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Entre o antropológico e o porno-erótico: notas etnográficas de uma antropóloga-camgirl sobre trabalho sexual plataformizado

Between the anthropological and the porno-erotic: ethnographic notes of an anthropologist-camgirl on platform sex work

Resumo

O artigo busca refletir sobre como as construções da autoridade e mobilidade etnográficas são moldadas pelas complexidades intrínsecas às condições de existência particulares ao campo em que nos situamos. Ao posicionar-me em campo enquanto um híbrido antropóloga-camgirl, desafio a própria construção celibatária (Kulick; Willson, 1995KULICK, D.; WILLSON, M. (ed.). Taboo: sex, identity, and erotic subjectivity in anthropological fieldwork. London: Psychology Press, 1995.) de uma certa antropologia que preserva a assimetria entre sexo, dinheiro, pesquisa e subjetividade (Lino e Silva, 2014LINO E SILVA, M. Queer sex vignettes from a Brazilian favela: an ethnographic striptease. Ethnography, [s. l.], v. 16, n. 2, p. 223-239, 2014.). Essa posicionalidade, ainda, se propõe a criticar o caráter objetivo e impessoal das estruturas de verificação e gerenciamento de confiança presentes nas empresas-plataforma (Slee, 2019SLEE, T. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2019.), bem como algumas leituras feministas (Drenten; Gurrieri; Tyler, 2020DRENTEN, J.; GURRIERI, L.; TYLER, M. Sexualized labour in digital culture: Instagram influencers, porn chic and the monetization of attention. Gender, Work & Organization, [s. l.], v. 27, n. 1, p. 41-66, 2020.; Dworkin, 1981DWORKIN, A. Men possessing women. New York: Perigee, 1981.; Pateman, 2016PATEMAN, C. Sexual contract. In: WONG, A. et al. (ed.). The Wiley Blackwell encyclopedia of gender and sexuality studies. [S. l.]: Wiley Blackwell, 2016. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1002/9781118663219.wbegss468 . Acesso em: 19 set. 2021.
https://doi.org/10.1002/9781118663219.wb...
; Swain, 2004SWAIN, T. N. Banalizar e naturalizar a prostituição: violência social e histórica. Unimontes Científica, Montes Claros, v. 6, n. 2, p. 23-28, 2004.) que situam as trabalhadoras sexuais como aliadas ou vítimas inconscientes do desejo (hétero) sexual masculino. É a partir desses três princípios críticos que o presente artigo situa as particularidades e possibilidades metodológicas e seus efeitos teóricos baseados na dupla posicionalidade do(a) antropólogo(a).

Palavras-chave:
mobilidade etnográfica; antropóloga-camgirl; trabalho sexual online; empresas-plataforma

Abstract

The article seeks to reflect on how the constructions of ethnographic authority and mobility are shaped by the intrinsic complexities of the conditions of existence particular to the field in which we are located. By positioning myself in the field as an anthropologist-camgirl hybrid, I challenge the very celibate construction (Kulick; Willson, 1995KULICK, D.; WILLSON, M. (ed.). Taboo: sex, identity, and erotic subjectivity in anthropological fieldwork. London: Psychology Press, 1995.) of a certain anthropology that preserves the asymmetry between sex, money, research and subjectivity (Lino e Silva, 2014LINO E SILVA, M. Queer sex vignettes from a Brazilian favela: an ethnographic striptease. Ethnography, [s. l.], v. 16, n. 2, p. 223-239, 2014.). This positionality also proposes to criticize the objective and impersonal nature of the trust verification and management structures present in platform companies (Slee, 2019SLEE, T. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2019.) as well as some feminist readings (Drenten; Gurrieri; Tyler, 2020DRENTEN, J.; GURRIERI, L.; TYLER, M. Sexualized labour in digital culture: Instagram influencers, porn chic and the monetization of attention. Gender, Work & Organization, [s. l.], v. 27, n. 1, p. 41-66, 2020.; Dworkin, 1981DWORKIN, A. Men possessing women. New York: Perigee, 1981.; Pateman, 2016PATEMAN, C. Sexual contract. In: WONG, A. et al. (ed.). The Wiley Blackwell encyclopedia of gender and sexuality studies. [S. l.]: Wiley Blackwell, 2016. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1002/9781118663219.wbegss468 . Acesso em: 19 set. 2021.
https://doi.org/10.1002/9781118663219.wb...
; Swain, 2004SWAIN, T. N. Banalizar e naturalizar a prostituição: violência social e histórica. Unimontes Científica, Montes Claros, v. 6, n. 2, p. 23-28, 2004.) that situate sex workers as allies or unconscious victims of (hetero) male sexual desire. It is from these three critical principles that this article situates the particularities and methodological possibilities and their theoretical effects based on the dual positionality of the anthropologist.

Keywords:
ethnographic mobility; anthropologist-camgirl; online sex work; platform companies

Entre a reflexividade “positivista” e “parcial”: a posicionalidade e o seu duplo

Em abril de 2018 abri uma conta no aplicativo Tinder1 1 O Tinder é um aplicativo para serviços de relacionamentos online, lançado em 2 de setembro de 2012 pela empresa de internet americana InterActiveCorp. O aplicativo cruza informações do Facebook e do Spotify, localizando pessoas geograficamente próximas e está disponível para os sistemas Android e iOS. e viajei para São Paulo. Programei o aplicativo bissexualmente, isto é, rastreando o masculino e o feminino como gêneros de interesse. Na mesma semana, conheci “Angel”.2 2 Todos os nomes das minhas interlocutoras são fictícios, em vista de preservar o anonimato. Em seu trabalho sobre a indústria do sexo no ambiente digital Weslei Lopes Silva (2014, p. 75) reflete sobre as escolhas dos nomes de seus interlocutores ao levar em consideração: “Os nomes, pois, são escolhidos por elas objetivando expressar o que as pessoas podem esperar delas, a forma como elas ambicionam ser percebidas e também em conciliação com o que elas consideram como o enunciado semântico que poderá despertar o maior interesse para um grande número de clientes.” A criação dos nomes para essa pesquisa é iluminada por esse critério. Acrescento que as personagens aqui encontradas serão majoritariamente femininas, uma vez que faço um recorte metodológico de mulheres cisgênero. Ela era de São Paulo e eu moradora do Rio de Janeiro. Nossa intimidade foi construída a partir de experiências de términos recentes. Trocamos redes sociais e nos acompanhamos por um tempo. Em meados do mesmo ano, Angel,3 3 Jovem, paulistana, gorda, parda, pansexual e aberta às práticas de BDSM. fazendo referência às minhas postagens no Facebook, convidou-me a “experienciar” um trabalho que ela realizava há seis anos. No mesmo mês, inscrevi-me na plataforma do Câmera Privê.

Em 2013, o empresário Henrique Meneghelli, experiente em produção e licenciamento de conteúdo erótico há dez anos, criou o site Câmera Privê, sob o grupo Dark Media Group Ltda., sediado na cidade de São Paulo. Embora existam outros sites de camming4 4 Gíria que resulta da soma entre a palavra “cam” (câmera) e a terminação de tempo verbal “ing” em inglês, indicando o presente contínuo, na ação de transmitir chamadas de vídeos ao vivo via webcâmeras. brasileiros, como o Câmera Hot,5 5 Plataforma de webcamming erótico brasileira recentemente comprada por Henrique Meneghelli, sócio majoritário - e criador - do Câmera Privê. o Câmera Privê foi o site que ganhou mais popularidade pelo seu pioneirismo e intuitividade de layout.6 6 Afirmação feita pelas minhas interlocutoras, que mais tarde serão apresentadas.

Ao acessar o Câmera Privê o(a) usuário(a) se depara com um aviso sobre o conteúdo do site. “Aviso: O CÂMERA PRIVÊ É DESTINADO APENAS PARA ADULTOS!”, seguido da mensagem:

Por favor, leia o seguinte texto antes de entrar no site: Este website envolve conteúdo sexualmente explícito e impróprio para menores. Para prosseguir, você precisa ter pelo menos 18 anos de idade e ter atingido a maioridade legal em seu local de residência. Se você for menor de idade e decidir prosseguir, estará violando leis locais, estaduais, federais ou internacionais. Pais, utilizem ferramentas de controle parental, como Net Nanny ou K9 Web Protection, para controlar o que seus filhos veem. Entrando no site, você confirma a veracidade dos seguintes fatos:

1 → Tenho ao menos 18 anos de idade e sou maior de idade em meu local de residência.

2 → Não vou redistribuir nenhum conteúdo do website.

3 → Não vou permitir que menores de idade acessem o website ou qualquer conteúdo nele contido.

4 → Qualquer conteúdo que eu acessar ou baixar do website é de uso pessoal e não será mostrado a menores.

5 → Qualquer encenação de sexo explícito de dominação, sadomasoquismo ou outras atividades fetichistas são permitidas pelas leis locais que governam minha jurisdição.

6 → Não fui contatado pelos provedores do site e estou acessando e/ou baixando conteúdos por vontade própria.

7 → Estou acessando este website para consumir material adulto, e concordo que imagens de homens e mulheres em diversas situações sexuais não são obscenas ou ofensivas em qualquer circunstância. Além disso, não acredito que este material possa ser considerado obsceno ou ofensivo.

8 → É de meu conhecimento que meu uso deste website é governado pelos Termos de Uso do website e pela Política de Privacidade do website, que cuidadosamente analisei e aceitei, e concordo que estou legalmente resguardado pelos Termos de Uso e Política de Privacidade deste website.

9 → Concordo que, ao acessar este website, estou me sujeitando à exclusiva jurisdição do Estado de São Paulo caso a qualquer momento venha a ocorrer uma disputa entre o website e minha pessoa, como também consta nos Termos de Uso.

10 → Acredito que ao acessar o site estarei isentando os provedores, donos e criadores deste website de todas e quaisquer responsabilidades que possam ocorrer.

11 → Li cuidadosamente os itens descritos acima e estou de acordo com todos eles.

12Clicando em “Eu Concordo”, você atesta que todos os termos acima são verdadeiros, que deseja entrar no site e que concorda com os Termos de Usos e a Política de Privacidade.

A rigidez das normas etárias é imediatamente ultrapassada com apenas um clique do mouse: “Afirmo ter mais de 18 anos”. O layout inicial acompanha a logo do Câmera Privê, seguida de quatro barras verticalmente posicionadas no canto esquerdo superior com a descrição das sessões “Garotas ao vivo”, “Transex ao vivo”, “Garotos ao vivo” e “Transboys ao vivo”. No canto superior direito, é possível encontrar as opções “Cadastre-se Grátis”, “Área de modelo”, “Suporte” e a língua escolhida, variando entre português/Brasil, inglês, espanhol, português/Portugal, italiano, francês e alemão. Abaixo dessas opções, encontra-se o campo de preenchimento do login (para modelos e usuários) com e-mail e senha. Um pouco mais abaixo, encontra-se uma barra de busca, simbolizada por uma lupa, onde é possível procurar algum(a) modelo específico(a) pelo nome (nickname). Abaixo dessas opções, encontramos as imagens dos(as) modelos em pequenos quadrados verticalmente distribuídos em seis perfis. A visibilidade dos perfis é atualizada a cada 30 segundos, transferindo para o topo as salas recentemente acessadas. As fotos dos perfis dos(as) modelos recebem tarjas verdes com o nome “disponível”, para aqueles(as) modelos que estão no chat gratuito; tarja amarela sinalizando “chat simples” como modalidade de chat pago, onde serão descontados os créditos de 1,20 a 1,80 por minuto, dependendo da tarifa do(a) modelo; tarja roxa para “chat privado”, com taxas entre 2,10 e 2,80 créditos por minuto (nesta modalidade outros usuários podem pagar para ser “voyeur” e acompanhar a interação entre o(a) usuário(a) que pagou e o(a) modelo por uma taxa de 1,20 a 2,10 de crédito por minuto); tarja roxa escura para “chat exclusivo” com taxas de 2,70 a 3,30 créditos por minuto (nesta modalidade, não é possível que outras pessoas possam assistir ao show como “voyeur”); tarja laranja para a modalidade de privecall, permitindo ao(a) usuário(a) iniciar uma chamada de videoconferência, mesmo quando o(a) modelo não estiver online (os(as) modelos apenas poderão atender a uma chamada privecall através do celular cobrando uma taxa de 3,60 a 4,20 por minuto); tarja cinza para “ausente”, isto é, modelos que estão offline.7 7 Crédito é a nomenclatura do modelo de criptomoeda utilizada pelo site para armazenamento ou transferência de moeda corrente. Um crédito equivale a um real brasileiro. As criptomoedas são moedas digitais do tipo criptográfica, que utilizam da tecnologia de um sistema de registro de transações em rede de dados peer-to-peer (P2P), conhecida como blockchain, ou cadeia de blocos, para serem transferidas, compradas e vendidas, sem necessidade de autenticação e verificação de uma terceira parte. Ao clicar na imagem de um(a) modelo o(a) usuário(a) acessa a página do perfil privado deles(as). Essa página contém uma foto de capa no topo, uma de perfil no lado esquerdo superior da tela seguida abaixo pelas sessões: “sobre mim”, “chat simples”, “chat privado/exclusivo”. Essas sessões são preenchidas abertamente pelos(as) modelos e, entre elas, é possível ter acesso a informações como o país de origem, línguas faladas e idade, bem como a quantidade de avaliações, seguidores(as) e “crushes” do(a) modelo. Na área central do perfil, visualizamos uma espécie de timeline em que se intercalam as fotos postadas pelo(a) modelo, organizadas entre gratuitas (abertas a visualização) e pagas (abertas mediante pagamento), e as avaliações dos(as) usuários(as), distribuídas em um comentário aberto e a marcação avaliativa entre 1 e 5 estrelas.

Enquanto à época da minha entrada no trabalho de webcamming encontrava-me graduanda em Filosofia pela UFRRJ e, pouco tempo depois, mestranda em Antropologia Social pela UFBA, passei a ocupar uma das últimas castas na hierarquia sexual da “pirâmide erótica” da antropóloga Gayle Rubin (2003)RUBIN, G. Pensando sobre sexo: notas para uma teoria radical da política da sexualidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 21, 2003., assumindo o lugar de trabalhadora sexual - e o seu duplo como pesquisadora em sexualidades. Essa dupla posicionalidade aliou-me ao que o filósofo Derrida chama de indecidível8 8 “Elemento ambivalente sem natureza própria, que não se deixa compreender nas oposições clássicas binárias; elemento irredutível a qualquer forma de operação lógica ou dialética” (Santiago, 2020. p. 70). operando como locus discursivo crítico às fronteiras analíticas que estruturaram a racionalidade ocidental. O gesto conceitual de lançar luz sobre uma “dupla posicionalidade do saber” implica a observação antropológica da posicionalidade porno-erótica do(a) pesquisador(a) e seus(as) interlocutores(as), bem como os desafios metodológicos de pesquisa provocados por ela. Como parte estruturante desse gesto, me utilizo do método etnográfico na sua intersecção com formas de relacionamento aparentemente inabitáveis: isto é, entre dinheiro, sexo e pesquisa. Aqui, situo o pagamento que fiz por algumas entrevistas semiestruturadas iniciais (tal como a remuneração via chats pagos) com interlocutoras-clientes enquanto um problema antropológico. Como resultado de minha própria pesquisa, elaboro uma crítica à separação entre mercado e conhecimento, que deseja elevar este último à sua forma mais legítima. Essa separação alimenta-se, no limite, de uma ideologia racionalista moderna que pretendeu separar o conhecimento do poder (Foucault, 2020FOUCAULT, M. História da sexualidade: as confissões da carne: vol. 4. São Paulo: Paz e Terra, 2020.). Alimenta-se também do investimento em uma economia moral em detrimento de uma economia de mercado - separadas pela suposta subjetividade das relações não mercadológicas diante da objetividade do dinheiro (Prasad, 1999PRASAD, M. The morality of market exchange: love, money, and contractual justice. Sociological Perspectives, [s. l.], v. 42, n. 2, p. 181-213, 1999.; Zelizer, 1989ZELIZER, V. The social meaning of money: “special monies”. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 95, n. 2, p. 342-377, 1989.). Aqui é importante lembrar os ensinamentos de Marcel Mauss (1974)MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: MAUSS, M. Sociologia e antropologia: v. II. São Paulo: EPU: Edusp, 1974. p. 37-184., segundo os quais reciprocidade e mercado não funcionam separadamente.

Investimentos financeiros no mercado porno-erótico digital conectam-se com a própria “subjetividade erótica” da pesquisadora. Enquanto Jones (2020)JONES, A. Camming: money, power, and pleasure in the sex work industry. New York: NYU Press, 2020. fechava as abas dos sites de webcamming quando ficava excitada e Diaz-Benitez (2009)DIAZ-BENITEZ, M. E. Nas redes do sexo: bastidores e cenários do pornô brasileiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Museu Nacional/PPGAS, 2009. temia que seus olhos alcançassem a presença masturbadora de seu interlocutor (ambas preocupadas com a ética em suas pesquisas), acionei meus atravessamentos porno-eróticos justamente para engajar-me epistemologicamente sob uma perspectiva parcial-comprometida, reconhecendo os meus aportes teóricos, meu gênero, minha raça e, por que não, minha sexualidade.

Mariana Rost (2016)ROST, M. Sexualidades em negociação: a pornografia live streaming no CAM4.com. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2016. nos lembra a importância da descrição desejosa de Malinowski (2012)MALINOWSKI, B. Um diário no sentido estrito do termo. São Paulo: Record, 2012. na abertura de seus diários secretos para mobilizar os silenciamentos acerca da dimensão porno-erótica dos pesquisadores e interlocutores em campo. Os antropólogos Don Kulick e Margaret Willson, já em 1995, reuniram esforços para trazer a reflexividade antropológica sobre o tabu da sexualidade - ou do seu silenciamento - enquanto parte integrante das estratégias que sustentam as reivindicações antropológicas de autoridade.

A construção celibatária do antropólogo em campo alia-se a um senso de identidade marcada pela ideia possessiva de “eu” radicalmente apartada do “páthos”.9 9 Em suas obras, Aristóteles inscrevia o páthos como um instrumento persuasivo da retórica alcançado pelo aspecto emotivo do discurso. É a partir desse aspecto que mobilizo o termo no presente argumento. Ver Penna (2017). Esse senso de identidade carrega o silêncio da “subjetividade erótica” como um triunfo da racionalidade positivista ao mesmo tempo que salvaguarda um projeto de alteridade colonial e deixa incontestada uma das bases epistemológicas do conhecimento antropológico, isto é, a subjetividade do “eu” pesquisador(a) (Kulick; Willson, 1995KULICK, D.; WILLSON, M. (ed.). Taboo: sex, identity, and erotic subjectivity in anthropological fieldwork. London: Psychology Press, 1995., p. 4).10 10 A antropóloga palestina-americana Abu-Lughod defende uma escrita contracultural na possibilidade de acessar a intercambialidade/contestação de três princípios da escrita “da cultura”, são estes: posicionalidade, audiência, e o poder inerente às distinções entre eu e “Outro”. Para a autora, o estudo do “Outro” por antropólogos(as) é sempre um limite da formação do eu para o qual esse “eu”, informado por lugares incontestados, acabou por cair em uma referencialidade fixa, ou mesmo ficar irreferenciado. A literatura decolonial situa o desenvolvimento antropológico da crítica cultural no interior das aspirações coloniais que permitiram acessar o “Outro” a partir de um regime de inteligibilidade do “eu” ocidental (Asad et al., 1973; Said, 2007).

O antropólogo Moisés Lino e Silva (2014)LINO E SILVA, M. Queer sex vignettes from a Brazilian favela: an ethnographic striptease. Ethnography, [s. l.], v. 16, n. 2, p. 223-239, 2014., em debate com as teorias contemporâneas da sexualidade, argumenta que estas últimas, ao apoiarem suas leituras acerca do prazer sexual nos dispositivos de saber-poder confessionais (Foucault, 2020FOUCAULT, M. História da sexualidade: as confissões da carne: vol. 4. São Paulo: Paz e Terra, 2020.), mobilizam a supervalorização antropológica - a partir de um gênero científico dessexualizado - na medida em que o pornográfico enquanto gênero discursivo é subvalorizado. Para Lino e Silva (2014LINO E SILVA, M. Queer sex vignettes from a Brazilian favela: an ethnographic striptease. Ethnography, [s. l.], v. 16, n. 2, p. 223-239, 2014., p. 16), o gênero “striptease etnográfico” constitui-se como suporte alternativo para narrativas etnográficas em que o prazer sexual não está de acordo com um paradigma do “esclarecimento” ou da “verdade” e, sobretudo, não se limita ao corpo do “Outro”, reconhecendo as “práticas sexuais estéticas” - que informam o sexo para além da concepção genital sob a forma de performances discursivas, e jocosas - em que os(as) antropólogos(as) (intencionalmente ou não) participam durante o trabalho de campo.

Aqui, a divisão entre reflexividades, que nomeio como “positivista” e “parcial”, inscreve as diferenças na construção de uma alteridade, respectivamente, autorizada a refletir o lugar do “Outro” na medida em que proclama o diálogo antropológico no apagamento narrativo do “eu” (Clifford, 2005CLIFFORD, J. Sobre a autoridade etnográfica. Trad. Carlos Branco Mendes. In: SANCHES, M. R. Deslocalizar a Europa: antropologia, arte, literatura e história na pós-colonialidade. Lisboa: Cotovia, 2005. p. 101-142.) e na projeção desse “eu” como um combinatório que mantém em tensão as diferentes linhas subjetivas que (re)formam - e marcam - seus sentidos, limites e possibilidades.11 11 James Clifford (2005) pensa a experiência do “scholar” estruturada no interior do sistema observação/participação malinowskiana como principal dispositivo para consolidação da autoridade etnográfica e da etnografia como ciência positiva. Segundo o autor, o paradigma malinowskiano operava no duplo recurso narrativo aos lugares da impessoalidade e da intersubjetividade acionados por declarações do gênero “eu estive lá”. O espírito malinowskiano trouxe a soma da atitude documentária, da experiência imediata e da interpretação teórica, unindo método à teoria, como a principal fonte para a condução de uma autoridade etnográfica que sustentasse o exercício antropológico na construção teórica de um fato objetivamente adquirido.

É a partir da reflexividade parcial que busquei criar uma alteridade em campo que reformulasse o meu “eu” no interior das experiências da antropóloga-camgirl, submetendo-me a uma autointoxicação e prótese pornotópica (Preciado, 2013PRECIADO, P. B. Testo junkie: sex, drugs, and biopolitics in the pharmacopornographic era. New York: The Feminist Press, 2013.). Meu sexo umedecia-se no óleo corporal cuidadosamente iluminado pelos leds registrados pela webcâmera, bem como o meu espaço de trabalho/dormitório e minha corporificação estética integrava-se a lingeries, maquiagens, ornamentações e litros de água oxigenada. Minha atenção reprogramava-se às demandas algorítmicas das empresas-plataforma, das tecnologias de streaming, dos cabos de fibra ótica, da minha webcam Logitech c920 e dos meus antigos modelos de computador e celular da Samsung.

Segundo Beatriz Accioly Lins (2019)LINS, B. A. Caiu na rede: mulheres, tecnologias e direitos entre nudes e (possíveis) vazamentos. 2019. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. o aparelho celular foi o protagonista de sua tese, uma vez que se articulava para suas interlocutoras - e para ela - como uma prótese de seus corpos. O presente trabalho recupera à cena o protagonista etnográfico de Lins, reinserindo-o como instrumento metodológico, antropológico e sexual, isto é, como suporte privilegiado de socialização etnográfica, produção - e compartilhamento - de conteúdos porno-erótico digitais.

Grande parte das narrativas aqui encontradas articularam-se conjuntamente com as ferramentas de busca dos aplicativos WhatsApp e Telegram, na facilitação de palavras-chave que norteassem as minhas discussões. Sites de buscas promotores de uma “democratização científica” como o Library Genesis, o Sci Hub e Google Acadêmico forneceram-me apoio teórico e crítico. É aqui onde situo a etnografia digital enquanto mais um uso da ciência etnográfica (Hine, 2020HINE, C. Ethnography for the internet: embedded, embodied and everyday. London: Routledge, 2020.) integrada aos nossos sistemas de conhecimento e relacionamento atuais que, como afirma Sarah Pink (2018PINK, S. Sarah Pink: digital ethnography. Entrevista cedida a Thore Husfeldt. [S. l.]: University of Copenhagen, 26 Feb. 2018. 1 vídeo (46min59s). Publicado no canal IT University of Copenhagen. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0ugtGbkVRFM . Acesso em: 19 set. 2021.
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, tradução minha), voltam-se para “um mundo essencialmente digital”.

A socióloga Cláudia Pereira Ferraz (2019)FERRAZ, C. P. A etnografia digital e os fundamentos da antropologia para estudos qualitativos em mídias online. Aurora, [s. l.], v. 12, n. 35, p. 46-69, 2019. pensa a análise etnográfica em redes digitais como uma extensão do método etnográfico tradicional, ao reatualizar seus fundamentos na possibilidade de estabelecer a tradução dos algoritmos em dados político-culturais. Carolina Parreiras (2012PARREIRAS, C. Altporn, corpos, categorias e cliques: notas etnográficas sobre pornografia online. Cadernos Pagu, Campinas, n. 38, p. 197-222, 2012., p. 205), ainda, “realiza a incursão empírica a partir de uma alternativa fornecida e facilitada pela internet: seguir fluxos (de dados, informações, pessoas, convenções)” na medida em que esses fluxos envolvem a ligação entre mercado erótico, consumo de pornografia e tecnologia expressadas em múltiplos lugares, relações e espaços que são constitutivos da hibridização entre os ambientes off e online.

A antropóloga Sarah Pink (2018)PINK, S. Sarah Pink: digital ethnography. Entrevista cedida a Thore Husfeldt. [S. l.]: University of Copenhagen, 26 Feb. 2018. 1 vídeo (46min59s). Publicado no canal IT University of Copenhagen. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0ugtGbkVRFM . Acesso em: 19 set. 2021.
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sustenta que a etnografia digital mantém a metodologia da antropologia tradicional a partir do movimento de estudar pessoas dentro do seu relacionamento com elas, estabelecendo contato com suas rotinas e inserindo uma dinâmica de visualização ao que normalmente não estaria disposto a ser visto. Para Angela Jones (2020)JONES, A. Camming: money, power, and pleasure in the sex work industry. New York: NYU Press, 2020., a internet fornece novas condições de trabalho sexual, porque “nunca fecha”. Essa perspectiva indiscriminada de abertura do ambiente digital conectado, no entanto, trouxe desafios à criação metodológica deste trabalho. Seguir fluxos, participar/partilhar experiências e acessar lugares não vistos me exigiram justificativas epistemológicas e éticas ligadas às especificidades do digital.

Optei pela transmissão nos sites de webcamming erótico em horários noturnos pela expectativa de maior tráfego. No entanto, também loguei em horários matutinos e vespertinos na possibilidade de conectar-me a novos públicos. Segui esse plano entre os meses de agosto e início de novembro do ano de 2021 com intervalos de, no máximo, dois dias offline. Minha participação nos grupos estudados (majoritariamente nas aplicações do WhatsApp e Telegram) correspondia a horários indiscriminados e seguia o fluxo do tráfego de informações (Parreiras, 2012PARREIRAS, C. Altporn, corpos, categorias e cliques: notas etnográficas sobre pornografia online. Cadernos Pagu, Campinas, n. 38, p. 197-222, 2012.). Também realizava ensaios semanais, com fotos exclusivas diárias, para produzir meu perfil de modelo nas redes abertas, como Instagram e, em menor medida, Twitter e Reddit, além das redes privadas como OnlyFans e Câmera Privê. Angariei mais de 3000 seguidores no Instagram e quase 2500 nas plataformas de webcamming erótico. Arrecadei pouco mais de R$ 3.000,00 no Câmera Privê, R$ 100,00 no WebCamModels, e gastei R$ 800,00 com entrevistas e a assinatura na Dirty Agência.12 12 A prática de realizar pagamentos para entrevistas não é incomum na antropologia. O antropólogo argentino Néstor Perlongher (1987, p. 26, tradução minha), acerca da sua inserção etnográfica no trabalho dos “michês” na capital paulistana, afirma: “Não há melhor maneira de estudar o trottoir do que fazendo trottoir.” A antropóloga Denise Martin (2003, p. 103), em sua pesquisa sobre prostitutas localizadas na cidade de Santos, em São Paulo, defende a remuneração de entrevistas - prática realizada por ela - como “um procedimento padrão quando se trata de pesquisas com populações marginalizadas”. A Dirty tratava-se de uma agência de modelos destinada para criadoras de conteúdo porno-erótico digital/online criada por Mel Suicide no início de 2021.

Meu trânsito entre esses ambientes, embora marcadamente ligado a um interesse de pesquisa - não só nos espaços de interlocução com as modelos, mas em situações de maior intimidade com os interlocutores-clientes - misturava-se à minha experiência como camgirl, tornando a minha presença etnográfica um híbrido entre trabalhadora sexual e antropóloga. Essa marcação, no entanto, ganhava contornos diferenciados nos grupos aqui estudados.

Enquanto no grupo do Bitches Get Rich (BGR) eu havia negociado a minha presença, no início de 2021, com a autorização das integrantes, no Gringos minha autorização foi intermediada apenas pela administradora Ágatha,13 13 Uma modelo com experiência em muitos sites, com menos de 30 anos, parda, de cabelos escuros e longos. no mesmo ano. Já no Networking a autorização de minha presença tornava-se inviabilizada pela própria natureza comercialmente mediada do grupo, que era atravessado por um fluxo rotativo de membros.14 14 Essa dinâmica rotativa se estendia, em menor medida, aos outros grupos, uma vez que o trabalho com camming/venda de conteúdo constituía-se como temporário para muitas modelos. Os grupos BGR e Gringos, inscritos na plataforma do WhatsApp, preservavam uma média de 40 participantes enquanto o Networking teve um salto de 100 a 140 participantes ao longo dessa pesquisa. Este último grupo era vinculado à Dirty Agência. Tomei conhecimento da agência ao acompanhar o perfil no Instagram de sua fundadora, constantemente citado entre as participantes do BGR. Foi aqui que tornei necessário o anonimato de nomes, a troca de datas e algumas referências específicas, bem como apenas a descrição de publicações quando essas ofereciam a possibilidade de visualização temporária, como conteúdos de stories.

A necessidade de visualmente situar-me em campo - seja pela verificação da minha identidade como pesquisadora/colega de trabalho ou como modelo de webcam - exigiu-me a adoção de uma observação participante como metodologia privilegiada de trabalho.15 15 Em outros momentos, no entanto, apenas observei alguns perfis e transmissões abertas de modelos ou conversas nos grupos aqui mencionados. Aqui, a exposição pública do “eu” num processo de presentificação (Oliveira, 2017OLIVEIRA, D. P. C. de. Sobre aquilo que um dia chamaram corpo: corporalidade nas ambiências digitais. 2017. Dissertação (Mestrado em Teoria e Pesquisa em Comunicação) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.), dado pela dinâmica livestreaming como condição de possibilidade da minha participação etnográfica, trazia novos desafios à minha experiência de trabalho pessoal anterior no webcamming erótico. Antes de “antropologizar-me” enquanto camgirl, eu fazia parte das mulheres decapitadas - modelos sem rosto descritas por Thany Sanches (2022)SANCHES, T. A reinvenção dos corpos femininos nas plataformas de camming: uma aproximação indisciplinar entre pornografia, arte e outras impossibilidades. 2022. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) - Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022..16 16 Sanches (2022, p. 38) descreve a decapitação digital das modelos como um dispositivo de anonimato no interior da “atopia sexual” e traduz o seu rompimento como uma “vitória do corpo político sobre o seu traidor”. Minhas experiências em campo, no entanto, mostram que a revelação do rosto figura-se como uma estratégia para angariar clientes na medida em que proporciona maior autenticidade incorporada. Mostrar o rosto também se ligava a questões geográficas apresentando-se como possibilidade para modelos que se restringiam ao trabalho em sites “gringos” com bloqueio aos usuários brasileiros. Modelos muito tatuadas, ainda, não consideravam seu anonimato garantido apenas na decapitação de suas imagens dada a estética personalizada de seus corpos.

Diaz-Benitez (2009)DIAZ-BENITEZ, M. E. Nas redes do sexo: bastidores e cenários do pornô brasileiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Museu Nacional/PPGAS, 2009. lembra que a definição de pornografia não se reduz a um significado intrínseco a um produto, mas ao contexto no qual é produzido. Para a autora, “retirar a imagem de um contexto estigmatizado e colocá-la em outro, valorizado ou legítimo, ou argumentar que uma imagem transcende o tipicamente sexual possuindo ‘algo a mais’ artístico ou culturalmente, são possibilidades para fugir da censura e evitar o rótulo de pornografia” (Diaz-Benitez, 2009DIAZ-BENITEZ, M. E. Nas redes do sexo: bastidores e cenários do pornô brasileiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Museu Nacional/PPGAS, 2009., p. 20). É nesse “algo a mais” que me senti legitimada para compartilhar o meu rosto na medida em que o webcamming erótico/criação de conteúdo se figurava para mim como uma experiência científica e uma ficção encarnada da possibilidade de habitar, ao mesmo tempo, o corpo da trabalhadora sexual e da cientista.

O cientista social francês Didier Fassin (2014 apudMcLean, 2017MCLEAN, S. J. Fictionalizing anthropology: encounters and fabulations at the edges of the human. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017., p. 46) identifica semelhanças e diferenças entre a ficção literária e a etnografia. O antropólogo Stuart McLean (2017MCLEAN, S. J. Fictionalizing anthropology: encounters and fabulations at the edges of the human. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017., p. 48, tradução minha), no entanto, nos pergunta: “Em que base essa distinção deve ser feita?” É possível que a antropologia operasse uma genealogia dos fatos colocando a própria realidade em questão? É aqui que a escrita mais autobiográfica presente em alguns momentos deste trabalho recriam a minha realidade histórica no interior de uma ficção reflexiva do “eu” multissituado e parcial (Haraway, 2009HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, 2009.; Kulick; Willson, 1995KULICK, D.; WILLSON, M. (ed.). Taboo: sex, identity, and erotic subjectivity in anthropological fieldwork. London: Psychology Press, 1995.), na medida em que “a especificidade de minha experiência - um ser humano particular que encontra outros particulares em um determinado momento histórico e tem interesses particulares nessa interação - não se opõe à teoria mas a encerra e encarna” (Kondo, 1990, p. 24 apudKulick; Willson, 1995KULICK, D.; WILLSON, M. (ed.). Taboo: sex, identity, and erotic subjectivity in anthropological fieldwork. London: Psychology Press, 1995., p. 20, tradução minha).

No entanto, procurei não traduzir essa reflexividade do “eu” em um “banal egotism” (Probyn, 1993 apudKulick; Willson, 1995KULICK, D.; WILLSON, M. (ed.). Taboo: sex, identity, and erotic subjectivity in anthropological fieldwork. London: Psychology Press, 1995., p. 72),17 17 Elspeth Probyn (1993 apudKulick; Willson, 1995, p. 72, tradução minha) critica o modo em que o “self” tem sido discutido no interior da autorreflexividade antropológica como uma prática exclusivamente textual dedicada a elevar o “etnógrafo e seus sujeitos ao reino da pura discursividade”. É aqui que o “banal egoism” encerra os esforços de uma alteridade ensimesmada que constrói narrativamente o “Outro” sob as bases incontestadas de sua própria linguagem, ao mesmo tempo que mantém inobservada as afetações correlativas à sua experiência - corporal - em campo. Sobre as contribuições metodológicas e epistemológicas do exercício de “ser afetado” em campo como crítica às representações do “self” na antropologia anglo-saxã, ver Favret-Saada (2005). na medida em que propus um diálogo por dentro - autointoxicada e multissituada - do meu campo (Pink, 2018PINK, S. Sarah Pink: digital ethnography. Entrevista cedida a Thore Husfeldt. [S. l.]: University of Copenhagen, 26 Feb. 2018. 1 vídeo (46min59s). Publicado no canal IT University of Copenhagen. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0ugtGbkVRFM . Acesso em: 19 set. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=0ugtGbkV...
; Preciado, 2013PRECIADO, P. B. Testo junkie: sex, drugs, and biopolitics in the pharmacopornographic era. New York: The Feminist Press, 2013.), apostando em um relacionamento que pretendeu não se reduzir aos termos do debate entre proximidade ou distância do objeto estudado, ou uma autorreflexividade, como virtude pessoal, mas a uma técnica social de produção etnográfica-antropológica submetida a uma “reflexividade sistêmica” (Gudeman; Penn, 1982 apudStrathern, 2014STRATHERN, M. Os limites da autoantropologia. In: STRATHERN, M. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naif, 2014. p. 133-158.). É aqui que localizo, num gesto exaustivo, as falas das minhas interlocutoras juntamente ao contexto em que foram colocadas, não como mero recurso discursivo que evidenciasse a presença do debate, mas como um “Outrem” que se posiciona como ponto de intersecção entre o “eu” e o “Outro”, afastando-se de uma perspectiva assimétrica de poder cindida entre sujeito e objeto (Abu-Lughod, 2008ABU-LUGHOD, L. Writing against culture. In: OAKES, T.; PRICE, P. L. (ed.). The cultural geography reader. London: Routledge, 2008. p. 62-71.).18 18 Segundo o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro (2002, p. 142, grifo do autor): “Outrem não é uma pessoa, uma terceira pessoa diversa do eu e do tu, à espera de sua vez no diálogo, mas também não é uma coisa, um ‘isso’ de que se fala. Outrem seria mais bem a ‘quarta pessoa do singular’ situada, digamos assim, na terceira margem do rio, anterior ao jogo perspectivo dos pronomes pessoais.”

Mobilidade etnográfica, gênero e a gestão de confiabilidade das empresas-plataforma

No dia 18 de janeiro de 2020 cheguei à capital baiana situando-me como nova mestranda pelo PPGA da UFBA. Duas semanas de aulas presenciais foi o prazo para que minha atividade recreativa pelo campus fosse restringida pela pandemia do coronavírus.19 19 O coronavírus é um novo vírus que teve sua origem na cidade de Wuhan, na China. Começou a ter uma disseminação expressiva em dezembro de 2019 e em março de 2020 se tornou uma pandemia mundial. A volta à casa dos meus pais, no interior do Espírito Santo, constituiu-se como possibilidade diante do novo contexto de imprevisibilidade e confinamento. O ambiente familiar, no entanto, também me trazia restrições. A quase obrigatoriedade das portas abertas em minha casa, somada a ausência de gastos com uma moradia remota, fizeram-me abandonar a minha atividade como “webcam model” iniciada em 2018 e recém-reatada em minha chegada a Salvador. Esse abandono, ainda, acompanhou a minha exclusão das redes de sociabilidade com outras camgirls, inscritas em plataformas como WhatsApp e Instagram.20 20 A ação de “filtragem” nesses grupos era comum, uma vez que circulavam ali conteúdos sensíveis, como informações sobre a identidade das modelos (e clientes) e depoimentos pessoais, levando a exclusão de modelos que não atuavam mais na profissão.

No início de 2021, definido meu projeto de pesquisa e já retornada à capital baiana, passei a construir estratégias para a minha entrada no trabalho de campo etnográfico.21 21 Em função do espaço previsto para essa publicação, as razões que motivaram o projeto de pesquisa que deu origem ao presente artigo não serão aqui discutidas. Decidi, então, iniciar um curso de shibari com Angel (fundadora do grupo BGR). Consegui seu novo número de WhatsApp pelo direct do seu perfil no Instagram e mandei uma mensagem. Após algumas dificuldades com a compra e a entrega da corda (principal instrumento de amarração), conseguimos marcar as aulas para o início de fevereiro de 2021. Na última aula, contei para Angel sobre a minha entrada na antropologia e o interesse em estudar camgirls, inicialmente, retornando ao grupo de WhatsApp do qual, anteriormente, participava como colega de trabalho. Ela respondeu que só aceitaria minha presença se pudesse ler mais sobre meu trabalho. Na mesma semana, enviei um texto de proposta de pesquisa para o grupo.

No dia 21 de fevereiro de 2021, entrei no grupo de WhatsApp, intitulado pela sigla BGR, e me deparei com uma descrição fixada referente a um documento no Google Docs, com textos informativos, seguido do alerta: “CUIDADO ao repassar o doc!” O documento iniciava com a sugestão do uso de tags para facilitação de acesso a um tópico específico. Desse modo, acessamos facilmente as sessões relacionadas às palavras-chave: “podolatria”, “camming”, “Instagram”, “packs”, “receber anonimamente”, “golpes PayPal”, “como configurar o PicPay.” No documento, produzido coletivamente, transitavam desde informações sobre como configurar contas em plataformas para recebimento ou conversão de dinheiro (com a vantagem de manter o anonimato), até a descrição de fetiches como “cuckold”, “money slave”, “domme” e como “monetizar uma live privada”, conseguir presentes, fugir de banimentos e alertar sobre usuários que praticam gravação de telas, expondo seus respectivos nicknames (apelidos). O documento começava com a palavra camming, definida pela seguinte descrição:

Um nicho muito famoso (principalmente na mídia) de trampo adulto. No camming você fica online ao vivo via vídeo em uma plataforma (como o câmera hot, câmera privê, cam4, webcammodels, chaturbate e afins). Cada plataforma tem sua forma de trabalho. Algumas o cliente precisa te chamar em chat pra que você possa começar seu show e não pode ter nudez em chat grátis, outras você fica online e os clientes vão te dando tokens pra que você faça coisa X ou Y. Existem plataformas brasileiras e gringas, pra receber em real ou dólar, e cada plataforma difere bastante entre si.

Em fins do mês de agosto de 2021, realizei alguns contatos com modelos de camming fora das minhas redes de sociabilidade no WhatsApp e Telegram,22 22 Inscritas nos grupos BGR, Networking e Gringos, nos quais ambientei parte do meu trabalho de campo. criei uma conta de usuário no Câmera Privê e a habilitei com 30 créditos (saldo mínimo de usuário). Entrei em algumas salas grátis, mas estabelecer conversa por ali não parecia uma boa ideia, aquele espaço correspondia a uma “prévia”, onde informações básicas eram trocadas e dados sobre cenários, vestuários e performances das modelos poderiam ser obtidos. Decidi ir por outro caminho e enviar mensagens privadas por uma ferramenta parecida com o direct do Instagram.23 23 Direct é uma modalidade de chat privado. No Câmera Privê, para cada mensagem eram cobrados 2,50 de créditos, no entanto, apenas os usuários cadastrados como clientes pagavam pelo envio de mensagens. Lá eu abordava alguns perfis de camgirls, apresentava a minha pesquisa e fornecia mais informações sobre mim. Rapidamente, eu costumava sugerir um encontro via outra plataforma de videoconferência para realizar uma entrevista.

Obtive poucas respostas, entre elas: um casal lésbico, que usava a plataforma como meio de pagamento dos seus cursos de graduação em psicologia, respondeu-me com interesse, porém levantando objeções sobre as políticas de proibição do site quanto à divulgação de dados pessoais. Arrisquei e passei o meu telefone para elas. Também fiz o mesmo movimento no perfil de outras duas modelos e, em um terceiro, recebi como resposta: “Seria um prazer atendê-la no meu chat pago!” Depois de quase duas semanas, chegou uma mensagem no meu WhatsApp: “Boa noite, aqui é Vitória. Tinha esquecido de você, desculpe kkk!” Isso foi às 1h28 da manhã e eu estava online no CP e no WCM.24 24 Abreviação de Câmera Privê e WebCamModels. Retomei o contato no outro dia e expliquei sobre a minha pesquisa, ela propôs um encontro pelo Google Meet25 25 Serviço de comunicação por videochamada desenvolvido pela empresa Google. e perguntou em quais horários eu ficava “on”.26 26 Abreviação de “online” comumente utilizada por meus(minhas) interlocutores(as) de campo. Disse que de manhã até a noite, com alguns intervalos. Continuamos a conversa e Vitória me mostrou algumas avaliações negativas dos clientes da plataforma que geravam nela reações caracterizadas por ela própria como “belicosas”. Adicionou: “No Meet te conto minha evolução no camming.”

Minhas incursões nos chats privados das modelos do Câmera Privê, ainda, reverberaram em Ágatha,27 27 Mantive contato com Ágatha desde a minha entrada no grupo BGR, no início de 2021. uma modelo com experiência em muitos sites, com menos de 30 anos, parda, de cabelos escuros e longos. Na mesma semana que enviei as primeiras mensagens no site, recebi um print no meu chat privado do WhatsApp. Ágatha me encaminhou o texto que eu havia deixado no chat de uma modelo e perguntou: “Essa é você?” Após minha confirmação, ela explicou que havia sido alertada por alguém com quem ela compartilhava outro grupo de WhatsApp. A modelo que havia enviado o print sinalizava desconfiança sobre a minha proposta de fazer uma pesquisa. Ágatha, ainda, sugeriu: “Por mensagem é difícil alguém acreditar em você. Acho que elas só vão acreditar se você as convidar para o chat privado e abrir a sua câmera. Mostre que você é mulher realmente!”

Para Tom Slee (2019)SLEE, T. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2019. as redes de confiabilidade, no interior de uma economia de compartilhamento,28 28 A economia de compartilhamento define-se como um sistema econômico no qual bens ou serviços são divididos. Esses bens podem ser partilhados entre pessoas ou entre empresas e serem utilizados de forma gratuita ou sob o pagamento de uma taxa. Esse modelo de negócios, segundo Slee, funciona como paradigma produtivo das empresas-plataforma na medida em que essas operam quase que exclusivamente oferecendo espaços/estruturas de compartilhamento - e produção - de serviços. A Uber, por exemplo, participa dessa economia na medida em que intermedia o compartilhamento - pago - de “caronas”. Já os sites de webcamming erótico e venda/criação de conteúdo intermediam o compartilhamento de conteúdo e de videochamadas prestando serviços de aluguéis de “salas” ou de “perfis” dentro das plataformas. A taxa desse aluguel varia entre as plataformas, representando 70% (Streamate, LiveJasmin), 65% (ImLive), 50 % (CâmeraPrivê, Chaturbate, Cambox, StripChat), 45% (Xmodels, SigameLive), 40%(BongaCams) e 30% (WebCamModels) descontado do valor de cada minuto transmitido - ou venda realizada - pelos(as) modelos. são deslocadas dos aparatos de regulação institucional para ganhar significado nos sistemas de reputação. Esses últimos operam pela classificação algorítmica individual, como os mecanismos de avaliação dos sites representados por estrelas e comentários, atuando de forma descentralizada, informal e coletiva. Os sistemas de reputação, para Slee, ampliam as influências discriminatórias, dado o caráter subjetivista da avaliação - “ele consertou minha pia e chegou na hora, mas havia algo nele… Eu não gostei de tê-lo em minha casa” (Slee, 2019SLEE, T. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2019., p. 185) - ao nublar a qualidade da experiência laboral com as idiossincrasias do contratante.

Nas plataformas de webcamming erótico, e venda de conteúdo, também é possível observar a operação desses sistemas de regulação. A menção de Vitória às respostas “belicosas”, como reação às más avaliações dos clientes, ilustra a arbitrariedade em que os sistemas de avaliação são inscritos. Não raro encontrei queixas das modelos sobre avaliações “injustas” de clientes acusando-as de serem mal-educadas ou não prestarem o serviço combinado. A posição comum entre as mesmas era de que os clientes não liam as informações nos perfis delas, desconheciam as práticas que elas se recusavam a fazer e/ou insistiam para que as fizessem, além de exigirem a exposição sexual explícita em um curto período de tempo. Como no “desabafo” de uma modelo ao grupo Networking:

Luiza: Bom dia gente! Um desabafo, ontem fui dormir puta porque um cara no CP me deu avaliação ruim porque não quis fazer o que ele queria, ódio de macho frustrado.

Lúcia: Comenta na avaliação dele o motivo. Que daí quem for ler vai ver que ele foi cuzão. Teve uma vez que o cara começou a perguntar se eu tinha desodorante p enfiar na piquita. Eu falei que tinha óbvio né, quem não tem? Mas falei que não colocava essas coisas que já tinha o consolo pra isso. Aí ele perguntava se tinha pepino, cenoura, essas paradas… Eu falando que não colocava e ele insistindo toda hora, falando p colocar o braço dentro. Aí eu fiquei quieta só esperando ele desligar… kkkkk! Porque não ia fazer nada disso… kkkk! Aí ele disse que eu não fazia nada do que ele queira e que ia me avaliar mal, eu só estava esperando a avaliação dele pra falar um monte kkkk!

Luiza: Esse eu tava no privado, aí ele ficava o tempo todo tira tudo, fica peladinha, querendo tudo na hora dele. Aí falou q ia me dar um presente de 10 (10!!!!!!!!!!) pra eu ficar peladinha “logo”. Daí eu disse ou que a gente ia pro exclusivo ou ele me dava um presente melhor. Aí eu ficava! Ele desligou na minha cara. Tava super desconfortável com o papo dele.

Aqui, nota-se que os sistemas de avaliação das plataformas de webcamming erótico seguem as mesmas arbitrariedades ligadas às idiossincrasias sociais discutidas por Slee (2019)SLEE, T. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2019.. Ainda é possível observar a gestão da confiabilidade no interior das empresas-plataforma, por via dos sistemas de reputação, quando pensamos as avaliações realizadas entre clientes, no site do Câmera Privê, a fim de cumprir exclusivamente as demandas do público consumidor.29 29 No site do Câmera Privê, por exemplo, não existe o recurso de avaliação dos clientes, como nos perfis das modelos demonstrados acima. Essas redes de confiabilidade estendiam-se para a verificação dos perfis das modelos vinculadas às plataformas a partir da exigência do compartilhamento de informações e documentações pessoais delas. Abaixo, apresento alguns dos passos necessários para a realização da conta de modelo no site do WebCamModels:

Figura 1
Webcam Model Application (ficha de inscrição para se tornar modelo).30 30 As imagens apresentadas são representações gráficas reconstruídas a partir dos modelos dos sites citados, projetadas pelo designer Fabrício Marinho. A reconstrução das imagens buscou respeitar as políticas de propriedade intelectual definidas em ambas as plataformas, descaracterizando os principais elementos de suas identidades visuais sem perder, para o(a) leitor(a), a experiência interface-usuário inscrita nelas. É pertinente, ainda, marcar que essas políticas de veemente proibição aos(às) usuários(as) da reprodução do conteúdo dos sites são combinadas com uma licença transferível às plataformas do conteúdo gerado pelos(as) mesmos(as) usuários(as). As primeiras se beneficiam da “exibição publicamente das contribuições dos usuários relativas ao site […] promoção e redistribuição, em parte ou no todo em quaisquer formatos de mídia e por meio de quaisquer canais de mídia […] uso livre e ainda exploração das contribuições do usuário para qualquer finalidade, sem qualquer obrigação de pagamento”. Acrescenta-se, ainda, a renúncia desses sites em responsabilizar-se pela “segurança ou direitos de propriedade intelectual relacionados à tais conteúdos” sem que isso as cause “quaisquer direitos ou recursos legais”. Essas políticas, no limite, asseguram proteção jurídica aos conteúdos produzidos pelas empresas ao mesmo tempo que os desprotegem quando produzidos pelos(as) usuários(as).

Figura 2a
Webcam Model Application (termo de compromisso para prestação de serviços na plataforma).

Figura 2b
Webcam Model Application (termo de compromisso para prestação de serviços na plataforma).

Figura 3
Formulário de inscrição de usuário no Webcam Model.

Em relação aos usuários pagantes, o requerimento de informações reservava-se aos dados de pagamento e a uma conta de e-mail válida. Como nos exemplos abaixo relacionados, respectivamente, ao site do WebCamModels e Câmera Privê:31 31 Ao optar pelo cadastro em uma conta de usuário comum no site do WebCamModels observa-se que a ferramenta de identificação do gênero encontra-se já marcada no sexo masculino, o que evidencia, segundo Rost (2016, p. 135), que na indústria do webcamming erótico “mulheres são bem-vindas, desde que sejam camgirls”.

Figura 4
Formulário de inscrição de usuário no Câmera Privê.

Figura 5
Formas de pagamento no Câmera Privê.

A facilitação de acesso concedida aos usuários-clientes das plataformas - em relação aos das modelos - e os sistemas de avaliações exclusivamente aplicados aos perfis delas evidenciam que a desregulação das empresas-plataforma opera para precarizar os trabalhadores plataformizados em relação à confiabilidade, segurança e acesso à informação, assimetricamente fornecidas pelos seus clientes.32 32 A desigualdade em relação à verificação dos perfis dos clientes e modelos do site se estendia às plataformas de relacionamento “sugar”, como a Meu Patrocínio. Esse tipo de relacionamento ao, comumente, demandar encontros presenciais, não raro traduzia-se entre as modelos ligadas ao trabalho no ambiente digital em receio e suspeição. O site Meu Patrocínio ainda incluía a análise da ficha criminal aos usuários-clientes como um serviço “VIP”, exclusivo para aqueles que pagavam uma mensalidade de R$ 1.000,00. Essa precarização, no entanto, é contornada a partir de estratégias mobilizadas pela criação de sociabilidades microcoletivas33 33 Utilizo o termo para me referir aos usos das redes digitais, como nos grupos aqui estudados, na inscrição de sociabilidades coletivas, sem restrição geográfica (Mocellim, 2009), elaboradas no interior de comunidades de interação específicas. O termo, ainda, serve de argumento crítico ao entendimento da internet como espaço de trocas universais e indiscriminadas (Hine, 2020; Parreiras, 2012). em grupos situados nas plataformas digitais, como os aqui estudados.

Angela Jones (2020)JONES, A. Camming: money, power, and pleasure in the sex work industry. New York: NYU Press, 2020. defende que os fóruns online são o principal mecanismo para o desenvolvimento de capital social entre as camgirls. Bárbara Batista Machado (2021)MACHADO, B. B. O trabalho sexual online com recurso a plataformas de distribuição de conteúdo: um estudo exploratório. 2021. Dissertação (Mestrado Integrado em Psicologia) - Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto, 2021. ainda se refere às “comunidades online”, em que suas interlocutoras ajudavam umas às outras na troca de informações acerca dos fotógrafos com quem já haviam trabalhado e com os quais tiveram experiências negativas, como problemas de conduta e assédio.

Discussões sobre confiança atravessaram todo meu percurso etnográfico, inclusive, sustentando uma das utilidades dos grupos do WhatsApp e Telegram formados entre minhas interlocutoras. Aqui, a troca de informações sobre profissionais (fotógrafos, outras modelos, administradores de páginas, editores de conteúdo) e, sobretudo, de clientes, funcionava como mecanismo de regulação e segurança das trocas comerciais - na identificação de golpes financeiros, na proteção contra vazamentos e verificação de perfis profissionais. Essas trocas de informações, no entanto, também se estendiam a outras modelos, como registrado no print de Ágatha enviado para mim.

Lorena Caminhas (2021)CAMINHAS, L. R. P. Webcamming erótico comercial. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 64, n. 1, e184482, 2021. e Bárbara Baptista Machado (2021)MACHADO, B. B. O trabalho sexual online com recurso a plataformas de distribuição de conteúdo: um estudo exploratório. 2021. Dissertação (Mestrado Integrado em Psicologia) - Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto, 2021. descrevem a dificuldade no alcance das interlocutoras delas a partir da aproximação via plataformas sociais abertas, como Twitter e Instagram. Ambas as autoras sustentam que a alteração desse quadro de desconfiança se deu a partir de uma rede de compartilhamento gerada pelas interlocutoras iniciais, transferindo às pesquisadoras o status de “verificação profissional”. Sobre a sua primeira interlocutora, afirma Caminhas (2021CAMINHAS, L. R. P. Webcamming erótico comercial. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 64, n. 1, e184482, 2021., p. 5): “Anelise compartilhou em seu Twitter sua experiência na entrevista, afirmando que ela ajudaria a ‘esclarecer e divulgar o que são as camgirls’.” Silva (2014)SILVA, W. O sexo incorporado na web: cenas e práticas de mulheres strippers. 2014. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. relata que o envio do link de seu currículo Lattes decorreu da desconfiança dos primeiros contatos que empreendera com suas interlocutoras, uma delas questionou o fato do MSN dele não ter uma foto, buscando assegurar-se de que não se tratava de um “fake”, que se fazia passar por pesquisador. Sobre esse último relato, retomo a necessidade apontada por Ágatha de que eu abrisse a minha câmera para mostrar que “era mulher”. Essa necessidade reverberava uma política de gênero e sexualidade defendida entre minhas interlocutoras, a qual sustentava uma segregação entre homens e mulheres, mantidos, respectivamente, nos lugares de clientes e trabalhadoras sexuais.

A manutenção do lugar masculino sob a insígnia da suspeita e rejeição, incorporada ao status de cliente, sustentava-se ainda no afastamento de uma atração pessoal do desempenho profissional, como percebe-se em uma afirmação de uma de minhas interlocutoras, Scorpian:34 34 Jovem, parda e “acima do peso” (heteroidentificação da pesquisadora) afastada da família em razão de violência homofóbica. “Eu sou lésbica, odeio homem. Entro total em um personagem!” Ao que outra interlocutora, Lary,35 35 Uma modelo branca, jovem e magra. continua: “Entro no automático, finjo um superinteresse. Só aceito quando tô em chat e tal…” E NicelyBad36 36 Modelo próxima dos 30, mãe de duas meninas, branca, magra, de classe média e afastada completamente da família, pela negligência e os abusos cometidos pelo seu pai. desabafa: “NÃO SIRVO PRA LIDAR COM HOMEM. Eu sou traumatizada MESMO REAL, não gosto. E isso me leva a questionar se eu sirvo pra esse trampo ou se eu só me iludo mesmo.” Outra interlocutora chegou a atribuir uma natureza opressora masculina baseada em um defeito de DNA.

Em minhas horas passadas em transmissões online como camgirl, eu testemunhava essa duplicidade: mulher/trabalhadora sexual e homem/cliente. Certa vez, nas minhas primeiras transmissões no site do WebCamModels, fui abordada por Clarisse, uma modelo do site que me enviou a seguinte mensagem: “Você é linda, configura seu perfil pra ganhar no privado.” Ela me passou o número de sua agente do site e explicou a abordagem dela: “Eu tenho um grupo no Telegram e tá difícil conseguir assinatura e quando eu vejo uma menina assim perdida eu fico puta, quero ajudar.” Aqui, a incompreensão de Clarisse sobre a transmissão de uma imagem ligada a uma feminilidade desejável (Silva; Jayme, 2015SILVA, W.; JAYME, J. G. Close na web: incorporando femininos desejáveis. Mediações, Londrina, v. 20, n. 1, p. 194-216, 2015.), marcada por um perfil não apto para receber pagamentos, cristaliza a sexualidade feminina na equação sexo/dinheiro (Silva; Blanchette, 2017SILVA, A. P. da; BLANCHETTE, T. G. Por amor, por dinheiro? Trabalho (re)produtivo, trabalho sexual e a transformação da mão de obra feminina. Cadernos Pagu, Campinas, n. 50, e175019, 2017.) ou, mesmo, no uso da pornografia como palco da expressão privilegiada do desejo (hétero) sexual masculino (Dworkin, 1981DWORKIN, A. Men possessing women. New York: Perigee, 1981.).

As teóricas estadunidenses Adrienne Evans e Sarah Riley defendem que o surgimento do webcamming erótico no interior de uma cultura de “culto à celebridade” (Senft, 2008SENFT, T. M. Camgirls: celebrity and community in the age of social networks. New York: Lang, 2008.), engajada no desempenho de uma performance hiperfeminina (Drenten; Gurrieri; Tyler, 2020DRENTEN, J.; GURRIERI, L.; TYLER, M. Sexualized labour in digital culture: Instagram influencers, porn chic and the monetization of attention. Gender, Work & Organization, [s. l.], v. 27, n. 1, p. 41-66, 2020.), reinscreve o desafio crítico feminista - do combate às feminilidades hegemônicas - em um regime “pós-feminista” que solapa o discurso à objetificação feminina na construção de uma subjetividade sexual orientada para o mercado heterossexual masculino.

No entanto, ao contrário de um pós-feminismo, tendo a compreender que as falas de minhas interlocutoras/colegas de trabalho habitam mais uma política de gênero que, no limite, alia-se às ambições críticas do feminismo antissexo na adoção de uma metafísica da diferença sexual, apoiada na defesa de uma sexualidade masculina essencialmente opressora e na disposição para construir espaços exclusivamente femininos enquanto sinônimo de segurança e agenciamento.37 37 Em todos os grupos estudados era comum presenciar uma gramática feminista inscrita em termos como “machismo”, “relacionamento abusivo”, “objetificação sexual”, “empoderamento”. Ainda, no interior do BGR, não raro observei modelos se identificarem como feministas.

Webcamming é trabalho sexual?

Faltavam apenas 15 dias para eu dar como encerrado o meu campo etnográfico e passo a angustiar-me nas madrugadas que não tenho atendimento no Câmera Privê. Decido ocupar esses momentos de ócio acompanhando os perfis de outras modelos do site. Acesso o perfil de Your Angel. Ela reproduz o que eu chamaria de uma garota de ensino médio safada, porém inexperiente. Em suas fotos, vejo-a de roupão, sentada na cama reproduzindo um pós-banho despretensioso que, de um momento para o outro, pode transformar-se num cenário em que ela promete “se divertir juntos”, onde se exibirá usando “meus brinquedos pra você”. Para isso, ela adverte: “Seja gentil, eu não sou uma máquina. Tudo será muito melhor se nós dois gozarmos, não?”

Surpreendo-me com a regularidade com que as modelos se referem a uma experiência “robotizada” para definir o que não esperam encontrar no site. Essa experiência se regula pela duração esperada para um chat autêntico. LizFrança38 38 Uma mulher de 27 anos, magra, bronzeada e tatuada. contrapõe conceitualmente “show” e “chat” a partir das ideias de interação e autenticidade e se refere a esse último como a sua modalidade de atendimento.

Eu NÃO faço show. Primeiro que não sei cantar… rs! Segundo, que show é uma coisa que tem roteiro, mecanizada… Eu faço CHAT! Aqui não é site pornô que você escolhe a categoria que quer e aperta o play. Meu chat é real, seja sozinha ou de sexo. Então, vamos caprichar na interação para vocês terem o melhor chat que puderem ter aqui nesse site!

A descrição de LizFrança me transporta para a experiência de um chat que realizei em um desses dias de ócio provocados pelo baixo tráfego do site. Luis me cumprimenta no chat gratuito do CP. No seu nickname está a bandeira de outro país. Ele me explica que mora na Áustria há dois anos por ter “enjoado” do Brasil. Ele tem menos de 30 anos e se vê como “privilegiado”. Luis me envia um convite para o chat privado. Ele interage pouco e me exige esforço para conduzir o chat. Pergunto se visitou outras salas antes da chegar na minha e ele confirma, acrescentando: “Mas tem muitas mulheres que parecem robôs, aí não tem papo.” Luis me conta que há cinco anos encontrou o Câmera Privê no Google ao pesquisar pelo termo “pornô online”. Ele revela que após o seu uso do site “quase não assiste mais pornô” e que “é melhor ver pessoas de verdade”. Pergunto sobre seu casamento e ele afirma não ver o site como traição, concluindo: “Pra mim é um pornô com interação.”

O mês de outubro avançava e com ele o encerramento para o prazo das minhas transmissões. Era um sábado à noite e fui abordada por Fred, no chat grátis do CP. Ele contou que era a sua primeira vez no site e que se atraiu pelo meu sorriso e pelos bicos dos meus seios. Digo que o conduzirei ao bom uso da plataforma, referindo-me à necessidade de receber o convite para continuarmos nossa conversa no chat pago. Ele envia e eu aceito. Pergunto a sua motivação para entrar no site, ao que retruca: “Estou com mais de 100 abas do pornô abertas e não sinto nada.” Ele se define como “socialmente imbecil”, tem 34 anos, um emprego não muito bom e mora com a mãe. Insisto na sua motivação para usar o site e ele continua: “Como todo homem sou atraído por pornografia, mas masturbação em vídeo de atrizes não é estimulante. Eu gosto de conversa. Se puder vir com nudez, melhor ainda.” Amanhecemos o dia juntos, minha câmera tornava-se prótese biônica para os olhos de Fred que pousavam sobre o meu corpo totalmente nu. Ao mesmo tempo, o sinalizador de créditos do site apontava para o acréscimo de 300 créditos em minha conta.

Fred retornou à minha sala, diariamente, até o encerramento do meu campo. Nossos encontros costumavam reverter, para mim, em um misto de encabulamento, diversão e 300 créditos diários em minha conta. E, próximo ao encerramento do campo, como previsto em minha pesquisa, sentia uma angústia sobre a natureza indiferenciada entre o pessoal e o profissional. Tento encontrar o intermédio entre a antropóloga e a camgirl, a fronteira entre a ética, dinheiro e a pesquisa. No limite, tento segurá-lo no site sem “iludi-lo”.

Perguntei nos grupos BGR e Networking sobre experiências com clientes “apaixonados”. As repostas resumiram-se na máxima: “Se você tiver paciência, é uma fonte de dinheiro!” Perguntei sobre os limites éticos desse tipo de relacionamento e recebi como resposta: “Se não fosse você, ele procuraria outra.” PinkCutie39 39 Jovem, paulista, gorda (autoidentificação) e tatuada. interpelou Gabii: “Eu tenho o pacote ‘webnamoradinha’, começou com esse papo, eu logo ofereço.” Gabriela40 40 Jovem do interior de São Paulo, de corpo voluptuoso, branca, de cabelos longos lisos e escuros. sugere: “Eu posso estar errada, mas eu vejo os caras como carentes, sabe? Eu vou crescer nisso neles, pô!” Outras modelos sustentam a estratégia de investir na marca (Jones, 2020JONES, A. Camming: money, power, and pleasure in the sex work industry. New York: NYU Press, 2020.) de “gamer nerd”.41 41 Para Maurizio Lazzarato e Antonio Negri (2022), com a emergência da “pós-indústria” a extração da mais-valia se desloca das relações produtivas materiais para atingir a subjetividade do(a) trabalhador(a). É sob esse olhar que situo a construção das próprias modelos como produtos a serem comercializados ao se disporem a construir, em torno de si, uma “marca comercial”.

Silva (2014SILVA, W. O sexo incorporado na web: cenas e práticas de mulheres strippers. 2014. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014., p. 277) defende que uma das maiores competências para a conquista de maior lucro na indústria do webcamming erótico consiste em “projetar estereótipos e representações sobre [um certo] feminino […] que é constantemente reinventado no aprimoramento de si enquanto mercadoria ou no investimento das personagens que incorpora em seu cotidiano”. Redfetishist42 42 Jovem e mãe, casada, gaúcha, branca de olhos claros e cabelos coloridos. reforçou isso: “Tem muito cara que curte falar sobre games, animes nos sites de camming. Desde que comecei a falar mais sobre games nas lives tenho atraído um público que dá pra trabalhar além da putaria no camming.” Angel conclui: “Usar camiseta de anime pra transmitir é estratégia de marketing.” Redfetishist confirmou: “Cria conexão com o cliente. Porque putaria por putaria tem um monte, o que faz o cara voltar é se conectar com você de alguma forma.” Angel acrescentou: “Camiseta de banda também! Eles adoram conversar, são carentes de atenção mesmo.”

Aqui a autenticidade incorporada (Jones, 2020JONES, A. Camming: money, power, and pleasure in the sex work industry. New York: NYU Press, 2020.) evidencia-se como principal produto a ser comercializado nas interações online - em tempo real - personalizadas para as quais “o cliente está adquirindo uma experiência única com um indivíduo(s) com quem pode não ser capaz de interagir intimamente e sexualmente em sua vida cotidiana”. Na medida em que os clientes estão “comprando experiências autênticas com pessoas ‘reais’” (Jones, 2020JONES, A. Camming: money, power, and pleasure in the sex work industry. New York: NYU Press, 2020., p. 156, tradução minha) - como “pagar pela atenção” - acrescenta-se às demandas de gozo pessoal desses últimos a experiência de prazer da própria modelo. Não raro, os meus shows acabavam com a solicitação - e engajamento - dos meus clientes para que eu gozasse, como ilustrado a seguir:43 43 Um de meus interlocutores-clientes chegou a afirmar que “o gozo solo é vazio e incompleto”. Dada a ausência de ejaculação vaginal, não raro, a solicitação de que eu ligasse meu áudio articulava-se como recurso suplementar. Aqui, a sonoridade operava semioticamente como instrumento porno-erótico - e cenográfico - de verificação do gozo feminino (Diaz-Benitez, 2009).

Figura 6
Conta pessoal de modelo no Câmera Privê.

Outros clientes-interlocutores, como NegroSamurai justificam a busca do webcamming erótico na sua recusa a uma experiência porno-erótica “premeditada”, na medida em que mobiliza um consumo diretamente ligado à compra de minha “atenção”. Já Carlos me como alguém que o ouve e merece a minha atenção, ao mesmo tempo que incorporo o desejo dele de levar alguém para jantar, sem que isso abale o seu “casamento feliz”. André, ainda, afirma encontrar no webcamming uma sensibilidade que não tem fisicamente. É a partir dessas expectativas de consumo suscitadas entre experiências de trabalho como modelo de webcam, compartilhadas entre mim e minhas interlocutoras, que atribuo ao webcamming erótico comercial uma natureza diferenciada de outras modalidades de trabalho sexual.

Para uma interlocutora, Monique, o webcamming erótico se define na distinção de outras modalidades do trabalho sexual, nas quais se referiu ao “grupo explorado”, constituído por “atrizes pornôs, mulheres que estão na prostituição por falta de escolha e mulheres transexuais que são obrigadas, porque não tem outras coisas”. Já para Angel: “O camming tem limites mais seguros pela natureza da coisa, né? A proporção de riscos é óbvia. Porque na prostituição presencial o bagulho é louco!” Em Caminhas (2018CAMINHAS, L. R. P. A midiatização dos mercados do sexo e a configuração da experiência erótica mediada. Galáxia, São Paulo, n. 37, p. 162-174, 2018., p. 170), uma das consequências do processo de midiatização dos mercados do sexo são as novas mobilizações usadas pelos(as) trabalhadores(as) sexuais para delimitar lugares de estigmatização inscritos, no limite, em experiências diferenciadas de prazer e perigo no interior de diferentes modalidades do trabalho sexual:

No contexto da midiatização dos mercados do sexo emerge uma nova estratégia de diferenciação entre as atividades, que corresponde à defasagem entre ter contato corporal ou somente mediado com os clientes. Contudo, desta primeira divisão se engendra uma segunda, qual seja: a existência de um sexo qualificado como real (em presença) e de outro compreendido como simulado (mediado tanto pela câmera e transmissão televisiva quanto pelo computador conectado à internet).

Paul Bleakley (2014)BLEAKLEY, P. “500 tokens to go private”: camgirls, cybersex and feminist entrepreneurship. Sexuality & Culture, [s. l.], v. 18, n. 4, p. 892-910, 2014. descreve as atividades praticadas pelas camgirls a partir da produção de “materiais pornográficos customizados”, como outrora afirmaram Angel e Helena: “Eles pagam pela sensação de exclusividade e ‘proximidade’, ou, mesmo, pela ‘atenção’.” Henry e Farvid (2017)HENRY, M. V.; FARVID, P. ‘Always hot, always live’: computer-mediated sex work in the era of ‘camming’. Women’s Studies Journal, [s. l.], v. 31, n. 2, p. 113-128, 2017. defendem que o camming envolve uma ampla gama de práticas com variações e (contestáveis) graus de erotismo, na medida em que algumas modelos de webcam alcançam sucesso financeiro sem remover suas roupas ou realizar qualquer ato sexual, praticando atividades como dançar, ler romances e revistas, ou simplesmente conversar. Bruna,44 44 Uma mãe na faixa dos 30 anos, parda, de corpo voluptuoso e cabelos lisos escuros e longos. uma interlocutora, contou que “já ouviu falar de cliente que pediu pra uma menina não fazer nada, pra fazer tarefa de casa, pra assistir série, pra dormir”, acrescentando: “Eu atendi um que queria que eu lesse.” Sara, outra interlocutora, complementou: “Eu já fiz show no CP fazendo empadão.” A cientista social Mariana Rost (2016ROST, M. Sexualidades em negociação: a pornografia live streaming no CAM4.com. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2016., p. 69) reflete:

Não se trata, por isso, de uma assepsia romântica ou moralista das relações, mas sim do processo de construção de um entendimento de que há ali uma intimidade. Isso deixa claro que a fantasia reside mais no acesso privado a uma pessoa e na identificação subjetiva com ela do que no caráter especial das imagens. Atividades que eram outrora secundárias se tornam primárias, como comprar uma pizza ou arrumar a casa.

Para a pesquisadora finlandesa, especialista em mídia, Susanna Paasonen (2010)PAASONEN, S. Labors of love: netporn, Web 2.0 and the meanings of amateurism. New Media & Society, [s. l.], v. 12, n. 8, p. 1297-1312, 2010.) e o teórico da comunicação J. Macgregor Wise (2004)WISE, J. M. An immense and unexpected field of action: webcams, surveillance and everyday life. Cultural Studies, [s. l.], v. 18, p. 424-442, 2004. a “webcam culture” inscreve a subjetividade contemporânea no interior de formações estruturais moldadas dentro de uma sociedade de vigilância. Esse é o ponto de partida para compreender a natureza da autenticidade incorporada como privilegiadamente mobilizada por um tipo de “trabalho afetivo/cognitivo”, observado no marco crítico na passagem da economia industrial para a pós-indústrial (Bifo, 2003BIFO, F. B. La fábrica de la infelicidad: nuevas formas de trabajo y movimiento global. Madrid: Traficantes de Sueños, 2003.; Marques; Freitas, 2014MARQUES, V. P.; FREITAS, I. O. M. de. A síndrome de burnout como decorrência das relações de trabalho na pós-modernidade. Revista São Luis Orione, Araguaína, v. 1, n. 1, p. 7-21, 2014.; Codo; Vasques-Menezes, 1999CODO, W.; VASQUES-MENEZES, I. O que é burnout. In: CODO, W. (coord.). Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 237-254.) na medida em que distancia a matéria comercializada do webcamming erótico de uma prática exclusivamente sexual para ganhar privilégio na intimidade telemediada. A afirmação de Angel sobre “usar camiseta de anime ou banda” como estratégia de marketing e, mesmo, o interesse de Gabriela em pagar as suas contas navegando no universo gamer, reverberado por Redfetishist na possibilidade de “criar conexão”, evidencia que incorporar o autêntico significa apropriar-se da dimensão personalizada aberta pelas novas possibilidades telepresentes de interação.

A crítica da comunicação Kavita Nayar (2017NAYAR, K. I. Working it: the professionalization of amateurism in digital adult entertainment. Feminist Media Studies, [s. l.], v. 17, n. 3, p. 473-488, 2017., p. 485, tradução minha), ainda, fala em termos de uma “profissionalização da autenticidade” trazendo a defesa de sua interlocutora Lana: “Ser ‘autêntico’ não significa não fazer nada ou ser você mesmo.” Para Jones (2020)JONES, A. Camming: money, power, and pleasure in the sex work industry. New York: NYU Press, 2020., as modelos gerenciam autenticidade e realismo ao mesmo tempo que fabricam identidades que elas acreditam ter alto valor de mercado no campo de webcamming. É aqui que a estética realista amadora nos diz menos sobre a revelação de uma experiência verdadeira do que sobre a fabricação do verdadeiro - autêntico - enquanto uma experiência porno-erótica esperada/desejada. Autenticidade incorporada significa, ainda, o apagamento dos esforços implicados no universo de lingeries, maquiagens, ornamentações e litros de água oxigenada engajados no exercício de tornar-me camgirl.

Considerações finais

O artigo buscou refletir sobre como a construção da autoridade e mobilidade etnográficas45 45 Entendo por mobilidade etnográfica os movimentos de aproximação e distanciamento - seja físico, emocional, cultural - que o(a) antropólogo(a) desempenha em relação ao seu objeto ou universo de pesquisa. Esses movimentos estariam, no limite, relacionados às dinâmicas de confiabilidade articuladas no encontro antropológico. são moldadas pelas complexidades intrínsecas às condições de existência particulares ao campo em que nos situamos. No meu caso, às estruturas de verificação e gerenciamento de confiança próprias aos sites e aos grupos de modelos usuárias das plataformas de webcamming erótico - a fim de driblarem as desigualdades nas políticas de segurança e compartilhamento de informações das empresas-plataformas; o compartilhamento de discursos de gênero/sexualidade defendidos por minhas interlocutoras que, no limite, se basearam em um tipo de solidariedade feminista radical; bem como as possibilidades de interação e contato com o público consumidor abertas pela exploração de um “capital erótico” (Hakim, 2010HAKIM, C. Erotic capital. European Sociological Review, [s. l.], v. 26, n. 5, p. 499-518, 2010.), intrínseco às expectativas de consumo desse mercado, desde minha dupla posicionalidade enquanto antropóloga e camgirl.

As posições feministas adotadas por minhas interlocutoras lançam pistas sobre a mobilidade etnográfica de colegas de pesquisa, sobretudo, no que tange às desconfianças enfrentadas por Silva (2014)SILVA, W. O sexo incorporado na web: cenas e práticas de mulheres strippers. 2014. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014., forçando-o a produzir aparatos de verificação de sua identidade. Mesmo Machado (2021)MACHADO, B. B. O trabalho sexual online com recurso a plataformas de distribuição de conteúdo: um estudo exploratório. 2021. Dissertação (Mestrado Integrado em Psicologia) - Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto, 2021. e Caminhas (2021)CAMINHAS, L. R. P. Webcamming erótico comercial. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 64, n. 1, e184482, 2021. tiveram uma recusa sistemática de suas investidas etnográficas. Jones (2020)JONES, A. Camming: money, power, and pleasure in the sex work industry. New York: NYU Press, 2020., apesar de contar com uma experiência anterior enquanto trabalhadora sexual, não escapou de questionamentos sobre sua conduta profissional. No entanto, a sugestão de Ágatha sobre a necessidade de identificar-me enquanto mulher trouxe à tona que a minha mobilidade para obtenção de dados em campo contava com um duplo privilégio, não só pela minha feminilidade cisgênero, mas também pelo fato de eu ser uma colega de trabalho. Essa dupla posicionalidade, por vezes, colocou-me em situação de compartilhamentos e afinidades pessoais, profissionais e cognitivas que foram traduzidas em credibilidade e confiança diante da minha presença em campo.

A negociação da minha mobilidade e autoridade etnográfica observou, ainda, uma crítica às estruturas de verificação presentes nas empresas-plataforma ao desmistificar seu caráter objetivo e impessoal (Slee, 2019SLEE, T. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2019.), demonstrando os critérios idiossincráticos realizados pelos clientes na avaliação das modelos bem como os critérios utilizados pelas modelos nas trocas de informações ao nível de sociabilidades microcoletivas. A circulação dessas informações aparecia, no limite, como necessária à estrutura de trabalho desregulada do empreendedorismo individual (Bregantin, 2021BREGANTIN, R. Desfamilização das funções da família e plataformização do trabalho: a lógica da servidão voluntária/involuntária. 2021. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2021.; Slee, 2019SLEE, T. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2019.) vinculada ao trabalho nas plataformas de webcamming erótico comercial.

Por último, o exercício de “antropologizar-me” enquanto camgirl ofereceu um recurso metodológico e conceitual importante na observação das regularidades, circulações simbólicas e práticas no comportamento do público consumidor e sua intersecção com os discursos de minhas interlocutoras. É a partir dessa intersecção que caracterizo as expectativas de consumo bem como a própria matéria comercializada no mercado do webcamming erótico comercial, isto é: a comercialização da intimidade telemediada sob a égide da autenticidade incorporada. Esse exercício final, no entanto, não seria possível sem uma crítica radical à antropologia enquanto gênero científico dessexualizado observada na passagem de uma reflexividade “positivista” a uma reflexividade “parcial”.

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  • ZELIZER, V. The social meaning of money: “special monies”. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 95, n. 2, p. 342-377, 1989.
  • 1
    O Tinder é um aplicativo para serviços de relacionamentos online, lançado em 2 de setembro de 2012 pela empresa de internet americana InterActiveCorp. O aplicativo cruza informações do Facebook e do Spotify, localizando pessoas geograficamente próximas e está disponível para os sistemas Android e iOS.
  • 2
    Todos os nomes das minhas interlocutoras são fictícios, em vista de preservar o anonimato. Em seu trabalho sobre a indústria do sexo no ambiente digital Weslei Lopes Silva (2014SILVA, W. O sexo incorporado na web: cenas e práticas de mulheres strippers. 2014. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014., p. 75) reflete sobre as escolhas dos nomes de seus interlocutores ao levar em consideração: “Os nomes, pois, são escolhidos por elas objetivando expressar o que as pessoas podem esperar delas, a forma como elas ambicionam ser percebidas e também em conciliação com o que elas consideram como o enunciado semântico que poderá despertar o maior interesse para um grande número de clientes.” A criação dos nomes para essa pesquisa é iluminada por esse critério. Acrescento que as personagens aqui encontradas serão majoritariamente femininas, uma vez que faço um recorte metodológico de mulheres cisgênero.
  • 3
    Jovem, paulistana, gorda, parda, pansexual e aberta às práticas de BDSM.
  • 4
    Gíria que resulta da soma entre a palavra “cam” (câmera) e a terminação de tempo verbal “ing” em inglês, indicando o presente contínuo, na ação de transmitir chamadas de vídeos ao vivo via webcâmeras.
  • 5
    Plataforma de webcamming erótico brasileira recentemente comprada por Henrique Meneghelli, sócio majoritário - e criador - do Câmera Privê.
  • 6
    Afirmação feita pelas minhas interlocutoras, que mais tarde serão apresentadas.
  • 7
    Crédito é a nomenclatura do modelo de criptomoeda utilizada pelo site para armazenamento ou transferência de moeda corrente. Um crédito equivale a um real brasileiro. As criptomoedas são moedas digitais do tipo criptográfica, que utilizam da tecnologia de um sistema de registro de transações em rede de dados peer-to-peer (P2P), conhecida como blockchain, ou cadeia de blocos, para serem transferidas, compradas e vendidas, sem necessidade de autenticação e verificação de uma terceira parte.
  • 8
    “Elemento ambivalente sem natureza própria, que não se deixa compreender nas oposições clássicas binárias; elemento irredutível a qualquer forma de operação lógica ou dialética” (Santiago, 2020SANTIAGO, S. Glossário de Derrida. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2020.. p. 70).
  • 9
    Em suas obras, Aristóteles inscrevia o páthos como um instrumento persuasivo da retórica alcançado pelo aspecto emotivo do discurso. É a partir desse aspecto que mobilizo o termo no presente argumento. Ver Penna (2017)PENNA, T. A Poética de Aristóteles: conceito e racionalidade. 2017. Tese (Doutorado em Filosofia) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017..
  • 10
    A antropóloga palestina-americana Abu-Lughod defende uma escrita contracultural na possibilidade de acessar a intercambialidade/contestação de três princípios da escrita “da cultura”, são estes: posicionalidade, audiência, e o poder inerente às distinções entre eu e “Outro”. Para a autora, o estudo do “Outro” por antropólogos(as) é sempre um limite da formação do eu para o qual esse “eu”, informado por lugares incontestados, acabou por cair em uma referencialidade fixa, ou mesmo ficar irreferenciado. A literatura decolonial situa o desenvolvimento antropológico da crítica cultural no interior das aspirações coloniais que permitiram acessar o “Outro” a partir de um regime de inteligibilidade do “eu” ocidental (Asad et al., 1973ASAD, T. et al. (ed.). Anthropology and the colonial encounter. London: Ithaca Press, 1973.; Said, 2007SAID, E. W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.).
  • 11
    James Clifford (2005)CLIFFORD, J. Sobre a autoridade etnográfica. Trad. Carlos Branco Mendes. In: SANCHES, M. R. Deslocalizar a Europa: antropologia, arte, literatura e história na pós-colonialidade. Lisboa: Cotovia, 2005. p. 101-142. pensa a experiência do “scholar” estruturada no interior do sistema observação/participação malinowskiana como principal dispositivo para consolidação da autoridade etnográfica e da etnografia como ciência positiva. Segundo o autor, o paradigma malinowskiano operava no duplo recurso narrativo aos lugares da impessoalidade e da intersubjetividade acionados por declarações do gênero “eu estive lá”. O espírito malinowskiano trouxe a soma da atitude documentária, da experiência imediata e da interpretação teórica, unindo método à teoria, como a principal fonte para a condução de uma autoridade etnográfica que sustentasse o exercício antropológico na construção teórica de um fato objetivamente adquirido.
  • 12
    A prática de realizar pagamentos para entrevistas não é incomum na antropologia. O antropólogo argentino Néstor Perlongher (1987PERLONGHER, N. O negócio do michê: a prostituição viril. São Paulo: Brasiliense, 1987., p. 26, tradução minha), acerca da sua inserção etnográfica no trabalho dos “michês” na capital paulistana, afirma: “Não há melhor maneira de estudar o trottoir do que fazendo trottoir.” A antropóloga Denise Martin (2003MARTIN, D. Riscos na prostituição: um olhar antropológico. São Paulo: FFLCH/USP: Fapesp, 2003., p. 103), em sua pesquisa sobre prostitutas localizadas na cidade de Santos, em São Paulo, defende a remuneração de entrevistas - prática realizada por ela - como “um procedimento padrão quando se trata de pesquisas com populações marginalizadas”. A Dirty tratava-se de uma agência de modelos destinada para criadoras de conteúdo porno-erótico digital/online criada por Mel Suicide no início de 2021.
  • 13
    Uma modelo com experiência em muitos sites, com menos de 30 anos, parda, de cabelos escuros e longos.
  • 14
    Essa dinâmica rotativa se estendia, em menor medida, aos outros grupos, uma vez que o trabalho com camming/venda de conteúdo constituía-se como temporário para muitas modelos. Os grupos BGR e Gringos, inscritos na plataforma do WhatsApp, preservavam uma média de 40 participantes enquanto o Networking teve um salto de 100 a 140 participantes ao longo dessa pesquisa. Este último grupo era vinculado à Dirty Agência. Tomei conhecimento da agência ao acompanhar o perfil no Instagram de sua fundadora, constantemente citado entre as participantes do BGR.
  • 15
    Em outros momentos, no entanto, apenas observei alguns perfis e transmissões abertas de modelos ou conversas nos grupos aqui mencionados.
  • 16
    Sanches (2022SANCHES, T. A reinvenção dos corpos femininos nas plataformas de camming: uma aproximação indisciplinar entre pornografia, arte e outras impossibilidades. 2022. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) - Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022., p. 38) descreve a decapitação digital das modelos como um dispositivo de anonimato no interior da “atopia sexual” e traduz o seu rompimento como uma “vitória do corpo político sobre o seu traidor”. Minhas experiências em campo, no entanto, mostram que a revelação do rosto figura-se como uma estratégia para angariar clientes na medida em que proporciona maior autenticidade incorporada. Mostrar o rosto também se ligava a questões geográficas apresentando-se como possibilidade para modelos que se restringiam ao trabalho em sites “gringos” com bloqueio aos usuários brasileiros. Modelos muito tatuadas, ainda, não consideravam seu anonimato garantido apenas na decapitação de suas imagens dada a estética personalizada de seus corpos.
  • 17
    Elspeth Probyn (1993 apudKulick; Willson, 1995KULICK, D.; WILLSON, M. (ed.). Taboo: sex, identity, and erotic subjectivity in anthropological fieldwork. London: Psychology Press, 1995., p. 72, tradução minha) critica o modo em que o “self” tem sido discutido no interior da autorreflexividade antropológica como uma prática exclusivamente textual dedicada a elevar o “etnógrafo e seus sujeitos ao reino da pura discursividade”. É aqui que o “banal egoism” encerra os esforços de uma alteridade ensimesmada que constrói narrativamente o “Outro” sob as bases incontestadas de sua própria linguagem, ao mesmo tempo que mantém inobservada as afetações correlativas à sua experiência - corporal - em campo. Sobre as contribuições metodológicas e epistemológicas do exercício de “ser afetado” em campo como crítica às representações do “self” na antropologia anglo-saxã, ver Favret-Saada (2005)FAVRET-SAADA, J. “Ser afetado”, de Jeanne Favret-Saada. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 13, n. 13, p. 155-161, 2005..
  • 18
    Segundo o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro (2002VIVEIROS DE CASTRO, E. O nativo relativo. Mana, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 113-148, 2002., p. 142, grifo do autor): “Outrem não é uma pessoa, uma terceira pessoa diversa do eu e do tu, à espera de sua vez no diálogo, mas também não é uma coisa, um ‘isso’ de que se fala. Outrem seria mais bem a ‘quarta pessoa do singular’ situada, digamos assim, na terceira margem do rio, anterior ao jogo perspectivo dos pronomes pessoais.”
  • 19
    O coronavírus é um novo vírus que teve sua origem na cidade de Wuhan, na China. Começou a ter uma disseminação expressiva em dezembro de 2019 e em março de 2020 se tornou uma pandemia mundial.
  • 20
    A ação de “filtragem” nesses grupos era comum, uma vez que circulavam ali conteúdos sensíveis, como informações sobre a identidade das modelos (e clientes) e depoimentos pessoais, levando a exclusão de modelos que não atuavam mais na profissão.
  • 21
    Em função do espaço previsto para essa publicação, as razões que motivaram o projeto de pesquisa que deu origem ao presente artigo não serão aqui discutidas.
  • 22
    Inscritas nos grupos BGR, Networking e Gringos, nos quais ambientei parte do meu trabalho de campo.
  • 23
    Direct é uma modalidade de chat privado. No Câmera Privê, para cada mensagem eram cobrados 2,50 de créditos, no entanto, apenas os usuários cadastrados como clientes pagavam pelo envio de mensagens.
  • 24
    Abreviação de Câmera Privê e WebCamModels.
  • 25
    Serviço de comunicação por videochamada desenvolvido pela empresa Google.
  • 26
    Abreviação de “online” comumente utilizada por meus(minhas) interlocutores(as) de campo.
  • 27
    Mantive contato com Ágatha desde a minha entrada no grupo BGR, no início de 2021.
  • 28
    A economia de compartilhamento define-se como um sistema econômico no qual bens ou serviços são divididos. Esses bens podem ser partilhados entre pessoas ou entre empresas e serem utilizados de forma gratuita ou sob o pagamento de uma taxa. Esse modelo de negócios, segundo Slee, funciona como paradigma produtivo das empresas-plataforma na medida em que essas operam quase que exclusivamente oferecendo espaços/estruturas de compartilhamento - e produção - de serviços. A Uber, por exemplo, participa dessa economia na medida em que intermedia o compartilhamento - pago - de “caronas”. Já os sites de webcamming erótico e venda/criação de conteúdo intermediam o compartilhamento de conteúdo e de videochamadas prestando serviços de aluguéis de “salas” ou de “perfis” dentro das plataformas. A taxa desse aluguel varia entre as plataformas, representando 70% (Streamate, LiveJasmin), 65% (ImLive), 50 % (CâmeraPrivê, Chaturbate, Cambox, StripChat), 45% (Xmodels, SigameLive), 40%(BongaCams) e 30% (WebCamModels) descontado do valor de cada minuto transmitido - ou venda realizada - pelos(as) modelos.
  • 29
    No site do Câmera Privê, por exemplo, não existe o recurso de avaliação dos clientes, como nos perfis das modelos demonstrados acima.
  • 30
    As imagens apresentadas são representações gráficas reconstruídas a partir dos modelos dos sites citados, projetadas pelo designer Fabrício Marinho. A reconstrução das imagens buscou respeitar as políticas de propriedade intelectual definidas em ambas as plataformas, descaracterizando os principais elementos de suas identidades visuais sem perder, para o(a) leitor(a), a experiência interface-usuário inscrita nelas. É pertinente, ainda, marcar que essas políticas de veemente proibição aos(às) usuários(as) da reprodução do conteúdo dos sites são combinadas com uma licença transferível às plataformas do conteúdo gerado pelos(as) mesmos(as) usuários(as). As primeiras se beneficiam da “exibição publicamente das contribuições dos usuários relativas ao site […] promoção e redistribuição, em parte ou no todo em quaisquer formatos de mídia e por meio de quaisquer canais de mídia […] uso livre e ainda exploração das contribuições do usuário para qualquer finalidade, sem qualquer obrigação de pagamento”. Acrescenta-se, ainda, a renúncia desses sites em responsabilizar-se pela “segurança ou direitos de propriedade intelectual relacionados à tais conteúdos” sem que isso as cause “quaisquer direitos ou recursos legais”. Essas políticas, no limite, asseguram proteção jurídica aos conteúdos produzidos pelas empresas ao mesmo tempo que os desprotegem quando produzidos pelos(as) usuários(as).
  • 31
    Ao optar pelo cadastro em uma conta de usuário comum no site do WebCamModels observa-se que a ferramenta de identificação do gênero encontra-se já marcada no sexo masculino, o que evidencia, segundo Rost (2016ROST, M. Sexualidades em negociação: a pornografia live streaming no CAM4.com. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2016., p. 135), que na indústria do webcamming erótico “mulheres são bem-vindas, desde que sejam camgirls”.
  • 32
    A desigualdade em relação à verificação dos perfis dos clientes e modelos do site se estendia às plataformas de relacionamento “sugar”, como a Meu Patrocínio. Esse tipo de relacionamento ao, comumente, demandar encontros presenciais, não raro traduzia-se entre as modelos ligadas ao trabalho no ambiente digital em receio e suspeição. O site Meu Patrocínio ainda incluía a análise da ficha criminal aos usuários-clientes como um serviço “VIP”, exclusivo para aqueles que pagavam uma mensalidade de R$ 1.000,00.
  • 33
    Utilizo o termo para me referir aos usos das redes digitais, como nos grupos aqui estudados, na inscrição de sociabilidades coletivas, sem restrição geográfica (Mocellim, 2009MOCELLIM, A. D. A metrópole virtual: uma alternativa ao conceito de comunidade virtual. 2009. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.), elaboradas no interior de comunidades de interação específicas. O termo, ainda, serve de argumento crítico ao entendimento da internet como espaço de trocas universais e indiscriminadas (Hine, 2020HINE, C. Ethnography for the internet: embedded, embodied and everyday. London: Routledge, 2020.; Parreiras, 2012PARREIRAS, C. Altporn, corpos, categorias e cliques: notas etnográficas sobre pornografia online. Cadernos Pagu, Campinas, n. 38, p. 197-222, 2012.).
  • 34
    Jovem, parda e “acima do peso” (heteroidentificação da pesquisadora) afastada da família em razão de violência homofóbica.
  • 35
    Uma modelo branca, jovem e magra.
  • 36
    Modelo próxima dos 30, mãe de duas meninas, branca, magra, de classe média e afastada completamente da família, pela negligência e os abusos cometidos pelo seu pai.
  • 37
    Em todos os grupos estudados era comum presenciar uma gramática feminista inscrita em termos como “machismo”, “relacionamento abusivo”, “objetificação sexual”, “empoderamento”. Ainda, no interior do BGR, não raro observei modelos se identificarem como feministas.
  • 38
    Uma mulher de 27 anos, magra, bronzeada e tatuada.
  • 39
    Jovem, paulista, gorda (autoidentificação) e tatuada.
  • 40
    Jovem do interior de São Paulo, de corpo voluptuoso, branca, de cabelos longos lisos e escuros.
  • 41
    Para Maurizio Lazzarato e Antonio Negri (2022)LAZZARATO, M.; NEGRI, A. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022., com a emergência da “pós-indústria” a extração da mais-valia se desloca das relações produtivas materiais para atingir a subjetividade do(a) trabalhador(a). É sob esse olhar que situo a construção das próprias modelos como produtos a serem comercializados ao se disporem a construir, em torno de si, uma “marca comercial”.
  • 42
    Jovem e mãe, casada, gaúcha, branca de olhos claros e cabelos coloridos.
  • 43
    Um de meus interlocutores-clientes chegou a afirmar que “o gozo solo é vazio e incompleto”. Dada a ausência de ejaculação vaginal, não raro, a solicitação de que eu ligasse meu áudio articulava-se como recurso suplementar. Aqui, a sonoridade operava semioticamente como instrumento porno-erótico - e cenográfico - de verificação do gozo feminino (Diaz-Benitez, 2009DIAZ-BENITEZ, M. E. Nas redes do sexo: bastidores e cenários do pornô brasileiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Museu Nacional/PPGAS, 2009.).
  • 44
    Uma mãe na faixa dos 30 anos, parda, de corpo voluptuoso e cabelos lisos escuros e longos.
  • 45
    Entendo por mobilidade etnográfica os movimentos de aproximação e distanciamento - seja físico, emocional, cultural - que o(a) antropólogo(a) desempenha em relação ao seu objeto ou universo de pesquisa. Esses movimentos estariam, no limite, relacionados às dinâmicas de confiabilidade articuladas no encontro antropológico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2023
  • Aceito
    03 Set 2023
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