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Mulheres dominicanas invisíveis: discursos de tráfico de pessoas em Porto Rico* * Tradução: Felipe Benedet Maureira. Revisão: Adriana Piscitelli.

Resumo

Relatos terríveis de contrabando e tráfico de pessoas da República Dominicana em direção a Porto Rico atraiu a atenção da mídia nos últimos 20 anos. Baseado em entrevistas com agentes governamentais e não governamentais, este artigo examina a invisibilidade das necessidades e problemas de dominicanos em Porto Rico. Eu argumento que em conjunção com sua omnipresença em espaços de trabalho íntimos, frequentemente sexualizados (bares, cafés, espaços domésticos e de cuidado), as mulheres dominicanas são sujeitos invisíveis que não são consideradas como vulneráveis e merecedoras de proteção social e apoio. A racialização das mulheres dominicanas num contexto xenofóbico, suas trajetórias de trabalho sexualizado e o marco para compreender o tráfico de pessoas em níveis nacionais e internacionais fazem delas uma população invisível e ilegível, que provavelmente não receberá qualquer atenção da ou assistência social, seja ela estatal ou da sociedade civil.

Tráfico humano em Porto Rico; Mulheres dominicanas em Porto Rico; trabalho sexual

Abstract

Horrific reports of human trafficking and smuggling from the Dominican Republic into Puerto Rico have captured media attention over the past twenty years. Based on interviews with government and non-government officials in Puerto Rico this essay examines the indiscernibility of Dominican concerns in the island. I contend that in conjunction with their omnipresence in intimate, frequently sexualized spaces of labor (bars, cafes, domestic/care giving spaces) Dominican women are invisible subjects who are not regarded as vulnerable and worthy of social protection and support. The racialization of Dominican women within a xenophobic context, their sexualized labor trajectory, and the framework for understanding human trafficking at the international and national level makes them an invisible and illegible population unlikely to receive any state-level or civil society attention or social assistance.

Human Trafficking Puerto Rico; Dominican Women in Puerto Rico; Sex Work

Quando perguntei sobre tráfico humano, um agente governamental que entrevistei negou que a questão fosse pertinente para Porto Rico. No contexto de alta visibilidade da imigração dominicana para Porto Rico, é difícil entender como os agentes governamentais e de ONGs não estariam cientes das práticas de tráfico e contrabando de pessoas. De fato, apesar de pesquisadores, jornais impressos e programas de televisão discutirem regularmente os riscos da migração indocumentada para a ilha (Ricourt, 2007; Bishop, 2015; Graziano, 2013Graziano Frank. Undocumented Dominican Migration. Austin, University of Texas Press, 2013.; Verbrigghe, 2012; Martínez-San Miguel, 1998Martínez-San Miguel, Yolanda. De ilegales e indocumentados: representaciones culturales de la migración dominicana en Puerto Rico. Revista de ciencias sociales 4, 1998, pp.147-172.; The New York Times, 2008, 2004; Associated Press, 2008; Huffington Post, 2013), um agente governamental que entrevistei negou que discutir tráfico de pessoas tivesse qualquer pertinência nesse país. Contudo, sua declaração não é surpreendente. No momento que o entrevistei, eu já havia recebido respostas similares a questões feitas a outros funcionários governamentais e de ONGs; as negações foram a resposta padrão, ao invés da exceção.

Este ensaio examina a ausência de preocupações acerca tráfico de pessoas de nacionalidade dominicana em Porto Rico. Argumento que em conjunção com sua omnipresença em espaços de trabalho íntimos, frequentemente sexualizados (bares, cafés, espaços domésticos e de cuidado), as mulheres dominicanas são sujeitos invisíveis que não são consideradas como sujeitos vulneráveis e merecedores de proteção social e apoio. Começo examinando três dinâmicas chave que se cruzam para produzir esse “segredo às claras” [open secret] do tráfico de mulheres dominicanas em Porto Rico. Primeiro, eu examino a história da imigração dominicana para esse país. Em segundo lugar, eu analiso o desenvolvimento histórico do conceito tráfico de pessoas no nível dos direitos humanos internacionais. Baseio-me na história do marco internacional para indicar as correntes ideológicas e cronológicas que enquadram o atual fenômeno da imigração e tráfico de pessoas. Uma análise dos fundamentos históricos desse tráfico é crucial, pois eles se reiteram no enquadramento de como essa questão é entendida e trabalhada em um nível nacional e internacional. Em um terceiro momento, examino os discursos construídos em torno da questão do tráfico de pessoas pelos agentes responsáveis por dar assistência social à comunidade dominicana em Porto Rico. Nos pontos em que essas três dinâmicas se encontram e entrecruzam, apresento alguns resultados preliminares, uma vez que me refiro a uma pesquisa em andamento. Desse modo, minhas conclusões são apontamentos e questionamentos para a continuidade dessa pesquisa.

Este artigo analisa se e como políticas contra o tráfico de pessoas são acionadas na área metropolitana de San Juan. Argumento que a racialização das mulheres dominicanas dentro num contexto xenofóbico, suas trajetórias de trabalho sexualizado e o marco para compreender o tráfico de pessoas no nível nacional e internacional fazem delas uma população invisível e ilegível, que provavelmente não receberá qualquer atenção ou assistência social, seja ela estatal ou civil. Meu interesse é de ilustrar como nem todos os sujeitos “vulneráveis” são produzidos de maneira igualitária.

Antes de discutir a história da migração dominicana, oferecerei uma breve visão de como iniciei este projeto. Enquanto realizava trabalho de campo junto a uma organização de trabalho sexual dominicana, Movimiento de Mujeres Unidas (MODEMU), em Santo Domingo, me interessei pela comunidade dominicana que viajava e, morava em Porto Rico. Durante a primeira década do século XXI, escutei mulheres discutirem sobre suas viagens para Porto Rico na balsa noturna para comprar produtos e revendê-los na República Dominicana.1 1 Esta pesquisa foi aprovada pela Universidade da Califórnia, Riverside, Protocolo de Seres Humanos HS-13-109, “De Musa do Amor à Trabalh0adora do Sexo: A Transformação de Cantineras Mexicanas e Porto Riquenhas”. Eu gostaria de agradecer a assistência na pesquisa de Marlo Felix. Devido à sua participação em experimentos de vacinação de HIV/AIDS, algumas das trabalhadoras do sexo receberam vistos para entrar nos Estados Unidos para participar em conferências e outras viagens relacionadas às pesquisas. Algumas dessas mulheres têm visitado Porto Rico desde os anos 1990. Elas conversavam sobre viajar a Porto Rico para realizar trabalhos de educação sobre sexo seguro entre pares, particularmente mulheres trans que trabalhavam em parques e nas ruas de bairros predominantemente dominicanos. Elas também discutiram a organização das trabalhadoras do sexo, e a possibilidade de dar início a uma sede da MODEMU em Porto Rico. Certas conversas me levaram a crer que elas viajavam para Porto Rico para vender sexo, mas estas conversas também incluíam referências à visita a Igreja e a amigos parentes que tinham migrado na década anterior. Eventualmente algumas de minhas informantes mudaram-se para Porto Rico. De fato, uma de minhas informantes chave conheceu um homem de Porto Rico em um sítio de internet, subsequentemente casando com ele e mudando-se para a periferia da cidade capital, San Juan.

O quadro teórico desta pesquisa foi desenvolvido a partir de um estudo anterior realizado na República Dominicana e em Cuba, na qual examinei o trabalho sexualizado das mulheres, vinculado ao turismo internacional. Naquele contexto, questionei categorias estáticas de identidade. Por exemplo, dados os arranjos extremamente diversos envolvendo o intercâmbio de sexo por dinheiro que não imprimem uma identidade de trabalhadoras do sexo, eu interroguei a categoria de trabalho sexual. Eu estava interessada nas trocas sexuais e afetivas com estrangeiros e os significados múltiplos ligados a relações e encontros que não eram identificadas como trabalho sexual, mesmo que tais trocas envolvessem diferenças em relação à raça, à classe socioeconômica, à cidadania e à idade. Achei mais fértil centrar-me na fluidez da experiência, no uso do sexo tático e identidades que espelhavam as fronteiras porosas entre “amor” e “dinheiro” (Cabezas, 1998, 2004, 2009). Em outras palavras, nos meus estudos problematizei o que é entendido como trabalho sexual e exploração sexual, pensado através da agência sexual das mulheres e do continuum entre afeto e dinheiro.

Na pesquisa atual em Porto Rico, continuo prestando atenção ao uso racializado que as mulheres fazem do sexo e sexualidade e, a suas conexões com o trabalho e com formas de mobilidade. Para estudar os conhecimentos da diáspora migratória dominicana em Porto Rico, me baseio em análises discursivas para questionar formulações problemáticas como: “escravas sexuais” e “vítimas enganadas do tráfico de pessoas”. Como Kiril Sharapov afirma,

[a forma] como o tráfico de pessoas é problematizado cria um modo de conhecimento social – um discurso. A forma como tal conhecimento é posto em prática resulta em consequências reais para a vida de pessoas cujas vozes podem não ter sido plenamente reconhecidas, ou foram silenciadas por aqueles que constroem esses discursos (2015:1).

Com a ajuda de ex-trabalhadoras do sexo dominicanas que viajam para Porto Rico e moram nesse país identifiquei, próxima a San Juan, uma comunidade receptora de imigrantes com um extenso comércio sexual. Muitas das trabalhadoras do sexo dominicanas que conhecia de Santo Domingo visitavam San Juan com frequência. Imaginei que a análise de cantinas [bares] poderia ser relevante para minha área de investigação, pois as cantinas servem como ponto de entrada para trabalhadoras dominicanas sem documentos. Apesar de ser ilegal que as cantineras [garçonetes] ofereçam serviços sexuais aos clientes, mulheres que trabalham nestes lugares têm de ser “gentis” – emocionalmente efusivas e atenciosas – com os homens clientes, porque seus ganhos e os lucros do bar dependem da quantidade de consumo feita por clientes felizes. Desse modo, de forma mais ampla, o estudo procura investigar as condições de migração e trabalho de migrantes dominicanas que são garçonetes em Porto Rico.

A maioria das pesquisas desenvolvidas sobre as cantineras examinam questões ligadas à sua saúde ocupacional, como o consumo de álcool, estigmas sociais, e o risco de doenças sexualmente transmissíveis (Fernandez-Esquer; Agoff, 2012Fernández-Esquer, Maria Eugenia; Agoff, Maria Carolina. Drinking and Working in a Cantina: Misrecognition and the Threat of Stigma. Culture, Health & Sexuality vol.14, nº4, 2012.; Ayala et al., 1996Ayala, Armida; Carrier, Joseph; Magaña, J. Raúl. The Underground World of Latina Sex Workers In Cantinas. In: Mishra S.I.; Conner R.F.; Magaña J.R. (eds.). AIDS Crossing Borders: The Spread of HIV among Migrant Latinos. Boulder, CO, Westview Press, 1996, pp.425-441.). Poucas pesquisas têm sido realizadas a respeito da exploração dos supervisores e patrões, ou sobre outros fatores de estresse, como a falta de documentos de imigração, dívidas, pressão para prover serviços sexuais aos clientes, e ameaças de violência. Enquanto algumas das pesquisas indicam que cantinas são um nicho de contrabando humano e de tráfico de pessoas (Risley, 2010Risley, Amy. Sex Trafficking: The “Other” Crisis in Mexico? Latin Americanist, vol. 54, nº 1, mar. 2010, pp.99-117.; Ayala et al., 1996Ayala, Armida; Carrier, Joseph; Magaña, J. Raúl. The Underground World of Latina Sex Workers In Cantinas. In: Mishra S.I.; Conner R.F.; Magaña J.R. (eds.). AIDS Crossing Borders: The Spread of HIV among Migrant Latinos. Boulder, CO, Westview Press, 1996, pp.425-441.), não encontrei nenhum estudo que tenha examinado o aspecto do tráfico de pessoas no trabalho em bares, a natureza pública do trabalho dessas mulheres traficadas, ou o contato constante com agentes do Estado.

A seguinte sessão analisa dinâmicas-chave que se interconectam para tornar as mulheres dominicanas que trabalham com sexo em Porto Rico como desvinculadas do discurso do tráfico de pessoas. Essa sessão sobre a história da migração dominicana em direção a Porto Rico indica o modo como gênero e classe, racializados, se combinam com dinâmicas sexuais para criar entendimentos particulares dos emigrados dominicanos. Para as mulheres envolvidas na migração trans caribenha, o plano de fundo socioeconômico e o período histórico estabelecem a recepção e adaptação para o novo ambiente.

Migrações dominicanas para Porto Rico

A ilha de Porto Rico – localizada entre o mar do Caribe e o Oceano Atlântico, a leste da República Dominicana – tem uma posição privilegiada no Caribe devido à sua conexão colonial com os Estados Unidos, o país mais rico das Américas. Desde 1898, quando os Estados Unidos invadiram a ilha durante a Guerra entre Espanha, Cuba e Estados Unidos, Porto Rico tem sido um “território não incorporado pertencendo, mas não fazendo parte dos Estados Unidos” (Duany, 2011Duany, Jorge. Blurred Borders: Transnational Migration between the Hispanic Caribbean and .the United States. University of North Carolina Press, 2011.:6). Os porto-riquenhos não têm acesso à representação governamental no nível Federal – ou seja, eles não possuem todos os direitos constitucionais e obrigações de outros cidadãos estadunidenses –, mas em 1917 eles receberam a cidadania estadunidense, somente para propósitos de imigração (Duany, 2011Duany, Jorge. Blurred Borders: Transnational Migration between the Hispanic Caribbean and .the United States. University of North Carolina Press, 2011.). Desse modo, muitos imigrantes consideram a jornada para Porto Rico como um passo em direção ao objetivo final: entrar no território continental dos Estados Unidos.

A República Dominicana e Porto Rico têm longas histórias de fluxos de migração recíprocos, com muitas pessoas tendo ascendência e cidadania mista. Os dominicanos migraram para Porto Rico em pequenos números até os anos 1960, quando os Estados Unidos invadiram e ocuparam a República Dominicana, forçando famílias de classe média dominicana a migrar para Porto Rico em busca de refúgio. A pequena, mas constante, leva de migrantes fugindo da violência política e ocupação estadunidense começou nos anos 60 e aumentou até os anos 90, quando a implementação do livre comércio e as políticas de ajuste estrutural destruíram a classe média, criando uma nação na qual quase a metade da população vive com menos de um dólar por dia (Programas de las Naciones Unidas, 2005; U.S. Census, 2010U.S. Census. American Factfinder. Hispanic or Latino by Type: 2010 Census Summary File 1, 2010. [http://factfinder.census.gov/faces/tableservices/jsf/pages/productview.xhtml?src=CF].
http://factfinder.census.gov/faces/table...
; Ricourt, 2007). Atualmente, os dominicanos constituem o maior grupo de migrantes irregulares e a população de imigrantes mais visível de Porto Rico.2 2 Eu uso os termos migrantes irregulares e migrantes indocumentados de forma intercambiável ao longo deste artigo. O termo “migrantes irregulares” é usado pela Organização Internacional de Migração (OIM), agência das Nações Unidas. A OIM usa o termo para se referir a “movimentos que se dão fora das normas de reguladoras dos países emissores, de trânsito e acolhimento”. Para ver os termos de migração chave da OIM: https://www.iom.int/key-migration-terms. Este país recebe a segunda maior população de migrantes da diáspora dominicana, depois de Nova York.3 3 De acordo com o censo estadunidense de 2010, existem aproximadamente 3,7 milhões de porto-riquenhos vivendo na ilha. Desses, aproximadamente 68 mil são dominicanos (http://factfinder.census.gov/faces/tableservices/jsf/pages/productview.xhtml?src=CF). Ver também a extensiva pesquisa de Jorge Duany sobre dominicanos em Porto Rico e nos Estados Unidos (2006). E também o trabalho de Milagros Ricourt (2011) e Yolanda Martínez-San Miguel (1998).

Desde o início dos anos 80, os dominicanos têm feito a travessia da perigosa passagem Mona – aproximadamente 129 km – que conecta o Oceano Atlântico e o Mar do Caribe, em busca de melhores perspectivas de vida. Como migrantes irregulares eles empreendem viagens terríveis em navios de pesca improvisados conhecidos como yolas. Eles encontram mares traiçoeiros com ondas de 2 a 4 metros de altura, também lidam com desidratação, brigas de faca, surras, e afogamentos devido a barcos que naufragaram ou a brigas nos barcos superlotados (Dominicans..., 2004Dominicans Saved From Sea Tell of Attacks and Deaths of Thirst. The New York Times, 12 ago. 2004. Acesso em:05 mar. 2008.; Dominican..., 2008Dominican migrant: We ate flesh to survive – A small group turned to cannibalism after being stranded in mid-ocean. TheNew York Times, MSNBC.com, 04 nov. 2008.). As reportagens revelam que os perigos das jornadas incluem barcos perdendo o rumo, canibalismo e a rotina do estupro das mulheres, antes da partida, em trânsito e na chegada dessas jornadas. Ao instalar-se em Porto Rico, os dominicanos se deparam com a recepção concedida aos indesejados por parte da sociedade e cultura porto-riquenha.

Em contraste com os migrantes de classe média, educados, que chegaram a Porto Rico durante os anos 60 e 70, os novos migrantes apresentam um perfil demográfico diferente: predominantemente homens e mulheres, da classe trabalhadora e com níveis de educação mais baixos (Ricourt, 2007). A República Dominicana, apesar de ter uma das economias que mais cresce na América Latina e Caribe, continua a ser uma nação em crise econômica e política. De acordo com o Banco Mundial, os níveis de pobreza são mais altos em 2014 do que eram em 2000.4 4 A pobreza disparou de 32%, em 2000, para quase 50% em 2004, devido à crise política e financeira de 2003, diminuindo gradualmente até 41% em 2013 (World Bank Country, 2015). Essa crise ainda em curso perpetua a violência estrutural que leva milhares de pessoas à realizarem ações arriscadas e a sair do país. Os novos emigrantes também enfrentam a violência estrutural em Porto Rico. Esses novos imigrantes dominicanos chegam a uma ilha que enfrenta vários problemas, incluindo altos níveis de desemprego, violência interpessoal, tráfico de drogas, e uma emigração de 50 mil pessoas por ano.

As novas ondas de imigração têm sido recebidas com sentimentos de hostilidade. Apesar de realizar trabalhos sujos, exigentes e degradantes, os dominicanos em Porto Rico estão sujeitos ao discurso de “imigrantes ilegais” e estão expostos à xenofobia e à discriminação racial em todos os níveis da sociedade e cultura. Eles são o alvo de piadas étnicas, estereótipos, preconceito e brutalidade policial, assim como a discriminação em termos de habitação e de obtenção de empregos. O racismo, estigma, e violência contra os dominicanos têm chamado a atenção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). No relatório do Diretório das Minorias e Indígenas a ACNUR afirma:

Os porto-riquenhos tendem a tipificar os dominicanos como tendo a pele mais escura do que eles e destacam os seus fenótipos com influência africana, nas feições e na textura do cabelo. Assim, os dominicanos em Porto Rico, como os haitianos de pele escura na República Dominicana, acabam por experienciar a intensa estigmatização, estereótipos, preconceito, discriminação, baixo status social e exclusão às quais as pessoas de origem africana têm sido sujeitas por muito tempo nesse país e em outros lugares.

Os dominicanos experienciam a discriminação baseada em suas herança africana, como em outras situações nas quais os “imigrantes ilegais” são sujeitos a preconceito racial, hostilidade e práticas de exclusão, Desse modo, os porto-riquenhos vinculam ser dominicano a ser negro e a polícia regularmente detém porto-riquenhos negros que eles suspeitam ser dominicanos. Existe uma considerável hostilidade direcionada aos dominicanos, particularmente levando em conta a situação de desastre econômico vivida por Porto Rico. Os porto-riquenhos culpam os dominicanos indocumentados pelas últimas décadas de sofrimento econômico, incluindo a recente falência [moratória] da ilha.

Milagros, como vou me referir a ela aqui, me contou que a maioria das imigrantes dominicanas, quando chega, encontra emprego no trabalho doméstico – cuidando de idosos e crianças – ou em bares. A fim de pagar a passagem, Milagros foi diretamente trabalhar em um bar no dia em que chegou. Os bares nos bairros de classes trabalhadoras são espaços homossociais – lugares de lazer e entretenimento para homens, onde a presença de mulheres, ocupando qualquer papel é julgado como moralmente suspeito. Assim, Milagros trabalhou em um local sexualizado de entretenimento, vendendo cervejas, batendo papo e dançando com os clientes. Anos antes, quando ela estava completando 20 anos e com duas crianças jovens para manter, ela trabalhou como cantinera, para sustentar a sua família. Foi em um bar próximo a Santo Domingo que ela aprendeu a vender sexo. Os clientes vinham para passar o tempo: dançavam bachata e merengue, jogavam bilhar, bebiam e procuravam a atenção sexual das garçonetes.

Há um bom número de pesquisas sobre mulheres imigrantes trabalhando em posições sexualizadas de entretenimento nos Estados Unidos e no âmbito transnacional (Parreñas, 2013; Cheng, 2011Cheng, Sealing. On the move for love: Migrant entertainers and the US military in South Korea. University of Pennsylvania Press, 2011.; Ragsdlae; Anders; Philippakos, 2007; Allison, 1994Allison, Anne. Nightwork: Sexuality, Pleasure and Corporate Masculinity in Tokyo Hostess Clubs. Chicago, University of Chicago Press, 1994.). As mulheres dominicanas trabalham em bares fazem parte do domínio do “entretenimento sexualizado” como retratado nesses estudos. “Entretenimento” tem um significado que varia bastante, desde o turismo sexual (Cabezas, 2004Cabezas, Amalia L. Between Love and Money: Sex, Tourism and Citizenship in Cuba and the Dominican Republic. Signs: Journal of Women and Society 29(4), 2004, pp.987-1015.; Piscitelli, 2004Piscitelli, Adriana. Entre a Praia de Iracema e a União Europeia: Turismo Sexual Internacional e Migração Feminina. In: Piscitelli, Adriana; Gregori, Maria Filomena; Carrara, Sergio. Sexualidade e Saberes. Rio do Janeiro, Garamond, 2004, pp.283-318.; Kempadoo, 2001Kempadoo, Kamala. Freelancers, Temporary Wives, and Beach Boys: Researching Sex Work in the Caribbean. Feminist Review 67(1), 2001, pp.39-62.) a clubes de strip-tease (Barton, 2006Barton, Bernadette. Stripped: Inside the Lives of Exotic Dancers. NYU Press, 2006.; Gagné, 2010Gagné, Nana Okura. The Business of Leisure, the Leisure of Business: Rethinking Hegemonic Masculinity through Gendered Service in Tokyo Hostess Clubs. Asian Anthropology 9(1), 2010, pp.29-55.; Frank, 2002Frank, Katherine. G-String and Sympathy: Strip Club Regulars and Male Desire. Durham, Duke University Press, 2002.; Maia, 2012Maia, Suzana. Transnational Desires: Brazilian Erotic Dancers in New York. Nashville, TN, Vanderbilt University Press, 2012.). O “entretenimento sexualizado” compreende modos de recreação que posicionam a sexualidade das mulheres como explorável para o lazer e diversão dos homens. Entretenimento sexualizado é um termo ambíguo, compreendendo formas e modos de trabalho sexualizado que não “contam” como trabalho sexual, embora ocasionalmente envolvam ocasionais trocas de sexo por dinheiro. Tal trabalho combina intimidade e cuidado, mas o entretenimento sexualizado e o comércio de sexo são relacionados, mas não sinônimos. Apesar disso, o entretenimento sexulizado – o trabalho das cantineras – não pode ser definido em oposição à “prostituição” ou “trabalho sexual”.

A ambiguidade do seu trabalho e a ilegalidade do trabalho sexual e da migração indocumentada combinam-se de maneiras poderosas, articulando as vulnerabilidades das mulheres dominicanas. A história do gênero racializado no Caribe, onde os corpos de mulheres negras têm sido construídos como lascivos e hipersexuais, é relevante para a minha análise. Como elas podem ser vulneráveis ou dignas de atenção se habitam as margens da sociedade? A migração indocumentada, o status de minoria racial e de gênero, e as condições de locais de trabalho sexualizado e exploradoras são partes do quebra-cabeça sobre as imigrantes dominicanas em Porto Rico. Que tipos de serviços sociais estão disponíveis para aquelas que experienciam dificuldades e exploração? Elas se qualificam para proteção como vítimas do tráfico de pessoas?

As mulheres dominicanas da classe trabalhadora não são somente racializadas como negras, mas o seu trabalho como cantineras significa que elas estão fora das normas de gênero vinculadas à feminilidade “respeitável”. Elas usam sua sexualidade e emoções no trabalho, o que as constrói como sexualmente desviantes e “perdidas”. Muitas têm uma história no comércio sexual, uma atividade ilícita em Porto Rico. Elas podem não ser claramente coagidas, forçadas e enganadas para migrar ou para vender sexo; no entanto, muitos aspectos de suas jornadas e trabalho são violentos e cheios de enganos e maus tratos. Argumento que a discriminação e a hostilidade sofridas pelas dominicanas indocumentadas são diretamente ligadas à raça, ao status de imigração, a nacionalidade, baixos níveis de educação e baixa posição socioeconômica. Essas vulnerabilidades em particular colocam as mulheres migrantes em risco de sofrerem diferentes formas de abuso, no trabalho, sexuais ou em termos de imigração. Os estereótipos combinados com formas de exclusão social também impedem as dominicanas de serem identificadas como vítimas do tráfico de pessoas e, de receber as formas apropriadas de ajuda e reparação adequados que o Estado disponibiliza para outros sujeitos ditos vulneráveis. Na próxima seção, mostro como o discurso de tráfico de pessoas torna as circunstâncias das mulheres dominicanas ilegíveis e invisíveis.

O protocolo de Palermo e a Eliminação das Mulheres Dominicanas como vítimas de tráfico de pessoas

O fenômeno do tráfico de pessoas é uma questão complexa, como visto nos debates para definir “tráfico” no Protocolo das Nações Unidas para Prevenir, Recriminar e Sancionar Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças (2000), também conhecido como o Protocolo de Palermo.5 5 O Protocolo das Nações Unidas para Prevenir, Repriminar e Sancionar Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças é parte da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Transnacional Organizado (UNTOC), um tratado multilateral patrocinado pela ONU contra o crime organizado transnacional. A convenção foi adotada por uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de novembro de 2000, em Palermo, na Itália. Para esse projeto é importante entender as complexidades do Protocolo de Palermo por três razões. Primeiro, o Ato de Proteção Contra Vítimas do Tráfico de Pessoas [Victims of Trafficking Protection Act] (TVPA), dos Estados Unidos, de 2000 e o Protocolo de Palermo, compartilham uma história e estrutura ideológica comuns; assim, o TVPA sofre das mesmas falhas que o Protocolo de Palermo, do qual emergiu e para o qual responde. Um primeiro caminho para pesquisar em Porto Rico era analisar se as mulheres que trabalhavam em cantinas se qualificavam para o TPVA, uma legislação federal oferecendo serviços sociais e outras ajudas, incluindo dar residência permanente nos Estados Unidos para vítimas confirmadas de tráfico de pessoas.6 6 O TPVA foi assinado como lei pelo Presidente Bill Clinton em outubro de 2000. Pesquisar a aplicação da nova legislação em Porto Rico é um importante passo, pois, como Carole Vance afirma, “A pesquisa das intervenções estatais contra o tráfico de pessoas deve ir além do texto, estudar a prática da política e da lei no campo toma mais tempo e, é muito mais difícil de realizar” (2011:934).

Segundo, as influências, disputas e inconsistências do Protocolo de Palermo são relevantes para o estudo de garçonetes dominicanas trabalhando em Porto Rico, porque eles mostram como a questão do tráfico de pessoas é entendida por agentes governamentais, prestadores de serviços e a população em geral. Terceiro, o Protocolo de Palermo é a fonte global “primária para definir tráfico de pessoas” (Warren, 2007Warren, Kay. The 2000 UN Human Trafficking Protocol: rights, enforcement, vulnerabilities. In: Goodale, Mark; Merry, Sally Engle (eds.). The Practice of Human Rights: Tracking Law between the Global and the Local. Cambridge University Press, 2007, pp.242-269.:245). Nos últimos 15 anos, a definição sobre o tráfico de pessoas do Protocolo de Palermo têm sido incorporada e operacionalizada em leis, políticas públicas e reapresentações da mídia, “tornando difícil pensar, escrever e falar sobre este ‘problema’ fora dos termos de referência estabelecidos” (Sharapov, 2015Sharapov, Kiril. “Traffickers and Their Victims”: Anti-Trafficking Policy in the United Kingdom. Critical Sociology, 2015, pp.1-21.:2).

Fundindo tráfico de pessoas com trabalho sexual

As leis internacionais contemporâneas proibindo o tráfico humano internacional se desenvolveram a partir de dois movimentos das primeiras feministas europeias, do final do século XIX: para reverter regulações estatais injustas e punitivas sobre o trabalho sexual e, para acabar com o “tráfico de mulheres brancas”. Ambos compartilhavam princípios, ideologias e táticas organizacionais que estruturam as leis contemporâneas sobre o tráfico de pessoas. A primeira incongruência na história e concepção do Protocolo de Palermo é, erroneamente, ligar o tráfico de pessoas e o trabalho sexual. Isso se deve, em parte, à conexão histórica vinculada ao que foi chamado, “tráfico de mulheres brancas” no começo do século XX (Doezema, 1999Doezema, Jo. Loose Women or Lost Women? The Re-Emergence of the Myth of White Slavery in Contemporary Discourses of Trafficking in Women. Gender Issues 1, 1999, pp.23-50.). O uso do termo “escrava branca” está associado ao primeiro movimento internacional europeu contra o tráfico de pessoas do final do século XIX, que inicialmente empregou o termo “abolicionista” como um meio de evocar simpatia, conectando seus objetivos com o movimento para acabar com o comércio de escravos de africanos através do Atlântico. No seu estudo do movimento contra o tráfico de pessoas do século XIX, Stephanie Limoncelli assinala que:

jornalistas, geralmente, exageravam ao se referir ao “tráfico de mulheres brancas” com histórias sensacionalistas de jovens mulheres e garotas sendo drogadas, raptadas e vendidas por nefastos estrangeiros, cafetões e cafetinas, algo que racializava, ainda mais, a questão e focava na corrupção de jovens e inocentes garotas europeias (2010:29).

Desde o começo dessa campanha, as narrativas raciais e racistas foram instrumentais para a criação do movimento. Ao utilizar as imagens de abuso conectadas à escravidão e, por implicar os “outros” étnico-raciais como os perpetradores do abuso, as ativistas foram capazes de, eficientemente, dramatizar e articular uma agenda política feminista.

A emergência do movimento europeu feminista do século XIX tentou capitalizar na mobilização transnacional contra a escravidão para aumentar a consciência do Estado, sobre a prostituição regulamentada. Na Inglaterra, por exemplo, as Leis sobre Doenças Contagiosas [Contagious Diseases Acts] (CDA) foram aprovadas em 1864, 1866 e 1869 para prender mulheres da classe trabalhadora que trabalhavam, ou eram suspeitas de trabalhar, no comércio sexual. O CDA deu ao Estado o poder de estabelecer exames mandatórios para infecções venéreas e para encarcerar mulheres com doenças, por períodos de no mínimo três meses em hospitais fechados (Guy, 2000Guy, Donna J. White slavery and mothers alive and dead: The troubled meeting of sex, gender, public health, and progress in Latin America. Vol. 5. University of Nebraska Press, 2000.). Essas leis também regularam a prostituição, legitimando o papel do Estado em licenciar bordéis, com supervisão médica das mulheres para trabalhar no comércio sexual – mas não de seus clientes – por meio de exames ginecológicos compulsórios, cartões de identidade e um sistema de taxas.

Originado em Paris, o sistema estatal de controle britânico de prostituição regulamentada foi usado pelo Estado para criminalizar e estigmatizar as mulheres, particularmente jovens, mulheres da classe trabalhadora que estavam se mudando para as cidades em busca de trabalho nas indústrias da nascente revolução industrial (Walkowitz, 1982Walkowitz, Judith R. Prostitution and Victorian society: Women, class, and the state. Cambridge University Press, 1982.). Baseado na ideia de que trabalhadoras do sexo eram vetores de doenças, os clientes dessas mulheres não eram afetados pelas leis. A noção de desejo masculino como inato e incontrolável sustentou tais leis (Guy, 2000Guy, Donna J. White slavery and mothers alive and dead: The troubled meeting of sex, gender, public health, and progress in Latin America. Vol. 5. University of Nebraska Press, 2000.:17). O sistema de vigilância policial e supervisão médica do trabalho sexual ficou conhecido como prostituição regulamentada e se espalhou por muitas cidades europeias e suas colônias.7 7 Atualmente, nos Estados Unidos, a única prostituição que é legalizada é a dos bordéis rurais do [Estado do] Nevada.

Similar ao movimento social para acabar com a CDA na Inglaterra, que se baseava numa crítica do padrão moral, o movimento para erradicar o “tráfico de mulheres brancas” sustentava que a prostituição era uma forma de exploração e abuso de gênero. A migração de mulheres europeias para as colônias do Sul Global – para cidades como Havana, Buenos Aires e Johanesburgo – aumentou a atenção em relação à segurança das mulheres que migravam sozinhas. Os reformadores temiam que como viajantes desacompanhadas as mulheres estivessem sob o risco da exploração sexual masculina, particularmente de maus tratos por “outros” grupos étnico-raciais (Guy, 2000Guy, Donna J. White slavery and mothers alive and dead: The troubled meeting of sex, gender, public health, and progress in Latin America. Vol. 5. University of Nebraska Press, 2000.). A migração de mulheres também aumentou um pânico moral sobre as relações sexuais inter-raciais nas colônias. O medo de mulheres europeias casando, coabitando, e vendendo sexo para homens racializados era uma particular apreensão vinculada ao movimento.

O movimento transnacional para acabar com a “escravidão de mulheres brancas” compreendia, principalmente, duas organizações de voluntários compostas de sufragistas, reformadores religiosos, políticos socialistas e grupos de homens da classe trabalhadora. A Federação Abolicionista Internacional [International Abolitionist Federation], um grupo de feministas liberais, inicialmente organizado para terminar com a “exploração sexual de mulheres”, contudo, foi cautelosa no que se refere a apoiar políticas que criminalizassem as mulheres trabalhando no comércio sexual. O segundo grupo de defensores, o Escritório Internacional [International Bureau], que Limoncelli chamou de “reformadores da pureza”, estava sobretudo interessado em impor padrões sexuais morais contra a homossexualidade, obscenidade, prostituição e qualquer relação fora do casamento. O Escritório Internacional clamava pela erradicação da prostituição. Entre esses dois grupos não existia uma clara definição do que constituía “exploração sexual” e tráfico de pessoas. Como Limoncelli afirma: “Tráfico de pessoas era o termo guarda-chuva para uma variedade de preocupações envolvendo gênero, sexualidade, raça, etnicidade e nacionalidade” (Limoncelli, 2010Limoncelli, Stephanie A. The politics of trafficking: The first international movement to combat the sexual exploitation of women. Stanford University Press, 2010.:68). Em última análise, essa falta de consenso resultou em ambos os grupos trabalhando com agentes estatais e formuladores de políticas públicas para fomentar o medo a respeito do controle imigratório, “estrangeiros indesejáveis” e, a sexualidade das mulheres fora do casamento. Ao enquadrar o movimento como um esforço humanitário visando proteger as mulheres, os grupos fomentaram a criação de regulações que limitaram a mobilidade das mulheres e apagaram sua agência sexual.

No século XXI, o tráfico de pessoas continua ser um termo “guarda-chuva”, abrangendo medos sobre a sexualidade das mulheres, imigração irregular, e “outros” em termos raciais. A falta de uma concordância e definição precisa a respeito do termo tráfico de pessoas e “exploração sexual” continua a assombrar os instrumentos de políticas internacionais atuais, como o Protocolo de Palermo e o TVPA. Essa ambiguidade permite que “tráfico de pessoas” seja utilizado para aludir a formas díspares de trabalho sexual, contrabando de migrantes, e práticas análogas à escravidão. A ausência de consenso entre defensores e organizações feministas tem, mais uma vez, permitido que agentes do Estado controlem o discurso em relação aos direitos humanos de mulheres migrantes (Ditmore; Wijers, 2003Ditmore, Melissa; Wijers, Marjan. The Negotiations on the UN Protocol on Trafficking in Persons. Nemesis 4, 2003, pp.79-88.).

Vários acadêmicos têm analisado a re-emergência do pânico moral, similar aos esforços do Escritório Internacional para impor uma agenda moral em relação à sexualidade das mulheres migrantes (Kapur, 2012Kapur, Ratna. Cross-border Movements and the Law: Repeating the Boundaries of Difference. In: Kempaddo, Kamala et al.(ed.) Trafficking and Prostitution Reconsidered: New Perspectives on Migration, Sex Work, and Human Rights. Boulder, Colorado, Paradigm Publishers, 2012, pp. 25-42.; Limoncelli, 2010Limoncelli, Stephanie A. The politics of trafficking: The first international movement to combat the sexual exploitation of women. Stanford University Press, 2010.; Bernstein, 2007Bernstein, Elizabeth. The Sexual Politics of the “New Abolitionism”. Differences: A Journal of Feminist Cultural Studies 18(3), 2007, pp.128-151.). Certos subsetores do debate sobre o tráfico de pessoas operam, mais uma vez, com descrições de mulheres que as apresentam como vítimas indefesas que precisam ser resgatadas.8 8 Atualmente, a organização mais conhecida é a Coalition Against Trafficking in Women [Coalizão contra o Tráfico de Mulheres] (CATW), uma organização internacional com base nos Estados Unidos. A CATW procura o fim da demanda por serviços sexuais, e propõem fazer isso advogando a abolição de todas as formas de prostituição. Ao longo dos últimos 15 anos uma série de disputas ideológicas surgiram nos Estados Unidos e na arena internacional entre ativistas, formuladores de políticas públicas, acadêmicos e trabalhadoras do sexo – para nomear apenas algumas das partes interessadas. Os discursos moralizadores contra a prostituição são usados por feministas, evangélicos, e a direita religiosa, e tendem a ser heteronormativos e contra o trabalho sexual, ao mesmo tempo que ignoram meninos, homens e transexuais como vítimas de tráfico de pessoas. O estudioso do direito Ratna Kapur sintetiza o enigma da seguinte maneira:

No centro da confusão que reforça o discurso contemporâneo sobre tráfico de pessoas estão, por um lado, a fusão do tráfico de pessoas com várias manifestações de migração e mobilidade, e, por outro lado, com a prostituição e o trabalho sexual (Kapur, 2012Kapur, Ratna. Cross-border Movements and the Law: Repeating the Boundaries of Difference. In: Kempaddo, Kamala et al.(ed.) Trafficking and Prostitution Reconsidered: New Perspectives on Migration, Sex Work, and Human Rights. Boulder, Colorado, Paradigm Publishers, 2012, pp. 25-42.:27).

Para Ditmore e Wijers (2003Ditmore, Melissa; Wijers, Marjan. The Negotiations on the UN Protocol on Trafficking in Persons. Nemesis 4, 2003, pp.79-88.:79), o pânico moral se relaciona ao fato de existir uma “subjacente falta de consenso entre duas visões sobre o diametralmente opostas sobre o trabalho sexual”: a abolicionista e a do Human Rights Caucus.9 9 Muito têm sido escrito sobre as visões opostas em torno do trabalho sexual, aqui reduzido apressadamente entre os grupos abolicionistas contra o Human Right Caucus. Não é o meu propósito me aprofundar sobre este tema s neste artigo. Para isso, ver os trabalhos de Kempadoo (2001); Doezema (2002); Bernstein (2007) e Juliano (2002).

O campo abolicionista enxerga todo trabalho sexual como uma forma de escravidão, não importando as condições de trabalho e o desejo das mulheres de trabalhar na indústria do sexo. Sua compreensão é que o trabalho sexual é uma instituição patriarcal que deve ser abolida. Contudo, o seu foco em erradicar a prostituição é problemático, visto que ela é a única instituição patriarcal que desejam eliminar, sem levar em consideração o casamento e outras manifestações socioeconômicas de controle sobre as mulheres (Chew, 2012). Independentemente do consentimento ou participação voluntária das mulheres, a facção abolicionista não reconhece diferenças nas experiências de trabalho sexual. O seu discurso foca em mulheres sem menção a meninos e homens, ou a apreensão das dificuldades de mulheres transexuais e de outras pessoas fora da heteronormatividade.10 10 Sobre problematizar as correntes de trabalho de cuidado e migração, ver Manalansan IV (2008). Também não existe um debate ou agenda para erradicar outras formas de exploração baseada em gênero, como o trabalho doméstico. O TVPA é alinhado com a visão abolicionista.

O Human Rights Caucus sustenta que devem ser consideradas as condições de trabalho (forçado) em todas as indústrias, não somente na indústria do sexo (Ditmore; Wijers, 2003Ditmore, Melissa; Wijers, Marjan. The Negotiations on the UN Protocol on Trafficking in Persons. Nemesis 4, 2003, pp.79-88.). O grupo apoia uma

vasta e inclusiva definição para cobrir todo o tráfico de pessoas para trabalho forçado, escravidão e servidão, sem importar a natureza do trabalho, os serviços oferecidos ou o sexo da pessoa traficada (Ditmore; Wijers, 2003Ditmore, Melissa; Wijers, Marjan. The Negotiations on the UN Protocol on Trafficking in Persons. Nemesis 4, 2003, pp.79-88.:81).

Eles questionam o Estado, argumentando que o Estado joga um papel camuflado, ao criar, criminalizar e exacerbar o abuso dos migrantes não autorizados. A ênfase excessiva no componente sexual possibilita ao Estado se situar em um terreno moral elevado. Como Kamala Kempadoo afirma:

o pânico que diz respeito ao “tráfico de mulheres” tem convenientemente ajudado a eclipsar a exploração de migrantes patrocinada pelo Estado, e concede uma face “benevolente” e “paternalista” a guardas fronteiriços que são notórios por seus abusos sistemáticos aos migrantes (Kempadoo, 2005Kempadoo, Kamala. Victims and Agents of Crime: The New Crusade against Trafficking. In: Sudbury, Julia (ed.). Global Lockdown: Race, Gender, and the Prison-Industrial Complex. New York; London, Routledge, 2005, pp.35-55.:22).

Desse modo, essa abordagem procura por uma maior visibilidade e responsabilidade por parte do Estado nas discussões sobre tráfico de pessoas. Essa perspectiva também requer uma separação entre tráfico de pessoas e trabalho sexual, porque a falta dessa diferenciação ignora e subestima outras situações de exploração laboral nas quais mulheres migrantes estão trabalhando sob coerção e situações de violência sexual. Mesmo não sendo do escopo deste artigo detalhar tais situações, o enquadramento ideológico do regime legal sobre o tráfico de pessoas tem implicações no movimento das mulheres dominicanas através das fronteiras em Porto Rico.

Associando mulheres com crianças

A ênfase do marco ideológico de referência do Protocolo de Palermo nas “mulheres e crianças”, responde à ideia que interpreta todo trabalho sexual como tráfico de pessoas. Essa linguagem não apenas infantiliza mulheres, retirando sua agência, mas também reforça a imagem de jovens vítimas inocentes, de culturas subdesenvolvidas e atrasadas como a das principais vítimas. Como Hua e Nigorizawa afirmam, “[o protocolo] constrói um estereótipo da ‘vítima indefesa’ que liga a feminilidade à dependência e o ser ‘outro’ racial com o desvio cultural” (2010:402). O protocolo tenta promover uma linguagem de gênero neutra, contudo, ele iguala a vulnerabilidade das mulheres à das crianças em ao menos três momentos, incluindo o título. Em sua análise do protocolo como um texto legal, Warren destaca essa configuração: “Associando vulnerabilidade com o gênero feminino e crianças dependentes é uma imagem muito potente para a construção de vítimas que vale a pena salvar” (2007:247). O protocolo ao focar em “mulheres e crianças” e “tráfico de pessoas para a exploração sexual comercial” permite que muitos Estados e indivíduos interpretem o protocolo como se ele aludisse a “‘escravos sexuais’ que trabalham em situações extremamente abusivas, degradantes e violentas” (Warren, 2007Warren, Kay. The 2000 UN Human Trafficking Protocol: rights, enforcement, vulnerabilities. In: Goodale, Mark; Merry, Sally Engle (eds.). The Practice of Human Rights: Tracking Law between the Global and the Local. Cambridge University Press, 2007, pp.242-269.:250). Numa aplicação prática, essas derrapagens relegam às margens situações de exploração encontradas no trabalho doméstico e agrícola, e excluem trabalhadoras sexuais e garçonetes que não se enquadram nos estereótipos de mulheres indefesas e vítimas sexuais. Consequentemente, mulheres racializadas que trabalham na economia “cinza” do entretenimento sexual são, por definição da lei, omitidas dessas considerações. As mulheres dominicanas, migrantes em Porto Rico, racializadas pela história das relações entre Porto Rico e a República Dominicana, são excluídas dos entendimentos legais do tráfico de pessoas. Trabalhando na economia cinza do entretenimento sexual, sua exploração sexual permanece invisível no marco das leis internacionais contra o tráfico de pessoas.

Para compreender como a lei é implementada, iniciei esta pesquisa identificando prestadores de serviços e agentes estatais responsáveis por oferecer serviços de apoio às vítimas. Como Jennifer Lynne Musto (2010)Musto, Jennifer Lynne. The NGO-ification of the Antitrafficking Movement in the United States: A Case Study of the Coalition to Abolish Slavery and Trafficking. In: Zheng, Tiantian (ed.). Anti-Trafficking, Human Rights and Social Justice. New York; London, Routledge, 2010, pp.23-36. afirma “Como mediadores entre pesquisadores e pessoas traficadas, prestadores de serviços sociais criam e disseminam definições e ideologias particulares sobre o tráfico de pessoas”. Na próxima seção, eu examinarei entrevistas com prestadores de serviços sociais para determinar como os discursos sobre o tráfico de pessoas operam com relação às mulheres dominicanas.

Serviço social e tráfico de pessoas

Apesar da hipervisibilidade dos dominicanos e da familiaridade com eles, havia uma recusa desenfreada por parte de agentes governamentais e não governamentais em reconhecer a existência de tráfico de pessoas nessa população. Na fase inicial desta investigação, procurei agências do governo, organizações não governamentais e de mulheres, particularmente, aquelas que davam assistência à imigrantes dominicanas ou que trabalhavam com a prevenção de HIV/AIDS e com trabalhadoras do sexo. Também investiguei a rede de abrigos que ofereciam serviços a mulheres vítimas de violência íntima por parte de seus parceiros. Nesta seção, discuto os dados obtidos em entrevistas com organizações governamentais e não governamentais. Descobri que existe uma grande separação dos serviços, dificultando o seu acesso, combinada com a ausência geral de conhecimento e informação por parte dos prestadores de serviço sobre o tráfico de pessoas. Isso confirma a pesquisa de Rey-Hernández e Hernández-Angueira (2010)Rey-Hernández, Cesar A.; Hernández-Angueira, Luisa. Human Trafficking in Puerto Rico: An Invisible Challenge. Protection Project. The Johns Hopkins University, 2010..

O Departamento de Serviços da Família, em Porto Rico, uma agência governamental local, presta serviços a crianças e adolescentes, mas para adultos não há uma entidade análoga dirigida apenas para vítimas de tráfico de pessoas.11 11 No território continental estadunidense, o departamento de segurança nacional é responsável por responder a casos de tráfico de pessoas, contudo, diferentes níveis de agência trabalham diretamente com essas vítimas para atender suas necessidades e direitos. Como resultado, a abordagem para do tráfico de seres humanos é a ênfase na criminalização e na segurança, em detrimento de serviços sociais. Para uma leitura complementar e pesquisa no tema de atendimento ao tráfico de pessoas, ver Shigekane (2007) e Simeunovic-Patic (2005). Parte dos prestadores governamentais de serviço social confirmou a ausência de serviços sociais para pessoas sujeitas ao tráfico de pessoas; outros rejeitaram a noção de que as migrantes dominicanas fossem vulneráveis à formas de exploração laboral e de abusos vinculados ao contrabando de migrantes, precisando, então, de serviços sociais. De fato, como mencionei no começo deste artigo, um agente do governo, quando perguntei sobre os serviços sociais para “vítimas do tráfico de pessoas” imediatamente negou a existência desse problema. Ele argumentou que o problema era mais relevante em países europeus, fazendo referência a migrantes e refugiados de países do Oriente Médio e da África, sobre os quais recentemente circularam notícias na mídia, mas que tal fato não ocorria em Porto Rico. Perguntei sobre essa ausência de serviços para dominicanas vítimas do tráfico de pessoas a um professor que trabalhava em programas sociais comunitários para imigrantes dominicanos da classe trabalhadora. Ele foi enfático em sua revolta:

Eu iniciei esses projetos em 2006, eu tenho trabalhado aqui há seis anos. Viver tão perto da República Dominicana me choca... porque eu posso entender a relação com Cuba, pelo bloqueio econômico, mas vivendo tão perto! O voo para a República Dominicana leva 30 minutos, 35 no máximo!

Perplexo com o porquê do silêncio e do esquecimento geral diante do apelo de migrantes transnacionais dominicanos, esse professor não conseguia explicar a invisibilidade da comunidade imigrante, como um todo, dada a proximidade geográfica e cultural e as conexões históricas.

Fiquei feliz em saber da existência de uma ONG “onde eles vão te falar tudo sobre o tráfico de pessoas dominicanas”. Quisqueya, como eu chamo essa organização não governamental na região metropolitana de San Juan, recebe assistência financeira do governo federal para ajudar mulheres dominicanas em assuntos de saúde e imigração. Nas entrevistas com os representantes dessa organização, no entanto, eu apreendi que eles não receberam nenhum caso relacionado ao tráfico de pessoas, pois seu principal foco eram “vítimas de violência doméstica”. Além disso, a assistência legal oferecida na ONG não trabalha casos que envolvem disputas laborais e exploração no espaço de trabalho. Os maus tratos de trabalhadoras domésticas e mulheres trabalhando em bares não são legalmente reconhecíveis por conta da nebulosidade na qual as mulheres operam como trabalhadoras não autorizadas e moralmente suspeitas. Essa organização me deixou a impressão de que para trabalhadoras sem documentos há um grande potencial de experienciar brutalidades e de que os modos para resolver maus tratos e crueldade são limitados ou inexistentes. A ausência de projetos para ajudar mulheres traficadas na Quisqueya não se encaixava com a referência dessa organização como aquela que sabia “tudo sobre o tráfico de pessoas”. Não está claro se minha fonte estava fundindo violência doméstica com tráfico de pessoas, mas os entrevistados destacaram a ausência de recursos e a pouco clara definição de tráfico de pessoas.

Representantes das ONGs fazendo trabalho educacional para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis entre a comunidade dominicana pareciam ter um melhor entendimento dos casos potenciais do tráfico de pessoas. Em uma entrevista, um desses trabalhadores sugeriu que não eram somente os porto-riquenhos donos de bares que empregavam mulheres sem documentos, mas também empresários e donos de negócio dominicanos. Assim, esse interlocutor revelou:

[O tráfico de dominicanas] é algo que já está dentro da comunidade, os clientes são principalmente da mesma comunidade dominicana. Quanto às mulheres, veja, você encontra dois tipos de mulheres nesses negócios. Você vai encontrar aquela no bar, que tende a ser, em muitos casos, aliada do dono do negócio, porque ela está fazendo sua parte. Sim, ela vende bebidas, mas ela está monitorando o negócio, porque quando você está atrás do balcão, você tem uma completa visão do negócio. Existem as garotas que oferecem companhia, que quando um homem entra, elas estão com eles para negócios. Elas te fazem companhia, você divide drinques e se você desejar isso se torna um tipo de trabalho sexual (San Juan, maio de 2014).

Essa fala indica que traficantes e “vítimas” estão localizados nas mesmas comunidades étnico-raciais e podem ser do mesmo gênero. Como muitos estudos anteriores de ONGs que trabalham com comunidades imigrantes e se preocupam com mulheres traficadas tornam evidente (Feingold, 2005Feingold, David. Human Trafficking. Foreign Policy 150, set-out. 2005, pp.26-32.; Jacobsen; Skilbrei, 2010Jacobsen, Christine; Skilbrei, May-Len. Reproachable Victims? Representations and Self-Representations of Russian women Involved in Transnational Prostitution. Ethnos: Journal of Anthropology 75(2), 2010, pp.190-212.) que a realidade é muito mais complexa do que a visão dominante na mídia, na qual prevalece a imagem de traficantes de pessoas de outros locais ligados ao crime organizado. Em muitos casos, as que podem facilitar práticas coercitivas e abusivas são de dentro das comunidades imigrantes, com quem as mulheres têm algum tipo de relação preexistente (namorados, maridos, amigos, amantes ou parentes). A pessoa responsável por induzir ou coagir alguém a uma relação de exploração, pode ser ao mesmo tempo um traficante e uma vítima. Uma mulher também pode ser uma “colaboradora” – trabalhando com o dono de um bar e não necessariamente vendendo sexo – e ainda experienciar formas de trabalho abusivo. Resumindo, podem ser e frequentemente são pessoas das redes das mulheres, com quem elas continuam a interagir – que formam parte das redes e organizações de pessoas nos países receptores e emissores que facilitam e participam de processos de gerenciamento e de maus tratos. Podem existir muitas áreas que desestabilizam a ideia de que o tráfico de pessoas está conectado a despóticos grupos de fora e que apontam para relações múltiplas, obrigações e papéis em constante modificação nas migrações irregulares.

A organização mais visível e com voz mais marcante que realiza pesquisas sobre tráfico de pessoas é a Fundação Ricky Martin (RMF), que foi batizada com o nome do famoso cantor, ator e ativista humanitário porto-riquenho. O trabalho da RMF suscita duas questões separadas e importantes: 1) a influência do Protocolo de Palermo sobre o discurso do tráfico de pessoas no que diz respeito a fusão entre mulheres e crianças; e 2) a ausência de serviços dirigidos às necessidades de mulheres traficadas. Na primeira publicação da RMF, Tráfico de Pessoas em Porto Rico: um desafio invisível [Human Trafficking in Puerto Rico: An Invisible Challenge] (2010), os autores tentam oferecer um panorama do tráfico de pessoas em Porto Rico, mas destacam sobretudo o tráfico de crianças, que tratam como intercambiável com o tráfico de mulheres, um tema secundário no estudo (Rey-Hernández; Hernández-Angueira, 2010Rey-Hernández, Cesar A.; Hernández-Angueira, Luisa. Human Trafficking in Puerto Rico: An Invisible Challenge. Protection Project. The Johns Hopkins University, 2010.). Seguindo o precedente estabelecido pelo Protocolo de Palermo e o TVPA, o estudo vincula crianças e adolescentes com mulheres, confunde as duas situações porque obscurece as causas do tráfico de pessoas e assim inibe medidas efetivas de prevenção. A influência do Protocolo de Palermo também está presente na segunda publicação da RMF, Tráfico de pessoas: escravidão moderna em Porto Rico [Human Trafficking: Modern Slavery in Puerto Rico] (2014). Mais uma vez, a discussão no que diz respeito às mulheres confunde tráfico de mulheres com tráfico de crianças e de casos de crianças que foram vítima de abuso em suas famílias ou no sistema de proteção (abrigos e famílias acolhedoras) (Rey-Hernández; Hernández-Angueira, 2014Rey-Hernández, Cesar A.; Hernández-Angueira, Luisa. Human Trafficking: A New Modality of Slavery in Puerto Rico. Ricky Martin Foundation Corporation, 2014.). A RMF, com uma missão clara de ativismo e defesa dos direitos das crianças e adolescentes, não é uma ONG apropriada para assistir mulheres. Na verdade, as necessidades específicas das mulheres não são incorporadas à agenda da RMF. Em 2014, essa organização criou um programa social para a juventude “em risco” em Porto Rico. Nesse momento, está claro que a missão da RMF não estará dirigida para as necessidades de pessoas adultas vítimas do tráfico de pessoas. Enquanto a RMF é a única organização, especificamente, a trabalhar com a conscientização sobre o tráfico de pessoas, seu discurso, apoiado no Protocolo de Palermo, funde mulheres e crianças e define o tráfico de um modo que exclui mulheres dominicanas que trabalham no entretenimento sexualizado.

Finalmente, o contato com uma ONG que fazia um trabalho de prevenção ao HIV/AIDS em locais voltados ao entretenimento sexualizado revelou a problemática das mulheres dominicanas trabalhando em contextos nos quais havia condições de trabalho escandalosas. Francisca, uma assistente social, identificou a ligação entre o tráfico de pessoas e outras formas de exploração laboral em serviços realizados por migrantes sem documentos:

em cafés, todos os cafés aqui em Porto Rico, quase todos os trabalhadores são dominicanos! Pode ser que em termos de trabalho, o tráfico de pessoas não esteja apenas nos bares; ele está no abuso em termos de trabalho. Eu imagino que também [mulheres que estão aqui] trabalhando nas casas ilegalmente também são abusadas! (San Juan, 2014).

A referência de Francisca às trabalhadoras domésticas dominicanas, mulheres trabalhando em casas de família, cafés e bares, sugere que as condições de exploração estão disseminadas. Além disso, ela sugere que o tráfico de pessoas está também presente em outras formas de trabalho, não somente no trabalho sexual. Francisca estende sua análise, pois, o conceito de tráfico de pessoas tem sido exclusivamente vinculado ao trabalho sexual. De fato, as casas de família são locais perigosos de trabalho para mulheres devido a sua natureza privada e às poucas oportunidades para que elas denunciem situações de exploração. Sua fala revela uma ampliação do conceito de tráfico humano que incorpora uma variedade de situações. Contudo, o trabalho doméstico e outras situações similares estão ocultos, porque não existe um discurso ou marco legal que trate da exploração e do desrespeito às leis trabalhistas, no que tange às trabalhadoras sem documentos quando elas são mulheres adultas racializadas que trabalham nos interstícios do comércio do sexo.

Não pude encontrar nenhuma ONG na região metropolitana de San Juan oferecendo ajuda legal, em termos de saúde ou outros tipos de serviços sociais para dominicanas sem documentos, especialmente aquelas submetidas ao tráfico de pessoas. A necessidade de provar que qualquer indivíduo é uma vítima do tráfico de pessoas, combinada com os requisitos que encaixam essa pessoa em um perfil de vítima contribuem para tornar a conscientização e os serviços sociais em um terreno árido e improdutivo.

Este artigo não procura que as dominicanas sejam identificadas como vítimas do tráfico de pessoas para serem “resgatadas” por prestadores de serviços sociais. A construção social da categoria “vítima do tráfico de pessoas” é problemática por muitas razões, uma delas é o modo pelo qual reforça pressupostos racistas e sexistas e marginaliza ainda mais a agência das mulheres. Certamente, o tropo comum dessa vitimização, que retrata

uma jovem e inocente mulher que procura uma vida melhor, longe de suas raízes rurais, respondendo um anúncio para se tornar uma garçonete ou babá e acaba se tornando uma escrava sexual, repetidamente estuprada, brutalizada e revendida a outros cafetões mafiosos (Lobasz, 2009)

não se aplica as cantineras dominicanas. Os marcos de referência e as narrativas dominantes sobre o que constitui uma “vítima” não podem ser aplicadas às trabalhadoras sexuais e às cantineras, uma vez que a atual cruzada moral produz um “olhar colonial” que reforça o racismo, o sexismo e pressupostos heterossexistas sobre a sexualidade das mulheres migrantes. Acadêmicas/as feministas e queers e juristas têm desestabilizado as percepções e representações sobre as vítimas de tráfico de pessoas e sua alegada vulnerabilidade como uma forma de violência, chamando atenção para a necessidade de elaborar alternativas ao marco discursivo e legal em vigor. Contudo, estou sugerindo que o atual paradigma discursivo marginaliza certas populações.

Conclusões

Meus resultados preliminares de pesquisa sugerem que os supostos e as categorias que produzem uma narrativa específica contra o tráfico de pessoas não pode ser aplicada para solucionar e reparar as condições racializadas do trabalho das mulheres no entretenimento sexualizado. A invisibilidade das dominicanas é produto da intersecção de três elementos que delineei neste artigo: as relações históricas da migração dominicana marcada por raça e classe; o marco legal internacional e a implementação local de discursos sobre o tráfico de pessoas. Argumento que o fracasso, em termos de enxergar e enfrentar a vulnerabilidade de mulheres migrantes não é o produto de uma causa única (nem de um único protagonista ruim – embora possam existir vários maus atores). O paradoxo que encontrei é a invisibilidade da população dominicana em Porto Rico combinada com a hostilidade racial em relação a sujeitos racializados hipervisíveis e percebidos como criminosos, ladrões de empregos e sexualmente desviantes. Este artigo examinou não somente a recusa oficial de reconhecimento do tráfico de pessoas entre mulheres dominicanas, mas também mostrou que a conjunção com sua onipresença em locais de trabalho íntimos, frequentemente sexualizados (como as cantinas e os espaços domésticos e de cuidado), elas se tornam ilegíveis em termos de serem merecedoras de reconhecimento e apoio.

Para trabalhos futuros, estou interessada em examinar os modos como a política econômica dos negócios, consumidores e governo lucram com a dependência e invisibilidade de um “outro” racial não cidadão, que é discursivamente ilegível e invisível como sujeito frágil e vulnerável. Como podem as migrantes dominicanas, trabalhadoras sexuais, garçonetes e trabalhadoras domésticas, serem legal e socialmente reconhecíveis como merecedoras de assistência e apoio social? O que acontece com esses “outros raciais e sexuais” – mulheres trans, trabalhadoras do sexo, pessoas que estão fora dos padrões, em termos de gênero – que são excluídos da narrativa contra o tráfico de pessoas? Essas são algumas das perguntas que tentarei responder ao longo do projeto que estou desenvolvendo.

Este artigo sublinhou alguns dos problemas associados com a construção discursiva do tráfico de pessoas em relação às mulheres dominicanas em Porto Rico. Apesar das condições de exploração laboral sob as quais a maioria das imigrantes dominicanas trabalha em Porto Rico serem merecedoras de preocupação, no que diz respeito às políticas públicas e aos serviços sociais, essas condições de trabalho não são reconhecíveis. A construção social das mulheres dominicanas como “negras” e “imigrantes ilegais” não se ajusta à imagem de “escrava sexual” ou de vítima vulnerável merecedora de assistência e reconhecimento como respeitáveis sujeitos de cidadania. Travessias ilícitas através de fronteiras nacionais por sujeitos não heteronormativos produzem sujeitos não reconhecíveis que são, na melhor das hipóteses, difíceis de representar – e então, não dignos de atenção – e, na pior das hipóteses, merecedores de abuso.

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  • Zhang, Sheldon X. Beyond the “Natasha” Story: A Review and Critique of Current Research on Sex Trafficking. Global Crime 20(3), 2009, pp.178-95.
  • 1
    Esta pesquisa foi aprovada pela Universidade da Califórnia, Riverside, Protocolo de Seres Humanos HS-13-109, “De Musa do Amor à Trabalh0adora do Sexo: A Transformação de Cantineras Mexicanas e Porto Riquenhas”. Eu gostaria de agradecer a assistência na pesquisa de Marlo Felix. Devido à sua participação em experimentos de vacinação de HIV/AIDS, algumas das trabalhadoras do sexo receberam vistos para entrar nos Estados Unidos para participar em conferências e outras viagens relacionadas às pesquisas.
  • 2
    Eu uso os termos migrantes irregulares e migrantes indocumentados de forma intercambiável ao longo deste artigo. O termo “migrantes irregulares” é usado pela Organização Internacional de Migração (OIM), agência das Nações Unidas. A OIM usa o termo para se referir a “movimentos que se dão fora das normas de reguladoras dos países emissores, de trânsito e acolhimento”. Para ver os termos de migração chave da OIM: https://www.iom.int/key-migration-terms.
  • 3
    De acordo com o censo estadunidense de 2010, existem aproximadamente 3,7 milhões de porto-riquenhos vivendo na ilha. Desses, aproximadamente 68 mil são dominicanos (http://factfinder.census.gov/faces/tableservices/jsf/pages/productview.xhtml?src=CF). Ver também a extensiva pesquisa de Jorge Duany sobre dominicanos em Porto Rico e nos Estados Unidos (2006). E também o trabalho de Milagros Ricourt (2011) e Yolanda Martínez-San Miguel (1998)Martínez-San Miguel, Yolanda. De ilegales e indocumentados: representaciones culturales de la migración dominicana en Puerto Rico. Revista de ciencias sociales 4, 1998, pp.147-172..
  • 4
    A pobreza disparou de 32%, em 2000, para quase 50% em 2004, devido à crise política e financeira de 2003, diminuindo gradualmente até 41% em 2013 (World Bank Country, 2015World Bank. Country Overview: Dominican Republic, 08 set. 2015. [http://www.worldbank.org/en/country/dominicanrepublic/overview – acesso em: 10 fev. 2016].
    http://www.worldbank.org/en/country/domi...
    ).
  • 5
    O Protocolo das Nações Unidas para Prevenir, Repriminar e Sancionar Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças é parte da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Transnacional Organizado (UNTOC), um tratado multilateral patrocinado pela ONU contra o crime organizado transnacional. A convenção foi adotada por uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de novembro de 2000, em Palermo, na Itália.
  • 6
    O TPVA foi assinado como lei pelo Presidente Bill Clinton em outubro de 2000.
  • 7
    Atualmente, nos Estados Unidos, a única prostituição que é legalizada é a dos bordéis rurais do [Estado do] Nevada.
  • 8
    Atualmente, a organização mais conhecida é a Coalition Against Trafficking in Women [Coalizão contra o Tráfico de Mulheres] (CATW), uma organização internacional com base nos Estados Unidos. A CATW procura o fim da demanda por serviços sexuais, e propõem fazer isso advogando a abolição de todas as formas de prostituição.
  • 9
    Muito têm sido escrito sobre as visões opostas em torno do trabalho sexual, aqui reduzido apressadamente entre os grupos abolicionistas contra o Human Right Caucus. Não é o meu propósito me aprofundar sobre este tema s neste artigo. Para isso, ver os trabalhos de Kempadoo (2001)Kempadoo, Kamala. Freelancers, Temporary Wives, and Beach Boys: Researching Sex Work in the Caribbean. Feminist Review 67(1), 2001, pp.39-62.; Doezema (2002)Doezema, Jo. Who Gets to Choose? Coercion, Consent, and the UN Trafficking Protocol. Gender and Development, vol. 10, nº 1, 2002, pp.20-27.; Bernstein (2007)Bernstein, Elizabeth. The Sexual Politics of the “New Abolitionism”. Differences: A Journal of Feminist Cultural Studies 18(3), 2007, pp.128-151. e Juliano (2002)Juliano, Dolores. La prostitución: el espejo oscuro. Barcelona, Icaria, 2002..
  • 10
    Sobre problematizar as correntes de trabalho de cuidado e migração, ver Manalansan IV (2008).
  • 11
    No território continental estadunidense, o departamento de segurança nacional é responsável por responder a casos de tráfico de pessoas, contudo, diferentes níveis de agência trabalham diretamente com essas vítimas para atender suas necessidades e direitos. Como resultado, a abordagem para do tráfico de seres humanos é a ênfase na criminalização e na segurança, em detrimento de serviços sociais. Para uma leitura complementar e pesquisa no tema de atendimento ao tráfico de pessoas, ver Shigekane (2007)Shigekane, Rachel. Rehabilitation and Community Integration of Trafficking Survivors in the United States. Human Rights Quarterly 29(1), 2007, pp.112-136. e Simeunovic-Patic (2005)Simeunovic-Patic, Biljana. Protection, Assistance and Support of Trafficked Persons: Current Responses. In: Bjerkan, Lise (ed.). A Life of One’s Own: Rehabilitation of Victims of Trafficking for Sexual Exploitation. Oslo, Fafo Report 477, 2005..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2016
  • Aceito
    08 Mar 2016
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