Acessibilidade / Reportar erro

O perfil dos desmatamentos em Mato Grosso, após implementação do licenciamento ambiental em propriedades rurais

Deforestations profile in Mato Grosso, after implementation of the environmental licensing in rural properties

Resumos

O Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais (SLAPR) foi implantado no estado do Mato Grosso, no ano de 2000, num processo de descentralização da política florestal para os estados. O principal objetivo do SLAPR era a redução dos desmatamentos ilegais no estado e causou grande expectativa nos elaboradores/gestores de politica pública na época de sua implantação. Este artigo quantificou e qualificou os resultados dos desmatamentos ocorridos dentro do Sistema, bem como do nível de sua regularização que a política conseguiu provocar no estado até o ano 2007. Para elaborar o trabalho, foram utilizadas ferramentas de Geoprocessamento, extraindo os vetores dos limites das propriedades da base digital da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT) até 2006 e da dinâmica de desmatamentos entre 2000 e 2007. Também foram utilizados documentos informando o número de desmatamentos autorizados no período. Entre os resultados, verificou-se que o sistema licenciou, no período, grandes propriedades rurais (média de 1.500 ha) havendo altas taxas de autorização de desmatamentos. A quantidade de 1.420.500,50 hectares foram desmatados em propriedades rurais licenciadas em todo o estado do Mato Grosso, no período de 2000 a 2007, representando um incremento de 32% em relação ao acumulado no período anterior, entre 1995 e 1999. A maior parte desse desmatamento contou com autorização legal. O estudo também concluiu que houve desmatamentos em reserva legal dentro das propriedades licenciadas, apesar de que tal infração tenha sido menor em relação às propriedades fora do sistema. A autorização de desmatamento caiu drasticamente após 2005, mostrando que o sistema funcionou melhor quando todo estado estava com altas taxas de desmatamento e com polígonos maiores de desmatamento. O estudo sinaliza para cuidados na análise dos dados numéricos de desmatamento no SLAPR, indicando em que aspectos a euforia apresentada na época de sua implementação veio ou não a se confirmar, apontando as armadilhas e vicissitudes desse tipo de instrumento de políticas públicas ambientais.

Desmatamento; política ambiental; licenciamento rural; sustentabilidade


Environmental licensing system of rural property (SLAPR) was implemented in the State of Mato Grosso in 2000, within a process of decentralization of forest policy to subnational states. The main objective of SLAPR was the reduction of illegal deforestation in the State, and this has caused a lot of enthusiasm among public managers at that time. This article analyzed the results of deforestation occurred within the system, as well as the level of its regularization that this policy could cause in the state until 2007. It was used geoprocessing tools, extracting licensed properties data (until 2006) and deforestation dynamics (2000-2007) from SEMA -MT (Secretary of State of Mato Grosso for the Environment). In addition, documents stating the number of authorized deforestation during the period were used. Among the results it was found that system licensed, in that period, mostly large properties (1500 ha average), existing high level of deforestation allowances. A total of 1,420,500.50 hectares were cleared on farms throughout the state of Mato Grosso in the period 2000 to 2007, representing an increase of 32% accumulated in the previous period, from 1995 to 1999. Most of this deforestation had legal authorization. Also was concluded that there was deforestation in legal reserve within the licensed properties, even though such breach was minor in relation to properties outside the system. The deforestation allowance fell down drastically after 2005, showing that system was most effective when the whole state had performed high levels of deforestation and higher deforestation polygons. The study addressed to the necessity of being careful on numerical data analysis about the deforestation control by SLAPR, indicating in which aspects that enthusiasm could be confirmed or not, and addressing the traps and difficulties of this kind of instrument of environmental public policies.

Deforestation; environmental policy; rural licensing; sustainability


O perfil dos desmatamentos em Mato Grosso, após implementação do licenciamento ambiental em propriedades rurais

Deforestations profile in Mato Grosso, after implementation of the environmental licensing in rural properties

Andréa Aguiar AzevedoI; Carlos Hiroo SaitoII

IGraduada em Ciências Biológicas, Pesquisadora Doutora em Desenvolvimento Sustentável – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia/IPAM – SHIN CA 5, Bloco J2 – Bairro Lago Norte – 71503-505 – Brasília, DF, Brasil – andrea@ipam.org.br

IIGraduado em Biologia e Análise de Sistemas, Professor Doutor em Geografia – Universidade de Brasília/UnB – Instituto de Ciências Biológicas – Departamento de Ecologia – Campus Universitário Darcy Ribeiro – Cx. P. 04457 – 70.904-970 – Brasília, DF, Brasil – carlos.saito@pq.cnpq.br, carlos.h.saito@hotmail.com

RESUMO

O Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais (SLAPR) foi implantado no estado do Mato Grosso, no ano de 2000, num processo de descentralização da política florestal para os estados. O principal objetivo do SLAPR era a redução dos desmatamentos ilegais no estado e causou grande expectativa nos elaboradores/gestores de politica pública na época de sua implantação. Este artigo quantificou e qualificou os resultados dos desmatamentos ocorridos dentro do Sistema, bem como do nível de sua regularização que a política conseguiu provocar no estado até o ano 2007. Para elaborar o trabalho, foram utilizadas ferramentas de Geoprocessamento, extraindo os vetores dos limites das propriedades da base digital da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT) até 2006 e da dinâmica de desmatamentos entre 2000 e 2007. Também foram utilizados documentos informando o número de desmatamentos autorizados no período. Entre os resultados, verificou-se que o sistema licenciou, no período, grandes propriedades rurais (média de 1.500 ha) havendo altas taxas de autorização de desmatamentos. A quantidade de 1.420.500,50 hectares foram desmatados em propriedades rurais licenciadas em todo o estado do Mato Grosso, no período de 2000 a 2007, representando um incremento de 32% em relação ao acumulado no período anterior, entre 1995 e 1999. A maior parte desse desmatamento contou com autorização legal. O estudo também concluiu que houve desmatamentos em reserva legal dentro das propriedades licenciadas, apesar de que tal infração tenha sido menor em relação às propriedades fora do sistema. A autorização de desmatamento caiu drasticamente após 2005, mostrando que o sistema funcionou melhor quando todo estado estava com altas taxas de desmatamento e com polígonos maiores de desmatamento. O estudo sinaliza para cuidados na análise dos dados numéricos de desmatamento no SLAPR, indicando em que aspectos a euforia apresentada na época de sua implementação veio ou não a se confirmar, apontando as armadilhas e vicissitudes desse tipo de instrumento de políticas públicas ambientais.

Palavras-chave: Desmatamento, política ambiental, licenciamento rural, sustentabilidade.

ABSTRACT

Environmental licensing system of rural property (SLAPR) was implemented in the State of Mato Grosso in 2000, within a process of decentralization of forest policy to subnational states. The main objective of SLAPR was the reduction of illegal deforestation in the State, and this has caused a lot of enthusiasm among public managers at that time. This article analyzed the results of deforestation occurred within the system, as well as the level of its regularization that this policy could cause in the state until 2007. It was used geoprocessing tools, extracting licensed properties data (until 2006) and deforestation dynamics (2000-2007) from SEMA –MT (Secretary of State of Mato Grosso for the Environment). In addition, documents stating the number of authorized deforestation during the period were used. Among the results it was found that system licensed, in that period, mostly large properties (1500 ha average), existing high level of deforestation allowances. A total of 1,420,500.50 hectares were cleared on farms throughout the state of Mato Grosso in the period 2000 to 2007, representing an increase of 32% accumulated in the previous period, from 1995 to 1999. Most of this deforestation had legal authorization. Also was concluded that there was deforestation in legal reserve within the licensed properties, even though such breach was minor in relation to properties outside the system. The deforestation allowance fell down drastically after 2005, showing that system was most effective when the whole state had performed high levels of deforestation and higher deforestation polygons. The study addressed to the necessity of being careful on numerical data analysis about the deforestation control by SLAPR, indicating in which aspects that enthusiasm could be confirmed or not, and addressing the traps and difficulties of this kind of instrument of environmental public policies.

Key words: Deforestation, environmental policy, rural licensing, sustainability.

1 INTRODUÇÃO

O primeiro estado no Brasil, localizado na Amazônia Legal, a estruturar um licenciamento ambiental de propriedades rurais, utilizando Sensoriamento Remoto e Sistema de Informações Geográficas (SIG), foi o Mato Grosso (MT). Tal sistema, batizado como Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais (SLAPR), foi efetivamente implantado, a partir de 2000 e causou grande euforia nos elaboradores/gestores de politica pública na época de sua implementação.

Desde a implantação do SLAPR, duas principais avaliações (institucionais) do sistema foram feitas: a) o relatório encomendado pelo Banco Mundial que avaliou o sistema até 2002 (CHOMITZ; KANOUNNIKOFF, 2005); e b) o relatório de avaliação do instrumento feito pelo Ministério do Meio Ambiente que utilizou a base de dados do órgão estadual e avaliou o período de 2003 a 2004 (BRASIL, 2005).

No primeiro estudo, conduzido por Chomitz e Kanounnikoff (2005), os resultados sugerem que a criação e implantação inicial do SLAPR afetaram a atitude dos proprietários, em relação ao desmatamento em 2002. Segundo esse relatório, os proprietários teriam reduzido o desmatamento, principalmente em "áreas mais observáveis", áreas prioritárias para a aplicação, como as próximas às rodovias e áreas com baixos remanescentes de cobertura vegetal1 1 Áreas na região Sudeste do estado, por exemplo, com desmatamento mais consolidado. em relação a outras áreas. Os autores se mostraram otimistas com a ação do programa sobre o proprietário individual.

Na segunda avaliação, feita no período de 2003 e 2004 e publicada pelo ISA/MMA, com ênfase em aspectos operacionais do sistema, conclui-se que o SLAPR não apresentou eficácia no período, e os desmatamentos no interior das propriedades licenciadas foi de 3.21% (sendo 1.75% em Reservas Legais), excedendo a taxa de 2.15% de desmatamento ocorrido em áreas não licenciadas. Além disso, os desmatamentos nos anos de 2003 e 2004 dentro das Reservas Legais (RL) foram, praticamente, seis vezes maiores que em outras Áreas Protegidas, como Terras indígenas (TI) e Unidades de Conservação da Natureza (UCN) (BRASIL, 2005).

Os resultados de outras análises foram os seguintes:

(1) O SLAPR teve impacto inicial sobre o desmatamento em 2000. Nesse período, houve, segundo os dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), um movimento de queda dessa forma de degradação ambiental no MT, enquanto houve crescimento na maioria dos outros estados da Amazônia (FEARNSIDE, 2003). Esse autor comenta, ainda que, mesmo com crescimento do desmatamento em, praticamente, todos os estados da Amazônia Legal em 2002, inclusive no MT, as taxas de aumento nesse estado foram bem mais modestas se comparadas às do Pará e Rondônia (FEARNSIDE; BARBOSA, 2003); e (2) A tese de Kanounnikoff (2005) apresenta resultados empíricos indicando que não houve evidência estatística de correlação positiva entre o início do SLAPR e a redução dos desmatamentos em Áreas de Preservação Permanente (APP) de 1996 a 2002. Provavelmente, a redução de desmatamento em APP já vinha ocorrendo antes do sistema. Outra conclusão indica que houve uma maior resposta de propriedades com desmatamentos superiores a 1.000 ha. em relação aos desmatamentos menores.

Tendo em vista contradições entre esses estudos, este artigo avaliou o perfil do desmatamento e da legalidade dentro e fora do SLPAR nos primeiros oito anos (2000-2007) de sua implementação no estado do Mato Grosso. De forma específica, com o presente estudo, objetivou-se apresentar: 1) a caracterização das propriedades licenciadas no período; 2) a evolução na quantidade e a regularização dos desmatamentos que ocorreram dentro do sistema nesse período, incluindo aqueles dentro da Reserva Legal (não foi realizada analise em APP separadamente); 3) comparação do desmatamento dentro das reservas legais das propriedades licenciadas com outras categorias de área de proteção (Unidades de Conservação da Natureza, Terras Indígenas e Reserva Legal fora do sistema); 4) a natureza desse desmatamento no que se refere ao status de regularidade frente à lei, ou seja, quanto desse desmatamento efetuado foi autorizado no período de análise, dada às novas competências do estado. Entende-se aqui o termo "regularização" como sendo equivalente à duas funções consecutivas: a entrada da propriedade no sistema e a obtenção da licença ambiental e, quando cabível, a autorização do Estado para desmatar em sua propriedade, respeitados os limites legais e a averbação da Reserva Legal.

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Região de estudo

Mato Grosso é um estado que ocupa uma área de 90,23 milhões de hectares, da Amazônia Legal, possuindo, no interior do estado, áreas pertencentes aos biomas Amazônia: Cerrado (SOUZA-HIGA; MORENO, 2005). O estado abriga nascentes e rios também de três grandes bacias hidrográficas – Alto Paraguai, Araguaia-Tocantins e Amazonas – e possui 141 municípios espalhados pelo seu vasto território e polarizados pela capital Cuiabá, localizada no centro–sul do estado. Além disso, Mato Grosso possui em seu território 13.165.773,86 hectares em Terras Indígenas e 5.569.398,46 hectares em Unidades de Conservação da Natureza (Federais, Estaduais e Municipais) de todas as categorias (incluindo APA – Área de Proteção Ambiental e RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural). Sua população é estimada em 3.035.122 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, 2010), configurando uma densidade demográfica média baixa, de somente 3,36 habitantes/Km2.

2.2 Seleção dos dados

Para elaborar o trabalho, foram utilizadas ferramentas de Geoprocessamento, extraindo os vetores dos limites das propriedades da base digital da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT) até 2006 e da dinâmica de desmatamentos entre 2000 e 2007. Também foram utilizados documentos analógicos informando o número de desmatamentos autorizados no período.

Para a extração dos dados a serem analisados, foram utilizadas bases digitais georreferenciadas que foram trabalhadas em programas ArcGis / ArcMap9.22 2 As licenças dos programas que foram utilizados são: ArcView UNK100341507; ArcEditor UNK179303601; Spatial Analyst UNK206648304. e, posteriormente, em programa de estatística Excel. As bases utilizadas foram:

- Base SEMA com todas as propriedades licenciadas até 2006.

- Base SEMA com as Reservas Legais das propriedades licenciadas até 2006.

- Base INCRA de propriedades certificadas no MT, mas não-licenciadas (fora do SLAPR) para comparar os desmatamentos, nas reservas legais, dentro e fora do Sistema do estado (grupo controle).

- Base SEMA – MT de desmatamentos entre 1995 e 1999 para analisar os desmatamento no período pré licenciamento e de 2000 a 2007 para analisar o desmatamento no pós licenciamento (a dinâmica dos anos 1995-96, 1997-98 e 2000- 01 sao bianuais);

- Bases de hidrografia, estradas pavimentadas e não pavimentadas, mapa político do estado e dos municípios do Mato Grosso (IBGE);

- Base com polígonos agrícolas da safra 2007/2008 de 12 municípios cedida pela empresa Globalsat , localizada em Rondonópolis – MT

- Base RADAM Brasil 1:100.000 para classificação da fitofisiologia (cedida pela SEMA). Por meio dessa base, foram separados os desmatamentos nas propriedades por bioma.

A projeção aplicada aos arquivos foi Lambert Conformal Conic e o Sistema de Coordenadas Geográficas GCS South American1969.

2.3 Análise dos dados

A) Dinâmica geral do licenciamento: na primeira etapa foram cruzadas os polígonos das propriedades licenciadas pela SEMA- MT com outras bases disponíveis como biomas e estradas. Também nessa etapa foram feitas as proporções de quantidade de propriedades licenciadas no estado em termos de área e unidades produtivas, utilizando dados do Censo agropecuário do IBGE (2006). De um universo de aproximadamente 8.9553 3 A base de dados do SLAPR apresentou uma série de sobreposições (overlaps) e mesmo tentando corrigir o problema, os números de quantidade de propriedades e de área devem ser analisados como uma aproximação do real. propriedades cadastradas no banco de dados até o final de 2006, foram utilizadas 5.826 propriedades no estudo, que já estavam licenciadas até aquele momento, perfazendo um total de aproximadamente 13,6 milhões de hectares.

B) Detecção dos desmatamentos dentro das propriedades licenciadas: depois da primeira etapa de caracterização das propriedades, foram utilizados os vetores dos desmatamentos para caracterizar que tipo de desmatamento ocorreu dentro das propriedades. Assim, três tipos de desmatamento aparecem na análise: a) ilegal em Reservas Legais; b) ilegal fora de Reservas Legais, mas passíveis de regularização4 4 Esse tipo de desmatamento é aquele que foi feito dentro dos limites previstos em lei, mas que não obteve autorização para isso. ; c) legal, quando autorizado pelo órgão competente. Não se diferenciaram desmatamentos em Áreas de Preservação Permanente (APP), pela dificuldade técnica de gerar dados confiáveis.

Os dados dos desmatamentos eram cruzados com os dados das propriedades, usando algumas ferramentas de extração do Arc Gis, resultando em uma coluna de dados de desmatamentos por propriedade. A seguir, esses desmatamentos foram cruzados com o ano de entrada da propriedade no sistema, sendo considerados a partir dessa data. A partir disso, verificou-se quais estavam dentro ou fora da reserva legal. Os desmatamentos localizados dentro de Reserva Legal (RL) foram considerados ilegais e os desmatamentos localizados fora dela foram classificados como legais ou ilegais, depois de checado o quantitativo autorizado ano a ano numa planilha de controle interno da SEMA-MT. Portanto, não foi possível localizar espacialmente os desmatamentos legais, pois essa informação estava incompleta no meio digital, e a fonte mais confiável foi do arquivo analógico da SEMA-MT.

C) Detecção de desmatamentos em RL de propriedades fora do sistema, em Unidades de Conservação da Natureza (UCN) e Terras Indígenas (TI): a base digital georreferenciada obtida por meio do INCRA, possui uma população de 666 propriedades, com uma área de 2.193.829,14 hectares, mas sem licença ambiental. Esta foi utilizada como grupo de controle para comparar os desmatamentos dentro e fora do Sistema, especificamente para comparar desmatamento em reserva legal. Como não havia polígono para reservas legais, especificamente, foi feita uma projeção do que deveria ter de RL em áreas de floresta, baseado na legislação MP n. 2166-67/2001 (BRASIL, 2001), e a quantidade que efetivamente havia. Com base nesse dado chegou-se à quantidade do passivo ambiental no total das propriedades, considerando somente a RL para áreas de floresta ombrófila. Para detectar desmatamento anual em UCN e TI, foram utilizados os polígonos dessas áreas e cruzados com as dinâmicas anuais de desmatamentos. Ao final, foram comparados os quantitativos de desmatamentos entre: UCN, TI, RL dentro de áreas licenciadas e RL fora de áreas licenciadas, em bioma de floresta. Os dados sobre tipologia vegetal foram retirados da carta de vegetação RadamBrasil (1977-1981), com escala 1:100.000/ 1:500.000. Justifica-se a utilização dessa fonte por ser a mesma utilizada pela SEMA-MT.

D) Dinâmica de regularizações dos desmatamentos: Esse sistema tem uma propriedade crucial que é identificar os tipos de desmatamento em termos de legalidade, pois fora dele isso não é possível, ficando todos ilegais. Portanto, um bom indicador para verificar até que ponto tem havido desmatamentos, uma tendência à legalidade no estado, é levantando a quantidade de licenças de desmatamento autorizadas versus a quantidade de desmatamentos ocorridos no estado.

Para determinar com mais precisão o que era competência da SEMA e do IBAMA em termos de quantidade de desmatamentos verificáveis até 2005, os desmatamentos foram desagregados em maiores e menores que 200 hectares, de acordo com o que previa o Pacto Federativo. O Pacto Federativo assinado entre o Governo Federal e o estado do Mato Grosso em 1999, concedeu poderes para a antiga Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEMA) gerir as atividades florestais e, portanto, ser responsável pela autorização e controle do desmatamento, além do monitoramento e fiscalização. Contudo, essa autorização até 2006 era para desmatamentos somente acima de 200 hectares. Depois de 2006, a autorização para qualquer tamanho de desmatamento ficou sob a competência da SEMA-MT.

Após essa separação, chegou-se ao volume total desmatado, ano a ano, de 2000 a 2007 para áreas maiores e menores de 200 hectares. Esses valores foram cruzados com licenças e respectivas autorizações emitidas pela SEMA- MT para desmatamentos maiores e menores que 200 ha, chegando ao que convencionou-se de nível de legalidade do Sistema para autorização de desmatamento.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Perfil das propriedades licenciadas

Para fins de cálculo da área passível de utilização pelo setor produtivo, inicialmente subtraiu-se da área total do estado do Mato Grosso o valor correspondente às áreas das Unidades de Conservação da Natureza5 5 Excluídas as Áreas de Proteção Ambiental (APA) que é o tipo mais permissivo de Unidade de Conservação, isto é, é passível, quando determinado pelo órgão, até de corte raso. , Terras Indígenas e núcleos urbanos, resultando numa área de 73,82 milhões de hectares. Uma parte dessa área restante seria passível de ser utilizada para produção, levando-se em consideração as restrições estabelecidas no Código Florestal. Dentro desse universo, que pode conter terras privadas e terras devolutas (do estado e da União), o equivalente a 21,95 milhões hectares estavam cadastrados no SLAPR, até o final de 2006 (30,7% da área do estado fora UCN e TI). Se for considerada a área de propriedades em atividades em 2006 (48.355.569 hectares), segundo o censo agropecuário (IBGE, 2006), a área de propriedades cadastradas6 6 Cadastrada referem-se aquelas propriedades que entraram no sistema de licenciamento (estão na base da SEMA-MT), mas ainda não foram licenciadas por alguma razão. 7 Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza abrangem também a fitofisionomia de Floresta de Transição e Cerrado. e licenciadas no sistema significam uma proporção de 45,4% e 30,9%, respectivamente, em relação ao total de áreas das propriedades (Tabela 1, linhas C, D e F).

Esse é um bom indicador para mostrar que o sistema conseguiu ter em sua base quase a metade da área de propriedades que estavam produzindo, no ano de 2006, captadas pelo senso agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Contudo, se for avaliada a quantidade de unidades produtivas, ao invés da área, esse número decresce significantemente, sendo de 8,58% e 5,22% as propriedades cadastradas e licenciadas respectivamente (Tabela 1, linhas F, H, I), evidenciando um perfil predominante de grandes propriedades cadastradas no SLAPR. A maior parte das propriedades licenciadas nesses sete anos de política, tem o tamanho superior a 1500 hectares (43%), está localizada em áreas com fitofisionomia de floresta (46%) e situa-se em até 50 quilômetros das estradas pavimentadas (56%). Dentre os municípios que tiveram mais propriedades licenciadas, tanto em área, quanto em quantidade de licenças, nota-se uma predominância daqueles que praticam agricultura.

3.2 Perfil do desmatamento nas propriedades licenciadas

Primeiramente, foi identificado o desmatamento dentro das propriedades totais, sem ainda levar em consideração o aspecto da legalidade. Esses desmatamentos foram considerados a partir do ano de entrada no sistema, para não incorrer no erro de computar desmatamentos de anos anteriores à entrada da propriedade no SLAPR. Por exemplo, numa propriedade que se licenciou em 2005, os desmatamentos dos anos anteriores não foram computados.

Os dados obtidos dos mapeamentos, conforme Tabela 2, foram: A (Desmatamento em propriedades após o ano de licenciamento), B (Desmatamento em RL, ou seja, ilegal) e C (Desmatamentos autorizados). Assim, foi possível calcular a área de desmatamento passível de regularização no conjunto do sistema (D), referente às áreas fora das RL, que compreende uma área equivalente a 1.060.838,67 ha.

Os dados indicam que 1.420.500,50 hectares foram desmatados em propriedades rurais licenciadas em todo o estado do Mato Grosso, no período de 2000 a 2007, e que, conforme Azevedo (2009), baseado em dados de desmatamento da SEMA-MT, esses números representam um aumento na quantidade de desmatamento de 32% em relação ao acumulado no período entre 1995 e 1999 (perído pré licenciamento), sobretudo na primeira metade do período analisado, com uma curva ascendente de desmatamento, observada até o ano de 2004.

No entanto, considerando que houve autorização para desmatamento de 1.490.300,02 hectares pelo órgão ambiental, descontando-se os desmatamentos ilegais (por exemplo em áreas de Reserva Legal), pode-se concluir que esse montante de área desmatada, em sua maioria, apesar de incomodar os ambientalistas, tem amparo legal para sua realização. Observa-se, ainda, que esse cálculo subestima o desmatamento ilegal, visto que não inclui a estimativa de desmatamento em Áreas de Preservação Permanente (APP), visto que, para fazê-lo, seria necessário no mínimo calcular de forma aproximada as APP, a partir de uma base de dados de hidrografia ou de topografia (por exemplo SRTM), de onde se deduziria a hidrografia, por meio da criação de buffers uniformes de 30 metros para cada lado marginal do curso do rio. Considerando as propriedades e as autorizações de desmatamento individuais, é possível que parte do desmatamento autorizado não tenha sido efetivado. No entanto, cabe esclarecer que pelo fato da autorização para desmatamento constituir uma licença com validade de um ano, esse desmatamento não-realizado não se configura ainda como estoque futuro numa primeira análise.

No balanço dos casos, considerando os desmatamentos gerais, pode-se dizer que o sistema consegue um bom índice de regularização nos desmatamentos legalizáveis das propriedades que vão se incorporando a ele.

Cabe ressaltar que o fato de o SLAPR ter sido bem sucedido em trazer os desmatamentos, para a legalidade, ainda que restrito às grandes propriedades, não significa que tenha havido uma diminuição ou impedimento do desmatamento no período e, sim, a mudança de seu status, de ilegal para regularizado pelo governo. Ou seja, embora o quantitativo do desmatamento não venha a se alterar, pelo fato de continuar ocorrendo, esse desmatamento, nessa nova fase, ganha a chancela e a tutela do Estado como desmatamento legal e, portanto, legitimado.

Esse resultado pode representar uma ilusão quanto à correção do rumo da sustentabilidade, uma vez que os resultados mostram que um instrumento de política aparentemente ambiental pode ser "somente" uma salvaguarda para o estado mudar sua posição diante do cenário de comércio internacional de "degradador" para "maior produtor com a melhor política ambiental", sem enfrentar de fato o problema de uma meta de desmatamento zero. Esse entendimento constitui um novo olhar na arena de debates em torno do papel do licenciamento ambiental, visto que muitos consideram o aumento de desmatamento legal como um sinal de maior controle do Estado, mas que pode, por outro lado, representar uma utilização do Estado para fins privados, contra os interesses coletivos e difusos, como é a defesa do meio ambiente. Nessa visão, levanta-se o questionamento sobre qual o papel do Estado e do licenciamento conduzido: a) o de diminuir e controlar o desmatamento ou b) de permitir que os produtores desmatem até o quantitativo-limite permitido e, apenas, ingressando no sistema para fins de reconhecimento estatal e obtenção de autorização para a ampliação do desmatamento.

Na próxima seção, será examinada a quantidade desse passivo em RL por bioma, no período de 2000 a 2007, nas propriedades licenciadas até 2006. Esse tipo de desmatamento é o primeiro que deveria ser reduzido com mais sensibilidade, porque a multa para quem converte RL é maior, podendo ser de 5.000 reais por hectare contra 500 reais aplicados em outras áreas fora da RL e APP (Decreto 6514 de 22/07/2008, art. 51 e 52) (BRASIL, 2008).

3.2.1 Desmatamentos em Reserva Legal

Quando se analisam os desmatamentos em RL dentro do sistema, é importante quantificar o passivo dessa natureza que já existia, quando a propriedade foi incorporada. Conforme Tabela 3, quando a proporção de RL licenciada existente dentro do sistema é verificada, observa-se que já existia um déficit (passivo) antes da entrada, em todas as tipologias de vegetação se for analisada à luz da legislação atual que estabelece esse quantitativo, a MP 2166-67/2001 (BRASIL, 2001), que altera e acresce dispositivos ao atual Código Florestal Brasileiro, Lei 4771/1965 (BRASIL, 1965). A tipologia que mais apresenta passivo de RL dentro do Sistema são as florestas, antes consideradas de transição, que pela legislação deve ter 80% de RL.

A segunda tipologia com mais déficit é a tipologia ecológica de floresta (englobando as diversas formas de fisionomia florestal, quer as ombrófilas ou estacionais). Isso pode ser explicado pelo fato de que algumas propriedades que entraram no SLAPR já possuírem suas matrículas averbadas em 50% de RL, como previa o código antes da medida provisória de 1996.

A Reserva Legal da tipologia de Cerrado tem o menor déficit das três. O déficit é menor, porque a quantidade de desmatamento permitido nessa tipologia é maior (65% na Amazônia Legal). Ele existe, possivelmente, porque muitas propriedades que estão no Sistema têm conversões de vegetação antigas, na época em que essa tipologia era 20%.

Esse déficit nas três tipologias é aumentado (Tabela 3, G) quando se descontam os desmatamentos ocorridos no período de 2000 a 2007 em RL. Em valores relativos ao tamanho da área de RL desmatada após a entrada no SLAPR, obteve-se uma média próxima nas três tipologias, em torno de 6,6%. Contudo, em valores absolutos, as florestas ombrófilas sofreram um corte maior (210.368,53 ha).

A Reserva Legal tem status de espaço territorial especialmente protegido, conjuntamente com UCN e TI. Quando se compara a média de 6,6% de desmatamentos em RL (Tabela 3) com outros desmatamentos em áreas protegidas no mesmo período, como as Unidades de Conservação da Natureza – UCN (1,49%) e Terras Indígenas – TI (1,60%), foi observado que, em termos relativos, ocorreu aproximadamente 4,5 vezes mais desmatamento em RL (Tabela 4). Isso corrobora a avaliação de Brasil (2005) e reforça a idéia de que a conservação em áreas privadas, de forma especial RL, têm tido sérias limitações, inclusive dentro de um Sistema de Monitoramento como o SLAPR. Isso vem ao encontro de Kaechele (2007) que, após avaliação dos desmatamentos ocorridos somente em Reservas Legais (RL) nas propriedades privadas localizadas no bioma amazônico, em área de floresta, cadastradas no SLAPR até 2005, concluiu que legislação e cadastramento não são suficientes para garantir a manutenção dessas áreas dentro das propriedades.

Entretanto, quando se comparam os desmatamentos em propriedades privadas fora do Sistema, da mesma forma como foi feito com as propriedades não-licenciadas obtidas pela base controle8 8 A "base de controle" é uma base cedida pelo INCRA-MT formada por propriedades certificadas pelo órgão, mas que até 2006 não estavam nem cadastradas, nem licenciadas pela SEMA-MT. Essa base é composta por 666 propriedades, perfazendo um total de 2.208.030,19 hectares. Nesse trabalho ela foi utilizada para comparar os desmatamentos em RL fora do SLAPR. se observa que a média de desflorestamento em RL dentro das propriedades licenciadas em florestas é 6,64% vis a vis a média de 12,6% daqueles desmatamentos ocorridos em propriedades fora do Sistema. Isso mostra que, não obstante haja desmatamento em RL dentro do SLAPR, quando se compara com áreas privadas fora do Sistema, esse valor aumenta consideravelmente para área de florestas (Tabela 3). Isso indica novamente que não tem havido cumprimento do Código Florestal para 80% de Reserva Legal em área de floresta e que o Sistema de licenciamento, nesse caso, tem sido mais efetivo para coibir esse tipo de desmatamento específico dentro de RL, porque obriga a averbação da mesma no momento do ingresso da propriedade. Ou seja, ainda que anteriormente tenhamos apontado para o caráter ilusório do SLAPR em termos de redução do desmatamento, ainda assim, especificamente no que se refere ao interior das RL, há que se dizer que o sistema tem sido útil para assegurar a averbação e, por conseguinte, maior controle e redução do desmatamento especificamente no interior das RL.

3.3 A dinâmica de regularização dos desmatamentos no estado

Percebe-se que, dentro do Sistema, há uma propriedade crucial que é a de identificar os tipos de desmatamento em termos de legalidade (regularizados frente ao Estado), pois fora dele isso não é possível, ficando todos ilegais, mesmo aqueles que seriam passíveis de serem regularizados dentro das propriedades individualmente. Dessa forma, um dos objetivos iniciais do SLAPR era justamente o de regularizar os desmatamentos "regularizáveis" e punir os ilegais (basicamente em RL e APP). Cabe aqui esclarecer que essa regularização dos desmatamentos representa, do ponto de vista do proprietário rural, a legalização – aquisição do status de prática legal do desmatamento –, amparado pela lei com base na obtenção do licenciamento ambiental para sua atividade. Uma vez que a regularização se torna uma condição cada vez mais necessária para o exercício pleno da atividade produtiva -acesso a crédito, acesso às certificações ambientais e colocação dos produtos no mercado (NEPSTAD et al., 2009; NEPSTAD; STICKLER; ALMEIDA, 2006), pode-se compreender porque PL n. 1786-99 insiste no Cadastro Ambiental Rural e no Programa de Regularização Ambiental não somente de RL como, também, de APP.

Portanto, um bom indicador para verificar até que ponto tem havido uma regularização dos desmatamentos no estado, é verificando a quantidade de licenças de desmatamento autorizadas versus a quantidade de desmatamentos ocorridos no estado. Do ponto de vista do gestor do sistema, o reconhecimento do sucesso do sistema depende da quantidade de propriedades cadastradas e da quantidade de licenças emitidas, o que sugeriria o aumento do controle por parte do Estado do cadastro de propriedades. No entanto, o que se crê como aumento de controle representa apenas aumento de informação e registro, sem corresponder a uma redução do desmatamento.

Para determinar com mais precisão o que era competência da SEMA- MT e do IBAMA em termos de quantidade de desmatamentos verificáveis até 2005, foram desagregados os desmatamentos acima de 200 hectares daqueles abaixo desse valor. O primeiro tipo, acima de 200 ha., de acordo com o Pacto Federativo à época, seria competência da SEMA-MT, e o segundo tipo, competência do IBAMA.

Todavia, a partir da assinatura do segundo Pacto Federativo, ao final de 2005, a SEMA- MT ficou responsável por licenciar e autorizar desmatamentos em todas as propriedades de todo estado, independente do tamanho.

Após a comparação feita neste trabalho entre as áreas desmatadas e as áreas autorizadas para desmatamento, maiores que 200 hectares, o resultado indica que em 2002, 71% dos desmatamentos realizados/detectados acima de 200 ha. no Mato Grosso foram autorizados pela SEMA (Figura 1 e Tabela 5). Esse valor é bem menor para os desmatamentos abaixo de 200 ha., (6,9%) no mesmo ano. A análise dos dados apresentados na Figura 1 indica que as propriedades rurais de maior porte (acima de 200 ha) constituiam no período de análise, sobretudo até 2005, os grandes desmatadores (MACEDO et al., 2012), independentemente do status de legalidade do desmatamento. Ou seja, esses grandes proprietários foram aqueles que, no início da implantação do SLAPR, assim que obtinham a licença, executavam a autorização do desmatamento, o que pode indicar tanto a premente necessidade de expansão da área produtiva como talvez o temor de provisoriedade da autorização obtida.


Isso, em parte, se deve à intensa campanha realizada pela antiga FEMA, notificando as propriedades a se licenciarem em 2000 e 2001. Foram visitadas, nesse período, aproximadamente 5.000 propriedades, sendo a maioria em 2001 (3.213), gerando 2.600 autos de infração que totalizaram em torno de 11 milhões de hectares (FEARNSIDE, 2003).

Entretanto, após esse período, há um declínio constante da taxa autorizada em relação ao desmatamento realizado, chegando ao número ínfimo de 4% de autorizações para os desmatamentos acima de 200 hectares e 1,4% para todos dos tamanhos em 2007 (Figura 1). Vários estudos e documentos apontam o declínio no desmatamento na Amazonia Legal a partir de 2006 (MACEDO et al., 2012; NEPSTAD et al., 2009; NEPSTAD; MCGRATH; SOARES-FILHO, 2011). O Mato Grosso foi um grande responsável nesse processo, sendo que de 2005 até 2011 reduziu seu desmatamento em praticamente 90% nas áreas de floresta. Portanto, num cenário pós 2005 de redução geral do desmatamento esperava-se que o sistema tivesse a capacidade de autorizar aqueles que ocorerram, pois o volume foi bem menor. O que se verifica é um efeito oposto até 2007, pois, em termos relativos tanto a área desmatada como a quantidade de autorizações foram drasticamente reduzidas. Isso pode ter várias razões, entre elas um aumento de desmatamentos menores. Entre 2001 e 2005, 16% do desmatamento no estado eram abaixo de 25 ha. Entre 2006 e 2009, esses desmatamentos subiram para 34% (MACEDO et al., 2012). Como foi demonstrado na caracterização do SLAPR a grande maioria das propriedades licenciadas são de grande porte. Considerando que parte desses desmatamentos tenham acontecido em propriedades médias e pequenas e de foram mais difusa, essa pode ser parte da explicação para essa redução da performance do sistema em autoraizar desmatamentos, pois haveria uma baixa capacidade de detecção pelo estado. Outra hipótese para a redução de autorizações pode ser a redução na governança da capacidade operacional no interior da SEMA, sobretudo no período pós Operação Curupira9 9 Operação Curupira foi uma operação deflagrada pela Polícia Federal com o objetivo de combater o comércio de madeira que era retirada de áreas desmatadas ilegalmente envolvendo tanto a ex-Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEMA-MT), como o IBAMA, ambos do estado do Mato Grosso. Essa operação aconteceu em 02 de junho de 2005 e prendeu aproximadamente 80 pessoas ligadas ou suspeitas das fraudes, entre elas o secretário de meio ambiente do estado. , em 2005.

De qualquer forma, independentemente da redução no desmatamento e no quantitativo de autorizações de desmate a partir de 2005, há que se observar que nesse mesmo período houve, proporcionalmente, um incremento na taxa de ilegalidade, ou seja, uma maior porcentagem de desmatamento se qualificou como ilegal (Tabela 5), o que demonstra que o sistema foi muito menos efetivo a partir desse período.

Portanto, é necessário um cuidado na governança (incluindo o controle da sociedade) do SLAPR desse sistema para que ele não se transforme num instrumento per se de legitimação do desmatamento feito ilegalmente. Ao mesmo tempo, não é possível desprezar a potencialidade que o sistema traz em si de melhorar a governança em estados de fronteira agropecuária como aqueles situados na Amazônia Legal (FEARNSIDE, 2003; FEARNSIDE; BARBOSA, 2003). A avaliação dessas experiências tem relevância cada vez maior, sobretudo, com a possível aprovação do novo Código Florestal que determina a criação de um sistema semelhante de cadastro para todo o país.

4 CONCLUSÕES

A caracterização das propriedades presentes no SLAPR, no período 2000 a 2007, demonstrou que há um predomínio de propriedades de grande porte, em sua maior parte nos biomas de floresta (transição e ombrófila), próximas a estradas pavimentadas, sendo que, muitas delas, praticam agricultura. Isso denota que o sistema tem uma baixa capacidade de detecção de desmatamento em propriedades de menor porte e esse deve ser um dos principais objetivos do estado em termos de melhoria do alcance do sistema, haja vista a redução no tamanho dos polígonos dos desmatamentos após 2006.

Em relação ao desmatamento ocorrido dentro do sistema após sua implantação, notou-se um aumento expressivo no período. A quantidade de autorizações para esses desmatamentos é compatível com os desmatamentos efetivados dentro das propriedades licenciadas, com exceção daqueles que ocorreram em RL.

Apesar de RL apresentar status de espaço territorial especialmente protegido, conjuntamente com UCN e TI, foi possível notar um desmatamento 4,5 vezes maior nessas áreas dento das propriedades licenciadas no período de análise. Quando se compara RL dento e fora do sistema no bioma floresta, as propriedades não licenciadas desmataram praticamente o dobro em relação àquelas dentro do sistema. Isso contribui para reforçar o argumento de que o sistema pode ser um bom instrumento de monitoramento da aplicação do Código Florestal, desde que consiga ampliar sua base e que haja efetivamente uma responsabilização daqueles que desmatam a RL dentro do sistema.

No entendimento do "efeito demonstração" em termos de legalidade do SLAPR, a série histórica que comparou o que foi desmatado no estado frente ao que foi autorizado dentro do sistema mostrou que, embora o desmatamento absoluto tenha reduzido no estado a partir de 2006, o sistema não funcionou para que mesmo esse valor pequeno de desmatamento fosse legal. Ou seja, quando houve muito desmatamento no estado, o SLAPR autorizou também muitos desmatamentos, mas quando houve pouco desmatamento, a autorização foi ínfima.

O SLAPR cumpriu o papel de regularizar o desmatamento de modo a beneficiar o produtor em diversos aspectos e, assim, criou uma falsa impressão de que o SLAPR é um eficiente sistema de controle de desmatamento. Uma vez que o estudo constatou que o licenciamento não altera a lógica que faz o proprietário desmatar, sugerindo que a existência de estímulos de mercado pode fazer o desmatamento continuar, é importante adotar uma postura crítica no que se refere às potencialidades do uso de sistemas de licenciamento de propriedades rurais para controle e redução do desmatamento.

5 AGRADECIMENTOS

À SEMA MT pelo acesso aos dados e pelo estágio feito no órgão no período de outubro e novembro de 2007. À CAPES pelo apoio concedido aos pesquisadores por meio de bolsa doutorado. À FAPEMAT (Fundação Amparo de Pesquisa do Mato Grosso) pelo apoio financeiro ao projeto.

6 REFERÊNCIAS

(recebido: 25 de janeiro de 2010; aceito: 28 de outubro de 2012)

  • AZEVEDO, A. Legitimação da insustentabilidade?: análise do sistema de licenciamento ambiental de propriedades rurais - SLAPR, Mato Grosso. 2009. 325 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2009.
  • BRASIL. Decreto n. 6.514, de 22 de julho de 2008. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, n. 140, p. 1, 23 jul. 2008. Seção 1.
  • BRASIL. Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 26 set. 1965. Seção 1, p. 9529.
  • BRASIL. Medida Provisória n. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, n. 163, p. 1, 25 ago. 2001.
  • BRASIL. Sistema de licenciamento ambiental rural em propriedades rurais do estado do Mato Grosso: análise e lições na sua implementação: projeto PNUD:BRA 98/005. Brasília: MMA, 2005.
  • CHOMITZ, K.; KANOUNNIKOFF, S. W. Mesuring the initial impacts on deforestation of Mato Grosso's program for environmental control. Geneva: Banco Mundial, 2005.
  • FEARNSIDE, P. Deforestation control in Mato Grosso: a new model for slowing the loss of Brazil's Amazon forest. Ambio, Stockholm, v. 32, n. 5, p. 343-345, 2003.
  • FEARNSIDE, P. M.; BARBOSA, R. I. Avoided deforestation in Amazonia as a global warming mitigation measure: the case of Mato Grosso. World Resource Review, New York, v. 15, n. 3, p. 352-361, 2003.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estados@: censo demográfico 2010. Disponível em: <http://estados.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=mt> . Acesso em: 20 dez. 2010.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Senso agropecuário 2006. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/default.shtm>. Acesso em: 25 maio 2009.
  • KAECHELE, K. T. A redução compensada do desmatamento no Mato Grosso: uma análise econômica-ecológica. 2007. 114 p. Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
  • KANOUNNIKOFF, S. A. W. Forest policy enforcement at the Amazon frontier: the case of Mato Grosso, Brazil. 2005. 150 p. Thesis (Ph.D. in Sozialwissenschaften der Ruprecht-Karls) - Universidade de Heidelberg, Heidelberg, 2005.
  • MACEDO, M. N. et al. Decoupling of deforestation and soy production in the southern Amazon during the late 2000s. PNAS, Washington, v. 109, p. 1341-1346, 2012.
  • NEPSTAD, D. et al. The end of deforestation in the Brazilian Amazon. Science, New York, v. 326, p. 1350-1351, 2009.
  • NEPSTAD, D. C.; MCGRATH, D. G.; SOARES-FILHO, B. Systemic conservation, REDD, and the future of the Amazon basin. Conservation Biology, Boston, v. 25, p. 1113-1116, 2011.
  • NEPSTAD, D. C.; STICKLER, C. M.; ALMEIDA, O. T. Globalization of the Amazon soy and beef industries: opportunities for conservation. Conservation Biology, Boston, v. 20, p. 1595-1603, 2006.
  • SOUZA-HIGA, T. C. C.; MORENO, G. (Org.). Geografia de Mato Grosso: território, sociedade, ambiente. Cuiabá: Entrelinhas, 2005. v. 1, 285 p.
  • 1
    Áreas na região Sudeste do estado, por exemplo, com desmatamento mais consolidado.
  • 2
    As licenças dos programas que foram utilizados são: ArcView UNK100341507; ArcEditor UNK179303601; Spatial Analyst UNK206648304.
  • 3
    A base de dados do SLAPR apresentou uma série de sobreposições (overlaps) e mesmo tentando corrigir o problema, os números de quantidade de propriedades e de área devem ser analisados como uma aproximação do real.
  • 4
    Esse tipo de desmatamento é aquele que foi feito dentro dos limites previstos em lei, mas que não obteve autorização para isso.
  • 5
    Excluídas as Áreas de Proteção Ambiental (APA) que é o tipo mais permissivo de Unidade de Conservação, isto é, é passível, quando determinado pelo órgão, até de corte raso.
  • 6
    Cadastrada referem-se aquelas propriedades que entraram no sistema de licenciamento (estão na base da SEMA-MT), mas ainda não foram licenciadas por alguma razão.
    7 Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza abrangem também a fitofisionomia de Floresta de Transição e Cerrado.
  • 8
    A "base de controle" é uma base cedida pelo INCRA-MT formada por propriedades certificadas pelo órgão, mas que até 2006 não estavam nem cadastradas, nem licenciadas pela SEMA-MT. Essa base é composta por 666 propriedades, perfazendo um total de 2.208.030,19 hectares. Nesse trabalho ela foi utilizada para comparar os desmatamentos em RL fora do SLAPR.
  • 9
    Operação Curupira foi uma operação deflagrada pela Polícia Federal com o objetivo de combater o comércio de madeira que era retirada de áreas desmatadas ilegalmente envolvendo tanto a ex-Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEMA-MT), como o IBAMA, ambos do estado do Mato Grosso. Essa operação aconteceu em 02 de junho de 2005 e prendeu aproximadamente 80 pessoas ligadas ou suspeitas das fraudes, entre elas o secretário de meio ambiente do estado.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      25 Jan 2010
    • Aceito
      28 Out 2012
    UFLA - Universidade Federal de Lavras Universidade Federal de Lavras - Departamento de Ciências Florestais - Cx. P. 3037, 37200-000 Lavras - MG Brasil, Tel.: (55 35) 3829-1706, Fax: (55 35) 3829-1411 - Lavras - MG - Brazil
    E-mail: cerne@dcf.ufla.br