombola Dom João sobre o derramamento de petróleo ocorrido no dia 16 de maio de 2018. São Francisco do Conde: Associação Quilombola de Dom João, 2 jul. 2018.; Buti, 2020BUTI, R. P. Imagens do Petroceno: habitabilidade e resistência quilombola nas infraestruturas do petróleo em manguezais do Recôncavo Baiano. Amazônica, Belém, v. 12, n. 1, p. 277-301, 2020.).

Figura 4
Peixes mortos em manguezal com petróleo em Dom João. A imagem foi tirada no dia 18 de maio de 2018 (Associação Quilombola de Dom João, 2018ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE DOM JOÃO. Quilombo Dom João em defesa do meio ambiente e contra o derramamento e contaminação de petróleo: carta aberta da Comunidade Quilombola Dom João sobre o derramamento de petróleo ocorrido no dia 16 de maio de 2018. São Francisco do Conde: Associação Quilombola de Dom João, 2 jul. 2018.).

Figura 5
Caranguejo petrolizado pelo mesmo vazamento. Notar o petrume do petróleo tingindo a cabeça do animal. A imagem foi tirada no dia 19 de maio de 2018 (Associação Quilombola de Dom João, 2018ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA DE DOM JOÃO. Quilombo Dom João em defesa do meio ambiente e contra o derramamento e contaminação de petróleo: carta aberta da Comunidade Quilombola Dom João sobre o derramamento de petróleo ocorrido no dia 16 de maio de 2018. São Francisco do Conde: Associação Quilombola de Dom João, 2 jul. 2018.).

No dia 17 de maio de 2018 o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) abriu um processo administrativo sobre a ocorrência. O documento comunicava o vazamento de cerca “11 m³” de “emulsão oleosa” no “duto de interligação da Trincheira de Aroeira à Estação Coletora do Marapé” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 173). A Estação Coletora Marapé é responsável por receber via oleodutos a “produção bruta” da Trincheira de Aroeira, no Campo Dom João Terra (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016bAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Dom João, 2016. [S. l.]: ANP, 2016b. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/dom_joao.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
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). Essa estação recebe também a produção da Trincheira de Marapé, localizada em uma área de manguezal no Campo Dom João Mar. O óleo de ambos os campos é levado por carretas ao Parque São Paulo, no Campo Candeias, sendo posteriormente enviado por oleoduto para a Refinaria Landulpho Alves (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016bAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Dom João, 2016. [S. l.]: ANP, 2016b. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/dom_joao.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
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).

Além dos dutos de óleo, as trincheiras de Marapé e Aroeira estão conectadas à Estação Coletora Marapé por dutos injetores de água. Poços injetores são diferentes de poços produtores: estes extraem petróleo, aqueles injetam água para melhorar e recuperar o processo de extração, aumentando a pressão dos poços produtores.11 11 Sobre os poços injetores e produtores, ver Entenda… (2015). Portanto, dutos produtores de óleo e injetores de água compõem as infraestruturas petroleiras dos campos, e atravessam mares, mangues, morros e estradas a serviço do petróleo. Atuam em sentido inverso: enquanto o óleo navega pelas tubulações no sentido das trincheiras à Estação Marapé (do subsolo para o solo), a água segue da Estação Marapé em direção às trincheiras (do solo para o subsolo).12 12 Há de se pontuar que a comunidade do Macaco, vizinha à Estação Marapé, não possui sistema de abastecimento de água, tendo que recorrer semanalmente a carros-pipas oferecidos pela prefeitura. Esta é uma dentre as comunidades pesqueiras radicalmente impactadas pela instalação da Trincheira de Marapé nas áreas de manguezal. Em trabalho de conclusão de curso recém-defendido na Unilab, a estudante e moradora da comunidade Núbia dos Santos Souza (2023) informa que a pesca artesanal vem perdendo praticantes ao longo das gerações em decorrência da destruição e contaminação dos manguezais.

Figura 6
Na imagem aérea, as setas em vermelho indicam a direção do petróleo nos dutos que ligam as trincheiras de Marapé e Aroeira à Estação Marapé. Essas são duas das trincheiras do Campo Dom João Terra. Notar que o quilombo Dom João está em uma área de manguezal entre as duas trincheiras e a estação.

Esses eram os tipos de dutos que estavam entre os destroços do aterro rompido na Estação Marapé quando do evento Tóxico tour Marapé-Dom João realizado em 25 de maio de 2018. De acordo com o relatório de atendimento emergencial do Inema assinado em 16 de agosto daquele ano, “naquele local do vazamento passavam três dutos subterrâneos, constituídos com fibra de vidro”: dois deles transferiam “água produzida”, e um, “emulsão oleosa” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 190). Sem citar o quilombo Dom João, esse mesmo relatório constata que o vazamento de “emulsão oleosa […] atingiu solo, área de plantação de cana da fazenda Marapé, bem como o manguezal situado nas imediações”, concluindo ter havido “impacto ambiental significativo” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 192).

Já a Secretaria do Meio Ambiente de São Francisco do Conde, através do Auto de Infração nº 01/2018 assinado em 21 de maio de 2018, informa ter constatado “significativo volume de óleo na área”, além de aplicar multa à Petrobras no valor de 120 mil reais. Sem citar o quilombo Dom João, a multa se justificava “pelo derramamento de óleo cru em Área de Preservação Permanente (APP), no manguezal onde se encontra instalada a Estação Coletora Marapé” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 98). As causas do rompimento do duto são oferecidas pela Assessoria Jurídica da Prefeitura em ofício de resposta ao Ministério Público Federal em 31 de julho daquele ano.

O documento informa que “o local onde ocorreu o derramamento de óleo na Comunidade Dom João é uma propriedade particular […] alugada à Petrobras para a passagem de dutos de óleo bruto”. No entanto, esse lugar “concomitantemente estava sendo usado para descarte de resto de materiais (rejeitos - bota fora) por empresas instaladas na região, sem a observação de normas de segurança”. Além disso, a fiscalização observou, também, “falhas no projeto de instalação do óleo duto da Petrobras, os quais só foram sanados após o acidente ambiental” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 90).

Notar que além de um aterro “sem a observação de normas de segurança” para “botar fora” rejeitos de empresas construído sobre a tubulação dentro da fazenda, falhas no próprio projeto de instalação dos dutos da Petrobras foram citadas como fatores vinculados ao vazamento. Em suma, a precariedade no procedimento da petroleira e interesses particulares ao arrepio da lei fizeram com que manguezais, roças e áreas residenciais de uma comunidade quilombola acordassem, naquele 17 de maio de 2018, atingidas pelo petróleo. Assim como o proprietário das terras e a Prefeitura de São Francisco do Conde, a falta de fiscalização e infraestrutura precária da Petrobras produziram água preta.

Figura 7
Aterro rompido sobre tubulação de petróleo nas imediações da Estação Marapé. Essa imagem situa-se no “local de vazamento” referenciado na Figura 8.

No entanto, como para a mancha negra, a Petrobras parece não ter reconhecido a gravidade do fato ao remeter para o Inema o relatório conclusivo do incidente em 4 de junho de 2018 (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 175). Assinado por quatro técnicos da Petrobras e um assistente de campo da empresa Telsan Engenharia, esse relatório é a reprodução ipsis literis do relatório parcial do incidente assinado pelos mesmos técnicos apenas um dia após o vazamento, no dia 18 de maio daquele ano. Para ilustrar a ocorrência, o documento traz, em seu anexo 1, o “Mapa de Localização do Evento”, reproduzido a seguir.

Figura 8
Mapa da localização do evento conforme relatório conclusivo do incidente (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 186, seta vermelha acrescida).

Como se pode visualizar, a imagem traz, na parte superior à esquerda, um ponto e traçados de coloração vermelha, que ilustram o local do rompimento do duto e o caminho percorrido pelo petróleo. Nesse trajeto estão referenciados apenas dois locais atingidos com área pequena e restrita por limites definidos: o “Canavial atingido” e o “Manguezal atingido” (nesse caso, em duas áreas). Em azul estão os pontos monitorados pelos técnicos (sigla PM), todos referentes a recursos hídricos: dois no rio do Cação (sendo um no local de “Manguezal atingido”) e um no “Porto Comunidade Dom João”, no rio Dom João. Não foram coletados sedimentos do manguezal, como lama, troncos, folhas e animais.

O mapa traz também dezenas de pontos em roxo informando as residências dos moradores quilombolas, além de benfeitorias petrolíferas desativadas. Nesse aspecto, um dado é de profunda relevância. A residência mais próxima do “Manguezal atingido” não é referenciada com ponto em roxo, não sendo, portanto, mapeada no relatório conclusivo do incidente. Haveria intencionalidade em ocultar no mapa a residência mais próxima? Ou seria apenas um erro humano dos técnicos responsáveis pela elaboração do mapa e do relatório? De todo modo, a seta em vermelho na Figura 8, por mim incluída, indica a localização dessa residência não mencionada no mapa original. Como esta, outras residências localizam-se próximas dos locais atingidos, além de contornarem áreas de manguezal em Dom João. O que implica dizer que, na subida da maré e no acúmulo da chuva, o petróleo que atinge um ponto pode ser espalhado facilmente para outros lugares através das águas. Inclusive, moradores de diferentes localidades em Dom João informaram ter encontrado caranguejos petrolizados em seus quintais (Buti, 2020BUTI, R. P. Imagens do Petroceno: habitabilidade e resistência quilombola nas infraestruturas do petróleo em manguezais do Recôncavo Baiano. Amazônica, Belém, v. 12, n. 1, p. 277-301, 2020.).

Na parte escrita do documento, os técnicos da Petrobras não citam a comunidade de Dom João. Informam apenas que “após a constatação do incidente foi acionado o Plano de Emergência Local” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 180), além de comunicarem, na conclusão, que “não foram encontrados animais petrolizados nem óleos em tocas de caranguejo”. Na mesma conclusão afirmam que, “apesar do impacto ambiental momentâneo, não foram evidenciados agravos à saúde humana nem danos significativos à biodiversidade” (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019., p. 160).

Inversão, ruptura, aliança

Mancha negra e Água preta guardam aspectos semelhantes em relação aos dispositivos de negação da abrangência e da gravidade do vazamento por parte da Petrobras e dos demais sujeitos, institucionais ou não, envolvidos. A começar pelo lugar ocupado pela água na descrição dos eventos. Vimos que em Dom João o proprietário das terras responsável pelo aterro rompido informa que apenas água vazou, a despeito de a Agência Nacional do Petróleo e a própria Secretaria Municipal do Meio Ambiente confirmarem que o petróleo que passa nos dutos da Estação Marapé é “bruto” e “cru”. O sentido de água reivindicado pelo fazendeiro em um evento público da Unilab é uma estratégia de escamotear o vazamento, proceder a uma espécie de milagre da transformação de petróleo em água.

O uso da água como categoria para descrever os eventos ligados aos vazamentos de petróleo aparece, também, no caso do rio São Paulo. Em resposta à denúncia dos pescadores da Praia do Caípe de Baixo através da nota pública veiculada pelo portal Bahia Notícias, a Petrobras informa não ter encontrado “resíduos de água oleosa”. Diferente dos termos “petróleo”, “óleo”, “borra de petróleo”, “resíduo de petróleo”, “substância nociva ou perigosa”, o termo “água oleosa” ou “resíduo de água oleosa” utilizado pela companhia não está tipificado na Lei nº 9.966/2000. Conhecida por Lei do Óleo, essa normativa define, entre outras coisas, tudo aquilo que pode gerar contaminação nos processos ligados à cadeia de produção petrolífera em área marinha.13 13 Publicada em abril do ano de 2000, esta lei “dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional” (Brasil, [2002]). Nos autos há menção à “emulsão oleosa” (termo técnico associado às substâncias industriais contaminantes), e não à “água oleosa”, como veiculada ao público através do portal de notícias.

Ao nomear a substância com um nome composto pela palavra inicial “água”, a Petrobras parece minimizar a gravidade e confundir a realidade do ocorrido, aproveitando as características da Baía de Todos os Santos para proceder, mais uma vez, ao milagre da transformação. Buscando responder sobre o vazamento do rio São Paulo, em nota a companhia informa que não foi confirmada a relação entre os dois fatos: a água oleosa de Candeias e a mancha negra da praia do Caípe de Baixo. Mas, afinal de contas, quais foram os estudos da petrolífera para refutar essa relação? De onde teria vindo, portanto, a mancha negra? Assim é que petróleo vai se confundindo com água, e não por acaso seus efeitos nocivos vão sendo também minimizados: não se propagam para outras praias e mangues, não interagem entre espécies vegetais e animais, não têm poder bioacumulativo e sequer causam danos às pessoas.

Chamo essa atitude dissimulatória de dispositivo de inversão na descrição dos eventos associados a vazamentos de petróleo por parte da Petrobras e outros agentes implicados ao histórico de contaminações. Consiste em dissimular a gravidade de um vazamento através da naturalização do petróleo: ou seja, descreve-se como elemento da natureza algo que em verdade é petróleo ou efeito deste. As características ecossistêmicas do lugar são favoráveis a esse tipo de procedimento, que abrange outros elementos do meio biótico. Para exemplificar esse dispositivo, me aterei brevemente à forma pela qual um estudo de médio impacto da Petrobras (2019)PETROBRAS. Estudo de médio impacto Refinaria Landulpho Alves/RLAM. Salvador: Petrobras, dez. 2019. descreve uma área de manguezal atingida por petróleo.

É comum nessa região algumas áreas de manguezal perderem suas árvores como consequência da contaminação por petróleo na longa duração. Por ficarem desertas como praias, esses lugares são conhecidos por “prainhas” (Buti, 2020BUTI, R. P. Imagens do Petroceno: habitabilidade e resistência quilombola nas infraestruturas do petróleo em manguezais do Recôncavo Baiano. Amazônica, Belém, v. 12, n. 1, p. 277-301, 2020.). As prainhas são fenômenos situados nas feições de manguezal classificadas pela literatura ecológica como bosques de mangue, típicas das áreas mais lamacentas desse ecossistema onde ocorrem as espécies arbóreas de mangue-vermelho (Rhizophora mangle) e mangue-branco (Laguncularia racemosa) (Schaeffer-Novelli, 2018SCHAEFFER-NOVELLI, Y. A diversidade do ecossistema manguezal. In: ATLAS dos manguezais do Brasil. Brasília: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, 2018. p. 23-29.). Trata-se, portanto, de mangues mortos nessas regiões lamacentas do manguezal.14 14 Mangues mortos são também fenômenos naturais dos manguezais. Conhecidos na literatura ecológica como “j invertido”, esse fenômeno “representa um padrão típico de mortalidade natural associada ao amadurecimento do bosque” (Soares, M. L. et al., 2003, p. 107). Áreas de mangues mortos naturalmente tendem a se regenerar para que nasçam novas árvores. No entanto, de acordo com pescadores artesanais de São Francisco do Conde, boa parte dos mangues mortos dos manguezais da região não é resultado de processos naturais. Pelo contrário, as prainhas são formadas por contaminação de petróleo na curta e longa duração, características de padrões de “mortalidade massiva” típicas de acúmulo de hidrocarboneto (Soares, M. L. et al., 2003, p. 110). Desse modo, as prainhas apenas se parecem com outro tipo de feição de manguezal: os apicuns. Estes são ambientes de terra firme no entorno dos bosques de mangue caracterizados, também (mas de forma natural), pela ausência de árvores, incluindo mangue-vermelho e mangue-branco (Schaeffer-Novelli, 2018SCHAEFFER-NOVELLI, Y. A diversidade do ecossistema manguezal. In: ATLAS dos manguezais do Brasil. Brasília: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, 2018. p. 23-29.).

Na sessão sobre impactos ambientais gerados pela estação de tratamento de efluentes industriais da refinaria, o Estudo de médio impacto Refinaria Landulpho Alves/RLAM informa a existência de uma área de manguezal com “estágio de regeneração […] pouco avançado” (Petrobras, 2019PETROBRAS. Estudo de médio impacto Refinaria Landulpho Alves/RLAM. Salvador: Petrobras, dez. 2019., p. 328). Detalha que nessa mesma área “há uma subárea de 200 m² que foi atingida em vazamento de 2004”, e que “encontra-se em processo natural de transição de apicum” (Petrobras, 2019PETROBRAS. Estudo de médio impacto Refinaria Landulpho Alves/RLAM. Salvador: Petrobras, dez. 2019., p. 328). Ora, se essa área foi atingida por vazamento de petróleo 15 anos antes, como poderia ser “natural” o processo de transição para o apicum? Não seria esse um processo artificial? Além disso, apicuns não são estágios de transição de bosques de mangue, mas feições próprias desse ecossistema, caracterizados por alta salinidade, menor influência da maré, além de normalmente desprovidos de vegetação arbórea (Schmidt; Bemvenutti; Diele, 2013SCHMIDT, A. J.; BEMVENUTI, C. E.; DIELE, K. Sobre a definição da zona de apicum e a sua importância ecológica para populações de caranguejo-uçá, Ucides cordatus. Boletim Técnico-Científico do CEPENE, Tamandaré, v. 19, n. 1, p. 9-25, 2013.).

O fato de apicuns não abrigarem as árvores de mangue e serem caracterizados por clareiras facilita sua associação com mangues mortos. Um estudo pormenorizado sobre essa área citada no referido estudo é preciso, mas tudo indica que a transição em questão não seja entre manguezal e apicum, mas entre manguezal e prainha, entre mangue vivo e mangue morto, entre natureza e petróleo. Como no caso das águas nos eventos de Dom João e rio São Paulo, a Petrobras transformou, por inversão, o petróleo em algo natural. Notar que não é um ambiente ou fenômeno natural que se petroliza, mas o petróleo ou seus efeitos que se transformam em ambientes ou fenômenos naturais: seja água, seja apicum. Esse dispositivo configura-se como uma dimensão importante da violência lenta do petróleo, por sua capacidade de dissimular a realidade e a gravidade dos vazamentos e seus efeitos na longa duração.

Chama atenção, também, as conclusões oferecidas pela petrolífera em relação às ocorrências de vazamento no rio São Paulo e Dom João. Em ambas, a companhia lança mão de planos emergenciais para a limpeza das áreas atingidas, informando que foram suficientes para o sucesso na contenção dos danos. Embora reconheçam o “impacto ambiental momentâneo” do vazamento de 11 m³ de “emulsão oleosa”, em Dom João seus técnicos não viram “animais petrolizados”, sequer “danos significativos à biodiversidade” e “agravos à saúde humana”. No rio São Paulo, a companhia quantifica a limpeza: no dia 12 de junho informa ter limpado 90% dos 3 m³ de “emulsão oleosa”; no dia 16, 99% do montante. Por essa conduta emergencial quantificável não teria havido propagação das substâncias, sequer danos às pessoas.

As questões que ficam é: e os outros 1% e 10%, para onde foram? Levados pelas águas? Adentraram nos peixes, nos pés de mangue, nas tocas de caranguejo? E se humanos consumiram ou manipularam esses animais, não estariam carregando, eles também, essas porcentagens? Diante das características bioacumulativas dos hidrocarbonetos tão ensinadas pela literatura especialista, o que fazer com os impactos não momentâneos? Como concluir, sem sequer tempo para isso, ausência de “agravo à saúde humana”? Como garantir a limpeza de um petróleo que atinge o manguezal sem levar em consideração que esse é o ecossistema marinho com maior grau de sensibilidade aos vazamentos de petróleo, conforme o documento do Ministério do Meio Ambiente publicado em 2004 conhecido como Cartas de sensibilidade ambiental a derramamentos de óleo?15 15 O documento Especificações e normas técnicas para elaboração de cartas de sensibilidade ambiental para derramamentos de óleo (Brasil, 2004) traz um índice hierarquizado dos diversos tipos de contorno da costa em uma escala de 1 a 10. Quanto maior o índice, maior o grau de sensibilidade. Os manguezais são tipificados com o valor máximo: 10 (Brasil, 2004, p. 54).

Esse documento informa que os manguezais “constituem os hábitats mais sensíveis devido à elevada riqueza e valor biológico, funcionando como verdadeiras armadilhas de retenção de óleo”. Informa também que “o impacto da biota pode ser alto devido à exposição tóxica (óleos leves ou frações dispersas) ou asfixia (óleos pesados)”, e “que a remoção natural ocorre de forma extremamente lenta”. Além disso, “o substrato mole e a dificuldade de acesso tornam a limpeza impraticável”, e qualquer “esforço nesse sentido tende a introduzir o óleo nas camadas mais profundas e agravar o dano” (Brasil, 2004BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental. Especificações e normas técnicas para elaboração de cartas de sensibilidade ambiental para derramamentos de óleo. Brasília: MMA, 2004., p. 55).

As condutas da Petrobras parecem ignorar as orientações do índice de sensibilidade aos derramamentos de petróleo, por não considerarem os manguezais como ecossistemas sensíveis e de difícil recuperação, com impactos permanentes sobre os seres que os habitam. Em linhas gerais, nos procedimentos da companhia relacionados aos vazamentos de petróleo aqui descritos vemos exemplos do que chamo de dispositivos de ruptura. Três são elas. Uma é a ruptura de temporalidade: entre passado, presente e futuro. Nela, os danos atingem somente o tempo presente. Aqui, isola-se o tempo e ignora-se os efeitos passados e futuros do petróleo. Para que isso aconteça, é necessário dizer que a limpeza emergencial resolveu o problema local. A outra é a ruptura de localidade: entre lugares. Nela, os danos atingem somente o lugar do incidente, como se o problema terminasse onde começou. Aqui, isola-se o lugar e ignora-se os fluxos e forças vitais que o conectam a outros lugares, como, por exemplo, as águas. Para que isso aconteça, é necessário novamente dizer que a limpeza emergencial resolveu o problema local, ou que não há fatos que comprovem a relação entre causas e efeitos. Uma terceira é a ruptura multiespécie: entre as muitas vidas não humanas e entre estas e os humanos. Aqui, os danos atingem somente um meio ambiente concebido sem gente. Isola-se, portanto, a natureza, ignora-se os efeitos bioacumulativos do petróleo na longa duração, assim como os pescadores, gente majoritariamente negra e empobrecida que habita as paisagens costeiras da região, delas dependendo sua segurança alimentar. Para que isso aconteça, é necessário capturar a ideologia moderna da natureza (separando-a da cultura) e apagar os rastros humanos. Com isso afirma-se que “não há danos às pessoas”, e que não há comunidades quilombolas e pesqueiras impactadas, sequer considerando as perspectivas de quem habita os manguezais nas pesquisas e processos de produção de dados sobre os efeitos da contaminação.

Vemos, por outro lado, que são justamente esses humanos afetados e silenciados pelo petróleo os que têm engajado denúncias aos crimes cometidos pela Petrobras nos espaços judiciais, além de oferecer recados importantes no debate público. Vimos que comunidades de diferentes localidades estabelecem as relações de causa e efeito, preveem os riscos futuros, elaboram estratégias criativas, e perigosas, de denúncia, além de conceituar os eventos a partir de suas próprias perspectivas e percepções. Em um período de cinco dias, três noticiários de abrangência local e um de abrangência nacional reportaram mobilizações realizadas por uma associação pesqueira de bairro e um movimento popular nacional referentes ao vazamento no rio São Paulo. Vimos que o quilombo Dom João perpetrou, à exemplo da colônia de pescadores da Ilha de Maré, representação contra a Petrobras no Ministério Público Federal, além de fomentar iniciativas político pedagógicas vinculadas a uma universidade pública e uma carta aberta endereçada a órgãos públicos assinada por grupos parceiros.

Boa parte dessas denúncias e recados operam a partir do que eu chamo de dispositivos de aliança na descrição dos fatos associados ao petróleo. Nestes, os efeitos de um vazamento jamais atingem ou se isolam no tempo presente, no lugar da ocorrência e em uma natureza sem gente. Pescadores, marisqueiras e associações comunitárias informam que o óleo que vazou em um lugar “já chegou”, ou chegará, em outro lugar, e se perguntam: “O que acontecerá com os mariscos que vamos vender para os demais?” Ensinam que o “manguezal é berçário” e avisam que a situação está “sem controle” e que “até as garças estão morrendo”. Além disso, lembram que “o rio não é uma piscina, vai correndo”, “se encontra com outros rios”, e por isso “espalha o óleo para outros lugares, pela corrente”. Reforçam que “grande quantidade” de óleo “está na lama”, no lugar onde se “trabalha”, de onde se tira o sustento. Sustento esse que pode contaminar outras gentes e outras vidas. Por isso é necessário “cuidar do mangue”, ser “guardião”, aquilombar o direito às muitas vidas que compõem os modos de existência do povo preto da Baía de Todos os Santos.

As conexões oferecidas entre tempos, lugares e espécies por parte de homens e mulheres das comunidades pesqueiras, negras e quilombolas não permitem inversões e rupturas. Aqui a mancha é negra e a água é preta justamente pela incidência dos processos sociais nos ambientes, ou melhor, dos processos petrolíferos nas habitabilidades. Como os próprios nomes indicam, Mancha negra e Água preta são histórias de híbridos que narram, também, o futuro, e mostram a produção das geografias tóxicas na longa duração. São histórias contadas a partir do que Dipesh Chakrabarty (2020)CHAKRABARTY, D. O planeta: uma categoria humanista emergente. [S. l.]: Zazie Edições, 2020 chama de “regime planetário de historicidade”: por reconhecerem os efeitos cada vez mais imbricados e incontornáveis das ações humanas no sistema terrestre. Histórias necessariamente contaminadas que mostram que romper e isolar a natureza da humanidade é um projeto artificial e ideológico. Ao inverterem a ordem dos fatores e isolarem tempo, espaço e espécies, os dispositivos de inversão e ruptura oferecidos pela Petrobras atuam como um artifício para a continuidade da violência lenta do petróleo. Eis sua eficácia.

Diante dessa violência emergem histórias necessariamente misturadas, tóxicas, ricas, tristes, fortes e diversas, que fazem do reconhecimento da precarização de corpos e territórios não somente um modo de ensinar a diversidade de ser e morrer, mas um ato político de resistência e posicionamento no mundo. Assim como corpo e mangue, a água é indissociada da problemática do petróleo na Baía de Todos os Santos. Por um lado, ela é seu veículo indeterminado, que espalha a morte em um espaço sem fronteira e em um tempo sem fim; por outro é transmissor determinante da vida, que esparge e forja, como um “berçário”, boa parte dos seres presentes nos modos de existência de pescadores e pescadoras. Água aqui não é semântica para negar e encobrir o petróleo e inverter a realidade. Água inunda a realidade literalmente, para a vida e para a morte.

Sentido das águas

As águas, como vimos, estão associadas às duas histórias de violência lenta do petróleo aqui contadas. Remetendo a um intervalo de 20 dias no ano de 2018, essas histórias são realidade desde que os primeiros poços de produção do petróleo passaram a ser explorados na Baía de Todos os Santos, vide o acúmulo de pesquisas nas mais diferentes áreas sobre o tema.16 16 O Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) possui um acervo de pesquisas sobre contaminação de petróleo e outros contaminantes industriais na Baía de Todos os Santos. Ver https://www.gamba.org.br/category/textos (acessado em 28/05/2022). Em trabalho recente mostro que guaiamuns capturados nos dias de hoje estão contaminados por petróleo vazado há quase meio século (Buti, 2020BUTI, R. P. Imagens do Petroceno: habitabilidade e resistência quilombola nas infraestruturas do petróleo em manguezais do Recôncavo Baiano. Amazônica, Belém, v. 12, n. 1, p. 277-301, 2020.). Não fossem as denúncias de homens e mulheres da pesca, não seria possível conhecermos os efeitos silenciosos e nefastos em seus lugares de vida. Não fossem seus envolvimentos e comprometimentos, essas histórias não poderiam ser aqui narradas. As perguntas que podemos fazer são: quantas histórias não foram ouvidas nessas sete décadas de violência lenta do petróleo? Quantas ainda (não) o serão?

As águas também trouxeram, no ano de 2019, muitas histórias contaminadas pelo petróleo. Refiro-me não apenas às águas interiores da Baía de Todos os Santos, mas às litorâneas, atlânticas, que naquele ano levaram petróleo às paisagens costeiras das regiões Nordeste e Sudeste do país. Histórias de quem, diferentemente das comunidades pesqueiras, negras e quilombolas da Baía de Todos os Santos, nunca havia recebido petróleo em suas vidas. Aquele ano é oficialmente reconhecido como o do maior derramamento de petróleo de que se tem notícia no planeta, tanto em extensão - com quase mil localidades atingidas -, quanto em quantidade - algo em torno de 5 mil toneladas de óleo encontrados (Silva et al., 2021SILVA, L. R. C. da et al. Derramamento de petróleo no litoral brasileiro: (in)visibilidade de saberes e descaso com a vida de marisqueiras. Ciências & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 12, p. 6027-6036, 2021.; Soares, M. O. et al., 2020SOARES, M. O. et al. Oil spill in South Atlantic (Brazil): environmental and governmental disaster. Marine Policy, v. 115, 103879, 2020.). A primeira mancha foi oficialmente identificada em 30 de agosto, no litoral do município do Conde, na Paraíba. Quatro dias depois, o material foi encontrado no segundo estado, Pernambuco, na Ilha de Itamaracá. Em 1º de outubro, a Bahia foi o nono e último estado do Nordeste a receber o petróleo, com a primeira mancha identificada nas praias da Mata de São João. Por fim, fragmentos foram encontrados no Espírito Santo e Rio de Janeiro, a partir de 7 e 22 de novembro, respectivamente.

As águas, portanto, levaram o petróleo do mar oceânico aos ambientes costeiros do Brasil. No início, houve uma marcação cronológica da introdução do petróleo em terra que apontava no sentido norte a sul do país. O sentido e a força da maré ditavam o ritmo das ocorrências. À medida que chegava em determinada localidade litorânea, a população localizada mais ao sul tendia a aguardar sua chegada e adotar as mais diferentes estratégias para minimizar seus impactos.17 17 Para conhecer algumas dessas estratégias no estado da Bahia, ver Uchôa (2019). No entanto, mesmo depois de introduzidas nos diferentes ecossistemas da zona costeira brasileira, outras levas de petróleo passaram a chegar de modo inesperado em alguns lugares já atingidos, sem a possibilidade de previsão por parte dos moradores. Assim, embora em menor escala, um ambiente de indeterminação temporal marcou, e ainda marca, a relação das localidades atingidas pelo petróleo com a iminência de uma futura chegada.18 18 Há relatos de reincidência da chegada do petróleo ainda em 2022 em diferentes estados do Nordeste. Para os casos do Ceará, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Bahia, ver Maia (2022) e Moura et al. (2022).

Buscando mapear a relação dos principais veículos da grande mídia brasileira com o evento, em 2020 o coletivo Intervozes publicou a obra Vozes silenciadas: a cobertura do vazamento de petróleo na costa brasileira (Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, 2020INTERVOZES - COLETIVO BRASIL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. Vozes silenciadas: justiça socioambiental e mídia: cobertura do vazamento de petróleo na costa brasileira. [S. l.]: Fundação Ford, 2020.). Dentre o farto material mapeado e analisado, destaco três conclusões importantes da publicação. A primeira diz respeito à ausência das categorias “pescadores(as)”, “pescadores(as) artesanais” e “marisqueiras(os)” na cobertura jornalística. A segunda diz respeito à ênfase excessiva na dimensão preservacionista dos impactos, como se o problema tivesse atingido somente o meio ambiente, e não as pessoas. E, por fim, a ausência de informações sobre manguezais no conjunto dos ecossistemas atingidos: das dezenas de reportagens analisadas, apenas três mencionam no título a palavra mangue ou manguezal.

A publicação conclui que os pescadores artesanais do Nordeste (região que abriga os Estados mais pobres do Brasil) e seus lugares de vida (esses manguezais e suas espécies desimportantes) foram silenciados na cobertura jornalística da grande mídia, e não sabemos precisar os efeitos da violência do petróleo em suas vidas na longa duração. Trata-se, nesse caso, de dispositivos de dissimulação e negação da gravidade do evento para estes corpos majoritariamente negros que habitam ecossistemas e regiões majoritariamente marginalizadas. Procurei contar, neste artigo, histórias de derramamentos de petróleos ocorridos antes de 2019. Dada a sua dimensão ordinária banalizada pelas instituições privadas e públicas a serviço do petróleo, quem poderá mensurar quantas praias, manguezais, rios e berçários não foram atingidos por vazamentos de petróleo nesses 70 anos? Quem poderá medir sua extensão e quantidade? Quem poderá contar e responder pelos mortos humanos e não humanos? Em suma, como calcular a escala da produção de geografias tóxicas nessa longa duração? Esse é um exercício que precisa estar no escrutínio de uma antropologia da violência lenta, atenta seja aos seus mecanismos de produção por parte das instituições, seja às suas forças de contraposição por parte das comunidades afetadas, seja às suas formas de inscrição nos lugares por parte dos fluxos da vida.

O fiz a partir de relatos que narraram, também, o sentido das águas. Sentido entendido aqui não somente a partir de uma conotação semântica (como dispositivo das instituições de poder para esconder vazamentos). Sentido vinculado à ideia de direção e direcionamento na navegação da vida e da morte. Se a iminência da chegada do petróleo pelas águas é algo novo para parte da população costeira no Brasil desde 2019, não o é para os habitantes da porção norte da Baía de Todos os Santos. Estes se relacionam com águas pretas e manchas negras desde os anos 1940, quando a região inaugurou a exploração petrolífera para fins comerciais no Brasil. Os modos de reconhecer a presença dessas substâncias tóxicas variam e dependem do olhar especialista dos pescadores artesanais: a simples perda de coloração das folhas das árvores de mangue pode ser o anúncio da morte de um manguezal pelo petróleo incrustado em sua profundeza, independentemente de se poder sentir seu cheiro ou visualizar sua cor. Pescadores artesanais são, sem dúvida, os principais conhecedores dos efeitos da desigual exposição aos riscos de contaminação a que estão expostos, e por isso deveriam participar dos espaços de decisão institucionais nas análises sobre os impactos do vazamento.

Vivem em estado de atentividade e alerta. Eliete Paraguassu chama de “assassinos invisíveis” a violência lenta do petróleo.19 19 Ver, em especial, Assassino… (2019). Eliete tem, como outras lideranças mulheres da Baía de Todos os Santos, criticado o modelo de desenvolvimento incrustado nos seus lugares, e interseccionado ao debate ambiental as dimensões de raça, gênero e clima (Buti, 2023BUTI, R. P. The message from the tide: quilombola fisherman communities in the ruins of environmental and climate injustices (Baía de Todos os Santos, Bahia, Brazil). In: ATLAS of the other worlds. Stockholm: Occupy Climate Change!, 2023. Disponível em: Disponível em: https://occupyclimatechange.net/baia/ . Acesso em: 15 jun. 2022.
https://occupyclimatechange.net/baia/...
; Rodin, 2021RODIN, P. Interseccionalidade em uma zona de sacrifício do capital: a experiência de mulheres negras, quilombolas e marisqueiras da Ilha de Maré, baía de Todos os Santos (Bahia, Brasil). Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, [S. l.], v. 23, E202133pt, 2021.). Candidata não eleita a vereadora de Salvador em 2020 e à deputada estadual da Bahia em 2022, Eliete é não somente uma marisqueira ativista quilombola e ambiental, mas climática: representou, junto à Coalização Negra por Direitos, as comunidades quilombolas na Conferência do Clima (COP26) ocorrida na cidade de Glascow em novembro de 2021. Ao participar do projeto Novas Alianças Ambientais no âmbito da COP 26, Eliete assim se apresenta:

Eu vou falar do meu lugar como mulher preta, quilombola e marisqueira. Eu sou uma mulher das águas, me denomino dessa forma, porque meu corpo fica submerso às águas, o meu trabalho é nas águas, vim trazida de África pelas águas, há uma relação das águas com a gente, não é uma relação só de trabalho, mas uma relação herdada pelos nossos, e o meu corpo é água, meu território é as águas.20 20 Ver Novas… (2022).

No ativismo ambiental e climático de Eliete, as águas adquirem dimensão central, pois são a própria “relação” com “a gente”, o “trabalho” e tudo que foi “herdado pelos nossos”: o próprio corpo-território e lugar de alianças entre lugares, temporalidades e seres. O recado de Eliete é evidente: não há nada que aconteça às águas que não acontecerá a quem pertence às águas. Esse é também o recado da quilombola e marisqueira Elionice Conceição Sacramento (2022)SACRAMENTO, E. C. Da diáspora negra ao território de terra e águas: ancestralidade e protagonismo de mulheres na Comunidade Pesqueira e Quilombola Conceição de Salinas-BA. Curitiba: Apris, 2022., que nos ensina sobre ancestralidade e “trajetividade” de seu povo “da diáspora negra ao território de terra e águas” da Baía de Todos os Santos. Há aqui o sentido das águas associado a uma identidade específica irmanada às lutas históricas de mulheres e homens da maré. Essa é a luta também do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais e do Conselho Pastoral dos Pescadores da Bahia.

Em um evento realizado no âmbito do Tribunal dos Impactos do Petróleo sobre a Natureza, os Povos e os/as Defensoras ocorrido na cidade de Salvador em outubro de 2018, Eliete Paraguassu afirmou que os corpos de homens e mulheres que vivem nessas águas são a “barreira de contenção do desenvolvimento”.

Figura 9
Propaganda da campanha de Eliete Paraguassu a vereadora de Salvador em 2020, reforçando seu comprometimento com a pauta ambiental e climática a partir do Mandato Quilombo.

O engajamento climático a partir de uma mulher marisqueira e quilombola da Baía de Todos os Santos traz o sentido das águas para uma outra direção. Refiro-me não somente como forma de produzir violência lenta por parte das instituições que dissimulam os vazamentos, ou como modo de engajar a luta a partir de uma identidade política dos povos da maré, tampouco como veículo das correntes marítimas transportando assassinos invisíveis. Refiro-me ao sentido observado por Pedro Silveira (2020)SILVEIRA, P. C. B. Caminhando pelos manguezais do fim do mundo. ClimaCom, Campinas, ano 7, n. 17, 2020. em seu artigo sobre a relação dos manguezais com o novo regime climático, quando informa que “nos próximos anos, com a subida do nível das marés, os manguezais terão de se deslocar entre a linha do mar, que se eleva, e o litoral densamente ocupado”. Conclui este autor que “as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que os manguezais são candidatos a sobreviver, não sem mazelas, às mudanças climáticas de um futuro próximo” (Silveira, 2020SILVEIRA, P. C. B. Caminhando pelos manguezais do fim do mundo. ClimaCom, Campinas, ano 7, n. 17, 2020., p. 9).

A questão colocada por Pedro desloca os embates associados às condições de existência das comunidades pesqueiras, negras e quilombolas da Baía de Todos os Santos para um outro front: não apenas o petróleo extraído dos poços e trincheiras que vaza e chega horizontalmente pelas correntes produzindo águas pretas e manchas negras, mas o nível das águas que sobe em decorrência de um modelo de desenvolvimento baseado na queima de combustíveis fósseis como o petróleo. As populações pesqueiras estão desigualmente expostas às catástrofes do novo regime climático, arriscadas cada vez mais à condição de submersas refugiadas em seu próprio mundo. Inclusive, um documento recente produzido pela Prefeitura Municipal de Salvador informa que a Ilha de Maré, esse corpo-território das águas do povo negro de Salvador, é uma dos lugares da cidade mais vulneráveis às mudanças climáticas, prevendo ali a subida do nível das águas já para a década dos anos 2030 (Prefeitura Municipal de Salvador, 2020PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR. Plano de mitigação e adaptação às mudanças climáticas do clima em Salvador. Salvador: Prefeitura Municipal de Salvador, 2020.).

Não é ao acaso, portanto, que mulheres pretas, marisqueiras, quilombolas como Eliete irrompem no debate sobre violência de longa duração pautando raça, ambiente, gênero e clima: seu corpo forma, como outros corpos atingidos por manchas negras e águas pretas, a “barreira de contenção” da vida das comunidades negras da Baía de Todos os Santos. É brutal que arrisquem e paguem com a própria vida sem que os responsáveis sejam punidos. Fortalecer essas barreiras passa por produzirmos uma ciência que se transforme em justiça, capaz de descrever e questionar as atrocidades lentas do petróleo e seus dispositivos de produção, bem como vocalizar histórias contaminadas de vida e morte, de pesca e petróleo, de indiferença e engajamento, mas comprometida na defesa das populações silenciadas diante do ecocídio a que estão banal, rotineira e historicamente expostas.

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    » http://www.cppnacional.org.br/noticia/mais-de-dois-anos-ap%C3%B3s-chegada-das-manchas-de-petr%C3%B3leo-que-provocaram-o-maior-crime
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    » https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50226467
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  • VAZAMENTO de óleo atinge pelo menos três cidades na (RMS). 1 vídeo (1min17s). [S. l.]: Bahia Manchetes, 15 jun. 2018. Publicado no canal Bahia Manchetes. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7VLv_62sPyI Acesso em: 28 jun. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=7VLv_62sPyI
  • VIGNÉ, J. Vazamento de óleo em Candeias já atinge Ilha de Maré e Madre de Deus, diz líder comunitária. Bahia Notícias [s. l.], 12 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/noticia/223116-vazamento-de-oleo-em-candeias-ja-atinge-ilha-de-mare-e-madre-de-deus-diz-lider-comunitaria Acesso em: 15 jun. 2022.
    » https://www.bahianoticias.com.br/noticia/223116-vazamento-de-oleo-em-candeias-ja-atinge-ilha-de-mare-e-madre-de-deus-diz-lider-comunitaria
  • ZAGATTO, B. P.; SOUZA, L. E. A necropolítica ambiental nos quilombos de Ilha de Maré, Bahia, Brasil. Amazônica, Belém, v. 12, n. 1, p. 253-276, 2020.
  • 1
    Este artigo foi escrito no período do meu pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia realizado no ano de 2022 sob supervisão de Catherine Prost. É fruto de pesquisa colaborativa junto às comunidades quilombolas da Baía de Todos os Santos, ao Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais e ao Conselho Pastoral dos Pescadores da Bahia, nas figuras de Joselita Gonçalves dos Santos, José Américo Borges, Eliete Paraguassu, Marcos Brandão, Maria José Pacheco, Maria da Conceição Pereira e Pedro Diamantino. É, também, desdobramento de duas mesas-redondas em eventos da antropologia. A primeira, Sobre viver nas ruínas: diálogos sobre antropologia e sustentabilidade, ocorreu em novembro de 2020 durante a 32ª Reunião Brasileira de Antropologia, e contou com a participação de Tiago Mota Cardoso, Pedro Silveira, Karine Naharaha e Emanuel Almada. A segunda, Vidas ressurgidas e artefatos de horror: os grandes projetos na longa duração, foi organizada pelo Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia durante a 7ª Reunião Equatorial de Antropologia, ocorrida em abril de 2022. Contou com a participação de Sônia Maria Simões, Deborah Bronz e Antônia Melo. Sou grato a cada uma e cada um desses amigos e colegas por suas orientações, sugestões e ensinamentos, pois contribuíram sobremaneira para a elaboração e o aprimoramento deste trabalho.
  • 2
    O vídeo está disponível em Vazamento… (2018)VAZAMENTO de óleo atinge pelo menos três cidades na (RMS). 1 vídeo (1min17s). [S. l.]: Bahia Manchetes, 15 jun. 2018. Publicado no canal Bahia Manchetes. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7VLv_62sPyI . Acesso em: 28 jun. 2022.
    https://www.youtube.com/watch?v=7VLv_62s...
    .
  • 3
    Pela história associada à migração forçada africana, os municípios da Baía de Todos os Santos têm na população negra seu principal contingente demográfico, perfazendo os principais índices do Brasil. De acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2010, 92% da população de São Francisco do Conde se autodeclara negra. A população autodeclarada negra de Candeias perfaz 84% de sua população, sendo Salvador a capital mais negra do país: 80%. Em decorrência das atividades ligadas a produção, movimentação e refino do petróleo, o Censo de 2020 informa que São Francisco do Conde está classificado como o maior PIB per capita da Bahia e o nono maior do Brasil. Já Candeias se situa na 11ª posição estadual e 425ª nacional. As boas colocações do PIB per capita nacional desses dois municípios não traduzem bom ranqueamento no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nono maior PIB per capita do Brasil, São Francisco do Conde está na crítica colocação 2.573 do ranking do IDH nacional do IBGE em 2010. À sua frente está Candeias, na colocação 2.161, mesmo tendo em 2020 o 425º maior PIB per capita nacional. Esses dados reforçam que desenvolvimento econômico não coincide com desenvolvimento social, sobretudo quando a população é majoritariamente negra. Das 27 capitais brasileiras, Salvador está na 18ª colocação no ranking do IDH conforme Censo do IBGE de 2010.
  • 4
    A Petrobras concluiu, no dia 30 de novembro de 2021, a venda da Refinaria Landulpho Alves à empresa árabe Mubadala Investment Company, sediada em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Desde então a refinaria passou a chamar-se Refinaria de Mataripe. Ver Concluímos… (2021)CONCLUÍMOS venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM) para o Mubadala Capital. In: FATOS e Dados. [S. l.]: Petrobras, 30 nov. 2021. Disponível em: Disponível em: https://petrobras.com.br/fatos-e-dados/concluimos-venda-da-refinaria-landulpho-alves-rlam-para-o-mubadala-capital.htm . Acesso em: 28 fev. 2023.
    https://petrobras.com.br/fatos-e-dados/c...
    .
  • 5
    Ver Refinaria… ([2021])REFINARIA Landulpho Alves (RLAM). In: PETROBRAS. [S. l.]: Petrobras, [2021]. Disponível em: Disponível em: https://petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/refinaria-landulpho-alves-rlam.htm . Acesso em: 19 jun. 2022.
    https://petrobras.com.br/pt/nossas-ativi...
    .
  • 6
    A existência da refinaria induziu o processo de industrialização na Baía de Todos os Santos, culminando na criação de dois importantes polos industriais brasileiros: o Complexo Industrial Aratu, localizado em Candeias; e o Complexo Industrial de Camaçari, localizado no município homônimo.
  • 7
    Ainda que hoje a grande maioria do petróleo trabalhado pela refinaria seja proveniente dos campos offshore das bacias de Campos e Santos, a produção dos campos maduros do Recôncavo continua em atividade, contribuindo para alçar a Bahia ao segundo estado de maior produção em terra, e o quarto de maior produção nacional (Mendes et al., 2019MENDES, A. P. A. et al. Produção de petróleo terrestre no Brasil. BNDES, Rio de Janeiro, v. 25, n. 49, p. 215-264, 2019.). No ano de 2016, por exemplo, o Campo Candeias produziu aproximadamente mil barris de óleo por dia, tendo produção acumulada de 17,305 milhões de m³ de óleo (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016aAGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. [Campo] Candeias, 2016. [S. l.]: ANP, 2016a. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/pd/candeias.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
    https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/ex...
    ).
  • 8
    A campanha “Nem um Poço a Mais” foi lançada em Vila Velha, no Espírito Santo, entre os dias 26 e 28 de junho de 2015. O evento de lançamento reuniu integrantes de comunidades quilombolas e de pescadores artesanais capixabas, da Bahia, do Ceará e do Rio de Janeiro. Junto a eles, integrantes de redes, organizações e movimentos sociais. Para maiores informações, ver https://areaslivresdepetroleo.org/ (acessado em 02/05/2020).
  • 9
    Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019.).
  • 10
    Inquérito Civil nº 1.14.000.002058/2018-84 (Brasil, 2019BRASIL. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública nº 1010667-90.2019.4.01.3300 [autos]. Salvador: MPF, 2019.).
  • 11
    Sobre os poços injetores e produtores, ver Entenda… (2015)ENTENDA como é formado o nome de um poço produtor. In: FATOS e Dados. [S. l.]: Petrobras, 11 nov. 2015. Disponível em: Disponível em: https://petrobras.com.br/fatos-e-dados/entenda-como-e-formado-o-nome-de-um-poco-produtor.htm . Acesso em: 2 maio 2022.
    https://petrobras.com.br/fatos-e-dados/e...
    .
  • 12
    Há de se pontuar que a comunidade do Macaco, vizinha à Estação Marapé, não possui sistema de abastecimento de água, tendo que recorrer semanalmente a carros-pipas oferecidos pela prefeitura. Esta é uma dentre as comunidades pesqueiras radicalmente impactadas pela instalação da Trincheira de Marapé nas áreas de manguezal. Em trabalho de conclusão de curso recém-defendido na Unilab, a estudante e moradora da comunidade Núbia dos Santos Souza (2023)SOUZA, N. dos S. “O Mangue era farto”: os impactos do petróleo para a pesca artesanal e a segurança alimentar na comunidade do Macaco (São Francisco do Conde, Bahia). 2023. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Ciências Sociais) - Instituto de Humanidades e Letras, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, São Francisco do Conde, 2023. informa que a pesca artesanal vem perdendo praticantes ao longo das gerações em decorrência da destruição e contaminação dos manguezais.
  • 13
    Publicada em abril do ano de 2000, esta lei “dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional” (Brasil, [2002]BRASIL. Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000. Dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, [2002]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9966.htm#:~:text=LEI%20No%209.966%2C%20DE%2028%20DE%20ABRIL%20DE%202000.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20preven%C3%A7%C3%A3o%2C%20o,nacional%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias . Acesso em: 4 jul. 2022.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ).
  • 14
    Mangues mortos são também fenômenos naturais dos manguezais. Conhecidos na literatura ecológica como “j invertido”, esse fenômeno “representa um padrão típico de mortalidade natural associada ao amadurecimento do bosque” (Soares, M. L. et al., 2003SOARES, M. L. G. et al. Diversidade estrutural de bosques de mangue e sua relação com distúrbios de origem antrópica: o caso da Baía de Guanabara (Rio de Janeiro). Anuário do Instituto de Geociências, Rio de Janeiro, v. 26, p. 101-116, 2003., p. 107). Áreas de mangues mortos naturalmente tendem a se regenerar para que nasçam novas árvores. No entanto, de acordo com pescadores artesanais de São Francisco do Conde, boa parte dos mangues mortos dos manguezais da região não é resultado de processos naturais. Pelo contrário, as prainhas são formadas por contaminação de petróleo na curta e longa duração, características de padrões de “mortalidade massiva” típicas de acúmulo de hidrocarboneto (Soares, M. L. et al., 2003SOARES, M. L. G. et al. Diversidade estrutural de bosques de mangue e sua relação com distúrbios de origem antrópica: o caso da Baía de Guanabara (Rio de Janeiro). Anuário do Instituto de Geociências, Rio de Janeiro, v. 26, p. 101-116, 2003., p. 110).
  • 15
    O documento Especificações e normas técnicas para elaboração de cartas de sensibilidade ambiental para derramamentos de óleo (Brasil, 2004BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental. Especificações e normas técnicas para elaboração de cartas de sensibilidade ambiental para derramamentos de óleo. Brasília: MMA, 2004.) traz um índice hierarquizado dos diversos tipos de contorno da costa em uma escala de 1 a 10. Quanto maior o índice, maior o grau de sensibilidade. Os manguezais são tipificados com o valor máximo: 10 (Brasil, 2004BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental. Especificações e normas técnicas para elaboração de cartas de sensibilidade ambiental para derramamentos de óleo. Brasília: MMA, 2004., p. 54).
  • 16
    O Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) possui um acervo de pesquisas sobre contaminação de petróleo e outros contaminantes industriais na Baía de Todos os Santos. Ver https://www.gamba.org.br/category/textos (acessado em 28/05/2022).
  • 17
    Para conhecer algumas dessas estratégias no estado da Bahia, ver Uchôa (2019)UCHÔA, V. A ‘operação de guerra’ montada por pescadores para conter avanço de óleo em Abrolhos. BBC News Brasil, [s. l.], 29 out. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50226467 . Acesso em: 4 jul. 2022.
    https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50...
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  • 18
    Há relatos de reincidência da chegada do petróleo ainda em 2022 em diferentes estados do Nordeste. Para os casos do Ceará, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Bahia, ver Maia (2022)MAIA, D. Mais de dois anos após a chegada das manchas de petróleo que provocaram o maior crime ambiental no litoral brasileiro, novas manchas reaparecem nas praias do Ceará. In: CONSELHO Pastoral dos Pescadores. [s. l.]: CPP, 10 fev. 2022. Disponível em: Disponível em: http://www.cppnacional.org.br/noticia/mais-de-dois-anos-ap%C3%B3s-chegada-das-manchas-de-petr%C3%B3leo-que-provocaram-o-maior-crime . Acesso em: 13 mar. 2023.
    http://www.cppnacional.org.br/noticia/ma...
    e Moura et al. (2022)MOURA, I. et al. Petróleo reaparece no Nordeste: quais perguntas a mídia deixou de fazer? Carta Capital, [s. l.], 1 set. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/petroleo-reaparece-no-nordeste-quais-perguntas-a-midia-deixou-de-fazer/ . Acesso em: 13 mar. 2023.
    https://www.cartacapital.com.br/blogs/in...
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  • 19
    Ver, em especial, Assassino… (2019)ASSASSINO invisível: lixo industrial na Ilha de Maré chega a níveis mortais. 1 vídeo (5min49s). [S. l.]: Mídia NINJA, 31 mar. 2019. Publicado no canal Mídia NINJA. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jA925zZV0J8 . Acesso em: 28 jun. 2022.
    https://www.youtube.com/watch?v=jA925zZV...
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  • 20
    Ver Novas… (2022)NOVAS alianças ambientais: Eliete Paraguassu. 1 vídeo (3min58s). [S. l.]: Brazil Lab at Princenton University, 19 mar. 2022. Publicado no canal Brazil Lab at Princenton University. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=b3oRDCTXJWk&feature=share . Acesso em: 4 jul. 2022.
    https://www.youtube.com/watch?app=deskto...
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2022
  • Aceito
    14 Mar 2023
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