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Diferenças e desigualdades negociadas: raça, sexualidade e gênero em produções acadêmicas recentes* * Recebido para publicação em 20 de março de 2014, aceito em 26 de maio de 2014.

Differences and inequalities in negotiation: race, sexuality and gender in recent academic productions

Resumos

Muitas das recentes reflexões acerca da produção da diferença e da análise da desigualdade social vêm investindo na articulação entre os chamados "marcadores sociais da diferença". Nesse amplo cenário que envolve os debates acerca dos direitos diferenciados e das políticas de reconhecimento, da produção de novas sensibilidades e da concomitante ressemantização de antigas formas de exclusão, a intersecção entre raça, nação, sexualidade e gênero ganha destaque. O objetivo deste artigo é refletir sobre a forma como um certo conjunto de marcadores da diferença vem sendo agenciado em reflexões acadêmicas e políticas recentes. Mais especificamente, este artigo irá focar três eixos: 1) o da (re)construção dos Estados nacionais e de certas representações de nação; 2) o campo dos direitos humanos: da regulação à construção de sujeitos de direitos; e 3) o das identidades subjetivas, do espaço de agência, do cuidado de si e da inserção em novas ou renovadas redes de sociabilidade.

Marcadores sociais da diferença; Interseccionalidade; Raça; Miscigenação/Nação; Sexualidade e Gênero


Many of the recent reflections on the production of difference and analysis of social inequality have been putting forth the articulation between the so called "social markers of difference". In this broad field - that involves debates on differential rights, acknowledgement policies, the production of new sensibilities, and at the same time the reformulation of past forms of exclusion - the intersection between race, nation, sexuality and gender is high lightened. The aim of this article is to reflect on the ways a set of markers of difference have been used in academic debates and recent policies. More specifically, the article will focus on three axes: 1) the rebuilding of the national States and of certain national representations; 2) the field of human rights: from the regulation to the construction of the subject of rights; 3) the subjective identities, the room for agency, the care of the self and the new or renewed networks of sociability.

Social Markers of Difference; Interseccionality; Race; Miscigenation/Nation; Sexuality and Gender


Introdução

Subestimar a temporalidade daqueles sobre os quais se produzem etnografias é reforçar instrumentos de poder sobre aqueles que "não somos nós" (Johannes Fabian).

Como nos tornamos "nós"? Como nos tornamos "eles"? Como alguns se tornam "nós" e outros "eles"? Ou, talvez a melhor maneira de formular essa pergunta seja: de que modo os dispositivos de poder produzem a diferença entre o "nós" e "eles"? Muitas das recentes reflexões acerca da produção da diferença e da análise da desigualdade social vêm investindo na articulação dos chamados "marcadores sociais da diferença". As questões acima colocadas informam ora explícita, ora implicitamente esse campo de análise. Nesse amplo cenário, que envolve os debates acerca dos direitos diferenciados e das políticas de reconhecimento, da produção de novas sensibilidades e da concomitante ressemantização de antigas formas de exclusão, a intersecção entre raça, nação, sexualidade e gênero ganha destaque.1 1 Mais recentemente, categorias como geração\idade e deficiências ampliaram esse cenário. "Deficiência", em geral, é tratada como um marcador da diferença, mas há debates controversos a respeito (ver Lopes, 2013). Sobre "geração" articulada a outros marcadores ver Simões (2013) e Debert (2014). Não tratarei dessas temáticas na reflexão que se segue.

O objetivo deste artigo é refletir sobre a forma como certo conjunto de marcadores da diferença vem sendo agenciado em reflexões acadêmicas e políticas recentes, no Brasil. Para tanto, realizei buscas2 2 As buscas foram realizadas entre janeiro e abril de 2014. no Jstor, no Scielo, na Cadernos Pagu, na Revista Estudos Feministas, no Estudos Afro-Asiáticos e no currículo lattes de alguns autores que reconhecidamente trabalham nesse campo. Como números antigos da Cadernos Pagu e da Revista Estudos Feministas não estão no Scielo, também refiz os levantamentos com os mesmos descritores nos sítios da UFSC e da Unicamp, onde as coleções completas estão disponíveis. Contam ainda como parte do levantamento, que será detalhado ao longo da análise, a minha experiência com Fabiano Gontijo na organização de GTs sobre sexualidade, culturas sexuais e novas moralidades em diferentes edições do CISO, RBA, REA, RAM e Fazendo Gênero nos últimos 10 anos e o Workshop Estudos Antropológicos sobre Sexualidade: tendências, intersecções e fronteiras, organizado por Laura Moutinho, Regina Facchini e Sérgio Carrara, que ocorreu na 28ª RBA, São Paulo, em 2012. Uma primeira versão desta análise foi apresentada no Simpósio Especial: Antropologia, gênero e sexualidade no Brasil: balanço e perspectivas, organizado por Adriana Piscitelli3 3 Agradeço a Adriana Piscitelli o incentivo e todo o apoio para transformar aquela primeira reflexão no ensaio que ora apresento. Nessa empreitada, ainda preciso agradecer o retorno recebido a respeito de textos, edições e inquietações de Mariza Corrêa, Peter Fry, Ruben Oliven, Yvonne Maggie, Antonio Sérgio Guimarães, Lia Zanota Machado e Charles Pessanha. Agradeço ainda a leitura cuidadosa de Gibran Teixeira Braga e de Silvia Aguião. Sou, claro, inteiramente responsável pelas informações e pelas análises realizadas neste texto. e Sérgio Carrara, que ocorreu na mesma RBA. Assim, mais especificamente, este artigo focará três eixos: 1) o da (re)construção dos Estados nacionais e de certas representações de nação; 2) o campo dos direitos humanos: da regulação à construção de sujeitos de direitos; e 3) o das identidades subjetivas, do cuidado de si e da inserção em novas ou renovadas redes de sociabilidade. Perpassam os três eixos ideias a respeito de identidades em diferentes matizes, mas a questão chave articuladora é a análise da produção da diferença e da desigualdade.

Configurações, fronteiras e limites de um campo5 5 We are a collective of Black feminists who have been meeting together since 1974. [...] The most general statement of our politics at the present time would be that we are actively committed to struggling against racial, sexual, heterosexual, and class oppression, and see as our particular task the development of integrated analysis and practice based upon the fact that the major systems of oppression are interlocking. The synthesis of these oppressions creates the conditions of our lives [...] (tradução nossa). Disponível em: <http://circuitous.org/scraps/combahee.html>.

Nos Estados Unidos, a interseccionalidade, ou seria melhor dizer, interseccionality e/ou interseccionalities, constituem um campo de estudos específico. Numa rápida busca na base de dados Jstor é possível localizar 1.881 títulos quando se usa interseccionality como descritor. Esse número se reduz significativamente se a combinação for interseccionality e anthropology. Nesse caso, aparecem 408 registros. Um número nada desprezível, entretanto.

Chama atenção como, para todas as combinações possíveis, alguns nomes, temas e perspectivas são recorrentes: Kimberlé Crenshaw, o nome de maior força; raça, gênero e classe são consubstanciadas no tipo de exclusão que atinge as mulheres negras - são elas que estão no centro da construção de uma crítica que se transformou num campo que entrecruza academia e política; Estados Unidos o lugar onde a tese foi colocada.

No chamado Black Feminism 4 4 O black feminism tem suas raízes na chamada segunda onda do movimento feminista. Ver Piscitelli ( 2002) e também Harris (2001). , Crenshaw, sem dúvida, não é a única personagem que aparece entre o que se poderia chamar de as pioneiras dessa proposta crítica, reflexiva e política. Angela Davis, Barbara Smith, Chirlane McCray são, entre outras, são frequentemente citadas. Esta última, para horror de muitos, vem a ser esposa e mãe de dois filhos do atual prefeito de Nova York, um norte-americano de origem italiana e mais à esquerda em termos políticos. Crenshaw, entretanto, aparece como a principal referência em trabalhos acadêmicos e as demais são mais frequentes na militância feminista, negra e lésbica. Barbara Smith e McCray, por exemplo, estão entre as que lançaram, em 1977, o manifesto Combahee River Collective Statement.

Vale a pena citar um trecho:

Somos um coletivo de feministas negras que vem se reunindo desde 1974 [...] A perspectiva mais ampla que orienta nossa política no momento atual seria de que estamos ativamente empenhadas em lutar contra a opressão racial, sexual, heterossexual e de classe e vemos como nosso dever em particular o desenvolvimento de uma análise e prática integradas, baseadas no fato de que os principais sistemas de opressão são interconectados. A síntese dessas opressões cria as condições de nossas vidas.

Kimberle Crenshawé uma acadêmica extremamente atuante, sendo cofundadora do African-American Policy Forum 6 6 Disponível em: <http://aapf.org/>. . O fórum está estruturado em três grandes eixos: ações afirmativas, interseccionalidade e racismo estrutural. O objetivo é conectar acadêmicos, ativistas e formuladores de políticas no sentido de enfrentar as desigualdades estruturais que têm como base as intersecções entre gênero, raça e classe.

As análises de Crenshaw possuem fundamentalmente dois grandes eixos estruturadores: a intersecção entre gênero e raça, justiça e violência. No rastro de críticas anteriormente realizadas pelo então nascente blackfeminism, Kimberle Crenshaw escreveu um breve ensaio, que viria a ser ampliado posteriormente, no qual coloca em perspectiva "a tendência de se tratar raça e gênero como categorias mutuamente exclusivas da experiência e da análise" (1989:39).7 7 "the tendency to treat race and gender as mutually exclusive categories of experience and analysis" (tradução nossa).

Em sua crítica a uma perspectiva que opera em um único eixo, o foco da análise recai na forma como a Corte americana interpreta processos enquadrados na Civil Rights Acts of 1964, 42 USC & 2000e, et seq as amended (1982), nos quais as requerentes são as mulheres negras. São duas as principais razões que a levaram a realizar esta análise: 1) a partir da justaposição das categorias de raça e classe, a autora procura demonstrar como as mulheres negras são excluídas (erased) das análises teóricas; 2) esse apagamento acaba por comprometer (a autora diz: undermine) as análises feministas e antirracistas. Faz-se necessário ter em mente que estas duas últimas perspectivas são campos diferentes de atuação e análise que passam a ser combinados pela ideia de interseccionalidade, construído com base nas múltiplas situações que as mulheres negras enfrentam.

Nos três casos analisados, Crenshaw mostra como a dupla discriminação opera no interior do sistema legal norte-americano. A autora disserta sobre a discriminação ora baseada na raça, ora no gênero (sex): "mulheres negras experimentam às vezes a discriminação de modo similar ao experimentado pelas mulheres brancas; às vezes, elas "partilham experiências similares às dos homens negros"; às vezes, "a experiência da dupla discriminação é vivida com base no gênero (sex) e na raça" e, por fim, destaca que em alguns momentos elas experimentam a discriminação como "mulheres negras": "não a soma de discriminação por raça e sexo, mas como mulheres negras" (not the sum of race and sex discrimination, but as blackwomen) (Crenshaw. 1989CRENSHAW, Kimberle. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, 1989, pp.139-167.:44). Nota-se que um processo sócio-jurídico é desvelado (a forma como os advogados manejam raça e gênero nos casos levados a corte) ao mesmo tempo que uma identidade é delineada (mulher negra) que padece da soma das discriminações, mas que surge ao mesmo tempo com autonomia nesse processo, não sendo apresentada somente como um somatório.

Em realidade, além da crítica ao feminismo, o argumento e a análise de Crenshaw precisam ser compreendidos como efeitos, nos Estados Unidos, do movimento pelos direitos civis que resultou na Civil Rights Acts of 1964 8 8 Na história da Civil Rights Acts chama atenção que a palavra gênero (sex) tenha sido acrescentada de última hora e entendida como uma manobra operada por Howard W. Smith, um político conservador que se opunha à concessão de direitos civis aos negros. Ele foi acusado de propor esse acréscimo para "derrubar" a lei. Seu argumento, entretanto, foi o de que fez a proposta com o apoio do National Women's Party. Disponível em: <http://www.archives.gov/education/lessons/civil-rights-act/>. . A autora enfatiza nesse ponto, justamente a incapacidade dos magistrados em reconhecer a interseccionalidade ao negar as ações judiciais propostas por mulheres negras. Ao identificar, registrar e analisar a manobra legal dos advogados que deliberaram contra as requerentes, ora através do gênero e ora através da raça, Crenshaw coloca a especificidade da experiência das mulheres negras no centro do debate e dá inteligibilidade a mecanismos produtores das desigualdades sociais de modo mais amplo. Ainda nesse sentido, a autora argumenta que a teoria feminista precisa incluir o racismo em suas análises e reivindicações do mesmo modo que as políticas antirracistas precisam considerar em suas análises o sexismo e o patriarcado. A categoria sofrimento que vem sendo abordada no âmbito de uma série de análises não está diretamente nomeada, mas se insinua na análise, compondo o campo moral que recrimina a discriminação. Por fim, a interseccionalidade opera aqui numa fratura produzida através de eixos de realidades comparados e combinados.

Traçar origens e influências é uma tarefa delicada e enganosa. O percurso disciplinar múltiplo, as elipses e mesmo o silêncio deliberado a respeito do trabalho de Ruth Landes no Brasil e nos Estados Unidos (Corrêa, 2000CORRÊA, Mariza. O mistério dos orixás e das bonecas: raça e gênero na antropologia brasileira. Etnográfica, vol. IV, nº 2, Lisboa-Portugal, 2000, pp.233-266.) ilumina o que estou tentando explicitar. Uma autora que, se quisermos ler com o vocabulário atual, articulou em sua análise a respeito do Candomblé um conjunto significativo de marcadores da diferença como raça, gênero e sexualidade. Meu ponto é que o feminismo e o antirracismo são esferas de interlocução internacionais. Além disso, ainda que o trabalho acadêmico e a atuação política de Crenshaw pareçam fundamentais para a forma como esse campo vem a se organizar em outros cenários como no Brasil, tanto em termos acadêmicos quanto teóricos, essa não é de fato a única, primeira ou maior influência. Em outras palavras, sem dúvida, ela não é a única autora a construir as bases desse debate. Adriana Piscitelli (2008)PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura (11), nº 2, 2008, pp.263-274.percorreu esse campo com cuidado mapeando o contexto de surgimento dessas categorias, seus usos e explicitando suas bases. Piscitelli realiza na análise uma importante diferenciação ao dar inteligibilidade às categorias utilizadas como "intersecção" ou "articulação" de diferentes eixos de análise: Crenshaw opera de modo "sistêmico", ao passo que autoras como Anne McClintock e Avtar Brah produzem abordagens construcionistas. Nessa maneira diferenciada de pensar criticamente acerca da produção da diferença e da desigualdade, parecem relevantes as nacionalidades das autoras focalizadas bem como as formações que elas tiveram no sentido dar inteligibilidade as suas agendas de pesquisas e as interlocutoras de seus respectivos campos. Anne McClintock nasceu no Zimbábue e lança um olhar contundente sobre a África do Sul, Avtah Brah na Índia (suas reflexões emulam essas questões na Inglaterra, por exemplo) e Crenshaw nos Estados Unidos (o movimento pelos direitos civis e a estrutura legal do racismo norte-americano fincam as bases de suas reflexões). As experiências em termos de gênero, raça, nacionalidade e classe não determinam, mas informam diferentemente as perspectivas nativas das autoras.

Imperial Leather foi publicado por Anne McClintock nos Estados Unidos em 1995 e, no mesmo ano, Ann Laura Stoler publicou Race and the Education of Desire: Foucault's History of Sexuality and the Colonial Order of Things. São duas reflexões de grande força com pontos em comum, mas inscritas em diferentes agendas políticas e de pesquisa. McClintock baseia sua reflexão num uso crítico do feminismo, da psicanálise e do marxismo. Ann Laura Stoler traz uma leitura crítica da ambivalência das análises de Michel Foucault que, ao mesmo tempo em que influenciou os estudos pós-coloniais, não incluiu em sua análise raça nem tampouco as próprias políticas coloniais. Ambas as autoras, entretanto, lançam um olhar especialmente atento à esfera doméstica nos projetos imperiais do ocidente e dão destaque não para a influência do ocidente (especialmente dos valores burgueses da classe média) no mundo não ocidental, mas para a interrelação entre esses mundos, de modo que é essa relação que forja e expande essas fronteiras de classe.

Além disso, creio que para o campo das relações raciais com o feminismo no Brasil é possível notar uma maior centralidade de Kimberle Crenshaw mais recentemente. Especialmente, com a publicação pela Revista Estudos Feministas, em 2002, do Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial relativos ao Gênero. bell hooks, sobre quem falarei adiante, tem circulado muito amplamente. McClintock e, especialmente Brah, têm sido particularmente mobilizadas entre os que vêm do gênero e sexualidade e passam em algum momento de suas análises a incorporar a ideia de raça. Essa foi uma tendência clara nos papers apresentados nos GTs que tenho organizado com Fabiano Gontijo. Mas cabe ressaltar que as políticas de traduções são absolutamente centrais9 9 Nesse cenário, faz-se necessário destacar que nas décadas de 1980 e de 1990 a Fundação Ford e a Fundação MacArthur financiaram diversos projetos e programas no campo das relações raciais e do feminismo. A Fundação Rockefeller financiou um projeto sobre raça e etnicidade, sediado no IFCS\UFRJ, que resultou na publicação de um livro. Na década de 2000, a Fundação Ford financiou projetos no campo do feminismo, raça com grande destaque ainda para a área de sexualidade. Nessa mesma década, houve um retorno do apoio da Fundação à academia, por conta das políticas de ações afirmativas nas universidades. Se nos anos 1980 houve um forte pêndulo para a academia, nos anos 1990 as ONGs foram as principais beneficiárias. Sobre a relação entre o movimento negro, a academia e a Fundação Ford na década de 80, ver Moutinho (1996). Sobre as fundações americanas no Brasil e a polêmica com Bourdieu e Wacquant, ver Telles (2002); Sansone (2002) e, entre outros, os próprios Bourdieu e Wacquant (2002). Sobre como a Fundação Ford aparece na mídia com relação às ações afirmativas em áreas diversas nos anos 2000, ver Moutinho (no prelo). para se entender a apropriação dessas autoras em campos diversos.10 10 A ONG Géledes também possui um papel de destaque nesse cenário. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/>. Historicamente, a Cadernos Pagu e a Revista Estudos Feministas ocupam lugares centrais nesse cenário (Piscitelli, 2013PISCITELLI, Adriana. Atravessando fronteiras: teorias pós-coloniais e leituras antropológicas sobre feminismos, gênero e mercados do sexo no Brasil. Contemporânea (3)- Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos-SP, UFSCar, 2013, pp.377-405.). A Revista Estudos Afro-Asiáticos foi, até fins dos anos 2000, de grande importância no campo das relações raciais. Voltarei a esse ponto, mas creio ser importante destacar que nos números antigos da Revista Estudos Afro-Asiáticos é possível encontrar artigos que articulam gênero, sexualidade, classe e raça. Um dos mais influentes nesse campo foi a tradução de uma reflexão de Verena Stolcke, publicado em 1991, no qual a autora enfrenta a relação entre as categorias raça e etnicidade, sexo e gênero na naturalização da desigualdade social própria da sociedade de classes.

A expressão ou campo "interseccionalidade" tem uma marca: traz um aporte feminista e antirracista. Mas esses marcadores ou clivagens estão presentes em outras análises.11 11 Ver por exemplo, Pacheco (1986) e Sansone (1994). Não se trata, portanto de se entender esse como um campo homogêneo.12 12 Entre autores estudados que enfrentam a questão do entrecruzamento ou intersecção de categorias em constante diálogo com pesquisadores brasileiros constam Eric Fassin, na França, Peter Wade, na Inglaterra, e Mara Viveros e Fernando Urrea, na Colômbia. Corrêa (2000)CORRÊA, Mariza. O mistério dos orixás e das bonecas: raça e gênero na antropologia brasileira. Etnográfica, vol. IV, nº 2, Lisboa-Portugal, 2000, pp.233-266. argumenta que as análises sobre raça e gênero no Brasil datam da própria constituição da antropologia como campo disciplinar. Além disso, a centralidade no cenário brasileiro não é da mulher negra tal como aparece na produção norte-americana. Na produção antropológica brasileira, a figura da mulata e a mestiçagem ganham, igualmente, especial atenção. Há, entretanto, variações e nuanças nessas análises.

Na década de 1990, duas produções são particularmente expressivas. O dossiê "Mulheres Negras", publicado em 1995 pela Revista Estudos Feministas e o número duplo (6/7) da Cadernos Pagu sobre gênero e raça, de 1996. O Dossiê foi publicado por ocasião dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares e das reuniões de preparação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher. Na apresentação do dossiê, Matilde Ribeiro expõe o contexto de produção da edição especial, destacando as dificuldades enfrentadas para reunir um conjunto de textos sobre o tema. O projeto inicial de organizar um conjunto de textos de autoria de mulheres negras cedeu, por força das circunstâncias, a um dossiê que traz contribuições de feministas e acadêmicas negras e brancas sobre gênero e raça, com especial (mas não exclusiva) ênfase na realidade brasileira. Retornarei a alguns dos artigos, mas uma posição particularmente expressiva aparece em Nossos Feminismos Revisitados, quando Luiza Bairros, ancorada em sua experiência norte-americana, argumenta em favor de um ponto de vista feminista (feministst and point):

Segundo essa teoria, a experiência da opressão sexista é dada pela posição que ocupamos numa matriz de dominação onde raça gênero e classe social se interceptam em diferentes pontos Assim, uma mulher negra trabalhadora não é triplamente oprimida ou mais oprimida do que uma mulher branca na mesma classe social, mas experimenta a opressão a partir de um lugar que proporciona um ponto de vista diferente sobre o que é ser mulher numa sociedade desigual racista e sexista. [...] Mais especificamente, nossa posição pode ser melhor compreendida através do lugar ocupado pelas empregadas domésticas. Um trabalho que permitiu a mulher negra ver a elite branca a partir de uma perspectiva que nem os homens negros e nem mesmo os próprios brancos tiveram acesso (Bairros, 1995:6 e 7).

Em certa conexão com o dossiê da REF, os textos da edição especial da Cadernos Pagu são frutos do GT sobre Gênero e Raça, que havia acontecido na reunião da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e de um encontro na Unicamp, no qual o então editor da recém-lançada Revista Raça Brasilhavia sido convidado a discutir o tema com um grupo de pesquisadores.13 13 O debate foi organizado e coordenado por Suely Kofes e compuseram a mesa: Aroldo Macedo, editor da Revista Raça; Roberto Melo, diretor da Editora Símbolo; Valter Silvério, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar; Mariza Corrêa e Octavio Ianni, professores da Unicamp. A motivação foi o estrondoso e surpreendente sucesso da revista. Um trecho da fala de Mariza Corrêa sintetiza o clima daqueles acontecimentos e o que o fenômeno editorial despertou:

Eu sou professora nesta casa há vinte anos, e eu acho que algumas das coisas que o Roberto falou são verdades para nós mesmos: nós tornamos os nossos trabalhos a respeito de raça invisíveis. A Suely tem uma tese bastante conhecida nos meios acadêmicos a respeito da questão racial, que não está publicada. Eu tenho uma tese bastante conhecida nos meios acadêmicos a respeito do maior intelectual racista no Brasil, que também não está publicada. O professor Robert Slenes, aqui presente, é um dos maiores especialistas na questão do trabalho escravo, da família escrava no Brasil, e nós não fazemos quase nada com este nosso saber. Quer dizer, muito raramente nós temos cursos a respeito da questão racial aqui no Instituto. Acho que o último curso, Bob me ajude a lembrar, foi um curso que nós dois demos a quatro mãos e aconteceu um fenômeno exatamente inverso do que normalmente acontece nas estatísticas, segundo os sociólogos que analisam essas estatísticas. Os sociólogos costumam dizer que, nas estatísticas, as pessoas vão branqueando ao longo do tempo. No nosso curso as pessoas escureceram. Era uma discussão que começou com as categorias do Censo, justamente do IBGE, e nós aplicamos os questionários no início do curso e no final. No final, muito mais gente era mais escura do que no começo, depois da discussão toda. Então, eu só queria lembrar isso porque eu acho que o fato dessa sala estar cheia de gente mostra que há interesse pelo assunto (1996:17).

Nas próximas páginas, procurarei mapear e analisar de que maneiras raça/racismo, sexualidade, gênero e classe se articulam tendo como foco privilegiado, ainda que não exclusivo, a área de relações raciais no Brasil. O leitor deve ter notado que até o momento foram abordadas análises do campo do gênero, sexualidade e feminismos que incorporam a questão racial. A recíproca é verdadeira apenas até certo ponto e não é de modo algum simétrica: também aqui não é possível entender os encaixes como se fossem um Lego (McClintock, 2010MCCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: raça, sexualidade e gênero no embate colonial. Campinas: Editora Unicamp, 2010 [1995].). Nesse campo, a incorporação dos diferenciais de gênero e/ou sexualidade foi feita de modo mais pontual e obedecendo a demandas e perguntas diferenciadas. A arena das relações raciais foi menos permeável à articulação de marcadores que não o de classe. Além disso, são raras as análises dessa área que, em certo momento da reflexão ou da apresentação dos dados ou da etnografia, não se detêm no debate sobre classificação por cor\raça.

Reflexões sobre um percurso

A reflexão sobre a articulação entre distintos marcadores sociais da diferença se impôs a mim a partir do doutoramento, quando meu objeto de pesquisa (miscigenação, sexualidade e gênero, raça, racismo, nação, observados à luz dos relacionamentos afetivo-sexuais inter-raciais no Brasil e na África do Sul) me obrigou a pensar na articulação entre diferentes marcadores em perspectiva comparada internacional. Assim como a análise da experiência de migrantes (Piscitelli, 2008PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura (11), nº 2, 2008, pp.263-274.), uma interpretação acerca dos arranjos afetivo-sexuais inter-raciais também precisa enfrentar, para ganhar inteligibilidade, várias categorias de diferenciação. O trabalho combinou uma pesquisa etnográfica realizada no Rio de Janeiro com dados demográficos, análise de textos literários e acadêmicos no Brasil e na África do Sul e análises de processos criminais contra casais e amantes inter-raciais na África do Sul do período do apartheid. Uma parte significativa da reflexão se detinha no entendimento da articulação entre gênero, sexualidade e raça sob a égide de uma razão de Estado.

Chamo atenção para esse ponto, pois meu percurso para analisar o entrecruzamento desses marcadores começou por um problema de pesquisa, mas acabou por encontrar a política. Digo isso, pois se, por um lado, a partir das inquietações desenvolvidas no mestrado e já influenciada pela análise de Verena Stolcke (1991)STOLCKE, Verena. Sexo está para gênero, assim como raça para etnicidade? Estudos Afro-Asiáticos (20), Rio de Janeiro, 1991, pp.101-119, estava decidida a enfrentar esse tema evitando as perspectivas que operavam com formas de sujeições combinadas; por outro lado, na arena política essas articulações eram pensadas justamente na sobreposição de exclusões. O cenário da década de 1990 era significativamente diferente do que veio a ganhar corpo e repercussão nos anos 2000, com as políticas de ações afirmativas e as cotas raciais.

Esse é um ponto que precisa ser observado com cuidado. A partir da abertura política, com a Constituinte e a democracia vemos se consolidar de modo complexo o capital social e político da "vítima" no interior de uma ampla economia moral que articula demandas sociais e identitárias. Como argumenta Sarti (2011)SARTI, Cynthia. A vítima como figura contemporânea. Caderno CRH (24:61), São Paulo, 2011, pp.51-61., a vítima arregimenta questões relativas ao reconhecimento e à responsabilidade frente ao sofrimento vivido. Nas palavras da autora:

Trata-se de compreender os mecanismos sociais e políticos de reconhecimento e nomeação da violência pelos quais a pessoa, na acepção de Mauss (1974b), é construída como vítima, a gramática moral que lhe dá a sustentação e, no plano do sujeito, a percepção subjetiva de si mesmo como tal (Sarti, 1991:54).

Esse trecho dá inteligibilidade à forma como parte da literatura de relações raciais identificava o momento do conflito ou da discriminação (Pacheco, 1986PACHECO, Moema de Poli Teixeira. Família e Identidade Racial: a questão da cor nas relações e representações de um grupo de baixa renda. Dissertação (mestrado), PPGAS\Museu Nacional, 1986.; Maggie, 1996MAGGIE, Yvonne. Aqueles A Quem Foi Negada A Cor do Dia: As Categorias de Cor e Raça Na Cultura Brasileira. In: MAIO, MARCOS CHOR; SANTOS, Ricardo Ventura (org.). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro, CCBB, 1996, pp.225-234.) como constitutivo de uma identidade marcada pela raça (Moutinho, 2004aMOUTINHO, Laura. Razão, "Cor" e Desejo: Uma Análise Comparativa sobre Relacionamentos Afetivo-Sexuais "Inter-raciais" no Brasil e na África do Sul. São Paulo, UNESP, 2004a.). Em outro eixo, o sofrimento e uma multifacetada construção da vítima são enfrentados por Silvia Aguião (2013AGUIÃO, Silvia. Não Somos um simples conjunto de letrinhas: identidades, disputas e negociações políticas. Paper apresentado no II E-NUMAS\USP, São Paulo, 2013.; 2014AGUIÃO, Sílvia. Fazer-se no "Estado": uma etnografia sobre o processo de constituição dos "LGBT" como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Tese de doutorado em Ciências Sociais, UNICAMP, 2014.) no que tange à construção de mecanismos de proteção e de garantia de direitos para "sujeitos LGBT" que se articulam à raça, às vezes de modo explicito, às vezes compondo uma cena que agrega formas de exclusão.

Em realidade, é possível diferenciar as transformações nesse campo a partir de dois marcos: o da chamada retomada dos estudos sobre a questão racial no início da década de 1980, com os trabalhos sobre desigualdade social14 14 Ver o trabalho seminal de Carlos Hasenbalg (1979). Voltarei a esse ponto adiante. , mercado de trabalho e educação, e, mais recentemente, com as cotas raciais e as políticas de ações afirmativas.

Vemos, portanto, um campo se configurando (mais ou menos a partir de fins da década de 70) sobre o entrecruzamento, a articulação, a intersecção entre marcadores sociais da diferença. Nem a análise de Adriana Piscitelli (2008)PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura (11), nº 2, 2008, pp.263-274., nem o levantamento realizado indicam alguma diferença teórica ou analítica relevante em se utilizar as expressões articulação ou intersecção dessas categorias. Os principais marcadores são gênero, sexualidade, raça (seguidos na articulação com classe, erotismo, geração, território e, muito mais recentemente, deficiência). Não me parece equivocado dizer que cada um deles trabalha com marcos nacionais, políticos e acadêmicos distintos, ainda que em diálogo.

Como anuncia Corrêa (1996)CORRÊA, Mariza. Sobre A Invenção da Mulata. Cadernos Pagu (6\7), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1996, pp. 35-50., em um dos primeiros trabalhos a enfrentar as questões em tela, a dificuldade de se escrever sobre esses temas reflete um campo que se constitui separadamente. Nesse percurso inicial, foi possível notar que grande parte dos que seguiram o tema relações raciais15 15 A despeito do que indicam alguns títulos quando focalizam "o negro" ou a "questão racial", um olhar cuidadoso evidencia que de diferentes modos está em questão a interação entre brancos e negros ou as relações raciais para pensar universos macro e micro sociais. operavam com o corte fundante promovido pelos trabalhos de Carlos Hasenbalg (1979)HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1979.. Assim, por exemplo, quem trabalha com casamentos inter-raciais, por esse eixo analisa as fronteiras inter-raciais e a construção da desigualdade social. Essas seriam palavras-chave de pesquisas nessa área.16 16 Ver Petruccelli (2001) e também a preciosa dissertação de Pacheco (1986). Um trabalho similar de orientação mais antropológica incluiria gênero e sexualidade entre os descritores.

A versão em português de Discriminação e Desigualdades raciais no Brasil foi publicada em 1979. Vale a pena revistar essa análise, uma vez que são inúmeros os autores que atribuem a esse livro um caráter fundante na retomada dos estudos sobre relações raciais. Fernando Henrique Cardoso na apresentação do livro e, posteriormente, na mesma sintonia, Marcos Chor Maio (1999), argumentam que o trabalho se inscreve numa tradição cujas bases foram fincadas com os desdobramentos do projeto da Unesco e as análises de Florestan Fernandes.

O trabalho, escrito como tese de doutorado e defendido junto à universidade da Califórnia, Berkeley, traz uma apresentação de Fernando Henrique Cardoso e foi dedicado, entre outras pessoas, à militante do movimento negro Maria Beatriz Nascimento e aos organizadores da Semana de Estudos do Negro na Universidade Federal Fluminense. Na apresentação, o autor afirma que o texto foi traduzido sem alterações. O título original, entretanto, é significativo: Race Relations in Pos-Abolition Brazil: the smooth preservation of racial inequalities. Portanto, discriminação e desigualdades raciais (nesse sentido, raça e classe ou, seria melhor dizer, raça e discriminação construindo a classe) ganham destaque na versão apresentada ao público brasileiro. Como destaca Fernando Henrique Cardoso, a análise se inscreve no campo das relações raciais em dois importantes aspectos: 1) situa os debates acadêmicos internacionais; e 2) ajusta o foco para os movimentos negros numa "sociedade corroída pelo autoritarismo difuso e pela repressão (1979:13)".

As críticas de Hasenbalg às teses de Florestan Fernandes são conhecidas: ainda que identifique o preconceito racial na sociedade brasileira, separando-o da ideia de classe, Fernandes o entende como uma sobrevivência do regime escravocrata em decorrência do ritmo diferenciado das mudanças no que tange às transformações nos eixos econômico, social e cultural. Em resumo, o preconceito e a discriminação são frutos de um "atraso cultural". A ordem "econômica", "legal" e "moral" se transformou, mas não se transformaram as "atitudes", "comportamentos" e "valores" do sistema escravocrata. O tempo é, portanto uma categoria central na forma como Fernandes entende o racismo e a desigualdade social. A "democracia racial" não existe no tempo da escravidão que sobrevive, segundo sua interpretação, na década de 50, mas poder-se-ia realizar no futuro com o desenvolvimento econômico, a diminuição da concentração de renda, o privilégio social e o poder nas "mãos de uma única raça".

Quando Florestan Fernandes disserta sobre "a integração do negro na sociedade de classes" está se referindo ao homem negro. Do mesmo modo, Hasenbalg na discussão sobre as desigualdades raciais. Em ambos, o "negro", os "não brancos" e a raça operam implicitamente com o universal negro masculino. Interessante notar como na bibliografia não aparecem referências ao blackfeminism com o qual se poderia imaginar que de alguma forma Hasenbalg tenha tido contato em sua experiência norte-americana. Entretanto, raça e gênero aparecerão em sua produção posterior, bem como na de outros pesquisadores a ele associados como, por exemplo, nos artigos com Nelson do Valle Silva (1987VALLE SILVA, Nelson do. Distância social e casamento interracial no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos (14), Rio de Janeiro, 1987, pp.54-84., 1999VALLE SILVA, Nelson do; HASENBALG, CARLOS; LIMA, Marcia. Cor e estratificação social no Brasil. Rio de Janeiro, Contracapa, 1999., entre outros) e de Márcia Lima (1995). Assim, gênero, quando presente, aparece articulado à raça como parte dos argumentos que constroem um cenário particular acerca da desigualdade social. Nesse campo, o marcador raça é o operador das demais formas de diferenciação e desigualdade.

1o eixo: Construções dos Estados Nacionais - Representações de Nação

Para compor os eixos realizei algumas buscas no Scielo. 17 17 Último acesso: 26 de Abril de 2014. Ao utilizar a palavra-chave "Nação" encontrei 69 registros. Nesse conjunto de artigos, esse descritor aparece associado a outros como: literatura, pensamento social brasileiro, arte, políticas públicas, Estado-nação, Estado e nação, romance histórico, romance brasileiro, cinema, filme etnográfico, identidade nacional, marxismo e Angola. A busca realizada não é representativa do campo, mas da forma como os autores classificam a própria produção. Há revistas que estão no Scielo, cujos números antigos não constam da base de dados, e há revistas que não estão no Scielo, mas estão disponíveis online.

"Nação" aparece entre as palavras-chave associada com gênero em três artigos: um que aborda comunicação de massa, em especial, novelas de televisão (Hamburger, 2007PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura (11), nº 2, 2008, pp.263-274.)18 18 Sobre gênero e telenovela ver também Almeida, 2003, entre outros da autora. ; os outros dois são sobre identidade nacional e representações de nação na África do Sul (Moutinho, 2004bMOUTINHO, Laura. Condenados pelo desejo? Razões de estado na África do Sul. Revista. Brasileira de Ciências Sociais (19), nº 56, 2004b, pp.95-112. e cMOUTINHO, Laura. Entre o realismo e o ficcional: representações sobre "raça", sexualidade e classe em dois romances paradigmáticos de Jorge Amado. Physis(14), n.2, 2004c, pp.307-327.). Em cinco artigos "nação" e "raça" estão entre os descritores: um sobre tráfico de escravos; um sobre políticas raciais na África do Sul (associadas com os descritores "gênero" e "sexualidade"); um sobre representações de nação na literatura de Jorge Amado (com "gênero" e "sexualidade"); um sobre como trabalhar com "raça em sociologia" que articula com "classe" e "etnia" (Guimarães, 2003GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Como trabalhar com "raça" em sociologia. Educ. Pesqui. (29), nº1, 2003, pp.93-107.); um sobre "representações de nação" no Brasil e África do Sul. Há ainda um artigo sobre "cotas", "ações afirmativas" e "modernismo" (Maggie, 2005MAGGIE, Yvonne. Mário de Andrade ainda vive? O ideário modernista em questão. Revista brasileira de Ciências Sociais, vol. 20, nº58, São Paulo, 2005, pp.5-25.); um sobre "relações raciais", "políticas identitárias", que abre um debate com Bourdieu e Wacquant (Santos, 2002SANTOS, Jocélio Teles dos. De armadilhas, convicções e dissensões: as relações raciais como efeito Orloff. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, 2002, vol.24, nº1, pp.167-187.); outro sobre história da antropologia e classificação racial, antropologia física (Souza, 2012SANTOS, Jocélio Teles dos. De armadilhas, convicções e dissensões: as relações raciais como efeito Orloff. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, 2002, vol.24, nº1, pp.167-187.).

Em seu conjunto, está em questão nesta reflexão o "nós nacional" (Schwarcz, 2012SCHWARCZ, Lilia. Moderna república velha: um outro ano de 1922. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros vol. 55, Rio de Janeiro, 2012, pp.59-88.). Em várias análises sobre o tema, a nação é compreendida frequentemente como uma "comunidade imaginada"19 19 A expressão é de Benedict Anderson e vem sendo incorporada aos estudos sobre sexualidade a partir do artigo de Avtah Brah, 2006. , através da análise de representações sociais em universos mais ou menos estáveis.

Em realidade, essa compreensão não implica obrigatoriamente que tais pesquisas entendam os universos estudados como homogêneos ou estáveis. Mas ainda que um campo em disputa seja apresentado, com várias ideias de miscigenação, nação, raça e sexualidade em interação e disputa, a "nação" em si aparece, mais ou menos frequentemente, como uma categoria homogênea.

Nesse eixo, seria necessário operar um corte entre a forma como autores clássicos trabalharam com o tema e a maneira como tais marcadores vêm sendo manejados contemporaneamente. Raça, mestiçagem, erotismo, nação, gênero e sexualidade estão presentes em autores como Gilberto Freyre, Paulo Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Nina Rodrigues, entre outros que enfrentaram, criticaram e construíram o "nós nacional".

Estas eram questões centrais para uma nação que se via (e se vê) como mestiça, mas que, sobretudo, precisava se situar frente aos paradigmas raciais vigentes no final do século XIX e início do XX. Um amplo conjunto de valores e de representações foi articulado a diferentes ideias de nação e a forma como estas engendram distintos padrões de gênero e erotismo, raça e mestiçagem, como temas centrais da constituição da nacionalidade brasileira (Corrêa, 1996CORRÊA, Mariza. Sobre A Invenção da Mulata. Cadernos Pagu (6\7), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1996, pp. 35-50.; Moutinho, 2004aMOUTINHO, Laura. Razão, "Cor" e Desejo: Uma Análise Comparativa sobre Relacionamentos Afetivo-Sexuais "Inter-raciais" no Brasil e na África do Sul. São Paulo, UNESP, 2004a.). Dito de outro modo, esses e vários outros autores clássicos se engajaram, de modos diferenciados e com graus distintos de sucesso, numa série de disputas intelectuais que foram fundamentais na constituição de nossa ideia de nação20 20 Ver Schwarcz (1993) e Vianna (1995). : palavras como preconceito e discriminação não fazem parte do repertório desses autores. Entretanto, esse é um campo que se forja no interior de lutas políticas que obedecem a lógicas e dinâmicas locais, nacionais e internacionais.21 21 VerSchwarcz (1993) e Seyferth (1996). Seria enganoso o entender como tendo sido politizado apenas recentemente com os programas de ações afirmativas.

Esse momento das "grandes sínteses" sobre o Brasil, para usar a expressão de Mariza Corrêa (1987)CORRÊA, Mariza. Morte em Família: Representações Jurídicas de Papeis Sexuais. Rio de Janeiro, GRAAL, 1983., produzidas de modo ensaístico cede a "era dos projetos" (Marcos Chor Maio, 2009, e Corrêa, 1987CORRÊA, Mariza. Morte em Família: Representações Jurídicas de Papeis Sexuais. Rio de Janeiro, GRAAL, 1983.). Um outro conjunto de preocupações entra em cena na década de 1950. Brancos e Negros em São Paulo: Ensaio Sociológico sobre aspectos da Formação, Manifestações Atuais e Efeitos do Preconceito de Cor na Sociedade Paulistana, será o livro norteador dessa diferença por permitir um conjunto de reflexões que interessam à presente análise.

Um dos frutos do projeto da UNESCO22 22 Sobre o Projeto da Unesco, ver Maio (1999, 2009), entre outros; ver também Guimarães (1996); para uma análise com foco na produção de Florestan Fernandes, ver Arruda (1996); Macagno (1999) escreveu sobre Marvim Harris e aborda o Projeto da Unesco; o esquecimento da Virgínia Bicudo entre os pesquisadores e autores foi abordado por Damaceno (2013) e Maio (2010). Ver também a própria Bicudo (2012). - e vemos aqui ser introduzido o vocabulário e de certa maneira parte do ideário dos direitos humanos em gestação -, o livro de autoria de Florestan e Bastide traz uma informação interessante acerca da perspectiva adotada pelos autores e cuja importância pode ser atestada pela ênfase recebida no Prefácio à Segunda edição da obra, agora como parte da Coleção Brasiliana e escrito por Florestan Fernandes. O livro recebeu críticas desfavoráveis por conta, entre outros pontos, do emprego de termos como "discriminação" e "preconceito". A miscigenação e as relações entre negros e brancos foram observadas de modo crítico. A mestiçagem é entendida pelo autor como um mecanismo de discriminação, uma vez que leva ao branqueamento. Trabalhei esse ponto anteriormente, apontando que:

Creio que na construção do quadro da discriminação racial no país, os relacionamentos afetivo-sexuais inter-raciais são de suma importância e seguem, fundamentalmente, duas abordagens, que ainda que não sejam claramente distinguidas por gênero pelo próprio autor, são assim dimensionadas: primeiro, pela relação não formal (frequentemente interpretada como exploração sexual) do homem branco com a mulher negra e/ou mestiça, consequentemente caracterizada pelo erotismo; segundo, pela oposição social ao casamento formal e, neste caso, embora o autor não explicite, o casal em questão é composto pelo homem negro (sobretudo, o "mulato claro") com a mulher branca (Moutinho, 2004a:229).

Ao construir uma análise que aborda as "manifestações atuais e os efeitos do preconceito de cor" em São Paulo, o autor tem como objetivo localizar e compreender o preconceito e a discriminação raciais em uma certa região do Brasil. Num quadro assim desenhado, o resultado foi o distanciamento da maneira como tais manifestações assumiram nos Estados Unidos, bem como das teses dos grandes ensaístas,23 23 Como destaca Marcos Chor Maio, os estudos de comunidade que ganharam fôlego na "era dos projetos" possuíam uma face "científica, positiva, calcada na exigência da descrição minuciosa dos acontecimentos presentes em uma determinada realidade como contraponto ao ensaísmo" (Maio, 2009:262). como Gilberto Freyre.

Como dito anteriormente, para Florestan, a Abolição dos Escravos mudou o status jurídico-político, mas não alterou a estrutura social no que tange à alocação dos indivíduos por cor/raça. Assim, a experiência da discriminação na sociedade de classes e os vieses histórico e marxista alimentaram a ideia de Brasil como uma nação desigual.

Não posso deixar de lembrar, nesse ponto, da análise de Carl Degler (1976)DEGLER, Carl. Nem branco nem preto: escravidão e relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Labor do Brasil, 1976. e a tão polêmica quanto famosa ideia do "mulato como válvula de escape"24 24 Ver Eduardo de Oliveira e Oliveira (1974) e Mariza Corrêa (1996). ou "saída de emergência" para os conflitos raciais: ou seja, a percepção de que o lugar social do mestiço (aliado à perspectiva de branqueamento), desmobiliza a construção de uma identidade racial. A ideia seria de que a miscigenação seria responsável tanto pela não existência no Brasil de conflitos raciais abertos como nos Estados Unidos, quanto pela não mobilização racial. De fato, sua percepção de classe, cor e prestígio na sociedade brasileira são centrais para esse entendimento, mas ele acaba por conceder destaque às relações de gênero não somente na dinâmica do preconceito e das relações "raciais" na sociedade brasileira e americana como no próprio lugar e importância das mulheres "brancas" na constituição do "mulato enquanto válvula de escape" do sistema. Essa foi uma perspectiva ignorada nas análises que enfrentaram as teses de Degler. Em resumo, essa possibilidade não existiria nos Estados Unidos, porque as mulheres brancas norte-americanas eram muito independentes e não permitiam que seus homens tivessem amantes negras nem que incorporassem seus filhos mestiços no ambiente doméstico, o que teria suscitado o próprio ódio racial. Nota-se na análise que a maior ou menor tolerância racial dependeria do padrão de gênero estabelecido. Portanto, a conclusão a que se chega ao final da leitura é de que em lugares onde haveria maior igualdade de gênero (entre os brancos) também se produziriam mais racismo e tensões raciais (Moutinho, 2004MOUTINHO, Laura. Razão, "Cor" e Desejo: Uma Análise Comparativa sobre Relacionamentos Afetivo-Sexuais "Inter-raciais" no Brasil e na África do Sul. São Paulo, UNESP, 2004a.).

Um ângulo completamente diferente informa as análises que vêm sendo produzidas na antropologia desde fins de 1980. Se interseccionalidade, categorias articuladas e/ou marcadores sociais da diferença, mais ou menos ancoradas nas teorias feminista e antirracistas ganharam espaço desde fins da década de 1990, a perspectiva que de fato orienta um conjunto muito significativo de trabalhos tem como foco quatro grandes questões: nação/nacionalidade, relações de poder, diferença e agência.25 25 Como parte desse campo de transformações, foi criado em 2007, na USP, o Núcleo de Estudos "Marcadores sociais da diferença" por Julio Simões e Lilia Schwarcz. Ver as linhas de atuação e professores vinculados em <http://antropologiausp.blogspot.com/2010/10/numas.html>.

A mulata recebe especial atenção quando o foco recai sobre nacionalidade: símbolo de uma nação mestiça e também erótica e sexualizada. Os trabalhos produzidos a partir de fins de 1980 investigaram as condições históricas e científicas dessa construção. Nesse campo, um conjunto de estudos enfrentou a questão de formas variadas como as análises de Mariza Correa (1996)CORRÊA, Mariza. Sobre A Invenção da Mulata. Cadernos Pagu (6\7), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1996, pp. 35-50., Sônia Giacomini (2006GIACOMINI, Sonia Maria. Mulatas profissionais: raça, gênero e ocupação. Revista de Estudos Feministas, vol. 14, nº1, Florianópolis, UFSC, 2006, pp.85-101., 1994GIACOMINI, Sonia Maria. Beleza Mulata e Beleza Negra. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, UFSC, 1994, pp.217-227. e 1988GIACOMINI, Sonia Maria. Ser escrava no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, 1988, pp.145-170.), diversos artigos de Piscitelli (por exemplo, 2009 e 2011), Moutinho (2004a)MOUTINHO, Laura. Razão, "Cor" e Desejo: Uma Análise Comparativa sobre Relacionamentos Afetivo-Sexuais "Inter-raciais" no Brasil e na África do Sul. São Paulo, UNESP, 2004a., Alfonso (2006)ALFONSO, Louise Prado. Embratur: Formadora de Imagens da Nação Brasileira. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Unicamp, 2006..

Em "Sobre a Invenção da Mulata", artigo publicado na Cadernos Pagu de 1996, Corrêa aborda as ideias de raça e de gênero a partir da figura da "mulata". Trata-se de uma abordagem pioneira. O principal desafio enfrentado na análise é, justamente, colocar juntas (articular, portanto?) questões constituídas de modos separados. A autora disserta sobre os "marcadores sociais da diferença" e seu ponto fundamental é inquirir, através da invenção da categoria "mulata", sobre a "nossa forma habitual de tratar seja das relações de raça, seja das relações de gênero" (Corrêa, 1996CORRÊA, Mariza. Sobre A Invenção da Mulata. Cadernos Pagu (6\7), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1996, pp. 35-50.:38). A análise é extremamente rica pelas questões que coloca, pela literatura que mobiliza e pelas provocações presentes no texto e nas notas. Notas e textos são, aliás, nada complementares: trazem universos de pesquisa, sugestões de pontos e insights e questões das mais diversas. Não é à toa que o artigo se inicia com uma advertência e não uma introdução convencional. Através de um percurso que inclui textos literários, científicos, "pseudocientíficos" são abordadas as relações entre gêneros e raças distintas (o "mulato" e a "mulata"), status e classe, nação e miscigenação, eugenia e homossexualidade. Desse percurso, no qual as linhas múltiplas e cruzadas do artigo são apresentadas, gostaria de reter o momento em que a autora adverte sobre o que irá tratar nas páginas subsequentes: "(...) não se trata tampouco de falar da perspectiva do sujeito, mas sim da construção do sujeito enquanto objeto de discursos médicos, literários e carnavalescos" (Corrêa, 1996CORRÊA, Mariza. Sobre A Invenção da Mulata. Cadernos Pagu (6\7), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1996, pp. 35-50.:38). Ao final da frase, a nota 1 explica: "para uma perspectiva do sujeito ver: Gillian, Angela e Onik'a. 'Negociando a subjetividade da mulata no Brasil'. Estudos Feministas, ('Dossiê Mulheres Negras'), 3(2), 1995". Eu fui ver e esse ponto será explorado no terceiro eixo do presente ensaio.

Nas bibliografias dos textos consultados, o artigo em questão, o Mistério dos Orixás e das Bonecas (2000) e a produção de Piscitelli, são os mais citados. É muito interessante como o ponto capturado em geral se refere às formas de discriminação associadas à "mulata". Mas nesse conjunto de análises se faz necessário entender as diferentes escalas nas quais os marcadores se situam. Nas pesquisas de Adriana Piscitelli (2011)PISCITELLI, Adriana. Actuar la brasileñidad? Tránsitos a partir del mercado del sexo. Etnográfica15 (1), Lisboa, 2011, pp.5-29. sobre turismo, migração e tráfico sexual, nas de Thaddeus Blanchette e Ana Paula Silva (2005 e 2010) sobre prostituição e tráfico sexual, e na de Susana Maia (2009) sobre dançarinas brasileiras no Queens em Nova York, a articulação dos marcadores se inscreve na posição (desigual) dos sujeitos no mercado global de trabalho e nas dinâmicas do matrimônio, do parentesco, do sexo e do erotismo. Uma marca comum desses trabalhos é a heterossexualidade, um tema menos enfatizado no campo da sexualidade mais recentemente. Outro ponto de contato é o lugar da mulher mestiça que carrega pelos cenários globais (mesmo quando são locais) os atributos da nacionalidade.

Piscitelli realizou um conjunto amplo de investigações que poderia, de fato, estar distribuído pelos três eixos que organizam este ensaio, uma vez que, por um lado, suas pesquisas e reflexões acabaram por se encontrar com a área dos direitos humanos relativa ao tráfico de pessoas. Por outro lado, para o ponto ora abordado ganha destaque como a "brasilidade" e os vetores nacionais que alimentam essa ideia são entendidos, a partir de uma análise multi-situada, como espaços de agência de certos sujeitos (Piscitelli, 2011PISCITELLI, Adriana. Actuar la brasileñidad? Tránsitos a partir del mercado del sexo. Etnográfica15 (1), Lisboa, 2011, pp.5-29.). Ao acompanhar suas entrevistadas por diferentes contextos nacionais, tanto sua posição como antropóloga como as de suas interlocutoras se modificavam em articulação com os marcadores que faziam sentido na análise. A intimidade e a sua mercantilização, centrais no campo das relações raciais, do gênero e da sexualidade, emergem nesse cenário como aspectos de grande importância. O espaço da intimidade, que não necessariamente é o espaço doméstico, tem sido central para o entendimento das relações raciais no Brasil. Piscitelli chega nessa temática por outro caminho: observá-lo à luz do nomadismo e dos deslocamentos se mostra heuristicamente muito produtivo.

Ana Paula Silva e Thaddeus Blanchette (2005)SILVA, Ana Paula da & BLANCHETTE, Thaddeus. "Nossa Senhora da Help": sexo, turismo e deslocamento transnacional em Copacabana. Cadernos Pagu (25), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2005, pp.249-280.enfatizam a agência de mulheres no campo do turismo sexual e argumentam acerca da necessidade de uma leitura mais nuançada do turismo sexual para uma melhor compreensão dos nexos entre turismo internacional, migração e sexo. Susana Maia (2009)PARKER, Richard G. A construção da solidariedade: AIDS, sexualidade e política no Brasil. Rio de Janeiro, Relume-Dumará/ABIA, 1994. percorre uma literatura comum aos demais artigos com a diferença dada pela ênfase colocada na classe média. A análise segue de perto e de longe outros estudos realizados sobre o desconforto de uma certa classe média com o ideário nacional.26 26 Ver, por exemplo, Norvell, 2001; Moutinho, 2004.

2o Da regulação de práticas e personagens à construção de sujeitos de direitos

Não vou entrar nos estudos sobre nacionalismo, mas é possível notar que houve um ponto de inflexão nesse campo em análises recentes: a "comunidade imaginada" de Anderson (1989) cedeu lugar à nação ou, talvez seja melhor dizer, à nationhood(nacionalidade) como uma categoria prática e praticada. Nessa perspectiva, vemos ser ressaltados os processos políticos nos quais indivíduos e coletividades se engajam, bem com suas experiências nas formas definidas de inclusão/exclusão do nacional. Os personagens deixam de ser aqueles da representação para se tornarem sujeitos da reivindicação: aqui o "nós nacional" cede ao "outro social".

Mas é preciso ter em mente (e penso aqui na apresentação que Lia Zanotta Machado fez no Workshop Regulações Internacionais, Direitos Diferenciados e Políticas de Reconhecimento 27 27 Workshop "Regulações Internacionais, Direitos Diferenciados e Políticas de Reconhecimento". LACED-MNUFRJ. Porto Seguro, 30 de maio de 2009. ) que essas múltiplas formas de classificação (ou seja, esses variados marcadores sociais da diferença) mantêm relações de poder distintas com o Estado e a lei. Machado chamou atenção para esse ponto ao perguntar: de onde vêm as crianças, os índios e as mulheres? Todos foram considerados relativamente incapazes: as crianças por serem menores; os indígenas por serem adultos sem plenos direitos e tutelados pelo Estado; e as mulheres tuteladas pelos pais ou maridos, segundo decisão estatal presente nos códigos Civis e Penais da colônia à República. As mulheres eram relativamente incapazes, pois para praticarem atos jurídicos, ainda no Código Civil de 1916, dependiam de seus pais ou maridos, e a eles deviam obediência. Os movimentos sociais feministas que eclodiram nos anos setenta e oitenta defendiam assim direitos iguais (Machado, 2007MACHADO, Lia Zanota. Desafios Institucionais no Combate à Violência contra a Mulher na América Latina e Caribe. Montevidéo, UNIFEM Brasil e Países do Cone Sul/Cotidiano Mulher, 2007. e 2011MACHADO, Lia Zanotta. Emociones Violentas y Familiares Correctivos. In: RIFIOTIS, Theophilos y CASTELNUOV OLIVEIRA, Natalia (orgs.) Antropología, violencia y justicia. Buenos Aires, Ed. Antropofagia, 2011, pp.155 a 175.). As mulheres, por exemplo, num primeiro momento não estavam reivindicando direitos especiais (creio que podemos incluir os negros - antes das políticas de ações afirmativas e das cotas - nesse argumento), mas direitos iguais.

No caso da questão racial não posso, ainda, deixar de pensar na frase: "a liberdade é negra - a igualdade é branca" vocalizada por Antonio Sergio Guimarães (2008)GUIMARÃES, Antonio Sergio. Preconceito Racial: modos, temas e tempos. São Paulo, Editora Cortez, 2008. para se referir a passagem da escravidão para a República e que traz provocativas questões para entender a criação de novas formas de hierarquia social num contexto de igualdade jurídica, especialmente no que tange aos diferenciais de gênero e sexualidade - ainda que, como vimos anteriormente com Fernandes e outros, "o negro" seja uma combinação do gênero masculino com a raça negra.

Nesse sentido, é possível notar (seguindo a análise de Sérgio Carrara, como mencionado em artigo anterior28 28 Moutinho e Carrara (2010). ) que a interseccionalidade entre raça, sexo, gênero nos Estados nacionais tem se desenvolvido a partir de três grandes lógicas: 1) a da repressão - criminaliza-se a homossexualidade, a prostituição, a infidelidade, os casamentos e o sexo inter-raciais; 2) o não reconhecimento público: confinamento na esfera privada e não reconhecimento público da sexualidade não normativa - ignora-se, por exemplo, a homossexualidade e, em certos contextos, os mestiços e suas famílias; 3) e a lógica da defesa social - o foco, nesse caso, é na sexualidade como algo que diz respeito à nação, à saúde publica e à espécie (Carrara, 1996CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, da passagem do século aos anos 40. Rio de Janeiro, Fiocruz, 1996.). A regulação das uniões legais e do sexo inter-raciais na África do Sul, por exemplo, e toda a preocupação com a pureza racial ou de sangue que a sustentava se inscreve nesse campo.

Contemporaneamente, a interseccionalidade obedece a dinâmicas diversas e multifacetadas. Penso, por exemplo, nas grandes convenções e acordos/programas sociais que foram, sem dúvida, construídos na articulação com movimentos sociais. Nesse percurso, uma série de reivindicações dos movimentos sociais (negro, homossexual e de mulheres)29 29 Faz-se necessário explicitar que compreendemos as "reivindicações" dos movimentos sociais focalizados como parte de uma arena complexa de disputas que envolvem um conjunto amplo e variado de atores. ganhou o status tanto de premissas legislativas quanto de programas e políticas sociais, inscrevendo-se em um novo campo semântico, cuja ênfase se centra na construção e legitimação de um certo ideário calcado concomitantemente na responsabilidade, na reparação e no reconhecimento.

Interessante observar, nesse sentido, os resultados da busca no Scielocom o descritor "interseccionalidade", que traz um conjunto de trabalhos significativamente diferentes de "marcadores sociais da diferença". Este último, irei abordar no próximo item. "Interseccionalidade" apresentou dez títulos e "interseccionalidades" apenas dois. O descritor "raça", apenas para dar uma ideia, trouxe 3.438 títulos. As características que havia notado enquanto trabalhava nos textos da década de 1990, reapareceram no levantamento atual: esse descritor marca uma produção que tem como base mais ou menos explícita a teoria feminista e o campo político (movimentos sociais, conferências internacionais e políticas públicas) como eixos centrais. O campo da saúde, ausente das análises anteriores, aparece junto às avaliações de políticas públicas. Expressivo nesse sentido é o artigo de Laura Lopez (2011)LOPEZ, Laura Cecília. Uma Análise das Políticas de Enfrentamento ao HIV/Aids na Perspectiva da Interseccionalidade de Raça e Gênero. Saúde e Sociedade vol. 20, Rio de Janeiro, 2011, pp.590-603. que aborda as políticas de enfrentamento à Aids com interface entre raça e gênero.30 30 Parte dos dados foi colhida para uma pesquisa entre o NACI-UFRGS e a Associação Cultural de Mulheres Negras para o PN DST e Aids/MS, em 2006 e 2007, e contou com financiamento da UNESCO, repassado através desse programa específico do Ministério da Saúde. A mesma autora e uma agenda similar de pesquisa aparecem em um artigo de 2013 sobre a mobilização política de mulheres negras no Uruguai. As ações políticas de e que envolvem as mulheres negras são aspectos centrais em ambos os trabalhos, assim como uma concepção de corpo marcado pelo gênero e pela raça como território político construído através da ideia de diáspora. A Autora se apropria da leitura que faz Luiza Bairros (1995)BAIRROS, Luíza. Novos Feminismos Revisitados. Revista de Estudos Feministas, (UFSC. Impresso), Florianópolis, 1995, vol. 3, nº2, pp.458-463. do antigo trabalho de Patrícia Hill Collins, ambos anteriormente citados, e utiliza a "teoria do ponto de vista". Interessante notar como a pesquisa evidencia no Uruguai um cenário parecido com o do Brasil, que remete à importância da vocalização na esfera política da lógica das opressões combinadas. O que de fato esse material evidencia, bem como outros consultados, é que as cenas políticas que se desenvolvem no Brasil e no Uruguai são significativamente diferentes da que foi mapeada nos Estados Unidos. O sentido atribuído à ideia de "interseccionalidade", bem como o uso dos marcadores em articulação aos ideários nacionais e às dinâmicas de políticas públicas, não podem ser entendidos em uníssono.

Ina Kerner31 31 Neste artigo, com Ina Kerner, temos uma reação ao debate sobre interseccionalidade a partir da Europa. A autora é professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Humboldt de Berlim. (2012) desenvolve quatro modos de entendimentos da relação entre racismo e sexismo. Sua motivação está baseada na crítica à compreensão de que racismos e sexismos seriam fenômenos paralelos e análogos, o que impediria o entendimento acerca dos entrelaçamentos e combinações. Seguem-se dessas críticas a ideia de se trabalhar com o racismo a partir do gênero (a racialização do gênero) e o sexismo como racializado (a sexualização da raça). Uma vez mais, o contexto no qual essas categorias e entrelaçamentos ganham sentido se mostra fundamental a esta proposta de análise. Ao combinar ambas as posições (perspectivas que operam por analogias e as por entrelaçamentos) a autora propõe que racismos e sexismos se combinam por semelhança, diferença, acoplamentos e, por fim, cruzamentos, entrelaçamentos ou intersecções. O exercício reflexivo é muito útil aos que trabalham com o tema. Muito particularmente, por exemplo, no sentido de lançar luzes sobre a forma como foram combinadas essas questões no primeiro eixo discutido anteriormente. Sob a égide dos interesses nacionais vemos, com Verena Stolcke, como o sexismo opera regulando a reprodução e o racismo no sentido da almejada homogeneidade nacional.

Acerca do cenário norte-americano, mas com um importante diferencial se sobressai o belo artigo de Cláudia de Lima Costa e Eliana Ávila, de 2005, sobre a obra e a trajetória de Glória Anzaldúa, escritora "chicana" e coorganizadora de uma das importantes obras do "feminismo da diferença" intitulado This Bridge Called My Back: Writings by Radical Women of Color, de 1981. Anzaldúa foi identificada como sendo pioneira, entre os estudos na área de interseccionalidade, da introdução da categoria queer - ainda que seja pouco citada nesse sentido, sendo mais reconhecida no campo da "teoria das raças", para o qual também traz uma contribuição singular.

Assim se, por um lado, temos nesse eixo a construção de sujeitos e reconhecimento; por outro lado, são várias as análises que confrontam os limites da modernidade, dos ideais igualitários em sua articulação com as ideias de diferença e desigualdade e as próprias construções identitárias na cena política.

Facchini (2011)FACCHINI, Regina. "Não faz mal pensar que não se está só": estilo, produção cultural e feminismo entre as minas do rock em São Paulo. Cadernos Pagu (36), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2011, pp.117-153. explora uma expressão do ativismo feminista contemporâneo a partir da análise das "minas do rock" no cenário paulistano. A análise traz algumas singularidades: trata-se de um dos únicos trabalhos localizados que aborda uma cena entre "garotas" e que enfrenta, a partir de Brah (2006) e de uma perspectiva crítica a articulação entre estilos, interseccionalidades, violência e marcadores sociais da diferença. Os estilos e as formas de classificação que emulam identidades são propostos como operadores das diferenças, abrindo espaço para a agência desses sujeitos, argumenta a autora. Assim, as identidades observadas em contexto e a cena paulistana analisada ressaltam o movimento de sujeitos em sucessivos deslocamentos e negociações. Ao final da leitura, tem-se a impressão de que as minas do rock e Glória Anzaldúa teriam adorado se conhecer.

Portanto, uma questão que aparece com frequência nesse eixo se refere a como traduzir a multiplicidade das experiências identitárias, especialmente no campo erótico, com a fluidez das categorias raciais nos movimentos identitários e nas políticas públicas institucionalizadas: quem tem então direito a ter direitos.

Guilherme Almeida e Maria Luiza Heilborn (2008)ALMEIDA, Guilherme; HEILBORN, Maria Luiza. Não somos mulheres gays: identidade lésbica na visão de ativistas brasileiras. Gênero (9), Rio de Janeiro, UFF, 2008, pp. 225-249.enfrentam algumas dessas questões ao interpelar a maneira como ativistas brasileiras entendem e vivem a identidade lésbica. O trabalho aborda um amplo campo de tensões e procura articular extensa literatura sobre movimentos sociais, proteção à saúde32 32 Sobre saúde das mulheres lésbicas ver Barbosa e Facchini (2009). , lógicas identitárias sobre gênero, raça, (homo)sexualidade, relações afetivo-sexuais homo e heterocromáticas e ativismo. Entre os muitos pontos que poderiam ser destacados, chama a atenção como há registros de narrativas em que o racismo aparece com mais força do que a homossexualidade em oposição ao que foi notado, em um contexto de sociabilidade numa favela carioca entre homens negros gays (Moutinho, 2006MOUTINHO, Laura. Negociando com a adversidade: reflexões sobre "raça", (homos)sexualidade e desigualdade social no Rio de Janeiro. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, UFSC, vol. 14, 2006, pp.x.). Trata-se, portanto de um texto que articula os marcadores da diferença operando múltiplas fraturas.

Silvia Aguião (2013AGUIÃO, Silvia. Não Somos um simples conjunto de letrinhas: identidades, disputas e negociações políticas. Paper apresentado no II E-NUMAS\USP, São Paulo, 2013. e 2014AGUIÃO, Sílvia. Fazer-se no "Estado": uma etnografia sobre o processo de constituição dos "LGBT" como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Tese de doutorado em Ciências Sociais, UNICAMP, 2014.) se desloca com o mesmo tema para uma cena política particular e explora de modo etnográfico o processo de constituição de certos sujeitos de direitos no Brasil. A multifacetada dinâmica de construção da "população LGBT"33 33 Sobre o movimento LGBT ver Facchini (2005), Facchini e França (2009), Simões e Facchini (2009), entre outros. como sujeito de direitos é (re)construída a partir de uma série de documentos, eventos como conferências, marchas, seminários, atos, debates, encontros e etc. O "sofrimento" é manejado como uma importante chave na garantia de direitos e na construção de mecanismos de proteção. O debate sobre "interseccionalidade", trazido pelas feministas negras norte-americanas, aparece como um eco distante e mesmo ininteligível nesse contexto. A palavra "interseccionalidade" ganha contornos acusatórios por ser uma palavra "acadêmica" e de difícil entendimento, portanto. Na cena descrita, que se desenrola numa conferência,"entrecruzamento" também gerou desconforto e a expressão que ganhou lugar nos documentos foi "transversalizando as questões de gênero, raça e etnia". Interessante notar que na sequência a autora discute o lugar da "academia" e dos "especialistas" na política LGBT. Esse contexto precisa ser observado com cuidado, pois a "academia" pode num momento seguinte não ser entendida como "distante", mas como um coparticipe no "fazer das políticas e nas respostas do estado" (Aguião, 2014AGUIÃO, Sílvia. Fazer-se no "Estado": uma etnografia sobre o processo de constituição dos "LGBT" como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Tese de doutorado em Ciências Sociais, UNICAMP, 2014.:237). No que foi exposto, gênero, raça e sexualidade como categorias "transversais" evocam um "sofrimento" em disputa. Cenário, como vimos anteriormente, bastante distinto do norte-americano.

Um lugar onde o debate sobre "interseccionalidade" próximo das raízes norte-americanas aparece com um encaixe apropriado é no Direito. Não por acaso Crenshaw alimenta a reflexão de Rodrigo Silva (2013)SILVA, Rodrigo da. Discriminação múltipla como discriminação interseccional: o direito brasileiro e as intersecções de raça, gênero e classe. Dissertação (mestrado), Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, 2013. em sua dissertação de mestrado. Seria injusto, entretanto chamar apenas essa autora para o diálogo. Grande parte das mais importantes autoras foram arroladas: bell hooks, Patricia Hill Collins, Avtar Brah, Adriana Piscitelli, Nancy Ehrenreich, Frank Coope. O trabalho tem a originalidade de enfrentar o debate no ordenamento jurídico brasileiro através da categoria jurídica da "discriminação múltipla", que abre então espaço para a abordagem interseccional, aqui entendida, como "estruturas de subordinação" que se reforçam. Interessante notar, no percurso da leitura, de que modo conceitos e categorias advindas de convenções e de tratados internacionais são incorporados ao direito brasileiro através da análise de casos específicos.34 34 Nesse cenário, mas numa perspectiva distinta, parece interessante observar alguns dos estudos que trabalharam na interface entre direito e antropologia no Brasil. O foco, nesse caso, são as formas de regulação que tomam por base raça, gênero, (homos)sexualidade, pobreza e gênero. No artigo de Peter Fry (1983) a respeito de Febrônio Índio do Brasil, é iluminador acompanhar o debate entre ciências médicas e jurídicas a respeito de práticas (crimes) e sujeitos (criminosos). Carrara e Vianna (2006) notam como um argumento que havia sido identificado por Corrêa (1983) é acionado, de modo invertido, com relação aos crimes de honra.

3o eixo: socialidades e subjetividades: a construção e o cuidado de si e o espaço de agência

"Se uma mulher negra faz antropologia, ainda é antropologia? Ela ainda é negra?". Essas são questões que as norte-americanas Angela e Onik'a Gillian (1995)GILLIAN, Ângela e GILLIAN, Onik'a. Negociando a Subjetividade de Mulata no Brasil. Revista de Estudos Feministas vol. 3, nº 2, Florianópolis, UFSC, 1995, pp.525-543. enfrentam ao refletir sobre o lugar e perspectiva do sujeito na produção do conhecimento. A polifonia tem início com a autoria, pois mãe e filha produzem: mãe, antropóloga, negra, mulata, escreve; filha consultava o texto revendo a experiência anterior que havia tido no Brasil. Inicialmente, as autoras parecem concordar que ambas falam de uma perspectiva singular da mestiçagem e da creolização. Ao final, essas questões se complicam, mas o lugar da mestiçagem e dos "mulatos" nos sistemas de dominação norte-americano e brasileiro são investigados e as autoras enquanto sujeitos da experiência e do conhecimento reagem com uma série de marcações: elas interpelam a produção acadêmica, percorrem suas memórias em primeira e terceira pessoas, citam a entrevista que Angela Gillan deu ao jornal O Pasquim 35 35 Jaguar - Entrevista com Angela Gilliam "O Negro Continua Com a Vassoura na Mão". O Pasquim, N° 227, Ano 5, 6 - 12 de novembro de 1973. , os problemas com a justiça no retorno aos Estados Unidos, e um pedido de desculpas da mãe para a filha fecha a narrativa. Ambas estão profundamente expostas e a perspectiva do sujeito aparece com muitas e complexas nuanças.

Se Kimberlé Crenshaw foi anteriormente citada como uma referência com relação à interseccionalidade no campo jurídico, bell hooks, Gloria T Hull, Patricia Bell e Barbara Smith estão entre as que colocam a intersecção entre raça e gênero como construtora de uma subjetividade específica que passa despercebida em algumas análises realizadas sobre essas obras e autoras.

No dossiê Mulheres Negras publicado pela Revista Estudos Feminstas, bell hooks reflete sobre as dificuldades de se tornar intelectual para quem vem de posições marginalizadas. Mais especificamente, ela argumenta com base em sua própria trajetória que o sujeito do conhecimento foi construído como fruto de uma experiência que era necessária colocar em perspectiva e (re)nomear. Trata-se de um ensaio marcado pelo tempo da reflexão íntima e confessional, no qual raça, gênero, classe, nação, trabalho, academia e o espaço doméstico (e uma vez mais o espaço da intimidade) são lidos com profunda reflexividade. A experiência como intelectual negra implica em se mover para um campo marginal dentro da própria comunidade negra. Essa é, por um lado, apresentada como anti-intelectualista nos Estados Unidos, país que traz igualmente uma ampla, reconhecida e debatida história de racismo. Seu ponto de apoio reflexivo é o ensaio de Cornel West, O Dilema do Intelectual Negro 36 36 Publicado originalmente em 1985 e reeditado inúmeras vezes. , que, entretanto, não realiza uma distinção de gênero na análise e somente fala do homem intelectual e negro. hooks acolhe suas ideias e apresenta, concomitantemente, seu diferencial: além da perspectiva de gênero na discussão racial, ela reage às críticas que West tece acerca da sociedade burguesa de modo extremamente provocativo.

Se com Crenshaw os mecanismos jurídicos que articulam raça e gênero ganham inteligibilidade, na leitura intimista e persuasiva de bell hooks, um indivíduo concomitantemente distante e comprometido com sua realidade é produzido através da auto e da heteroconfrontação e de uma perspectiva crítica acerca da produção do conhecimento, das redes institucionais e da sociedade burguesa.

Ainda de autoria de bell hooks, é possível encontrar em português um pequeno ensaio intitulado Vivendo de Amor 37 37 Disponível em: <http://arquivo.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questoes-de-genero/180-artigos-de-genero/4799-vivendo-de-amor>. . O texto é eloquente: opera com uma perspectiva atemporal de amor (ou sua falta), remetendo-o à experiência da escravidão. O sistema escravocrata que está na origem do sofrimento e "das dificuldades coletivas com a arte e o ato de amar" cultivou entre os afro-americanos uma experiência de intimidade voltada para o sentido prático e o controle das emoções. O amor é então perscrutado da escravidão aos dias atuais e através da articulação entre público e privado é reivindicado como um ato de descolonização e uma ação contra a opressão.

A escravidão precisa ser observada com cuidado nesse cenário. Atualmente, ela se apresenta como um diferencial entre os que se classificam como "afro-americanos" e os "negros", que mesmo tendo nascido nos Estados Unidos, sejam de origens diversas, como a Jamaica e outros países da América Latina e da América Central. A experiência da escravidão como um lugar de construção do african-american nos impele a refletir sobre os limites atuais do "preconceito de marca e de origem", tal como proposto por Oracy Nogueira (1985)NOGUEIRA, Oracy. Preconceito Racial de Marca, Preconceito Racial de Origem. In: Tanto Quanto Branco: Estudos de Relações Raciais. São Paulo, T.A.Queiroz Editora, 1985.. Nas narrativas veiculadas em jornais, na televisão, pode-se perceber que a escravidão marca uma fronteira desenhada pela experiência da dor e da exclusão. bell hooks interpela essa realidade em sua reflexão. Nesse sentido, sua fala não é, de fato, direcionada a qualquer negro norte-americano, mas aos african-americans e sua particular experiência de dor, de contínua humilhação e de exclusão.

Nesse eixo, o individual e o coletivo, os sentimentos e a lei se entrecruzam. Temos um conjunto grande de análises sobre as convenções e fronteiras acerca da construção tanto social e nacional quanto subjetiva de uma série de categorias ou classificações sociais como cor/raça entrelaçadas com homossexualidade, travestilidade, transexualidade e etc. Fry (1982)FRY, Peter. Para Inglês Ver: identidade e cultura na sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 1982. destacou a predominância, mas também a imbricação, de diversos modelos de homossexualidade.38 38 Na sequência da análise realizada por Peter Fry, aparece na bibliografia dos artigos consultados algumas reatualizações de suas interpretações como em Richard Parker (1994) e James Green (2000), entre vários outros. Um debate retomado em outros termos por Almeida e Heilborn anteriormente citados.

Há uma crescente ênfase na análise de situações cuja tônica é "negociar com a adversidade": seja entendida a partir do percurso por situações de desigualdade social, seja através de classificações médicas ou de programas sociais. Outro ângulo de análise localizado incorpora o que Taussig (1993)TAUSSYG, Michael. Mimesis and alterity. A particular history of the senses. New York, Routledge, 1993. chama de mimesis: a articulação concomitante entre proximidade e distância, contato e alteridade. Uma perspectiva que dá inteligibilidade à produção-reprodução do mesmo e do diferente que permite que se pense num jogo sempre espelhar de identificação e estranhamento (e mesmo repugnância). Particularmente significativa desse eixo é a análise de Lilia Schwarcz (2012)SCHWARCZ, Lilia. Moderna república velha: um outro ano de 1922. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros vol. 55, Rio de Janeiro, 2012, pp.59-88. sobre Lima Barreto: o crítico das teorias raciais se vê, ele próprio, social, subjetiva e paradoxalmente amarrado à mestiçagem, à degenerescência, à loucura, aos excessos sexuais e ao alcoolismo.

Para esse eixo, a pesquisa com o descritor "marcadores sociais da diferença" foi particularmente rica. Da busca no Scielo vieram 121 registros. Destes, oito eram da área de ciências sociais e o restante da biomédica. Marcadores, definitivamente, é uma palavra importada da saúde.

Nas análises de Moutinho et al (2010)MOUTINHO, Laura et alii. Retóricas ambivalentes: ressentimentos e negociações em contextos de sociabilidade juvenil na Cidade do Cabo (África do Sul). Cadernos Pagu (35), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2010, pp.139-176., Simões et al (2010)SIMÕES, Julio Assis; FRANÇA, ISADORA LINS;&NBSP;MACEDO, Marcio. Jeitos de corpo: cor/raça, gênero, sexualidade e sociabilidade juvenil no centro de São Paulo. Cadernos Pagu (35), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2010, pp.37-78. e França (2013)FRANÇA, Isadora Lins. Frango com frango é coisa de paulista: erotismo, deslocamentos e homossexualidade entre Recife e São Paulo. Sexualidad, Salud y Sociedad vol. 1, Rio de Janeiro, 2013, pp.13-39., os marcadores sociais da diferença são articulados a trânsitos e deslocamentos. Os dois primeiros borram algumas fronteiras ao colocarem numa mesma análise homo e heterossexuais, negros e brancos em diferentes contextos sociais e nacionais. França inverte a direção e a perspectiva dos fluxos migratórios ao voltar seu olhar para os paulistas de classe média alta que vão para o nordeste em busca de uma certa experiência erótica. Em vários trabalhos, como no dessa autora, mas igualmente em Moutinho (2004MOUTINHO, Laura. Razão, "Cor" e Desejo: Uma Análise Comparativa sobre Relacionamentos Afetivo-Sexuais "Inter-raciais" no Brasil e na África do Sul. São Paulo, UNESP, 2004a. e 2006MOUTINHO, Laura. Negociando com a adversidade: reflexões sobre "raça", (homos)sexualidade e desigualdade social no Rio de Janeiro. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, UFSC, vol. 14, 2006, pp.x.), Almeida e Heilborn (2005), entre outros, encontramos um autor que influencia as perspectivas analíticas adotadas, mas está ocultado nas narrativas: através da incorporação do trabalho seminal de Perlongher (1987)PERLONGHER, Néstor. O negócio do michê: a prostituição viril. São Paulo, Brasiliense, 1987. que avança hipóteses para o entendimento do desejo e do erotismo não do ponto de vista individual, mas intersubjetivo, social, transindividual e hierárquico, vemos que o filósofo Gilles Deleuze39 39 Em realidade, Perlongher é influenciado pela reflexão de Deleuze e, mais especificamente, a que Deleuze e Guatarri desenvolveram em Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Ver uma análise detalhada em Simões (2008). é um ator oculto e muito influente nesse cenário. Nesse campo em diálogo entre si, Zamboni (2013)ZAMBONI, Marcio. A sessão de desenho de modelo nu: produção artística e marcadores sociais da diferença. Sexualida, Salud Sociedad (15), Rio Janeiro, 2013, nº15, pp.62-85. focaliza artistas plásticos homossexuais de camadas altas da cidade de São Paulo. Os marcadores sociais da diferença são compreendidos no interior de um universo estético específico. Nos trabalhos mencionados chama a atenção como a questão racial articulada a gênero e sexualidade não focaliza os "negros", mas um universo de interação entre brancos e negros. Os brancos estão explicitamente presentes, mas os autores e autoras não entendem as suas produções como parte de um campo com influência norte-americana conhecido como "branquitude" ou "branquidade".

Na trilha aberta por Brah e outros autores, Pelúcio (2011)PELUCIO, Larissa. Marcadores sociais da diferença nas experiências travestis de enfrentamento à aids. Saúde e sociedade (20), nº1, 2011, pp.76-85. interpela as políticas de prevenção à Aids a partir da experiência etnográfica com travestis que se prostituem. Assim como Almeida e Heilborn e Zamboni, anteriormente citados, e diferentemente dos trabalhos mencionados no eixo anterior, o marcador raça articulado a gênero, geração, sexualidade e classe aparece no interior de uma certa dinâmica de sociabilidade e é a partir da experiência etnográfica que a autora analisa criticamente as políticas de saúde. Algumas "políticas igualitárias" são, então, questionadas frente a formatos e históricos segregacionistas.

Palavras finais

No campo de estudos brasileiros acerca do tema em tela, creio que algumas questões precisam ser enfrentadas: uma delas se refere ao fato de que com enorme frequência a interseccionalidade aparece como ponto de chegada e de partida. Como entender essa tendência? Parece haver nos argumentos um movimento de construir a legitimidade de uma análise que articule diferentes marcadores. Sua importância precisa ser continuamente afirmada, pois não está dada como legítima.

A segunda questão está relacionada com a primeira e diz respeito à sobreposição de exclusões, sem uma hipótese que articule os diferentes marcadores. Talvez seja necessário entender a lógica das sujeições combinadas reinante nas análises como um processo de construção e nomeação: a construção de sujeitos e a nomeação de formas de exclusão são parte desse cenário de fazer políticas e construir direitos.

O terceiro ponto se refere ao desconforto com que esses campos dialogam. Especialmente, com relação à rara inclusão dos diferenciais de gênero e de sexualidade entre os que se percebem na área de relações raciais. Mariza Corrêa destacou esta tendência em 1996 e ainda que o cenário brasileiro tenha se transformado radicalmente desde então, a área de relações raciais retém o mesmo aporte com ênfase em desigualdade social, nos sistemas de classificação por cor/raça e classe e demonstra menos aderência às discussões do campo de gênero e sexualidade ou de seus entrecruzamentos. Frequentemente, aliás, "gênero" é "sexo" e opera como uma categoria descritiva. Talvez possamos então inverter a lógica das sujeições combinadas anteriormente mencionadas e perguntar para aqueles que já lidavam com o preconceito racial se não teria sido excessivo também incluir outras formas de desigualdade e de segregação como gênero e sexualidade, em especial, em suas temáticas. Estendo em certo sentido neste ponto o argumento de Peter Fry - em artigo em elaboração, cuja versão inicial foi apresentada no Simpósio Antropologia, gênero e sexualidade no Brasil: balanço e perspectivas, organizado por Adriana Piscitelli e Sérgio Carrara, na 28ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia -, a respeito da reação de Melville Herskovits e Artur Ramos com relação a análise de Ruth Landes. Os marcadores da diferença focalizados neste ensaio evocam diferença, desigualdade, mas igualmente distintas moralidades. Talvez também por esse motivo sua combinação não seja encaixada como um Lego, para retornar à ideia de McClintock (2010)MCCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: raça, sexualidade e gênero no embate colonial. Campinas: Editora Unicamp, 2010 [1995]..

Por fim, no quarto e último ponto queria retornar a epígrafe de Johannes Fabian (2013)FABIAN, Johannes. O Tempo e o Outro. Como a Antropologia estabelece seu objeto. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2013. acerca da categoria tempo na construção da desigualdade social. Tempo e espaço são operadores ocultos na forma como os marcadores sociais da diferença se articulam na literatura analisada, construindo sujeitos e cenas diversas. Cada marcador opera com múltiplas perspectivas de tempo que ganham sentido em espaços distintos: o "pardo" no crime evoca um tempo outro, o primitivo ou degenerado para lembrar Lima Barreto e Febrônio Índio do Brasil; o "negro" ou "preto" surge no tempo da desigualdade; o "mestiço" maneja um lugar na nação. Nesse cenário, o tempo suspenso da nação mestiça (uma representação) parece estar sendo confrontado pelo que informa, no tempo cotidiano, a desigualdade social.

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  • ZAMBONI, Marcio. A sessão de desenho de modelo nu: produção artística e marcadores sociais da diferença. Sexualida, Salud Sociedad (15), Rio Janeiro, 2013, nº15, pp.62-85.
  • 1
    Mais recentemente, categorias como geração\idade e deficiências ampliaram esse cenário. "Deficiência", em geral, é tratada como um marcador da diferença, mas há debates controversos a respeito (ver Lopes, 2013). Sobre "geração" articulada a outros marcadores ver Simões (2013) e Debert (2014). Não tratarei dessas temáticas na reflexão que se segue.
  • 2
    As buscas foram realizadas entre janeiro e abril de 2014.
  • 3
    Agradeço a Adriana Piscitelli o incentivo e todo o apoio para transformar aquela primeira reflexão no ensaio que ora apresento. Nessa empreitada, ainda preciso agradecer o retorno recebido a respeito de textos, edições e inquietações de Mariza Corrêa, Peter Fry, Ruben Oliven, Yvonne Maggie, Antonio Sérgio Guimarães, Lia Zanota Machado e Charles Pessanha. Agradeço ainda a leitura cuidadosa de Gibran Teixeira Braga e de Silvia Aguião. Sou, claro, inteiramente responsável pelas informações e pelas análises realizadas neste texto.
  • 4
    O black feminism tem suas raízes na chamada segunda onda do movimento feminista. Ver Piscitelli ( 2002) e também Harris (2001).
  • 5
    We are a collective of Black feminists who have been meeting together since 1974. [...] The most general statement of our politics at the present time would be that we are actively committed to struggling against racial, sexual, heterosexual, and class oppression, and see as our particular task the development of integrated analysis and practice based upon the fact that the major systems of oppression are interlocking. The synthesis of these oppressions creates the conditions of our lives [...] (tradução nossa). Disponível em: <http://circuitous.org/scraps/combahee.html>.
  • 6
    Disponível em: <http://aapf.org/>.
  • 7
    "the tendency to treat race and gender as mutually exclusive categories of experience and analysis" (tradução nossa).
  • 8
    Na história da Civil Rights Acts chama atenção que a palavra gênero (sex) tenha sido acrescentada de última hora e entendida como uma manobra operada por Howard W. Smith, um político conservador que se opunha à concessão de direitos civis aos negros. Ele foi acusado de propor esse acréscimo para "derrubar" a lei. Seu argumento, entretanto, foi o de que fez a proposta com o apoio do National Women's Party. Disponível em: <http://www.archives.gov/education/lessons/civil-rights-act/>.
  • 9
    Nesse cenário, faz-se necessário destacar que nas décadas de 1980 e de 1990 a Fundação Ford e a Fundação MacArthur financiaram diversos projetos e programas no campo das relações raciais e do feminismo. A Fundação Rockefeller financiou um projeto sobre raça e etnicidade, sediado no IFCS\UFRJ, que resultou na publicação de um livro. Na década de 2000, a Fundação Ford financiou projetos no campo do feminismo, raça com grande destaque ainda para a área de sexualidade. Nessa mesma década, houve um retorno do apoio da Fundação à academia, por conta das políticas de ações afirmativas nas universidades. Se nos anos 1980 houve um forte pêndulo para a academia, nos anos 1990 as ONGs foram as principais beneficiárias. Sobre a relação entre o movimento negro, a academia e a Fundação Ford na década de 80, ver Moutinho (1996). Sobre as fundações americanas no Brasil e a polêmica com Bourdieu e Wacquant, ver Telles (2002); Sansone (2002) e, entre outros, os próprios Bourdieu e Wacquant (2002). Sobre como a Fundação Ford aparece na mídia com relação às ações afirmativas em áreas diversas nos anos 2000, ver Moutinho (no prelo).
  • 10
    A ONG Géledes também possui um papel de destaque nesse cenário. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/>.
  • 11
    Ver por exemplo, Pacheco (1986) e Sansone (1994).
  • 12
    Entre autores estudados que enfrentam a questão do entrecruzamento ou intersecção de categorias em constante diálogo com pesquisadores brasileiros constam Eric Fassin, na França, Peter Wade, na Inglaterra, e Mara Viveros e Fernando Urrea, na Colômbia.
  • 13
    O debate foi organizado e coordenado por Suely Kofes e compuseram a mesa: Aroldo Macedo, editor da Revista Raça; Roberto Melo, diretor da Editora Símbolo; Valter Silvério, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar; Mariza Corrêa e Octavio Ianni, professores da Unicamp.
  • 14
    Ver o trabalho seminal de Carlos Hasenbalg (1979). Voltarei a esse ponto adiante.
  • 15
    A despeito do que indicam alguns títulos quando focalizam "o negro" ou a "questão racial", um olhar cuidadoso evidencia que de diferentes modos está em questão a interação entre brancos e negros ou as relações raciais para pensar universos macro e micro sociais.
  • 16
    Ver Petruccelli (2001) e também a preciosa dissertação de Pacheco (1986).
  • 17
    Último acesso: 26 de Abril de 2014.
  • 18
    Sobre gênero e telenovela ver também Almeida, 2003, entre outros da autora.
  • 19
    A expressão é de Benedict Anderson e vem sendo incorporada aos estudos sobre sexualidade a partir do artigo de Avtah Brah, 2006.
  • 20
    Ver Schwarcz (1993) e Vianna (1995).
  • 21
    VerSchwarcz (1993) e Seyferth (1996).
  • 22
    Sobre o Projeto da Unesco, ver Maio (1999, 2009), entre outros; ver também Guimarães (1996); para uma análise com foco na produção de Florestan Fernandes, ver Arruda (1996); Macagno (1999) escreveu sobre Marvim Harris e aborda o Projeto da Unesco; o esquecimento da Virgínia Bicudo entre os pesquisadores e autores foi abordado por Damaceno (2013) e Maio (2010). Ver também a própria Bicudo (2012).
  • 23
    Como destaca Marcos Chor Maio, os estudos de comunidade que ganharam fôlego na "era dos projetos" possuíam uma face "científica, positiva, calcada na exigência da descrição minuciosa dos acontecimentos presentes em uma determinada realidade como contraponto ao ensaísmo" (Maio, 2009:262).
  • 24
    Ver Eduardo de Oliveira e Oliveira (1974) e Mariza Corrêa (1996).
  • 25
    Como parte desse campo de transformações, foi criado em 2007, na USP, o Núcleo de Estudos "Marcadores sociais da diferença" por Julio Simões e Lilia Schwarcz. Ver as linhas de atuação e professores vinculados em <http://antropologiausp.blogspot.com/2010/10/numas.html>.
  • 26
    Ver, por exemplo, Norvell, 2001; Moutinho, 2004.
  • 27
    Workshop "Regulações Internacionais, Direitos Diferenciados e Políticas de Reconhecimento". LACED-MNUFRJ. Porto Seguro, 30 de maio de 2009.
  • 28
    Moutinho e Carrara (2010).
  • 29
    Faz-se necessário explicitar que compreendemos as "reivindicações" dos movimentos sociais focalizados como parte de uma arena complexa de disputas que envolvem um conjunto amplo e variado de atores.
  • 30
    Parte dos dados foi colhida para uma pesquisa entre o NACI-UFRGS e a Associação Cultural de Mulheres Negras para o PN DST e Aids/MS, em 2006 e 2007, e contou com financiamento da UNESCO, repassado através desse programa específico do Ministério da Saúde.
  • 31
    Neste artigo, com Ina Kerner, temos uma reação ao debate sobre interseccionalidade a partir da Europa. A autora é professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Humboldt de Berlim.
  • 32
    Sobre saúde das mulheres lésbicas ver Barbosa e Facchini (2009).
  • 33
    Sobre o movimento LGBT ver Facchini (2005), Facchini e França (2009), Simões e Facchini (2009), entre outros.
  • 34
    Nesse cenário, mas numa perspectiva distinta, parece interessante observar alguns dos estudos que trabalharam na interface entre direito e antropologia no Brasil. O foco, nesse caso, são as formas de regulação que tomam por base raça, gênero, (homos)sexualidade, pobreza e gênero. No artigo de Peter Fry (1983) a respeito de Febrônio Índio do Brasil, é iluminador acompanhar o debate entre ciências médicas e jurídicas a respeito de práticas (crimes) e sujeitos (criminosos). Carrara e Vianna (2006) notam como um argumento que havia sido identificado por Corrêa (1983) é acionado, de modo invertido, com relação aos crimes de honra.
  • 35
    Jaguar - Entrevista com Angela Gilliam "O Negro Continua Com a Vassoura na Mão". O Pasquim, N° 227, Ano 5, 6 - 12 de novembro de 1973.
  • 36
    Publicado originalmente em 1985 e reeditado inúmeras vezes.
  • 37
  • 38
    Na sequência da análise realizada por Peter Fry, aparece na bibliografia dos artigos consultados algumas reatualizações de suas interpretações como em Richard Parker (1994) e James Green (2000), entre vários outros.
  • 39
    Em realidade, Perlongher é influenciado pela reflexão de Deleuze e, mais especificamente, a que Deleuze e Guatarri desenvolveram em Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Ver uma análise detalhada em Simões (2008).
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    Recebido para publicação em 20 de março de 2014, aceito em 26 de maio de 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2014
  • Aceito
    26 Maio 2014
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