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Aspectos do feminino e masculino na arte de Ismael Nery

Feminine and masculine features in Ismael Nery's art

Resumos

Ismael Nery, pintor e poeta modernista do início do século XX, cria um universo onde carnalidade e misticismo não se contrapõem. Escolhe a si próprio como objeto de sua obra numa atitude de transcendência à sua angústia, guardando uma profunda relação com a metáfora que se inicia no Maneirismo/Barroco e se verticaliza cada vez mais no Romantismo e no Simbolismo. Através da reunião de opostos expressa pela androginia e da abstração do tempo e espaço, engendra um sistema filosófico denominado Essencialismo, resgatando a transcendência e a unidade primordial do ser humano que ressona com a busca de individualidade da contemporaneidade.

Androginia; Espiritualidade; Narcisismo; Modernismo


Carnality and mysticism do not pit against each other in Ismael Nery's universe - a Modernist painter and poet of the beginning of the twentieth century. He transcends his anguish choosing himself as the object of his work of art. This attitude is tightly coupled to the metaphor that begins in the Mannerism/Barroque and permeates through Romanticism and Symbolism. Through the union of opposites expressed by androgyny, and the abstraction of time and space emerges a philosophical system called Essentialism, rescuing the transcendence and primordial unity of the human being in resonance with the search for individuality in contemporary age.

Androgyny; Spirituality; Narcissism; Modernism


ARTIGOS

Aspectos do feminino e masculino na arte de Ismael Nery* * Este artigo é parte de minha dissertação de Mestrado em Estudos Literários, Ismael Nery: o olho no telescópio, com a orientação do Prof. Dr. Sílvio Augusto de Oliveira Holanda, apresentada à Universidade Federal do Pará no primeiro semestre de 2003.

Feminine and masculine features in Ismael Nery's art

André Cordeiro

Doutorando em Literatura Brasileira na USP, São Paulo-SP, Brasil. ancor@usp.br

RESUMO

Ismael Nery, pintor e poeta modernista do início do século XX, cria um universo onde carnalidade e misticismo não se contrapõem. Escolhe a si próprio como objeto de sua obra numa atitude de transcendência à sua angústia, guardando uma profunda relação com a metáfora que se inicia no Maneirismo/Barroco e se verticaliza cada vez mais no Romantismo e no Simbolismo. Através da reunião de opostos expressa pela androginia e da abstração do tempo e espaço, engendra um sistema filosófico denominado Essencialismo, resgatando a transcendência e a unidade primordial do ser humano que ressona com a busca de individualidade da contemporaneidade.

Palavras-chave: Androginia, Espiritualidade, Narcisismo, Modernismo.

ABSTRACT

Carnality and mysticism do not pit against each other in Ismael Nery's universe - a Modernist painter and poet of the beginning of the twentieth century. He transcends his anguish choosing himself as the object of his work of art. This attitude is tightly coupled to the metaphor that begins in the Mannerism/Barroque and permeates through Romanticism and Symbolism. Through the union of opposites expressed by androgyny, and the abstraction of time and space emerges a philosophical system called Essentialism, rescuing the transcendence and primordial unity of the human being in resonance with the search for individuality in contemporary age.

Key words: Androgyny, Spirituality, Narcissism, Modernism.

Mulheres são fêmeas e homens são machos no nível

biológico. Psicológica, social e culturalmente,

homens e mulheres estiveram, nos últimos cinco mil

anos, imersos nas qualidades da polaridade masculina.1 1 KOSS, Monika Von. Feminino + Masculino: uma nova coreografia para a eterna dança das polaridades. São Paulo, Escritura, 1999, p.14.

Em depoimento ao filme Ismael e Adalgisa, Denise Mattar menciona:

O Nery2 2 Ele nasceu no ano de 1900, em Belém, e transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro aos 9 anos de idade. Em 1934, aos 33 anos, morre de tuberculose prematuramente. era um homem bonito, um homem que gostava do seu corpo, que gostava do corpo dos outros. Absolutamente sensual e que foi educado dentro de um sistema religioso muito rígido (...), que fez com que ele acreditasse (...), profundamente, em Deus. Ele acreditava, profundamente, que Deus era a razão da existência, mas, ao mesmo tempo, ele tinha todo um proceder hedonista.3 3 Ismael e Adalgisa. Direção: Malu de Martino. Produção: Clélia Bessa. Intérpretes: Christiane Torloni, Murilo Rosa, Bruno Garcia, Marília Medina, Samantha Nery. Roteiro: Pedro Rosa. Rio de Janeiro, Raccord Produções, 2001, docudrama em média metragem, 35mm, 34m.

A partir daí, se pode perceber o quanto Nery vive num universo dual e conflitante. Sua individualidade e seu misticismo estão constantemente associados a um culto fetichista e sadomasoquista. Fez de toda a sua obra (pictórica e poética) um grande espelho, no qual estuda, como Frida Kahlo, o que mais conheceu: a si próprio.

Assim como Narciso e Francesco Mazzola, o italiano iniciador do Maneirismo4 4 HOCKE, Gustav R. Maneirismo: o mundo como labirinto. São Paulo, Perspectiva, 1974, pp.15-17. em 1523, Nery também postou-se diante do espelho. A história de Narciso fala de um amor não correspondido, de uma unidade impossível de ser resolvida:

Havia uma fonte clara, cuja água parecia de prata, a qual pastores jamais levavam rebanhos (...). Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede. Debruçou-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida na fonte e pensou que fosse um belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos (...). Apaixonou-se por si mesmo. Baixou os lábios, para dar um beijo e mergulhou na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação. Narciso não pôde mais conter-se. Esqueceu de todo da idéia de alimento ou repouso, enquanto se debruçava sobre a fonte (...).

- Por que me desprezas belo ser? (...)

Com estas palavras, e muitas outras semelhantes, atiçava a chama que o consumia, e, assim, pouco a pouco, foi perdendo as cores, o vigor e a beleza (...). O jovem depauperado morreu...5 5 BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia (a idade do ouro): histórias de deuses e heróis. 9. ed. Rio de Janeiro, Ediouro, 2000, pp.124-125.

Francesco Mazzola, postando-se diante do espelho convexo, encontrou um sujeito deformado, com uma mão gigantesca. Nery também reencontra muitas vezes um sujeito deformado6 6 Suas fases, que muitas das vezes se confundem, são as seguintes: expressionista, cubista e surrealista. Neste texto, serão analisados apenas quadros da primeira fase. , pinta-se com um longo pescoço como o fazia Modigliani. Porém, diferente do maneirista e do Narciso, que caminham somente para a angústia e o aniquilamento, o artista encontra termo para o seu desespero na androginia, na reunião do carnal e do espiritual, na fusão das formas e das disparidades, como no poema "Eu":

Eu sou a tangência de duas formas opostas e justapostas

Eu sou o que não existe entre o que existe

Eu sou tudo sem ser coisa alguma.

Eu sou o amor entre os esposos.

Eu sou o marido e a mulher.

Eu sou a unidade infinita.7 7 NERY, Ismael. Eu. In: Ismael Nery 100 anos: a poética de um mito. curadoria Denise Mattar. Rio de Janeiro, Centro Cultural Banco do Brasil e São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, 2000, p.6.

O poema poderia ser dito por um ator solitário no centro de um palco. Traz a proposta muito clara da fusão dos opostos - do masculino e do feminino, como no Auto-retrato (fig.1). Segundo Carlo Ginsburg,

a espécie humana tende a representar a realidade em termos e opostos. O fluxo das percepções, em outras palavras, é decomposto na base de categorias nitidamente contrapostas: luz e sombra, calor e frio, alto e baixo...8 8 GINSBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 3ª ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p.97.


O texto, "Eu", revela um ser que tem poderes demais e o seu corpo físico não lhe parece suficiente para retê-lo. Este "eu" volátil precisa ocupar todos os espaços, quer reunir todas as forças dentro de si, guarda um terrível desejo de transcendência e uma ligação com a metáfora poética iniciada no Maneirismo-Barroco e verticalizada cada vez mais no Romantismo e no Simbolismo.

No Auto-retrato, referido anteriormente, um Nery em reverberação masoquista tenta seduzir com o olhar. Usa o cabelo das melindrosas dos anos 20 e 30 e um par de sobrancelhas arqueadas, muito femininas. A busca da unidade encontra o andrógino. Esta tela a óleo, de sua fase expressionista, trabalha com os claros-escuros, o jogo das ambigüidades. O pintor observa apenas uma parte da figura e banha-a de luz do colo para cima. E na parte da cabeça, esta mesma luz forma um círculo dourado e brilhante como nas imagens sacras. A cabeça, sobre um longo pescoço, meio pendida para o lado, dá a esta figura a conformação de uma chama. Uma labareda luminosa, apenas para recordarmos da imagem vista por Narciso, pintada num plano transcendente. Esse quadro e o poema, ao tratarem da reunião dos opostos, resolvem a questão da transitoriedade. E trazem, assim, a resolução para algo que parecia inexorável: o TEMPO.

O tempo, sempre implacável, e a consciência da finitude direcionam o modo do poeta ser e estar no mundo. É impossível não levar em consideração o fato da morte ter deixado, por duas vezes, sua marca na vida de Nery: primeiro o pai, Ismael Nery - falecido aos 33 anos - depois o irmão, João. Como Vincent Van Gogh, substituindo o primeiro Vincent (irmão falecido um ano antes do nascimento do famoso pintor), Ismael Nery também substituiria o primeiro Ismael. Nery guardará, profundamente, a consciência de que o tempo a tudo aniquila. É preciso agarrar-se a alguma coisa perene. O sistema filosófico criado por ele, denominado Essencialismo por seu amigo Murilo Mendes, tem como princípios básicos a reunião dos opostos (para Nery, a androginia é o estado primordial do ser humano) e a abstração do tempo (presente, passado e futuro compreendidos num único plano e sem a idéia de espaço). Há a tragicidade da loucura em suas telas e poemas, há um espírito desejoso de suicídio - Murilo tinha a mais plena certeza de que o amigo teria se suicidado, caso não tivesse se tornado um fervoroso católico. No entanto, ressalta-se, é um catolicismo diferenciado, capaz de combinar esoterismo e androginia. Elementos marcantes tanto na pintura, quanto na poesia de Ismael Nery. Sendo assim, no poema "Eu", o qual intenta reencontrar o equilíbrio através da busca das origens e do essencial, só a fusão dos contrários e de todas as energias díspares podem acenar com uma resolução:

Eu sou um deus com princípio

Eu sou poeta!

Eu sou a unidade infinita.10 10 NERY, I. Eu... Op. cit., p.6.

Reunindo os opostos, o poeta, feito originalmente à imagem e semelhança de Deus, reencontra o equilíbrio. Sendo como Deus11 11 A divindade, na maioria, das religiões apresenta uma conformação andrógina. E Nery, que investiu no travestismo pictórico, partilha desta opinião. "Conforme a primeira narrativa da Criação no Gênesis, Adão aparece sob um aspecto bissexual; segundo certos autores, ele é hermafrodita. No Midrasch Bereshit Raba, diz-se que Deus criou Adão ao mesmo tempo macho e fêmea. Sentido idêntico é apresentado na Cabala que, além disso, fala de Deus sob o duplo aspecto de rei e rainha." CHEVALIER, Jean e GUEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 14ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1999, p.13. , o poeta faz-se sucessor do Cristo e, para não deixar dúvidas, cita seu próprio nome:

Eu tenho raiva de ter nascido eu.

Mas eu só gosto de mim e de quem gosta de mim.

O mundo sem mim acabaria inútil.

Eu sou o sucessor do poeta Jesus Cristo

Encarregado dos sentidos do universo.

Eu sou o poeta Ismael Nery

Que às vezes não gosta de si.12 12 NERY, I. Eu... Op. cit., p.6.

O Cristo, segundo Ismael Nery, deveria ser o modelo de todos os artistas, ele é o maior Poeta de todos os tempos. E Nery, o conversador nato, o pintor-filósofo é "seu sucessor". Nery nunca importou-se com o fato de não ter sido reconhecido como pintor, até mesmo porque considerava-se muito mais um poeta e filósofo, apesar de não desejar ser "poeta oficial". Mas, ao final do poema "Eu", ele menciona o fato de ter sido um profeta-artista desconhecido:

Eu sou o profeta anônimo.

Eu sou os olhos dos cegos

Eu sou o ouvido dos surdos.

Eu sou a língua dos mudos.

Eu sou o profeta desconhecido, cego, surdo e mudo

Quase como todo mundo.13 13 ID. IB., p.6.

O profeta anônimo representa a contradição, ao ver com os olhos dos cegos, ouvir com os ouvidos dos surdos e falar com a língua dos mudos, ele acaba transcendendo. Ainda que ao fim do poema, compare-se a "todo mundo".

Nery era um dândi14 14 Homem que, ao refutar muitas das convenções sociais, procura distinguir-se através do extremo apuro de suas roupas e do refinamento de seus gostos e modos. Dandy é um vocábulo inglês, associado a uma moda social e literária, do fim do século XIX, exportada depois para outros países europeus. Ver CARASSUS, Emilien. Le mythe du dandy. Paris, Armand Colin, 1971 e HUYSMANS, J.-K. Às avessas. São Paulo, Companhia das Letras, 1987 (Tradução e estudo crítico de José Paulo Paes). , se esmerava muito no trajar e, conforme Murilo Mendes, seria capaz de combinar, elegantemente, uma calça vermelha com uma gravata verde. Também por isso e por não ser detentor de uma grandiosa biblioteca, os intelectuais cariocas daquele momento não aceitavam muito bem o seu pensamento filosófico.15 15 Segundo Murilo Mendes e outros amigos do artista, como Mário Pedrosa, era um sistema filosófico oral elaborado por Nery por volta dos 25 ou 26 anos. Constituía-se numa espécie de reformulação das idéias de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, mas estava ainda permeado por concepções nietzscheanas, surrealistas, alquímicas e por uma leitura muito particular da Bíblia. Ver: MENDES, Murilo. Recordações de Ismael Nery. São Paulo, Edusp/Giordano, 1996. Sobre a reunião dos opostos e a questão da androginia, acontecimento poucas vezes mencionado, ainda, é a realização de uma foto, tirada de Ismael Nery ao lado de Murilo Mendes, na qual o pintor aparece maquiado e vestido de mulher. Esta fotografia, de certa maneira, faz lembrar a criação New look16 16 A obra pertence à coleção de Heloísa de Carvalho. - traje do novo homem dos trópicos, do artista Flávio de Carvalho, em 1956. Trata-se de uma blusa de manga curta e folgada, um saiote, um chapéu de abas largas, sandálias e meia arrastão, com os quais Flávio, para a surpresa da população, desfilou pelas ruas de São Paulo na intenção de questionar as convenções sociais.

Comentando poemas de Murilo Mendes, Davi Arrigucci Jr. os compara aos quadros de Nery, com influência de Chagall, no qual os personagens surgem flutuando. Para o crítico, neste "Chagall à moda da casa", o flutuar está ligado ao desejo de liberação, ao desejo de apresentar-se fora dos eixos. Num Rio de Janeiro católico e reprimido sexualmente, a arte, de certa maneira associada a este mesmo catolicismo, parece ser o caminho escolhido por Nery para um encontro consigo mesmo:

Assim, em quadros chagallianos ou à maneira de Ismael Nery, Chagall à moda da casa, figuras navegando nos ares do sonho saem mesmo das ruas pacatas de um Rio camarada, onde ainda é possível devanear bobagens (...). Ou seja, um mundo pré-burguês ou pequeno-burguês, de instabilidades variadas, mas de sexualidade reprimida e muito acomodado em suas salas de visita e nos rituais da vida social, desliza tranqüilamente em seus eixos até que passa a flutuar fora deles, conforme os solavancos do desejo, magnetizado por uma sensualidade desbragada e ungido de uma religiosidade que vê o dedo de Deus em toda parte.17 17 ARRIGUCCI Jr., Davi. Arquitetura da memória. In: O cacto e as ruínas. São Paulo, Duas cidades, 1997, pp.83-84.

Em "Poema" e em Duas amigas ou Eva (fig. 2), Nery trata dos primeiros habitantes da terra segundo a Bíblia, Adão e Eva:

Deus criou duas almas

Deu uma a Adão, outra à Eva

Deu também a Adão e Eva

O poder de criar corpos

Para herdarem almas que Ele lhes deu.18 18 NERY, Ismael. Poema. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.72.


Em Duas amigas ou Eva, um quadro da fase expressionista, o espectador encontra-se diante de duas jovens que ensaiam um possível jogo homoerótico. A de cabelos curtos tem o rosto de Adalgisa Nery, esposa do pintor, e segura um fruto (o proibido?) numa atitude misteriosa e sensual. A outra, com um rosto mais indefinido e diluído, tem um olhar lânguido e viril que lembra os auto-retratos de Nery:

Com efeito, encontro 12 auto-retratos de Ismael Nery. Poder-se-ia dizer: nada mais normal. Isto sucede na vida-obra de inúmeros pintores. Mas em Ismael o sujeito acha-se pintado numa curiosa situação narcísica. O sujeito estampado no espelho da tela não é apenas uma figura plana, chapada, esfericamente unitária. Há sinais de uma fratura, de uma ambigüidade. É aí que o texto pintado de Ismael começa a ganhar uma polissemia estimulante.20 20 SANT'ANNA, Affonso Romano de. Ismael Nery: a circularidade do um, do dois e do três. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.60.

Ismael e Adalgisa, como em tantos quadros e poemas, reencontram-se com o andrógino primordial, figura presente em todas as cosmogonias. A reação ao chocante e ao feio que se tem, comumente, diante de um quadro expressionista, transforma-se em jogo e em sedução para o expectador. Nery levanta uma discussão a respeito das almas que habitam os corpos criados por Adão e Eva e, ao mesmo tempo, convida a uma reinterpretação do pecado original:

O pecado. A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus tinha feito. Ela disse à mulher: "É verdade que Deus vos disse 'não comais de nenhuma das árvores do jardim?'" E a mulher respondeu à serpente: "Do fruto das árvores do jardim podemos comer. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus nos disse 'não comais dele nem sequer o toqueis, do contrário morrereis'". A serpente replicou à mulher: "De modo algum morrereis."21 21 Gênesis, cap. 3, v. 1-4, A Bíblia Sagrada. 45ª ed. Petrópolis, Vozes, 1982, p.30.

Ao homem e à mulher foi dado o direito de comer de todas as árvores, mas, da árvore ao centro do jardim, não lhes era permitido sequer tocar em seus frutos. No entanto, Eva, trajando vermelho, deixa-se seduzir pela serpente, pega do fruto com suas mãos alongadas e o oferece a Adão. Adão, o "Senhor Meio-Mulher"22 22 Esta é uma referência atribuída ao deus Shiva, na mitologia hindu. Ver: FEURSTEIN, Georg. Tantra: sexualidade e espiritualidade. Rio de Janeiro, Nova Era, 2001, p.97. de Nery, deseja intensamente este fruto. Ele está com o corpo bem colado ao de Eva como a dizer que se trata de um "pecado partilhado". Talvez não fosse uma blasfêmia mencionar que este Adão, e seu aspecto sensual e tentador, confunde-se com a figura de Satã.

Murilo Mendes foi um dos primeiros críticos da obra de Ismael Nery. Ele ressalta a influência de pintores renascentistas como Veronese e Ticiano, bem como a de um representante da Escola de Paris, Modigliani, e de Marc Chagall e Max Ernst. Nesta tela, Antônio Bento já considerou isso, é preciso destacar a sua semelhança com algumas obras de Gauguin. Principalmente no que concerne à cor e à resolução das formas, mais particularmente, no rosto de Adão. Com relação a essas matrizes e modelos europeus, Murilo Mendes ressalta que, de forma nenhuma, isso tira os méritos de Nery. Quanto a este quadro, é interessante ainda a sua resolução, com relação à concepção do pecado original, lembrar muito a do Paraíso de Marc Chagall, de quem Nery teria se tornado amigo em 1927. A comparação pode ser iluminadora, Gaston Bachelard, em um texto intitulado "Introdução à Bíblia de Chagall", menciona o seguinte:

Chagall não separa o homem e a mulher na hora da tentação. Eva está um pouco adiantada, mas Adão não a retém. Eva tem "idéias" de maçã, mas a mão de Adão está bem próxima, já estendida para as maçãs. O pintor é aqui um bom psicólogo da tentação partilhada. (...) Que sutil psicologia da tentação delega! Eis que Adão diz à Eva de Chagall: Vá minha bela conheça a tentação, mas a tentação apenas. Afague, porém não colha, ou então em nuance mais sutil, "não colha, porém afague"... Em sua embriaguês de ver, um pintor sente tudo isso...23 23 BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. 3ª ed. Rio de Janeiro, Bertrand, 1991, p.10.

As mãos desse Adão de Nery, um deslumbrante travesti, não estão estendidas, mas seus olhos, que espelham a alma, estão. Adão divide com Eva o prazer e o pecado, ele sensibiliza e abala os instantes decisivos de uma lenda. Ao mesmo tempo, o pintor acaba lançando um olhar sobre o que é, não anatomicamente, o masculino e o feminino. Pintando-se como mulher, Nery é capaz de ultrapassar a divisão tão marcada que existe entre os sexos em nossa sociedade e enxergar-se a partir de um componente feminino (anima), que todo homem possui, assim como toda mulher apresenta o seu componente masculino (animus). Essa interpretação da alma humana é fornecida por Jung:

Na idade média, muito antes de os filósofos [e cientistas] terem demostrado que trazemos em nós, devido a nossa estrutura glandular, ambos os elementos - o masculino e o feminino -, dizia-se que "todo homem traz dentro de si uma mulher". É a este elemento feminino, que há em todo homem, que chamei "anima". Este aspecto "feminino" é essencialmente, uma certa maneira, inferior, que tem o homem de se relacionar com seu ambiente sobretudo com as mulheres, e que ele esconde tanto de outras pessoas quanto dele mesmo. Em outras palavras, apesar de a personalidade visível do indivíduo parecer normal, ele poderá estar escondendo dos outros - e mesmo dele próprio - a deplorável condição de sua "mulher interior".24 24 JUNG, Carl G. et alli. O homem e seus símbolos. 7. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d, p.31.

Mas onde está o Nery machista? O Nery que não queria ser "traído" pela esposa mesmo depois de morto?25 25 Este dado a respeito de Nery encontra-se na biografia romanceada de NERY, Adalgisa. A imaginária. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1974. Nery liberta a sua "mulher interior" a partir de sua interpretação do misticismo cristão e a retrata em seus quadros e poemas que trazem, subjacentes, o sistema filosófico denominado Essencialismo. Para um essencialista, o qual trabalha com a abstração do espaço e do tempo, uma mulher com um velho no colo pode ser uma mãe com seu filho; duas caveiras podem representar um par de namorados tais quais eles serão um dia. O essencialista rompe com tempo e espaço, procurando ver, a partir de seu olhar prolongado - tal qual o de quem observasse por um telescópio - a quintessência, empregando um termo da Alquimia, de todas as coisas. Sendo assim, quando ele se pinta como "mulher", é porque, originalmente, no início de cada cosmogonia, o homem é andrógino e, no final de cada escatologia, ele também volta a ser andrógino. Assim, Nery neutralizou os contrários para religar-se a Deus e alcançar o Paraíso Celestial.

Os seus bonecos, como ele gostava de se referir aos seres que brotavam de seu pincel e, por extensão, de seus textos, antecipam uma tendência que se iniciaria na sociedade ocidental por volta dos anos 50 e 60:

A Beatlemania que tomou conta do país [EUA] resultou da combinação dos frágeis falsetes com o encantador ar juvenil dos cantores, além da ambigüidade sexual de suas típicas melenas, belas roupas e sapatos de salto alto. A sexualidade indefinida dos "liverpudlianos" agradou a muitas meninas americanas entre sete e doze (...). Ainda que os Beatles tenham atraído grupos mais idosos e sofisticados de admiradores com os seus inventivos acordes e harmonias, audacioso emprego do sitar, letras e sons psicodélicos, muito do assombroso impacto original do conjunto deveu-se talvez mais diretamente à ambigüidade sexual dos seus componentes.26 26 WINICK, Charles E. Unissexo. São Paulo, Perspectiva, 1972, p.21.

Isso não ocorreu apenas na música, em que cantoras como Nina Simone passaram a confundir o público com uma voz rouca, mas também na moda dos anos 70. Época de modelos muito magras, muito altas e andróginas - não muito diferente da tendência atual. O mesmo se daria com a dança:

Tais mudanças evidenciam a aproximação de uma época em que o sexo do dançarino será irrelevante. Rudolf Nureyev, considerado por alguns o mais sensacional astro do balé desde Nijinsky, predisse que o vocabulário da dança se expandirá e aumentará... "Acho que no futuro não importará quem seja homem ou mulher. Haverá só a dança, e o sexo do dançarino será apenas uma adição do colorido".27 27 Idem, p. 30.

Esse caminhar em direção ao neutro é verificado mesmo com relação aos ensaios de balé, pois, antes, cada sexo tinha classes e treinos separados. Os homens se dedicavam mais aos saltos e piruetas, as mulheres praticavam mais o trabalho dos pés. No século XX, homens e mulheres passam a treinar cada vez mais juntos e a aprender passos similares. No trajar, se tornam cada vez mais parecidos, com mulheres vestindo menos o saiote e, com mais freqüência, a malha. Com relação a este aspecto, Nery, que faz desenhos e quadros representando coreografias, prefere vestir, tanto suas bailarinas quanto seus bailarinos, com malha ou os apresenta despidos.

Mas toda era que se inicia, um dia se acaba. O fim se aproxima, sempre, com seus cataclismas e traz consigo revelações. O Deus Criador, do qual o poeta-pintor é a imagem e semelhança, retorna de maneira triunfante no poema em prosa, de Nery, "Ente dos entes":

A minha mão gigante rasgou o céu e apareceu a figura do Ente dos entes. Houve confusão tremenda e os homens se misturavam, gritando; gritos de alegria, de dor, de espanto e de medo. Os sentidos dos homens se aperfeiçoaram e eles viram, ouviram e sentiram o que nunca tinham visto, ouvido e sentido. Houve, depois, consciência e todos se calaram. E olhavam pasmos a figura do Ente dos entes, que, para os homens era uma mulher e para as mulheres era um homem.28 28 NERY, Ismael. O ente dos entes. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.75.

O surgimento ambíguo desse "Ente" faz lembrar um bruxuleante Auto-retrato (fig.3) de Ismael Nery. O misterioso e expressivo personagem de mãos deformadas, colocado por trás de uma espécie de balcão, tem sobrancelhas levantadas, quase diabólicas, levemente riscadas. O cabelo, bem acima dos ombros, lembra o das jovens arrojadas da época. A camisa de camponês russo, ultra estilizada, confirma o talento do Nery estilista. Os traços do rosto são delicados, as unhas estão pintadas e a boca foi desenhada com batom. Quanto aos olhos, uma fenda negra e sem íris, fazem lembrar o comentário do psicanalista Chaim Hamer a respeito de um outro trabalho de Nery: enxergam para dentro, contemplam o passado filogénetico, ontogenético, as idades míticas da humanidade.29 29 Ver HAMER, Chaim José. Ismael Nery e a Psicanálise. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.67. Nas palavras de Sergio Miceli, "figura híbrida, ente misterioso com elementos extraídos de suas aparições masculinas e de suas projeções femininas".30 30 MICELI, Sergio. Imagens negociadas. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, p.78.


O "Ente dos entes" é como um holograma, tal qual o deus hindu Shiva, para os homens se apresenta como uma mulher e para as mulheres como um homem. Ele traz os pólos masculino e feminino. "...Até certo ponto toda divindade - e as antigas teogonias gregas provam isso abundantemente - é bissexual".31 31 CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Op. cit., p. 52.

A reformulação dos ciclos cósmicos, de que fala o poema ao tratar do retorno da divindade, está presente em todas as culturas primitivas.

Platão encontra a causa da regressão cósmica e das catástrofes cósmicas num duplo movimento do Universo, a divindade ora orienta inteiramente sua revolução circular, ora abandona a si próprio (...). Esta mudança de direção é acompanhada de gigantescos cataclismos...33 33 ID., IB, p.106.

As teorias do Grande Tempo apresentam duas doutrinas: a do tempo cíclico e a do tempo cíclico limitado. Nas duas doutrinas encontra-se a Era do Ouro, como a descrita no Gênesis, um tempo de paz em que predomina a fartura. No entanto, na primeira doutrina, a Era de Ouro pode ser repetida infinitamente (ad infinitum) e na segunda, ela só pode ser repetida uma única vez, o que corresponderia ao Paraíso para os cristãos. Para Nery, que sempre menciona o Juízo Final, talvez reste a segunda opção. Mas deve-se levar em consideração o fato de ele mencionar, freqüentemente, idéias associadas ao pensamento esotérico e pré-socrático, mais comuns à primeira doutrina.

Diante do Ente dos entes, os seres humanos, uns com espanto outros com alegria, têm o seu poder de percepção modificado, passam a perceber o que antes parecia estar além do alcance: "Os sentidos dos homens se modificaram...". E, face a face com o ser Supremo, o reencontro com o andrógino primordial:

e que apontava para três estrelas que giravam loucamente em volta de uma grande esfera de aço polido, que tinha a cabeleira como a de uma mulher e que serena, caminhava girando sobre si mesma, para o ocidente.34 34 NERY, I. O ente dos entes... Op. cit., p.75.

Esse ser ambíguo aponta para "três estrelas", as quais giram em torno de uma "esfera". Além de representar a trindade cristã, esse número, o 3, é associado à totalidade. Quanto à "esfera", é o símbolo da perfeição, é o símbolo da unidade perfeita e, por isso, assim como o número "três", também está em estreita ligação com o andrógino. E o próprio Nery diria, em outro poema, "Para que olhos, para que boca, para que nariz? (...) O homem deveria ser uma bola com pensamento...".35 35 NERY, Ismael. Manhã. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.72. Com relação à simbologia da esfera, ver ainda: Platão. Banquete. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970, p.126 (Trad. J. Cavalcante de Souza). O catolicismo de Nery, segundo Murilo Mendes, era ecumênico, pois o artista constatava a presença de Deus em todas formas de conhecimento. Nesse sentido, é válido estabelecer essa leitura mítica, quase esotérica, para se compreender esta simbologia criada conscientemente.

O "Ente dos entes", de Nery, fará ainda outros inusitados sinais e falará uma estranha linguagem:

Depois, o Ente dos entes abriu suas vestes e mostrou no seu corpo fosforescente três nódoas vermelhas, duas na altura do ventre e uma em cima do coração. E falou em linguagem desconhecida. Ninguém entendeu o que disse o Ente dos entes, mas todos, no fim, sentiram um grande consolo.36 36 NERY, I. O ente dos entes... Op. cit., p.75.

Em 1929, André Breton escreveu que "as literaturas do norte [da Europa] e as literaturas orientais tiraram subsídios e mais subsídios [do maravilhoso], sem falar das literaturas propriamente religiosas de toda parte".37 37 BRETON, André. Manifestos do Surrealismo. São Paulo, Brasiliense, 1985, p.46. Nery tira seus subsídios e imagens poéticas da Bíblia, a obra mais lida por ele durante toda sua vida. Seus livros preferidos foram o Eclesiastes e o Evangelho de São João. Neste último, segundo o artista, o Cristo se revelava como Filho de Deus e, por isso, antes de morrer, pede a Murilo que o leia futuramente. No caso de O Ente dos entes, é flagrante a presença do Apocalipse. Os termos são enigmáticos e misteriosos, o texto provoca mesmo um certo desconforto em decorrência de seu tom profético.

O "Ente" ainda apresenta "nódoas" em seu corpo, "três" sinais que lembram os chakras:

Termo sânscrito que significa Roda. Trata-se dos pontos ocultos de junção dos canais sutis (nadis) por onde, segundo a fisiologia hindu, circula a energia vital. Esses centros de consciência da fisiologia mística, superpostos ao longo da coluna vertebral até o topo da cabeça, podem ser qualificados de turbilhões de matéria etérea (avas).38 38 CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos... Op. cit., p.231.

O fato de os sinais encontrarem-se sobre o ventre e sobre o coração caracteriza uma simbologia especial. O ventre é considerado a caverna, o útero, um lugar de proteção, ele é o símbolo da mãe - e, por extensão, deve estar relacionado a este "Ente" divino e andrógino: "todos (...) sentiram um grande consolo" mesmo sem entender sua linguagem. O outro sinal está sobre o coração, sede de todas as emoções para os ocidentais e centro da inteligência, da intuição e da personalidade para todas as civilizações tradicionais.

Mas um ser soberano não pode permanecer muito tempo entre os mortais. Ele restaurou o que estava em decadência e plantou o desejo de amar no coração das pessoas:

Na noite deste acontecimento os homens amaram como nunca tinham amado as suas amadas e estas conceberam filhos para que pudessem ver também o Ente dos entes, que prometeu voltar. Houve paz temporariamente.39 39 NERY, I. O ente dos entes... Op. cit., p.75.

Agora há paz no mundo, mas "temporariamente". Não houve destruição ou nada parecido, a destruição está mais relacionada a uma renovação interna dos indivíduos. Ainda assim, o poeta coloca-se mais de acordo com a doutrina do tempo cíclico, revelando um catolicismo esotérico e místico. Não é difícil imaginar o quanto o catolicismo de Nery teria chocado as pessoas, se tivesse sido dado a conhecer mais amplamente através de sua arte. A sua família vivia dizendo a respeito de seus quadros, porque você não pinta como este ou aquele pintor... Um Deus bissexual é esta a concepção de Nery a respeito do criador:

Sem dúvida um artista obcecado por sua própria identidade no mundo, dilacerado em personas conflitantes (e que, para unificá-las, buscava inclusive uma espécie de travestismo pictórico, à semelhança de Duchamp, que buscou o travestismo fotográfico), não podia servir à corrente principal do modernismo brasileiro, mesmo tendo sido considerado um de seus artistas mais talentosos.40 40 CHIARELLI, Tadeu. Às margens do modernismo. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.59.

O projeto do Modernismo brasileiro, associado ao nacionalismo, excluiu a arte de Nery. Sua pintura só foi descoberta em meados dos anos 60, mais de 30 anos depois de sua morte. Sua pintura e poesia retiram o homem da noção do tempo e espaço, apontando, assim, para uma concepção universal. Em sua obra, profundamente simbólica, procura reunir feminino e masculino e apresentar o ser humano em sua totalidade.

Cada polaridade apresenta qualidades necessárias para o equilíbrio do mundo. Manifestar estas qualidades em sua melhor configuração, sem valorizar uma em detrimento da outra, pode enriquecer nossa convivência com todos os seres.41 41 KOSS, Monika Von. Feminino + Masculino... Op.cit., p.14.

Certamente à margem do Modernismo, mas parafraseando Nery, pouco importava que suas idéias fossem conhecidas por sua boca ou pela boca de outrem, num futuro distante, ou até mesmo, no Juízo Final.

Recebido para publicação em março de 2004, aprovado em janeiro de 2005.

  • 1 KOSS, Monika Von. Feminino + Masculino: uma nova coreografia para a eterna dança das polaridades. São Paulo, Escritura, 1999, p.14.
  • 4 HOCKE, Gustav R. Maneirismo: o mundo como labirinto. São Paulo, Perspectiva, 1974, pp.15-17.
  • 5 BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia (a idade do ouro): histórias de deuses e heróis. 9. ed. Rio de Janeiro, Ediouro, 2000, pp.124-125.
  • 7 NERY, Ismael. Eu. In: Ismael Nery 100 anos: a poética de um mito. curadoria Denise Mattar. Rio de Janeiro, Centro Cultural Banco do Brasil e São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, 2000, p.6.
  • 8 GINSBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 3Ş ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p.97.
  • 11 A divindade, na maioria, das religiões apresenta uma conformação andrógina. E Nery, que investiu no travestismo pictórico, partilha desta opinião. "Conforme a primeira narrativa da Criação no Gênesis, Adão aparece sob um aspecto bissexual; segundo certos autores, ele é hermafrodita. No Midrasch Bereshit Raba, diz-se que Deus criou Adão ao mesmo tempo macho e fêmea. Sentido idêntico é apresentado na Cabala que, além disso, fala de Deus sob o duplo aspecto de rei e rainha." CHEVALIER, Jean e GUEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 14Ş ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1999, p.13.
  • 17 ARRIGUCCI Jr., Davi. Arquitetura da memória. In: O cacto e as ruínas. São Paulo, Duas cidades, 1997, pp.83-84.
  • 20 SANT'ANNA, Affonso Romano de. Ismael Nery: a circularidade do um, do dois e do três. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.60.
  • 22 Esta é uma referência atribuída ao deus Shiva, na mitologia hindu. Ver: FEURSTEIN, Georg. Tantra: sexualidade e espiritualidade. Rio de Janeiro, Nova Era, 2001, p.97.
  • 23 BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. 3Ş ed. Rio de Janeiro, Bertrand, 1991, p.10.
  • 24 JUNG, Carl G. et alli. O homem e seus símbolos. 7. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d, p.31.
  • 26 WINICK, Charles E. Unissexo. São Paulo, Perspectiva, 1972, p.21.
  • 29 Ver HAMER, Chaim José. Ismael Nery e a Psicanálise. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.67.
  • 30 MICELI, Sergio. Imagens negociadas. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, p.78.
  • 35 NERY, Ismael. Manhã. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.72.
  • 37 BRETON, André. Manifestos do Surrealismo. São Paulo, Brasiliense, 1985, p.46.
  • 40 CHIARELLI, Tadeu. Às margens do modernismo. In: Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.59.
  • *
    Este artigo é parte de minha dissertação de Mestrado em Estudos Literários, Ismael Nery: o olho no telescópio, com a orientação do Prof. Dr. Sílvio Augusto de Oliveira Holanda, apresentada à Universidade Federal do Pará no primeiro semestre de 2003.
  • 1
    KOSS, Monika Von.
    Feminino + Masculino: uma nova coreografia para a eterna dança das polaridades. São Paulo, Escritura, 1999, p.14.
  • 2
    Ele nasceu no ano de 1900, em Belém, e transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro aos 9 anos de idade. Em 1934, aos 33 anos, morre de tuberculose prematuramente.
  • 3
    Ismael e Adalgisa. Direção: Malu de Martino. Produção: Clélia Bessa. Intérpretes: Christiane Torloni, Murilo Rosa, Bruno Garcia, Marília Medina, Samantha Nery. Roteiro: Pedro Rosa. Rio de Janeiro, Raccord Produções, 2001, docudrama em média metragem, 35mm, 34m.
  • 4
    HOCKE, Gustav R.
    Maneirismo: o mundo como labirinto. São Paulo, Perspectiva, 1974, pp.15-17.
  • 5
    BULFINCH, Thomas.
    O livro de ouro da mitologia (a idade do ouro): histórias de deuses e heróis. 9. ed. Rio de Janeiro, Ediouro, 2000, pp.124-125.
  • 6
    Suas fases, que muitas das vezes se confundem, são as seguintes: expressionista, cubista e surrealista. Neste texto, serão analisados apenas quadros da primeira fase.
  • 7
    NERY, Ismael. Eu. In:
    Ismael Nery 100 anos: a poética de um mito. curadoria Denise Mattar. Rio de Janeiro, Centro Cultural Banco do Brasil e São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, 2000, p.6.
  • 8
    GINSBURG, Carlo.
    Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 3ª ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p.97.
  • 9
    Óleo s/tela, 32 x 23 cm, Col. particular, São Paulo.
  • 10
    NERY, I. Eu... Op. cit., p.6.
  • 11
    A divindade, na maioria, das religiões apresenta uma conformação andrógina. E Nery, que investiu no travestismo pictórico, partilha desta opinião. "Conforme a primeira narrativa da Criação no
    Gênesis, Adão aparece sob um aspecto bissexual; segundo certos autores, ele é hermafrodita. No
    Midrasch Bereshit Raba, diz-se que Deus criou Adão ao mesmo tempo macho e fêmea. Sentido idêntico é apresentado na Cabala que, além disso, fala de Deus sob o duplo aspecto de rei e rainha." CHEVALIER, Jean e GUEERBRANT, Alain.
    Dicionário de símbolos. 14ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1999, p.13.
  • 12
    NERY, I. Eu... Op. cit., p.6.
  • 13
    ID. IB., p.6.
  • 14
    Homem que, ao refutar muitas das convenções sociais, procura distinguir-se através do extremo apuro de suas roupas e do refinamento de seus gostos e modos.
    Dandy é um vocábulo inglês, associado a uma moda social e literária, do fim do século XIX, exportada depois para outros países europeus. Ver CARASSUS, Emilien.
    Le mythe du dandy. Paris, Armand Colin, 1971 e HUYSMANS, J.-K.
    Às avessas. São Paulo, Companhia das Letras, 1987 (Tradução e estudo crítico de José Paulo Paes).
  • 15
    Segundo Murilo Mendes e outros amigos do artista, como Mário Pedrosa, era um sistema filosófico oral elaborado por Nery por volta dos 25 ou 26 anos. Constituía-se numa espécie de reformulação das idéias de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, mas estava ainda permeado por concepções nietzscheanas, surrealistas, alquímicas e por uma leitura muito particular da Bíblia. Ver: MENDES, Murilo.
    Recordações de Ismael Nery. São Paulo, Edusp/Giordano, 1996.
  • 16
    A obra pertence à coleção de Heloísa de Carvalho.
  • 17
    ARRIGUCCI Jr., Davi. Arquitetura da memória. In:
    O cacto e as ruínas. São Paulo, Duas cidades, 1997, pp.83-84.
  • 18
    NERY, Ismael. Poema. In:
    Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.72.
  • 19
    Ismael Nery, Óleo sobre tela, 49,5 x 34 cm, Col. Benjamim Fleider, SP.
  • 20
    SANT'ANNA, Affonso Romano de. Ismael Nery: a circularidade do um, do dois e do três. In:
    Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.60.
  • 21
    Gênesis, cap. 3, v. 1-4,
    A Bíblia Sagrada. 45ª ed. Petrópolis, Vozes, 1982, p.30.
  • 22
    Esta é uma referência atribuída ao deus Shiva, na mitologia hindu. Ver: FEURSTEIN, Georg.
    Tantra: sexualidade e espiritualidade. Rio de Janeiro, Nova Era, 2001, p.97.
  • 23
    BACHELARD, Gaston.
    O direito de sonhar. 3ª ed. Rio de Janeiro, Bertrand, 1991, p.10.
  • 24
    JUNG, Carl G.
    et alli. O homem e seus símbolos. 7. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d, p.31.
  • 25
    Este dado a respeito de Nery encontra-se na biografia romanceada de NERY, Adalgisa.
    A imaginária. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1974.
  • 26
    WINICK, Charles E.
    Unissexo. São Paulo, Perspectiva, 1972, p.21.
  • 27
    Idem, p. 30.
  • 28
    NERY, Ismael. O ente dos entes. In:
    Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.75.
  • 29
    Ver HAMER, Chaim José. Ismael Nery e a Psicanálise. In:
    Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.67.
  • 30
    MICELI, Sergio.
    Imagens negociadas. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, p.78.
  • 31
    CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain.
    Dicionário de símbolos. Op. cit., p. 52.
  • 32
    Guache s/papel, 16,5 x 7,5 cm, Col. Gilberto Chateaubriand, RJ.
  • 33
    ID., IB, p.106.
  • 34
    NERY, I. O ente dos entes... Op. cit., p.75.
  • 35
    NERY, Ismael. Manhã. In:
    Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.72. Com relação à simbologia da esfera, ver ainda: Platão.
    Banquete. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970, p.126 (Trad. J. Cavalcante de Souza).
  • 36
    NERY, I. O ente dos entes... Op. cit., p.75.
  • 37
    BRETON, André.
    Manifestos do Surrealismo. São Paulo, Brasiliense, 1985, p.46.
  • 38
    CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A.
    Dicionário de símbolos... Op. cit., p.231.
  • 39
    NERY, I. O ente dos entes... Op. cit., p.75.
  • 40
    CHIARELLI, Tadeu. Às margens do modernismo. In:
    Ismael Nery 100 anos... Op. cit., p.59.
  • 41
    KOSS, Monika Von.
    Feminino + Masculino... Op.cit., p.14.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2004
    • Aceito
      Jan 2005
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