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Call the Midwife: A Memoir of Birth, Joy, and Hard Times * * Resenha de Worth, Jennifer. Call the Midwife: A Memoir of Birth, Joy, and Hard Times. English Publisher, Penguin Books Rep Mti, 2012 [2009]

WORTH, Jennifer. Call the Midwife: A Memoir of Birth, Joy, and Hard Times. 2012. Penguin Books Rep Mti

O livro de Jennifer Worth, Call the Midwife: A Memoir of Birth, Joy, and Hard Times, em tradução livre "Ligue para a parteira", é um livro de memórias em que a autora descreve o mundo do trabalho feminino da enfermeira obstetra no início dos anos cinquenta, antes da pílula anticoncepcional e do aborto legalizado na Inglaterra.

Jennifer Worth narra em primeira pessoa e apresenta-se aos leitores como a enfermeira obstetra Jenny Lee (seu sobrenome de solteira), formada pelo Royal London Hospital, Whitechapel. A autora, no editorial, relata que foi motivada a registrar suas memórias quando leu um artigo em uma revista de enfermagem ressaltando o quanto as enfermeiras eram bastante representadas na mídia. No entanto, as enfermeiras parteiras quase não eram mencionadas, e ela então resolveu tomar essa tarefa para si.

Trata-se de uma crônica ricamente detalhada da obstetrícia realizada por enfermeiras na Zona Leste de Londres (o East End). A obra retrata a organização sanitária em torno do convento, calorosa, mas astutamente apresentado, das Parteiras de São Raimundo Nonato - pseudônimo dado pela autora à Ordem de freiras anglicanas que se dedicavam a fazer o parto mais seguro para os pobres, numa altura em que partos ainda eram realizados, em sua grande maioria, em casa. A obra descreve o cotidiano do trabalho de jovens enfermeiras parteiras, hoje chamadas obstetras, e as freiras do convento deNonato House, onde residiam e atuavam profissionalmente.

O Nonato House era localizado no bairro conhecido comoPoplar. A área possuía resquícios da Segunda Guerra Mundial: uma em cada quatro casas havia sido demolida, superlotação - muitas vezes 12 pessoas residiam em dois cômodos e banheiros comunitários serviam a dezenas de pessoas. Muitas residências não possuíam água corrente e um telefone era um luxo impensável. Famílias, cujos membros mais velhos tinham experimentado o asilo, levavam uma vida miserável em condições de pobreza absoluta.

No Poplar ficavam as docas e parte de seus habitantes trabalhava como estivador, entre outros negócios ligados ao porto. Assim entramos na realidade dasDocklands, das vidas proletárias de cidadãos trabalhadores ingleses do democrático século XX. Por lá também havia casas de prostituição, mas a autora escreve que havia muito pouco contato entre as famílias operárias e as prostitutas.

Sabemos, pela apresentação, que estamos tratando dos primeiros anos do sistema de saúde britânico - NHS, que universalizou o atendimento à população. O NHS é parte de todo um esforço pós-guerra, pela criação de uma estrutura de assistência para diminuir os problemas sociais ingleses.

A autora segue descrevendo os antigos modos de vida da periferia londrina, as pessoas e a pobreza. "Muitos desses grandes personagens ficaram comigo", disse ela sobre a publicação no editorial de Ligue para a parteira. "A maioria das pessoas em Londres na época não conhecia o East End. Lá, não havia nenhuma lei, nenhuma iluminação, muitos percevejos, pulgas e piolhos, era um lugar escondido".

A narrativa avança retratando uma desolação da verdade diária, raramente encontrada em um livro, mas com uma alegria respeitosa, com a certeza e a confiança de que aquele mundo estaria prestes a terminar, sem arrependimento, graças às mudanças radicais trazidas pela maternidade, o choro do recém-nascido com vida e a importância do sistema nacional de saúde inglês.

Apesar da miséria, Jennifer descreve como East End da década de 1950 ainda mantinha um senso de comunidade. As portas da frente estavam destrancadas, e famílias extensas viviam nas ruas e esquinas. Sua narrativa é cheia de contos de bom humor, mesmo nas condições mais cruéis.

É nesse cenário que o heroísmo de intervenções clínicas diárias, muitas vezes dramáticas, se mistura com o contexto social e sentimentos humanos. A protagonista começa a se dessensibilizar para alguns aspectos da falta de higiene, ao mesmo tempo em que se sensibiliza pelos dramas humanos.

Entre as várias histórias de vida narradas, destacamos a da enfermeira chamada "Chummy", que, em uma noite de tempestade, foi escalada para ir a bordo de um navio de carga sueca para atender a filha do capitão - uma mulher de 35 anos, loira, chamada Kirsty, que achava que tinha dor de estômago. Chummy ficou chocada ao saber que a filha do capitão era a "mulher do navio", atendendo alegremente os 20 membros da tripulação, incluindo seu pai, pelo menos 10 vezes por dia. "Eu mantenho os homens felizes e homens felizes trabalham duro", disse Kirsty tratando o assunto com naturalidade. Na verdade, Kirsty estava esperando um bebê.

As mulheres grávidas pacientes de Jenny são as protagonistas dessa crônica, em que a diversidade étnica é apresentada no relato da vida de Conchita, a mulher espanhola casada com um inglês e que, mesmo sem poder falar a língua um do outro, deu à luz 24 crianças; a adolescente irlandesa que, depois de "cair na prostituição", teve seu bebê colocado para adoção; e a viúva que tinha cinco filhos e foi enviada para o reformatório, em 1916, e que quando saiu, em 1935, descobriu que todos os filhos tinham morrido e ficou só.

A narrativa é conservadora, mas explora o "aborto ilegal" praticado na época por mulheres de "aparência duvidosa", conversas murmuradas sobre "começar a fazer"; e os "gritos abafados" dos cortiços, a depressão pós-parto, o processo de adoção e o abandono de idosos.

No Poplar toda a vida humana pulsa. Os irmãos Kray, criminosos que dominavam as ruelas, menores de idade grávidas, prostituição, abortos ilegais, consumo excessivo de álcool e bater na esposa eram comuns nas favelas; epidemias como a poliomielite, tuberculose e campanhas de educação para a saúde da população na década de 50 estão presentes nessa obra, que retrata um contexto em que sabedoria é fazer o seu trabalho, acolher e não questionar.

Em Ligue para a parteira, há um momento em que Jenny Lee e suas colegas fazem um questionamento preconceituoso sobre uma situação em que há um casal de irmãos já idosos que, aparentemente, vivem conjugalmente, e a Irmã Julienne as proíbe de questionar o incesto. As freiras-enfermeiras parteiras da Comunidade de São João o Divino (chamado St Raimundo Nonato, no livro) não estavam lá para julgar, mas para ajudar. Dia e noite, elas pedalaram em suas velhas bicicletas pretas para realizar os partos de 100 bebês por mês, em uma área de oito quilômetros quadrados, muitas vezes apenas com água quente, toalhas e encorajamento.

É um retrato explícito e desinibido de um mundo e uma vida difíceis, um olhar feminino da sociedade e suas regras, um comentário sobre a brutal injustiça e o sofrimento diário; e ao mesmo tempo uma representação fiel de um ambiente, no qual a humanidade e a selvageria, as condições de miséria e a generosidade de espírito, o heroísmo estão presentes.

No prefácio do livro, Jennifer Worth escreveu: "Quem já ouviu falar de uma enfermeira parteira como uma heroína literária?" No entanto, a obstetrícia é a própria matéria do drama baseado em suas experiências como uma parteira em East End de Londres. Nesse lugar, cada criança concebida, quer no amor ou na luxúria, nasce na dor, seguido de alegria ou às vezes remorso. "A parteira está no meio, ela acompanha, ela vê tudo".

Ao longo da história, a chegada de um bebê ao mundo foi tradicionalmente algo exclusivamente feminino. A obra relata com grande ternura e pungência, o trabalho de enfermeiras obstetras: cuidar, acompanhar o parto, entendido como um momento íntimo, mágico e importante na vida de uma mulher, cercado de mães, irmãs, namorados, esposos que participavam de modo ativo do nascimento de seus herdeiros. O livro é uma celebração inspirada na magia do nascimento.

Durante séculos, o ofício de parteira foi praticamente a única área em que os homens - os médicos - não tinham voz. Jennifer Worth narra o momento que antecede as transformações sociais ocorridas nas últimas décadas do século XX, a deslegitimação paulatina do conhecimento obstétrico das mulheres, para o conhecimento do médico obstetra masculino, científico, higienizado, em trânsito do conforto do lar para o frio ambiente hospitalar.

Por tudo isso, o livro de Jennifer Worth pode ser lido por acadêmicos, militantes e pela sociedade civil.

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    Resenha de Worth, Jennifer. Call the Midwife: A Memoir of Birth, Joy, and Hard Times. English Publisher, Penguin Books Rep Mti, 2012 [2009]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2014
  • Aceito
    17 Jul 2015
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