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“Exu, a Sapucaí é vossa”: as múltiplas presenças de exu na performance do carnaval

“Exu, Sapucaí is yours”: the multiple presences of esu in the performance of carnaval

Resumo

No carnaval carioca de 2022, o primeiro a retomar as ruas da cidade após a pandemia de Covid-19, a criatividade espetacular das escolas de samba se expressava em enredos marcados pelas temáticas da presença negra, em enredos de protesto, de afirmação do pensamento negro e de denúncias contra o racismo e a intolerância religiosa. Nesse carnaval “profundamente negro”, a Grande Rio, escola vitoriosa do Grupo Especial, levou à Sapucaí o enredo “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu”. Seguindo a proposta de Simas (2019) de descacetear a leitura da politica encenada no palco da avenida, e levando a sério o “delírio” da performance no desfile, percorro a poeticidade do enredo no texto do livro Abre-alas, voltando-me para a performance da Comissão de Frente e o encontro com o desfile desde uma casa de macumba no Rio de Janeiro, abrindo assim a performance do desfile para além desse cenário. Busco assim perseguir a potência irrequieta da performance da escola no seu abrir de um espaço para a “folia exúsica” que se quer trincheira contracolonial.

Palavras-chave:
performance; exu; GRES Grande Rio; carnaval

Abstract

In the 2022 carnival in Rio de Janeiro, the first to take back the city streets after the COVID-19 pandemic, the spectacular creativity of the samba schools emerged in themes of protest, of affirmation of black thought and the critique of racism and religious intolerance. In this “deeply black” carnival, Grande Rio, the victorious school of Grupo Especial, took to the parade at Sapucaí avenue the theme “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu” [Speak, Majeté! Seven keys of Esu]. Following Simas’s (2019) suggestion of avoiding a dull reading of the politics staged on the avenue, and taking seriously the “delirium” of the performance in the parade, I turn to the poeticity of the narrative of Grande Rio’s plot in the book Abre-alas, then focus on the opening performance of the carnival parade and the encounter with the televised parade in a macumba house in Rio de Janeiro, opening the engagement with the performance to other realms beyond the carnival parade. I thus aim to pursue the restless potency of the school’s performance, as it seeks to open a space for a counter-colonial revelry.

Keywords:
performance; esu; GRES Grande Rio; carnaval

[…] a Sapucaí é um templo para todos os Exus: que a energia se manifeste e que a visão exusíaca de mundo triunfe sobre a aridez dos dias sem carnaval, tristes, pálidos, frios. Que possamos, no calor desnorteante da pista, gozar a felicidade!

Abre-alas (Liesa, 2022a, p. 305)

Abrindo o cortejo1 1 Agradeço à Mylene Mizrahi pela companhia nas arquibancadas da Sapucaí e depois pela oportunidade de fazer uma apresentação dessas ideias junto ao grupo de pesquisa Estetipop (PUC-RJ), onde ouvi comentários que muito contribuíram para afinar minha escrita. Agradeço igualmente ao convite de Fernanda Marcon e Ivan Paolo Fontanari para falar sobre performance junto ao Grupo de Pesquisa Antropologia, Jovens e Juventudes (UFFS), no excelente projeto de extensão “Performances narrativas da antropologia da performance”, onde pela primeira vez comecei a alinhavar essas ideias. A escuta e generosa discussão em ambos os espaços foram fundamentais para adentrar os desafios dos diálogos no texto. As conversas em campo com minhas amigas da macumba são, sempre, a principal força que move a escrita. Agradeço também o apoio ao trabalho de campo pelo INCT Brasil Plural (CNPq/Capes/Fapesc).

Ainda que foliã desde as muitas matinês dos bailes de carnaval no subúrbio carioca, levada por minha mãe, e dos blocos de bate-bola que seguia fascinada pelas ruas de Campo Grande com meu pai, não sou do mundo do carnaval das escolas, nem pesquisadora do carnaval.2 2 Há uma longa tradição de estudos do carnaval desde a antropologia e que se revigora com novas interseções. Como disse, não sou pesquisadora do carnaval e meu interesse neste artigo é bastante pontual. Para uma revisão contemporânea que apresenta de forma sucinta essa literatura, desde os clássicos DaMatta (1979) e Cavalcanti (2006) até um recente programa de pesquisas na área, sugiro consultar Menezes (2020). Sigo os desfiles anualmente, desde os tempos de criança, quando assistia a todos pela televisão com meu pai. Em algum momento ao longo desses anos, comecei a frequentar casas de santo e a escrever sobre elas. Há mais de duas décadas venho fazendo campo pelos subúrbios cariocas e escrevendo há algum tempo sobre a macumba no Rio de Janeiro. Muito daquilo que escrevi nesse tempo emerge de conversas com as entidades do povo da rua, com suas clientes e com as pessoas que frequentam centros nos subúrbios cariocas (Cardoso, 2007CARDOSO, V. Z. Narrar o mundo: estórias do povo da rua e a narração do imprevisível. Mana, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 317-345, 2007., 2017CARDOSO, V. Z. Danger of words: risk and (mis)comprehension in consultations with the spirts of the povo da rua. Vibrant, Brasília, v. 14, n. 1, e141045, 2017.).

Em 2022 esses dois universos se encontraram, quando a GRES Grande Rio apresentou no carnaval do Rio de Janeiro o enredo “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu”. Me juntei ao coro de comemorações tanto da escolha do enredo quanto da primeira vitória da escola no Grupo Especial no Rio de Janeiro, ainda mais importante tendo em vista o cenário político do Brasil contemporâneo.

O desfile das escolas de samba no carnaval de 2022 do Rio de Janeiro foi tomado por uma euforia singular, já que marcava a possibilidade do retorno da festa à avenida após as restrições geradas pela pandemia de Covid-19. À “aridez dos dias sem carnaval” se contrapunha a possibilidade do gozo da felicidade “no calor desnorteante da pista”, conforme convocavam Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal no enredo dos Acadêmicos da Grande Rio no livro Abre-alas (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 305).3 3 A “aridez” a que se referem os carnavalescos, a ausência da festa do carnaval e sua relação com a pandemia de Covid-19, é tema de diversos trabalhos, tais como Bártolo e Souza (2020), que compreendem tal relação com a pandemia enquanto “evento crítico” (Das, 1995). As diversas estratégias de celebração e enfrentamento da pandemia entre foliões, festeiros e celebrantes de diversos ritos festivos, por sua vez, é tema de vários trabalhos, como os reunidos no dossiê “Festas na pandemia de Covid-19: experiências sociais em ação” (Menezes Neto; Gonçalves, 2022) e no livro de Cavalcanti e Gonçalves (2021), A falta que a festa faz. Da mesma forma, as múltiplas estratégias dos praticantes das diversas religiosidades de matriz africana, sua “ética dos cuidados” (Queiróz, 2021), tornam-se centrais para o enfrentamento das desiguais consequências desse “evento crítico” (cf. Calvo, 2021). A euforia da festa era também atravessada pelo contexto de acirramento da violência racial no Brasil contemporâneo, testemunhado pelo crescente número de assassinatos de jovens negros no país e de violência policial contra negros (Medeiros, 2019MEDEIROS, F. Sobre discursos e práticas da brutalidade policial: um ensaio interseccional e etnográfico. Revista da ABPN, [s. l.], v. 11, n. 30, p. 108-129, 2019.) e expresso no cenário de ataques às religiosidades afro-brasileiras (Giacomini, 2013GIACOMINI, S. M. Intolerância religiosa: discriminação e cerceamento do exercício da liberdade religiosa. In: FONSECA, D. P.,R. da; GIACOMINI, S. M. Presença do axé: mapeando terreiros no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC-RJ: Pallas, 2013. p. 133-157.), tudo isso em meio às dramáticas consequências da pandemia de Covid-19 que atingiam de forma profundamente desigual pobres e negros no Brasil (Sociedade Maranhense de Direitos Humanos et al., 2021SOCIEDADE MARANHENSE DE DIREITOS HUMANOS et al. Violações dos direitos humanos no Brasil: denúncias e análises no contexto da Covid-19. Passo Fundo: Saluz, 2021. Disponível em: Disponível em: https://dhsaude.org/relatorio/documento_subsidio/ . Acesso em: 8 nov. 2022.
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).

Em contraponto, a criatividade espetacular das escolas de samba se expressava em enredos marcados pelas temáticas da presença negra na diáspora, não só através da renovação da representação dos orixás no “altar do samba”,4 4 Paulo Barros em entrevista ao G1 (Viola et al., 2022). como o carnavalesco da Paraíso do Tuiuti, Paulo Barros, descreve o Sambódromo, ou ainda nas homenagens às personalidades negras da história do carnaval, tal como no enredo “Angenor, José & Laurindo”, a homenagem da Mangueira à Cartola, Jamelão e Delegado, mas também por enredos como o da Beija-Flor de Nilópolis. Descrito no livro Abre-alas (Liesa, 2022bLIESA. Livro abre-alas: sexta-feira. Rio de Janeiro: Liesa, 2022b., p. 407) como sendo fruto de uma autoria coletiva que “nasceu pelas mãos, vozes e memórias de cada componente de nossa comunidade”, o enredo “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor” buscava “levar para a Avenida um enredo sobre a contribuição intelectual negra para [a] construção de um Brasil mais africano” (Liesa, 2022bLIESA. Livro abre-alas: sexta-feira. Rio de Janeiro: Liesa, 2022b., p. 409). Em um texto que pode ser lido enquanto um manifesto da pedagogia política-artística do desfile na avenida, a escola diz que “é hora de inspirar mentes, trabalhar pelo ‘reencantamento’ de tudo, e talhar em madeira forte nossos saberes, feito sementes espalhadas por soberanos pássaros de ébano” (Liesa, 2022bLIESA. Livro abre-alas: sexta-feira. Rio de Janeiro: Liesa, 2022b., p. 409), uma “afrosofia” (Liesa, 2022bLIESA. Livro abre-alas: sexta-feira. Rio de Janeiro: Liesa, 2022b., p. 409) em que “o legado dos nossos ancestrais persiste nas cores e nas formas que se afirmam pujantes” (Liesa, 2022bLIESA. Livro abre-alas: sexta-feira. Rio de Janeiro: Liesa, 2022b., p. 410), em potente crítica à desvalorização de “nossa forma sofisticada de ver o mundo […] por estruturas coloniais racistas que desprezam a riqueza intelectual que produzimos” (Liesa, 2022bLIESA. Livro abre-alas: sexta-feira. Rio de Janeiro: Liesa, 2022b., p. 409).

Desse carnaval “profundamente negro” de 2022, como o descreve a historiadora Ynaê Lopes dos Santos (2022)SANTOS, Y. L. dos. Exu para empretecer o pensamento. Deutsche Welle, [s. l.], 27 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/exu-para-empretecer-o-pensamento/a-61604666 . Acesso em: 8 nov. 2022.
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, emerge como vencedor, pela primeira vez, no Grupo Especial, o GRES Acadêmicos da Grande Rio, com o enredo “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu”. A sinopse do enredo no livro Abre-alas (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 273), escrita pelos carnavalescos da escola, Gabriel Haddad e Leonardo Bora, juntamente com Vinícius Natal, descreve o enredo a ser encenado na avenida como “um manifesto, fonte de afeto, convite para o diálogo”. O próprio texto no livro Abre-alas tem uma forma poética muito singular, marcado por expressões do documentário Estamira (2005)ESTAMIRA. Direção: Marcos Prado. Produção: José Padilha. Rio de Janeiro: [s. n.], 2005. 1 vídeo (112min). Publicado no canal Danilo Dorgam. Disponível em: youtube.com/watch?v=jSZv8jO9SAU. Acesso em: 8 nov. 2022., de Marcos Prado, tecido com fragmentos de pontos cantados para exu, canções, textos acadêmicos e artigos de múltiplas autorias.

As religiões afro-brasileiras estão presentes há tempos nos enredos das escolas de samba (Menezes; Bártolo, 2019MENEZES, R. de C.; BÁRTOLO, L. Quando devoção e carnaval se encontram. Proa: revista de antropologia e arte, Campinas, v. 9, n. 1, p. 96-121, 2019.; Simas; Fabato, 2015SIMAS, L. A.; FABATO, F. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de Janeiro: Mórula, 2015.), tendo a própria Grande Rio já contado a história da umbanda no enredo “Os santos que a África não viu”, em seu desfile de 1994, onde a entidade Zé Pelintra aparecia representada na Comissão de Frente.5 5 O desfile anterior da Grande Rio, em 2020, também já levantava no carnaval a temática da discriminação e racismo religioso, tendo a história do babalorixá de Duque de Caxias, Joãozinho da Goméia, como tema do enredo “Tata Londirá: o canto do caboclo no quilombo de Caxias”. Esse foi o primeiro desfile da escola realizado pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Exu, por sua vez, aparecia também em outra Comissão de Frente, no desfile de 2016 da Acadêmicos do Salgueiro, com o enredo “Ópera dos malandros”.6 6 Os carnavalescos da Salgueiro naquele ano são Renato Lage e Márcia Lage, e Exu é encenado na Comissão de Frente por Demerson D’alvaro, sob a coreografia de Hélio Bejani e Beth Bejani. O mesmo ator/dançarino, também sob a coreografia de Hélio e Beth Bejani, encenará Exu na Comissão de Frente do desfile de 2022 da Grande Rio. É no desfile da Grande Rio de 2022, entretanto, que Exu volta não só à avenida e à Comissão de Frente, mas torna-se ele mesmo o protagonista do enredo de uma escola.

No texto acerca do enredo da Grande Rio, Exu é contraposto ao “diabo do teatro colonial, projeto de corpos mortos (culpas, medos, grilhões, carcaças, escravos disfarçados de libertos)” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 272), sendo descrito como “força que une os opostos, jongo de ser e não ser. Exu, to be e Tupi! Fome, cada vez mais fome! Insone. Os nervos são fios elétricos. Evoca os profetas do caos, as vozes do lixo, a desconstrução, o avesso do manto, um sem quanto, a costurados trapos, as aparições, remendos-retalhos, o eterno retorno, a fortuna, os farrapos, o espanto e a possível, por que não? recriação” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 272). Exu, orixá/entidade de “proezas tantas, pelejas, […] histórias fragmentadas. Erro que vira acerto, certo que brota errado, do outro lado, enigma” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 271), emerge no enredo como “gira, faísca, espiral, movimento, corpo-redemoinho” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 271) e como “pé na porta, pedrada, com sete chaves nas mãos, o nó das encruzilhadas, tranca, carranca, Calunga Grande, porteiras, ponteiras, diásporas” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 271). Se a Beija-Flor queria empretecer o pensamento, a Grande Rio, por sua vez, apresenta em suas alegorias, fantasias e coreografias a potência (re)criadora de Exu.

Conquanto esteja amplamente colocado na literatura sobre o carnaval no Rio de Janeiro a proximidade das escolas e de seus componentes ao universo afro-brasileiro, Simas e Fabato (2015SIMAS, L. A.; FABATO, F. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de Janeiro: Mórula, 2015., p. 50) apontam que é só nos anos 1960 que um orixá é mencionado no enredo das escolas, e somente em 1971 surge um enredo monográfico sobre religiões afro-brasileiras, “Misticismo da África para o Brasil”, da Império da Tijuca. É nos anos 1960 que ganham corpo os enredos negros nas escolas, sendo que naquela década “prevaleceram os enredos históricos, que priorizavam as lutas pela liberdade e denunciavam os horrores da escravidão” (Simas; Fabato, 2015SIMAS, L. A.; FABATO, F. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de Janeiro: Mórula, 2015., p. 41), enquanto, na década seguinte, o foco passa a ser o patrimônio cultural de origem africana, onde destaca-se “o universo dos candomblés e a mitologia dos orixás do panteão jeje-nagô” (Simas; Fabato, 2015SIMAS, L. A.; FABATO, F. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de Janeiro: Mórula, 2015., p. 42). Essa entrada da temática negra nas escolas de samba do Rio de Janeiro nos anos 1960 “se insere, em um contexto mais amplo, no panorama da valorização de culturas e referências estéticas africanas trazidas, em todo Ocidente, pela perspectiva terceiro-mundista afirmada nos movimentos de descolonização” (Simas; Fabato, 2015SIMAS, L. A.; FABATO, F. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de Janeiro: Mórula, 2015., p. 47), ainda que fosse coetânea a enredos que insistiam na narrativa nacionalista de ausências de tensões raciais. Já com o acirramento da censura e o endurecimento do regime militar instaurado pelo golpe de 1964, os enredos negros progressivamente se deslocam para os “espaços culturais das mitologias, crenças, costumes e tradições” (Simas; Fabato, 2015SIMAS, L. A.; FABATO, F. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de Janeiro: Mórula, 2015., p. 52).

Interessa-me aqui essa passagem histórica do “enredo negro”, de uma proximidade temática com a política da luta descolonial, para o que os autores qualificam como um universo culturalista marcado pelo tema da religião na virada dos anos 1960 para os anos 1970, por seu contraste com o que, meio século depois, entendo que o “carnaval empretecido” de 2022 nos apresenta e o que o desfile da Grande Rio, em particular, encena naquele carnaval. É claro que, nesse ínterim de 50 anos, certamente o carnaval continua a apresentar-se como janela para acompanhar as várias mudanças na sociedade brasileira, os sambas-enredos, como dizia Augras (1992AUGRAS, M. Medalhas e brasões: a história do Brasil no samba. Rio de Janeiro: CPDOC, 1992., p. 5), constituindo um campo semântico de discursos sobre a nação.

Nos anos seguintes à década de 1970 tanto surgem os bizarros enredos patrocinados no compasso da “valsa dos carnavais vendidos” (Fabato, 2011FABATO, F. O ineditismo da relação Porto da Pedra-Danone. Galeria do Samba, Rio de Janeiro, 9 ago. 2011. Disponível em: Disponível em: https://galeriadosamba.com.br/artigos/o-ineditismo-da-relacao-porto-da-pedra-danone/cama-de-gato/144/ . Acesso em: 8 nov. 2022.
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) quanto o polpudo mecenato do jogo do bicho que alicerça a própria fundação da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) (Natal, 2018NATAL, V. Sobre relações de reciprocidade entre jogo do bicho e escolas de samba no carnaval carioca. Ponto Urbe, [s. l.], n. 23, p. 1-15, 2018., p. 5). No entanto, o final da década que antecede o desfile vencedor da Grande Rio é marcado pela crise financeira, principalmente pelo desmonte do financiamento público a partir das ações do então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella (2017-2020). Como bem coloca Menezes (2020MENEZES, R. de C. Caos, crise e a etnografia das escolas de samba do Rio de Janeiro. Revista Hawò, [s. l.], v. 1, p. 2-38, 2020., p. 26), a redução de investimento da verba pública no carnaval é tanto uma ação neoliberal de privilégio do chamado empreendedorismo, “um caso privilegiado para a compreensão da crise como um projeto no Brasil atual”, quanto uma marca do discurso neopentecostal que norteia as ações daquele governo.

Esses últimos anos testemunham também um retorno da temática religiosa aos enredos das escolas de samba. Menezes e Bártolo (2019MENEZES, R. de C.; BÁRTOLO, L. Quando devoção e carnaval se encontram. Proa: revista de antropologia e arte, Campinas, v. 9, n. 1, p. 96-121, 2019., p. 118) sugerem não ser essa apenas uma continuidade temática no carnaval, configurando antes um certo espelhamento da reconfiguração do campo religioso contemporâneo brasileiro em que “a desfiliação ao catolicismo, os ataques de intolerância às religiões afro, o crescimento de evangélicos e dos sem religião na população, o surgimento de novas formas de adesão religiosa no país” levam à produção de reafirmações na arena do carnaval e a consequente legitimação de seus praticantes. Teixeira (2022)TEIXEIRA, F. “A vitória do sincretismo”: o desfile da Grande Rio no carnaval carioca de 2022. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 29 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/618119-a-vitoria-do-sincretismo-o-desfile-da-grande-rio-no-carnaval-carioca-de-2022-artigo-de-faustino-teixeira . Acesso em: 8 nov. 2022.
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, apontando com Prandi (2013)PRANDI, R. As religiões afro-brasileiras em ascensão e declínio. In: TEIXEIRA, F.; MENEZES, R. (org.). Religiões em movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 203-218. que o Censo de 2010 registra baixa declaração de crença nas religiões afro-brasileiras (0,3%), mas, conforme Giacomini (2013)GIACOMINI, S. M. Intolerância religiosa: discriminação e cerceamento do exercício da liberdade religiosa. In: FONSECA, D. P.,R. da; GIACOMINI, S. M. Presença do axé: mapeando terreiros no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC-RJ: Pallas, 2013. p. 133-157., que é impressionantemente alto o índice de discriminação e agressão por motivos religiosos reportados por casas de culto afro-brasileiros no Rio de Janeiro, corrobora a interpretação de Prandi acerca da forte presença das tradições afro-brasileiras no carnaval de 2022 no Rio de Janeiro: Prandi argumenta que “à medida que aumenta a intolerância religiosa, a fé afro-brasileira é acolhida no campo cultural” (cf. Teixeira, 2022TEIXEIRA, F. “A vitória do sincretismo”: o desfile da Grande Rio no carnaval carioca de 2022. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 29 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/618119-a-vitoria-do-sincretismo-o-desfile-da-grande-rio-no-carnaval-carioca-de-2022-artigo-de-faustino-teixeira . Acesso em: 8 nov. 2022.
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). A vitória da Acadêmicos do Grande Rio seria então “a vitória contra a intolerância religiosa”, a vitória do “sincretismo” e da “diversidade brasileira” (Teixeira, 2022TEIXEIRA, F. “A vitória do sincretismo”: o desfile da Grande Rio no carnaval carioca de 2022. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 29 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/618119-a-vitoria-do-sincretismo-o-desfile-da-grande-rio-no-carnaval-carioca-de-2022-artigo-de-faustino-teixeira . Acesso em: 8 nov. 2022.
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).

Ainda que não esteja sendo argumentado por esses autores que o cenário seja o mesmo, não posso deixar de notar um certo paralelismo que emerge aqui com o que Simas e Fabato (2015)SIMAS, L. A.; FABATO, F. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos. Rio de Janeiro: Mórula, 2015. apontam para os anos 1970 - do cenário sociológico da repressão (naquele momento pelo regime militar, agora pela intolerância religiosa exacerbada pela ascensão da extrema direita no país) emerge o refúgio na centralidade no cenário cultural. Indo ao encontro da sugestão de Menezes (2020MENEZES, R. de C. Caos, crise e a etnografia das escolas de samba do Rio de Janeiro. Revista Hawò, [s. l.], v. 1, p. 2-38, 2020., p. 32) de que o carnaval é um “espaço-tempo de produção de outras chaves de leitura do mundo, de geração de novos focos de enquadramentos, de criações utópicas”, gostaria de sugerir um desvio dessa leitura multiculturalista do carnaval em direção à radicalidade da “folia exúsica” proposta pelo enredo, em diálogo inspirado por Luiz Antônio Simas (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 279). Se os enredos dos anos 1960 se aproximavam das lutas da descolonização, aqui me parece emergir algo que se aproxima mais do contracolonial proposto por Nego Bispo (Santos, 2015SANTOS, A. B. dos. Colonização, quilombos: modos e significados. Brasília: Instituto de Inclusão, 2015.) do que de uma reafirmação do sincretismo.

Essa possível outra leitura que sugiro espelha o tipo de contraste que Simas propõe entre distintas interpretações do enredo de 2019 da Mangueira, “A verdade vos fará livre”, o qual foi lido como a luta de Jesus contra as diversas formas de intolerância. Simas sugere que, por maior que seja o alcance político dessa interpretação, ela seria a “menos interessante”. Antes, ele nos convida a imaginar um Cristo que “passa a conhecer a Mangueira e se deixa levar pela potência de corpos que não são seus […] reconhece no outro uma vivacidade do ser tão intensa quanto a sua […]. Essa leitura descacetaria tudo”7 7 Além de autor de diversos livros, Luiz Antônio Simas é um escritor prolífico nas redes sociais. A citação é de seu thread de 23 de julho de 2019 no Twitter, onde ele resume um texto seu para quem, como eu, não faz uso do Facebook (Simas, 2019). (Simas, 2019SIMAS, L. A. A Grande Rio vem com um enredo e uma sinopse apaixonantes. Rio de Janeiro, 23 jul. 2019. Twitter: @simas_luiz. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/simas_luiz/status/1153642718154907650 . Acesso em: 8 nov. 2022.
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, grifo meu). Descacetar também a leitura do desfile da Grande Rio de 2022 demanda então levar a sério aquilo que está proposto no próprio enredo da escola, seria acreditar na “poeticidade e no delírio que a folia permite” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 279), e por ali pensar a potência do Brasil enquanto um país que se faz terreiro num desfile de escola de samba. Se muitos são os fluxos e trocas por onde passa Exu, ele “adquire incontáveis corpos e nomes - diversidade que desafia qualquer pretensão de razão unificada. Falar de Exu, hoje, é um ato poético e político, em busca de um senso ético, estético e cidadão ancorado na pluralidade de ideias, nas cruzas culturais, nas vozes do Povo da Rua” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 279).

É claro que entre a(s) proposta(s) do enredo e as performances visuais, sonoras e corporais do desfile, a(s) leitura(s) e o(s) efeito(s) dessa performance espetacular, há uma grande possibilidade de distintas eficácias e desdobramentos que tampouco se encerram no evento do desfile. A partir do desfile da Acadêmicos da Grande Rio a busca por Exu no Google aumentou 418% em uma semana (Buscas…, 2022BUSCAS pelo termo ‘Exu’ tem aumento de 418% no Google, após campeonato da Grande Rio. Extra, Rio de Janeiro, 29 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/carnaval/buscas-pelo-termo-exu-tem-aumento-de-418-no-google-apos-campeonato-da-grande-rio-25495742.html . Acesso em: 8 nov. 2022.
https://extra.globo.com/noticias/carnava...
), e a visualização do documentário Estamira também cresceu como resultado do desfile, conforme atestam diversos dos comentários deixados na página de exibição no YouTube. Do mesmo modo, outros comentários deixados naquela página, e por leitores das inúmeras reportagens acerca da vitória da Grande Rio, reforçam justamente o racismo religioso a que se contrapõe o enredo, sugerindo que Estamira deveria ter se entregado a Jesus para sua salvação ou que Satanás havia vencido na Sapucaí em 2022.

Essas mediações das redes sociais aos efeitos do desfile não só apontam para a possibilidade de sentidos opostos gerados pelo “mesmo”, mas nos relembram que tanto a forma poética do livro Abre-alas, pela qual sou confessadamente seduzida, é também desestabilizada - e talvez isso já esteja posto por sua própria proposta de trazer Exu como força motriz na avenida - por sua encenação na performance do desfile quanto o próprio enredo é estilhaçado de múltiplas formas nas cenografias das alegorias, desdobrado nas coreografias dos corpos e nos jogos visuais das fantasias incorporadas pelos foliões (Cavalcanti, 2006CAVALCANTI, M. L. V. de C. Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006., 2010CAVALCANTI, M. L. V. de C. Sobre rituais e performances: visualidade, cognição e imagens do tempo em duas festas populares. Revista Anthropológicas, Recife, v. 21, n. 1, p. 99-128, 2010.).

Vou, portanto, mais uma vez ao encontro de Menezes (2020MENEZES, R. de C. Caos, crise e a etnografia das escolas de samba do Rio de Janeiro. Revista Hawò, [s. l.], v. 1, p. 2-38, 2020., p. 12), quando ela ressalta a necessidade de uma atenção à dimensão performativa dos desfiles, às múltiplas formas expressivas ali envolvidas que são capazes de “realizar coisas e produzir efeitos”, e “cujo caráter multissensorial é capaz de ativar emoções e percepções”, de produzir múltiplas “formas de engajamento, de compreensão sinestésica, de geração de imaginações na avenida”.

Se acima já me refiro a outras formas de produção de efeitos do desfile para além do contexto da avenida, aqui me desloco novamente da avenida em direção a outras formas de engajamento para além daquele cenário.

O desfile na porta da casa de exu

Além de ritos propiciatórios para o sucesso de seu desfile, o cortejo do desfile da Grande Rio fechou sua passagem com a presença de reconhecidas figuras do povo de santo no Rio de Janeiro, como o Babalorixá Adailton Moreira Costa e o centenário Ogan Bangbala. Essa presença pública de proeminentes lideranças do povo de santo não só soma benfazejas forças religiosas ao cortejo, mas poderíamos tomá-la também como uma certa autorização à própria encenação que acontece no espaço da avenida. Se as forças em jogo na avenida parecem ser bem-sucedidas em sua atuação, na medida em que o desfile decorre sem tropeços e a escola se sagra campeã do carnaval, isso não impede que a encenação seja perturbadora, mesmo para o povo de santo.8 8 Além das várias reportagens citadas ao longo do texto, é possível encontrar o roteiro do desfile da GRES Grande Rio de 2022, detalhadas descrições e imagens das alas, alegorias e fantasias, assim como referências a outras reportagens acerca do desfile e suas repercussões em uma página da Wikipédia (Fala, Majeté!…, 2022).

Com as mudanças do calendário do carnaval em 2022, na adaptação do retorno das festas às ruas após as restrições sanitárias nos anos de 2020 e 2021 decorrentes da pandemia de Covid-19, o desfile do grupo especial foi remarcado para o final de semana do dia 23 de abril, dia de São Jorge, feriado no Rio de Janeiro e data de celebração de Ogum. Enquanto as escolas atravessavam a Sapucaí, nos subúrbios cariocas Ogum dançava nas giras das casas de macumba. Na casa que frequento essa foi a primeira festa aberta ao público desde o começo das restrições da pandemia. A alvorada do dia 23 de abril foi saudada com os fogos para Ogum, o som dos rojões marcando o amanhecer do dia em cuja noite a Grande Rio levaria Exu para a Sapucaí. Nos corpos dos filhos de santo no centro no distante subúrbio, o povo da rua também bailava quando os atabaques tocavam para essas entidades e os pontos cantados chamavam exus, pombagiras e malandros para se fazerem presentes mais uma vez em suas giras.

Como os filhos de santo da casa, só pude assistir ao desfile depois, na gravação disponível na internet, ou melhor, devo dizer que assisti ao desfile produzido pela edição das imagens pela TV Globo - não só são dois desfiles distintos, o da Sapucaí e aquele mediado pela tela da Globo, como são duas maneiras de se pôr em relação, enquanto público, com o desfile. Consegui ingresso para o desfile das campeãs, quando pude então assistir ao novo desfile na avenida, agora um desfile de celebração do título de campeã. Muito animada, eu trouxe de volta bandeirolas da Grande Rio para dar de presente para minhas amigas na casa de santo.

Mas estar no campo sempre nos traz surpresas. Apesar de ter mencionado o desfile várias vezes, foi só nas vésperas da festa de preto-velho, no dia 13 de maio, que o desfile se tornou de fato tema de conversa, e de uma maneira completamente inesperada por mim. Estávamos eu e algumas filhas de santo sentadas justamente à porta do quarto de exu, onde a pombagira dá consultas naquela casa, cortando couve para a festa de preto-velho, quando o tema veio à tona. Uma das filhas de santo presente - ela mesma uma mulher cuja pombagira eu já vira dançar várias vezes naquele espaço - mencionou o desfile perguntando se tínhamos visto o que ela chamou de “palhaçada”. A mãe de santo retrucou dizendo que achava aquilo um absurdo. Eu quase caí da cadeira, literalmente. Como assim? Afinal as várias entidades saudadas no desfile e nomeadas no samba da Grande Rio ocupam um lugar central nos ritos daquela casa.

Frente à minha surpresa, a mãe de santo perguntou se não havíamos reparado no ator na Comissão de Frente. O site Noticia Preta, alguns dias depois do desfile, descrevia assim a performance que abriu o desfile da escola de samba:

No palco da Passarela do Samba a Grande Rio apresentou um cortejo com muito simbolismo já na comissão de frente, que trazia como destaque o ator Demerson D’alvaro personificando Exú. Nele, o artista se agarrava a um grande globo vermelho, representando a Terra, no qual havia quatro oferendas. Ao chegar ao topo, Exú se deliciava com os alimentos e gargalhava a plenos pulmões. (Andrade, 2022ANDRADE, W. Com enredo sobre Exu, Grande Rio é a campeã do Carnaval do Rio 2022 pela primeira vez. Notícia Preta, [s. l.], 26 abr. 2022. Disponível em: em Disponível em: em https://noticiapreta.com.br/com-enredo-sobre-exu-grande-rio-e-a-campea-do-carnaval-do-rio-2022/ . Acesso em: 8 nov. 2022.
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).

“Ele não tava puro!”, afirmava minha amiga em nossa conversa na porta do quarto da pombagira. Referindo-se ao momento em que o ator enche sua boca com a farinha que estava em um alguidar sobre o globo terrestre, a oferenda mencionada no site, ela nos pergunta o porquê de comer o padê, a oferenda, daquele jeito, e porque cuspir a cachaça na avenida. Ela nos perguntava por que era “possível fazer aquilo na passarela”.

Minha cabeça rodava em direção à incrédula pergunta de “por que não?”. Continuava a não entender a indignação dela. Tentando me explicar seu ponto de vista, ela relembra um carnaval passado, e faz menção a um carro alegórico que há anos havia entrado na avenida coberto de preto. A referência era ao carnaval da Beija-Flor de 1989, em que, a pedido da Igreja Católica, o carro alegórico em que estava um Jesus Cristo negro maltrapilho fora censurado.9 9 Por coincidência, o desfile da Grande Rrio em 2022 fazia referência ao mesmo desfile que ela menciona. O carro alegórico “Dobra o surdo de terceira: folia exúsica”, com uma pintura do artista Guilherme Kid e a frase que uso em meu título, “Exu, a Sapucaí é vossa”, é uma referência ao desfile da Beija-Flor de 1989, releitura do convite daquela escola ao povo da rua que dizia “Mendigos, a Sapucaí é vossa”. Em vez de retirá-lo do cortejo, o carnavalesco Joãozinho Trinta resolveu colocá-lo na avenida coberto de preto em protesto. A referência ao antigo desfile da Beija-Flor me fez pensar imediatamente na dimensão política do ato de censura, mas não era a isso que ela se referia. Para ela, ocultar a imagem marcava o poder da Igreja Católica de excluir seu elemento sagrado do espetáculo do carnaval, o qual ela contrastava à sua própria impotência para gerir o que de sua prática religiosa ela entendia que poderia - ou não - ser colocado em desfile na avenida.

Eu insistia em minha pergunta, indagando por que ela queria tirar exu da rua. A rua não é de exu? Exu não é “povo da rua”? Tantas das histórias que eu havia ouvido compartilhadas ali naquele mesmo espaço falavam justamente da presença de exu além dos limites da casa religiosa, além do enquadre do ritual, falavam justamente sobre sua habilidade de transgredir esses enquadres (Cardoso, 2007CARDOSO, V. Z. Narrar o mundo: estórias do povo da rua e a narração do imprevisível. Mana, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 317-345, 2007.). Ela, por sua vez, fazia referência ao tenso deslocamento de signos entre a esfera do rito religioso e aquela do rito espetacularizado do carnaval. Não era a censura que ela reclamava para si, mas a possibilidade de discordar com o que se dava a ver na avenida e nas telas de televisão como aquela em que assistiu à performance da Comissão de Frente.

Eu continuava em êxtase com o poder de colocar exu na rua no Brasil contemporâneo, indo ao encontro das muitas das reportagens sobre o desfile da Grande Rio que traziam esse mesmo tom. Afinal, o carnaval sempre fora marcado pela cultura negra do terreiro, seja na sonoridade da bateria, seja nos corpos brincantes. O próprio ator a quem minha amiga se referia, Demerson D’alvaro, já havia sido Exu na Comissão de Frente da Salgueiro, no enredo “A ópera dos malandros”, de 2016, a que me referi anteriormente. Na justificativa do enredo de 2022 no livro Abre-alas, a própria Grande Rio aponta que a temática religiosa afro-brasileira não é uma novidade para aquela escola, relembrando que seu último desfile, em 2020, havia sido sobre o pai de santo Joãozinho da Goméia, e que desde lá já levantava na performance do carnaval o debate sobre a discriminação e o racismo religioso (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 276).

Era com essa correlação histórica em mente que retomei a conversa sobre o desfile com a mãe de santo em um outro momento. Assistimos juntas novamente a partes do desfile, mostrei a ela algumas de minhas fotos do desfile e destaquei alguns dos carros alegóricos da escola, perguntando o que ela achava desses. Falei em particular do terceiro carro alegórico, “Reinado catiço”, que para mim parecia a conjugação de um grande cabaré com os Arcos da Lapa no Rio de Janeiro. Lendo depois o livro Abre-alas (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 300), encontro a descrição desse carro como uma saudação aos muitos exus e pombagiras, com imagens que “expressam a diversidade de corpos e nomes presentes nos ritos de Umbanda e nas macumbas cariocas, destacando-se Maria Padilha, Seu Tranca Rua, Seu Zé Pelintra, Dona Maria Navalha, Pombagira Cigana, Dona Sete Saias, Seu Capa Preta, Pombagira Rainha das Encruzilhadas, Seu Sete da Lira, Exu Malandro das Almas e Pombagira da Figueira”.

Se eu ainda não havia lido o livro Abra-alas quando tivemos aquela conversa, a mãe de santo já ecoava em sua leitura do carro a descrição que encontrei posteriormente no texto, dizendo que aquele carro alegórico contava algo da história das entidades do povo da rua. Assim como a “Ala do xirê”, em que o grupo coreografado e o figurino de suas fantasias representavam 16 orixás em sua dança, esses componentes da escola eram apreciados com louvor pela mãe de santo. Ela descrevia esses elementos da escola como sendo “simbólicos”, dizendo que nessas “representações” eles “contavam o enredo” das entidades do povo da rua. O seu problema era então com a Comissão de Frente e a performance do principal ator/dançarino em sua encenação de Exu.

Exu abre passagem na Comissão de Frente

Se a Grande Rio buscava “gozar a felicidade” na avenida, não podemos esquecer que o desfile é um rito competitivo (Cavalcanti, 2002CAVALCANTI, M. L. V. de C. Os sentidos no espetáculo. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 45, n. 1, p. 37-78, 2002.). No Grupo Especial, a escola é avaliada segundo nove quesitos, sendo um deles a Comissão de Frente. De acordo com o Manual do julgador (Liesa, 2022cLIESA. Manual do julgador - Carnaval/2022. Rio de Janeiro: Liesa, 2022c., p. 48), os jurados devem avaliar dois subquesitos da Comissão de Frente: a concepção/indumentária e a apresentação/realização, levando em consideração diversos elementos da performance, dentre eles a “concepção da comissão de frente e a sua capacidade de impactar positivamente o público”; a adequação da indumentária ao “tipo de apresentação proposta” e o “cumprimento da função de saudar o público e apresentar a escola”.

Como argumenta Manzini (2012)MANZINI, Y. “Para tudo se acabar na quarta-feira”: aproximações, diálogos e estranhamento entre carnaval e teatro nas performances da Comissão de Frente. 2012. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012., o quesito “evolução” no desfile das escolas de samba sugere uma certa concepção dramatúrgica, em que o “enredo” seria o suporte de uma colagem cuja superfície seria o samba-enredo cantado, o ritmo percutido pela bateria e o desfile de alas fantasiadas e de carros alegóricos. Nessa colagem, cabe à Comissão de Frente estabelecer um elemento fundamental para o sucesso do desfile - uma relação com o público, convidando a plateia a adentrar o jogo cênico não só da Comissão de Frente como de toda a escola.

A Comissão de Frente convida o público, então, a adentrar o enredo, sendo o primeiro elemento de uma narrativa que se desdobra sequencialmente nos diversos elementos cenográficos que lhe sucedem no descortinar do desfile. Se Exu é o orixá a quem se pede para abrir caminhos, é justamente essa potência que se encena na performance da Comissão de Frente da Grande Rio, conjugando o mito e a forma do rito carnavalesco. Na ficha técnica da Comissão de Frente, no livro Abre-alas, o qual funciona como uma espécie de roteiro para os julgadores no rito competitivo, a escola diz que “[p]edindo todas as proteções para a abertura dos caminhos, a Comissão de Frente do GRES Acadêmicos do Grande Rio apresenta uma interpretação poética para o que se imagina como ‘Exu em sua essência’, aquele que, segundo narram algumas das cosmogonias africanas mais difundidas no Brasil, foi criado por Olorum a partir da lama original, instaurando potências como o dinamismo e o movimento” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 403).

A Comissão de Frente da Grande Rio é coreografada por Hélio e Beth Bejani, que se juntaram à escola em 2019, e em sua apresentação no carnaval de 2022 veio composta por um grupo de 15 atores/dançarinos. A ficha técnica no livro Abre-alas não traz informações sobre os componentes, mas Demerson D’alvaro, ator/dançarino que encena Exu na apresentação de 2022, ocupou as páginas dos grandes jornais após os desfiles. Ele foi entrevistado no programa televisivo Fantástico, da Rede Globo,10 10 O programa Fantástico foi ao ar no dia 1º de maio de 2022 (Quem é Exu?…, 2022). recebeu Menção Honrosa da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), e no dia 13 de junho de 2022, dia de Santo Antônio e de Exu no Rio de Janeiro, comemorou em seu perfil no Instagram ter alcançado ali 80 mil seguidores.

Sua performance na Comissão de Frente do desfile que trouxe o primeiro título do Grupo Especial para a Grande Rio explodiu sua presença nas redes e impulsionou sua carreira - como diria o povo de santo, Exu abriu seus caminhos. O próprio Demerson D’alvaro fala algo semelhante na sessão solene de sua premiação na Alerj. Ele diz que agradece “a Exu por permitir que tudo desse certo. Porque Exu prega peças, né. Poderia pregar uma em mim. Mas graças a Deus ele não pregou e deu tudo certo.”11 11 Sessão Solene da Alerj, realizada em 15 de junho de 2022 (D’alvaro, 2022). Se a performance de D’alvaro mobiliza seu público, é justamente essa performance que afeta a mãe de santo e que provoca a reação que tanto me surpreende de início.

Logo após o desfile, a transmissão da TV Globo12 12 A transmissão do desfile pode ser acessada mediante cadastro gratuito na página digital da Globo Play. Ver em https://globoplay.globo.com/v/10513403/?s=0s (acessado em 08/11/2022). passa para imagens da dispersão da escola, onde um dos seus repórteres, muito entusiasmado, entrevista o ator, dizendo: “Você incorporou Exu.” Podemos ouvir a voz sobreposta de Demerson D’alvaro, seu semblante sério, a dizer “não”. O repórter, no entanto, continua com o mesmo entusiasmo: “Eu não sei se espiritualmente ou como artista, mas nós pudemos ver ali Exu representado por você com um trabalho espetacular.” D’alvaro insiste, dizendo que “É um trabalho de ator. Eu sou ator há mais de 10 anos. Então é todo um estudo com toda a equipe do Hélio e da Beth [Bejani]”, os coreógrafos da Comissão de Frente da Grande Rio. Ele continua, afirmando que “Não [sou] só eu que estou aqui. Sou eu e muita ancestralidade. Minha tataravó, filha de escravos […] Eu não estou sozinho […] Eu não estou aqui por mim, estou pelo antes, por agora e pelo que vai vir depois.” Ao final da entrevista, o repórter pergunta seu nome e lhe dá os parabéns mais uma vez.

Em subsequentes entrevistas na mídia, D’alvaro detalha os estudos que fez para encarnar o personagem, e aponta para os múltiplos pertencimentos religiosos em sua família, lembrando que, em desfiles anteriores, já havia sido caboclos, pretos-velhos, exus e Moisés na avenida. Ele diz que para aperfeiçoar a coreografia naquela performance na Comissão de Frente havia estudado os Balés Afros da Bahia e utilizado 10 kg de farinha para praticar o ato de comer o padê na passarela.13 13 Há um grande número de reportagens nos grandes jornais nacionais sobre o desfile e a subsequente carreira do ator, além de diversas postagens em muitas páginas digitais voltadas para a temática racial, tais como o portal Notícia Preta e o Portal Geledés. A título de exemplo, ver Ator… (2022), Exu… (2022), Por mais… (2022) e Grande Rio… (2022). Se Demerson D’alvaro insiste em seu papel de ator, várias reportagens e mesmo os comentários de diversos leitores insistem na presença de Exu na passarela. Ele mesmo, em um vídeo em seu perfil no Instagram, aparece dizendo “Eu falo que eu estava interpretando, mas eu sei que Exu estava abraçadinho comigo […]”. Essa ambiguidade, que o repórter da Globo resume ao dizer que não sabe se ele incorporou Exu espiritualmente ou como ator, reemerge na fala de minha amiga mãe de santo, quando ela diz que o ator não estava “puro”.

“Não estar puro”, no linguajar do povo de santo, quer dizer que a pessoa não está só, não está somente ela mesma, que há uma outra presença mais ou menos próxima, mais ou menos presente naquele corpo - uma entidade ou outra força ali se incorpora. Enquanto o ator expressa sua agência na performance - a ação de sua técnica, a exibição de uma habilidade artística adquirida e exibida com competência, a coreografia trabalhada e executada com precisão - sua performance tem uma dupla eficácia. Por um lado, enquanto espetáculo, a performance é reconhecida e Demerson D’alvaro recebe o Estandarte de Ouro de Destaque Popular no carnaval de 2022D’ALVARO, D. Alerj - Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 16 jun. 2022. Instagram: @demersondalvaro. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/Ce4lj2MJDuO/?igshid=YmMyMTA2M2Y= . Acesso em: 8 nov. 2022.
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, por “dar vida à entidade durante o desfile” (Trindade, 2022TRINDADE, F. Exu da Grande Rio é o destaque do público do Estandarte de Ouro; ‘Realizei um sonho’, diz ator. O Globo, Rio de Janeiro, 26 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2022/exu-da-grande-rio-o-destaque-do-publico-do-estandarte-de-ouro-realizei-um-sonho-diz-ator-25490244 . Acesso em: 8 nov. 2022.
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). Por outro lado, sua performance também é eficaz em ir além dessa “presença dramatúrgica” e que faz referência a um “papel encenado”. Para a mãe de santo, o ator materializa Exu na avenida, ela percebe uma presença não mais “cênica”, mas a abertura para a incorporação da entidade e reage à “criação de presença” da performance (Schieffeling, 1996SCHIEFFELIN, E. On failure and performance: throwing the medium out of the seance. In: LADERMAN, C.; ROSEMAN, M. (ed.). The performance of healing. New York: Routledge, 1996. p. 59-89.), uma criação que, para ela, está fora de lugar.

Para minha amiga, essa percepção é acentuada pelo próprio ato de “comer” a oferenda. Nas macumbas, os padês são dispostos ritualmente na rua ou nos espaços dos centros, sua energia consumida pelas entidades. O ato em si da ingestão pode ser materialmente visível para alguns, mas esse é um dom de ver que certamente não é compartilhado por todos. Se o ato ritual da oferenda envolve o gesto da produção material da comida e sua cuidadosa disposição estética em oferendas que ritualizam a rua e estendem os enquadres do rito ao que está do lado de fora do espaço dos centros e terreiros - o ato de consumir a oferenda, de comer o padê, não está comumente no terreno do visível, como acontece no desfile da Sapucaí.

O ato do consumo do padê na performance de Demerson D’alvaro em plena avenida alcança uma eficácia perturbadora para a mãe de santo, a performance tornando-se assim fora de lugar. Não mais percebido como um ato simbólico ou uma representação, sua performance é eficaz na produção de uma presença cujo impacto é desconcertante. O padê deixa de ser um mero objeto cênico, ou um traço material remanescente de uma performance (Fischer-Lichte, 2008FISCHER-LICHTE, E. The transformation power of performance: a new aesthetics. New York: Routledge, 2008., p. 75), para atuar em cena na “geração performática da materialidade” daquilo que a mãe de santo percebe como sendo o não estar puro do ator.

Todo “ato” é expressivo e performático - o ato revela algo, expressa algo; e o ato realiza algo, faz algo, sendo “lido”, ou melhor, “sentido”, “percebido”, “compartilhado”, “recusado”, por aqueles envolvidos das mais distintas formas com a situação à qual o ato “pertence”. Qualquer performance, ou toda atividade performativa, é, portanto, inerentemente um processo contingente, já que a performance “é uma realização no mundo” (Schieffelin, 2018SCHIEFFELIN, E. L. Problematizando performance. Ilha: revista de antropologia, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 207-228, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2018v20n1p207 . Acesso em: 8 nov. 2022.
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, p. 215). Seu resultado é independente de se aquilo que os outros nos veem estar fazendo (ou revelando) é algo que pretendemos que vejam. Retomamos aqui então a dimensão do risco na performance em seus múltiplos sentidos, como na graça da falha (Cavalcanti, 2013CAVALCANTI, M. L. V. de C. Alegorias em ação. In: RAPOSO, P. et al. (org.). A terra do não-lugar: diálogos entre antropologia e performance. Florianópolis: EdUFSC, 2013. p. 225-236., p. 235), no de colocar nossas interpretações em risco (Dawsey, 2005DAWSEY, J. C. O teatro dos “bóias-frias”: repensando a antropologia da performance. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 11, n. 24, p. 15-34, 2005., p. 26), e aquele decorrente da própria vivacidade da performance (Schieffelin, 1985SCHIEFFELIN, E. Performance and the cultural construction of reality. American Ethnologist, [s. l.], v. 12, n. 4, p. 707-24, 1985., 2018SCHIEFFELIN, E. L. Problematizando performance. Ilha: revista de antropologia, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 207-228, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2018v20n1p207 . Acesso em: 8 nov. 2022.
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). No caso da Comissão de Frente o risco da performance é composto também por outra dimensão, já que o desfile é um rito competitivo. Um dos quesitos de avaliação da performance da Comissão de Frente, como apontei acima, envolve “sua capacidade de impactar positivamente o público” (Liesa, 2022cLIESA. Manual do julgador - Carnaval/2022. Rio de Janeiro: Liesa, 2022c., p. 48).

O sucesso ou fracasso de uma performance, como nos diz Schieffelin (1985)SCHIEFFELIN, E. Performance and the cultural construction of reality. American Ethnologist, [s. l.], v. 12, n. 4, p. 707-24, 1985., está na relação entre performers centrais e os outros, e essa relação é comumente constituída como sendo entre “ator” e “audiência”, “ator” e “plateia”. Yaskara Manzini (2012MANZINI, Y. “Para tudo se acabar na quarta-feira”: aproximações, diálogos e estranhamento entre carnaval e teatro nas performances da Comissão de Frente. 2012. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012., p. 129), premiada coreógrafa reconhecida por ter introduzido os elementos de teatralização nas comissões de frente no carnaval de São Paulo, fala que as fantasias - e os elementos alegóricos, tais como o grande globo terrestre da Comissão de Frente da Grande Rio - ocupam papel fundamental na construção da cena que se apresenta na avenida, enquanto as qualidades da vibração, força e movimentos do corpo do artista geram uma comunicação com o espectador, um espaço de “copresença cênica” no jogo (competitivo) de atuação da Comissão de Frente.

No caso de minha amiga mãe de santo, o risco da performance revolve também em torno da ambígua diferenciação entre a “performance teatral” e a “incorporação da entidade”. Além do performer e de uma audiência, há pelo menos um terceiro elemento aqui, a possível presença da entidade. Se nas artes cênicas podemos falar na criação de um personagem na relação entre ator14 14 Não estou aqui interessada em rever a discussão sobre a relação ator-personagem, ou mesmo sua relação com incorporação no ritual (cf. Cardoso; Head, 2015), mas em endereçar o problema enquanto uma questão etnográfica que se apresenta nas múltiplas dimensões do encontro com exu na avenida. (ou performer) e audiência (ou outros), aqui isso se complica e a presença da entidade evoca uma terceira agência relacionada, mas não idêntica, às outras, uma agência não dependente do performer e de sua audiência imediata. Essa terceira agência dá a ver a tensão entre a metáfora teatral e o modo como minha amiga percebe a possível presença da entidade no espetáculo do carnaval. Nessa performance, exu é deslocado do espaço da rua, do espaço do rito religioso, para dentro da espetacularização do rito carnavalesco na avenida, na televisão e nas redes digitais. Nesse deslize entre enquadres, a performance se pluraliza, torna-se fora do lugar para minha amiga e conquista o prêmio do rito carnavalesco.

Nos portões da dispersão

Acho importante ressaltar essa pluralização da performance porque ela também me serve como possível justificativa para a ausência de uma conclusão à reflexão que busquei abrir aqui. Se, em seu caráter emergente e contingente, a performance tende a desaparecer (Phelan, 1993PHELAN, P. Unmarked: the politics of performance. New York: Routledge, 1993.), ela cria múltiplos efeitos de desestabilização (Greiner, 2018GREINER, C. The political reenactment of performance and its micro-activism of affections. In: PAIS, A. (ed.). Performance in the public sphere. Lisbon: Centro de Estudos de Teatro/FLUL: Performativa, 2018. p. 378-409.) que deixam reverberações políticas, por vezes marcadamente opostas. Venho insistindo nos efeitos perturbadores que a performance de Exu na Comissão de Frente produz sobre minha amiga no sentido de seu insólito encontro com exu/entidade no espetáculo do carnaval, mas me faltou ressaltar um outro aspecto significativo desse encontro. Esse encontro se dá mediado pelas imagens filmadas pelas câmaras de televisão e pelas lentes fotográficas, em que o corpo reluzente de suor do ator se agiganta, seus gestos e expressões ocupando a cena/tela por completo. Se a entidade está fora do lugar na avenida, essa copresença tornada ainda mais próxima pela mediação fílmica evoca mais forçosamente a presença incorporada das entidades em suas giras e nos ritos que acontecem nos espaços dos centros e terreiros. Minha amiga se pergunta por que mostrá-lo assim na televisão, se preocupa com o potencial efeito dessas imagens incitarem ainda mais o “preconceito dos crentes”, teme que a performance se torne a justificativa da demonização de suas práticas, daquilo que para ela não se acaba na quarta-feira, mas é parte constitutiva de seu modo de existir cotidianamente.

Ainda que suas preocupações não expressem em forma discursiva a negritude do corpo do ator/dançarino, seu temor em relação à exacerbação do preconceito não pode deixar de ser compreendido em termos do que Pinho (2014)PINHO, O. Undercommons no Brasil: o muro e o débito. Emisférica, [s. l.], v. 11, n. 1, 2014. Disponível em https://hemisphericinstitute.org/pt/emisferica-11-1-decolonial-gesture/11-1-essays/the-university-and-the-undercommons.html. Acesso: 8 nov. 2022.
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chama da “presença fobogênica, absolutamente desejada e reprimida” dos negros no Brasil. Se a performance do ator é reconhecida e premiada, enquanto sua negritude é simultaneamente destacada por aqueles que ressaltam o “carnaval empretecido” e silenciada na “verborragia opaca da imprensa burguesa” (Pinho, 2014PINHO, O. Undercommons no Brasil: o muro e o débito. Emisférica, [s. l.], v. 11, n. 1, 2014. Disponível em https://hemisphericinstitute.org/pt/emisferica-11-1-decolonial-gesture/11-1-essays/the-university-and-the-undercommons.html. Acesso: 8 nov. 2022.
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), no silêncio de minha amiga é retumbante a violência racial a que me referia no início desse texto.

A Grande Rio atravessava a avenida com corpos negros a bailar o enredo em que vozes ancestrais como a de Elza Soares e seu “Exu nas escolas” - música de seu álbum Deus é mulher, de 2018, e que nomeava as fantasias da ala do Grupo de Casais Mirins de Mestres-Salas e Porta-Bandeiras no desfile de 2022 - e o traço de artistas pretos periféricos da contemporaneidade, alguns famosos como Mulambö e Guilherme Kid, outros dispersos no anonimato da “comunidade”, se encontravam com o trabalho de intelectuais orgânicos e outros pesquisadores, para, ao toque da bateria de Mestre Fafá, ocupar as “trincheiras […] contracoloniais” e desconstruir as “visões preconceituosas” do “prisma da branquitude eurocentrada” (Liesa, 2022aLIESA. Livro abre-alas: sábado. Rio de Janeiro: Liesa, 2022a., p. 366).

Ao se tornar performance na avenida, o enredo se multiplica em luminosas imagens, como efeitos caleidoscópicos de espelhos estilhaçados (Dawsey, 2007DAWSEY, J. C. Sismologia da performance: ritual, drama e play na teoria antropológica. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 50, n. 2, p. 527-570, 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27271 . Acesso em: 8 nov. 2022.
https://www.revistas.usp.br/ra/article/v...
, p. 539). Essa potência irrequieta da performance da escola é o que possibilita os efeitos contraditórios que perturbam minha amiga, mas é também o que abre espaço para a “folia exúsica” e oferece uma possibilidade fugidia de dissolução do temor que silenciosamente a assombra.

Referências

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  • VIOLA, E. et al Enredo e samba: Paraíso do Tuiti glorifica a negritude e homenageia grandes personalidades. G1, [s. l.], 17 mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2022/noticia/2022/03/17/enredo-e-samba-paraiso-do-tuiuti-glorifica-a-negritude-e-homenageia-grandes-personalidades.ghtml Acesso em: 8 nov. 2022.
    » https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2022/noticia/2022/03/17/enredo-e-samba-paraiso-do-tuiuti-glorifica-a-negritude-e-homenageia-grandes-personalidades.ghtml
  • 1
    Agradeço à Mylene Mizrahi pela companhia nas arquibancadas da Sapucaí e depois pela oportunidade de fazer uma apresentação dessas ideias junto ao grupo de pesquisa Estetipop (PUC-RJ), onde ouvi comentários que muito contribuíram para afinar minha escrita. Agradeço igualmente ao convite de Fernanda Marcon e Ivan Paolo Fontanari para falar sobre performance junto ao Grupo de Pesquisa Antropologia, Jovens e Juventudes (UFFS), no excelente projeto de extensão “Performances narrativas da antropologia da performance”, onde pela primeira vez comecei a alinhavar essas ideias. A escuta e generosa discussão em ambos os espaços foram fundamentais para adentrar os desafios dos diálogos no texto. As conversas em campo com minhas amigas da macumba são, sempre, a principal força que move a escrita. Agradeço também o apoio ao trabalho de campo pelo INCT Brasil Plural (CNPq/Capes/Fapesc).
  • 2
    Há uma longa tradição de estudos do carnaval desde a antropologia e que se revigora com novas interseções. Como disse, não sou pesquisadora do carnaval e meu interesse neste artigo é bastante pontual. Para uma revisão contemporânea que apresenta de forma sucinta essa literatura, desde os clássicos DaMatta (1979)DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. e Cavalcanti (2006)CAVALCANTI, M. L. V. de C. Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. até um recente programa de pesquisas na área, sugiro consultar Menezes (2020)MENEZES, R. de C. Caos, crise e a etnografia das escolas de samba do Rio de Janeiro. Revista Hawò, [s. l.], v. 1, p. 2-38, 2020..
  • 3
    A “aridez” a que se referem os carnavalescos, a ausência da festa do carnaval e sua relação com a pandemia de Covid-19, é tema de diversos trabalhos, tais como Bártolo e Souza (2020)BÁRTOLO, L.; SOUSA, J. G. M. M. de. Notas sobre as escolas de samba e a pandemia do novo coronavírus. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 29, supl., p. 194-203, 2020., que compreendem tal relação com a pandemia enquanto “evento crítico” (Das, 1995DAS, V. Critical events: an anthropological perspective on contemporary India. New Delhi: Oxford University Press, 1995.). As diversas estratégias de celebração e enfrentamento da pandemia entre foliões, festeiros e celebrantes de diversos ritos festivos, por sua vez, é tema de vários trabalhos, como os reunidos no dossiê “Festas na pandemia de Covid-19: experiências sociais em ação” (Menezes Neto; Gonçalves, 2022MENEZES NETO, H.; GONÇALVES, R. de S. Apresentação: festas na pandemia de Covid-19: experiências sociais em ação. Antropolítica, Niterói, v. 54, n. 3, p. 14-21, 2022.) e no livro de Cavalcanti e Gonçalves (2021)CAVALCANTI, M. L. V. de C.; GONÇALVES, R. de S. (org.). A falta que a festa faz: celebrações populares e antropologia na pandemia. Rio de Janeiro: Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021. (Série Livros Digital, 23)., A falta que a festa faz. Da mesma forma, as múltiplas estratégias dos praticantes das diversas religiosidades de matriz africana, sua “ética dos cuidados” (Queiróz, 2021QUEIRÓZ, V. Quando o ser humano cria, iku vem à terra: as mediações de exu, a onipresença da morte e a Covid-19 em dois contextos afrorreligiosos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 34, n. 73, p. 299-319, 2021.), tornam-se centrais para o enfrentamento das desiguais consequências desse “evento crítico” (cf. Calvo, 2021CALVO, D. Redes de cuidado: enfrentamento da Covid-19 nas religiões afro-brasileiras. Plura: revista de estudos de religião, [s. l.], v. 12, n. 1, p. 121-135, 2021.).
  • 4
    Paulo Barros em entrevista ao G1 (Viola et al., 2022VIOLA, E. et al. Enredo e samba: Paraíso do Tuiti glorifica a negritude e homenageia grandes personalidades. G1, [s. l.], 17 mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2022/noticia/2022/03/17/enredo-e-samba-paraiso-do-tuiuti-glorifica-a-negritude-e-homenageia-grandes-personalidades.ghtml . Acesso em: 8 nov. 2022.
    https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/c...
    ).
  • 5
    O desfile anterior da Grande Rio, em 2020, também já levantava no carnaval a temática da discriminação e racismo religioso, tendo a história do babalorixá de Duque de Caxias, Joãozinho da Goméia, como tema do enredo “Tata Londirá: o canto do caboclo no quilombo de Caxias”. Esse foi o primeiro desfile da escola realizado pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora.
  • 6
    Os carnavalescos da Salgueiro naquele ano são Renato Lage e Márcia Lage, e Exu é encenado na Comissão de Frente por Demerson D’alvaro, sob a coreografia de Hélio Bejani e Beth Bejani. O mesmo ator/dançarino, também sob a coreografia de Hélio e Beth Bejani, encenará Exu na Comissão de Frente do desfile de 2022 da Grande Rio.
  • 7
    Além de autor de diversos livros, Luiz Antônio Simas é um escritor prolífico nas redes sociais. A citação é de seu thread de 23 de julho de 2019 no Twitter, onde ele resume um texto seu para quem, como eu, não faz uso do Facebook (Simas, 2019SIMAS, L. A. A Grande Rio vem com um enredo e uma sinopse apaixonantes. Rio de Janeiro, 23 jul. 2019. Twitter: @simas_luiz. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/simas_luiz/status/1153642718154907650 . Acesso em: 8 nov. 2022.
    https://twitter.com/simas_luiz/status/11...
    ).
  • 8
    Além das várias reportagens citadas ao longo do texto, é possível encontrar o roteiro do desfile da GRES Grande Rio de 2022, detalhadas descrições e imagens das alas, alegorias e fantasias, assim como referências a outras reportagens acerca do desfile e suas repercussões em uma página da Wikipédia (Fala, Majeté!…, 2022FALA, MAJETÉ! Sete chaves de Exu. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. [San Francisco: Wikimedia Foundation], 2022. Disponível em: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fala,_Majet%C3%A9!_Sete_Chaves_de_Exu# . Acesso em: 8 nov. 2022.
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Fala,_Maje...
    ).
  • 9
    Por coincidência, o desfile da Grande Rrio em 2022 fazia referência ao mesmo desfile que ela menciona. O carro alegórico “Dobra o surdo de terceira: folia exúsica”, com uma pintura do artista Guilherme Kid e a frase que uso em meu título, “Exu, a Sapucaí é vossa”, é uma referência ao desfile da Beija-Flor de 1989, releitura do convite daquela escola ao povo da rua que dizia “Mendigos, a Sapucaí é vossa”.
  • 10
    O programa Fantástico foi ao ar no dia 1º de maio de 2022 (Quem é Exu?…, 2022QUEM é Exu? Buscas pelo orixá crescem mais de 400% depois da vitória da Grande Rio. Rio de Janeiro: Fantástico, 1 maio 2022. 1 vídeo (8min). Publicado pela plataforma Globo Play. Disponível em: Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/10535796/ . Acesso em: 8 nov. 2022.
    https://globoplay.globo.com/v/10535796/...
    ).
  • 11
    Sessão Solene da Alerj, realizada em 15 de junho de 2022 (D’alvaro, 2022D’ALVARO, D. Alerj - Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 16 jun. 2022. Instagram: @demersondalvaro. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/Ce4lj2MJDuO/?igshid=YmMyMTA2M2Y= . Acesso em: 8 nov. 2022.
    https://www.instagram.com/p/Ce4lj2MJDuO/...
    ).
  • 12
    A transmissão do desfile pode ser acessada mediante cadastro gratuito na página digital da Globo Play. Ver em https://globoplay.globo.com/v/10513403/?s=0s (acessado em 08/11/2022).
  • 13
    Há um grande número de reportagens nos grandes jornais nacionais sobre o desfile e a subsequente carreira do ator, além de diversas postagens em muitas páginas digitais voltadas para a temática racial, tais como o portal Notícia Preta e o Portal Geledés. A título de exemplo, ver Ator… (2022)ATOR que interpretou Exu no desfile da Grande Rio estreia na passarela da SPFW. Correio Carioca, Rio de Janeiro, 3 jun. 2022. Disponível em: Disponível em: https://correiocarioca.com.br/2022/06/03/ator-que-interpretou-exu-no-desfile-da-grande-rio-estreia-na-passarela-da-spfw/ . Acesso em: 8 nov. 2022.
    https://correiocarioca.com.br/2022/06/03...
    , Exu… (2022)EXU da Grande Rio comeu e cuspiu 10 kg da farofa em uma semana em treinamento para o desfile. Extra, Rio de Janeiro, 28 abr. 2022. Acesso em: 8 nov. 2022., Por mais… (2022)POR MAIS que o carnaval sirva a máquina capitalista o chão dessa manifestação artística continua sendo protagonizado pela comunidade negra”, diz jurada. Notícia Preta, [s. l.], 30 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://noticiapreta.com.br/escolas-de-samba-e-protagonismo-negro/ . Acesso em: 8 nov. 2022.
    https://noticiapreta.com.br/escolas-de-s...
    e Grande Rio… (2022)GRANDE RIO é a campeã do carnaval 2022 do Rio, o primeiro título da história da Tricolor. Portal Geledés, [s. l.], 27 abr. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.geledes.org.br/grande-rio-e-a-campea-do-carnaval-2022-do-rio-o-primeiro-titulo-da-historia-da-tricolor/ . Acesso em: 8 nov. 2022.
    https://www.geledes.org.br/grande-rio-e-...
    .
  • 14
    Não estou aqui interessada em rever a discussão sobre a relação ator-personagem, ou mesmo sua relação com incorporação no ritual (cf. Cardoso; Head, 2015CARDOSO, V. Z.; HEAD, S. Matérias nebulosas: coisas que acontecem em uma festa de exu. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 35, n. 1, p. 164-192, 2015.), mas em endereçar o problema enquanto uma questão etnográfica que se apresenta nas múltiplas dimensões do encontro com exu na avenida.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2022
  • Aceito
    03 Maio 2023
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