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Novos cenários: entre o “estupro coletivo” e a “farsa do estupro” na sociedade em rede* * Agradeço os preciosos comentários de Luciana Camargo Bueno e de Ana Fonseca

Resumo

Neste artigo proponho reflexão sobre os impactos da Internet nas relações entre as pessoas, com alguns aparatos estatais e com os movimentos sociais, analisando o caso do estupro coletivo ocorrido no Morro da Barão, Rio de Janeiro, em maio de 2016, que ganhou grande repercussão nacional e internacional, tanto na grande mídia como nas redes sociais. Para isso, fiz um mapeamento de notícias e vídeos sobre “cultura do estupro” e os comentários a essa produção, o que me levou aos diferentes entendimentos do termo e às moralidades que perpassam esses entendimentos e suas contestações.

Violência Sexual; Diferenças; Cultura do Estupro; Sociedade em Rede

Abstract

This article reflects on the impacts of the Internet on the relationships between individuals, state agencies and social movements by analyzing the case of a gang rape in the Morro da Barão neighborhood in Rio de Janeiro in May 2016, which had national and international repercussions in the major media and on social networks. To do so, a mapping was conducted of news articles and videos about “rape culture” and of comments about this material, which led me to different understandings of the term and to moralities involved with these understandings and questionings of them.

Sexual Violence; Differences; Rape Culture; Network Society

Introdução

No início do século XXI, Manuel Castells (2000Castells, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. In: A Sociedade em rede. vol. 1. São Paulo, Paz e Terra, 2000.:50), um dos pioneiros na análise da sociedade em rede, relacionava a era da informação a “um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial do século XVIII, introduzindo um padrão de descontinuidade nas bases materiais da economia, da sociedade e da cultura”. Dentre as descontinuidades na era da informação, Zigmund Bauman (2012)Bauman, Zigmund. Entrevista concedida ao Café Filosófico em 2012 [https://www.youtube.com/watch?v=FOeCu4-kmA0, acesso em dezembro de 2015].
https://www.youtube.com/watch?v=FOeCu4-k...
problematiza o conceito de amizade nas redes, aludindo às amizades de facebook, que podem ser apagadas/deletadas a qualquer momento, sem passar pelos traumas que envolvem o rompimento de relações construídas face a face. Um pensamento interessante para pensar na vertigem que nos causa a aceleração tecnológica, um estado de estupefação ante às incertezas sobre definições pensadas como inalteráveis.

Os modos de vida foram profundamente modificados no século XX com a criação do rádio, um meio de comunicação agregado às reuniões corriqueiras nas calçadas após intenso dia de trabalho e especialmente aos domingos. A invenção da TV, cujas imagens em movimento seduziram quase de imediato os espectadores, propiciou a reunião familiar e também com os vizinhos, em um momento que poucos tinham recursos para comprar um aparelho de TV. Na época, os conteúdos eram comentados com quem estava próximo, não necessariamente amigos, no sentido atribuído por Bauman, mas com conhecidos que partilhavam opiniões sobre o que todo mundo assistia. Essa produção de poucos para muitos não significava uma recepção anódina, como aponta Stuart Hall (2003)Hall, Stuart. Da diáspora. Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte-MG/ Brasília-DF, Editora da UFMG/ Representação da Unesco no Brasil, 2003. ao sublinhar a interdependência entre produção e recepção.

É justamente essa interdependência que levou, a partir dos anos 1980, diferentes meios de comunicação a investir na segmentação do mercado, de modo a abarcar o individual/ coletivo, cada vez mais difícil de alcançar em um único termo. As diferenças geracionais e de classe marcaram a criação de revistas de entretenimento e lazer voltadas para mulheres (Mira, 2001Mira, Maria Celeste. O leitor e a Banca de revistas. São Paulo, Olho D´Água/Fapesp, 2001.). Questões raciais e de sexualidade ganharam a cena com a expansão do mercado de revistas dirigidas ao público gay e a criação de uma revista para negros em meados da década de 1990, período que também marca o aparecimento das primeiras propagandas dirigidas ao público “negro” no Brasil, com intuito de “incluir” essa população na esfera do consumo (Beleli, 2005). De modo intertextual, as produções televisivas, especialmente as novelas – naquele momento o carro chefe da ainda maior rede de televisão brasileira (Globo) – incluíam personagens que alimentavam os debates sobre diversidade.

A ideia de intertextualidade das mídias, preconizada por Marshall Macluhan (1994), e ainda válida, se complexifica no cenário atual, na medida em que variadas mídias agora estão congregadas em um ambiente de rede, cuja velocidade de propagação dos conteúdos instiga os sujeitos a acompanhar e se posicionar rapidamente, o que requer reflexões sobre o recente impacto das tecnologias na vida das pessoas, seus significados e as relações dos sujeitos com a produção das mídias corporativas.

Neste artigo proponho reflexão sobre os impactos da Internet nas relações entre as pessoas, com alguns aparatos estatais e com os movimentos sociais, analisando o caso do estupro coletivo ocorrido no Morro da Barão1 1 Localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, o Morro da Barão é uma região de disputa entre traficantes de facções rivais, mas só ganha a atenção das mídias após o caso de estupro coletivo. , em maio de 2016, que ganhou grande repercussão nacional e internacional, tanto na grande mídia como nas redes sociais. Para isso, fiz um mapeamento de notícias e vídeos sobre “cultura do estupro” e os comentários2 2 Não é possível saber quem são, o que fazem e onde vivem as pessoas que comentaram as notícias/videos sobre o caso, a maioria se identifica com nicknames – uma forma de preservar o anonimato, ideia corrente dos/as usuários/as da internet – outras utilizam nome, sobrenome e, às vezes, profissão. Foge ao escopo deste artigo uma análise aprofundada que leve em consideração a inserção social desses sujeitos, mas é possível afirmar que são de diferentes partes do Brasil. a essa produção, o que me levou aos diferentes entendimentos do termo e às moralidades que perpassam esses entendimentos e suas contestações.3 3 Sigo aqui o que Carmem Rial (2005) denominou de “etnografia de tela”. Apesar de traçar um panorama dos estudos de mída antes do fenômeno da internet, a autora propõe uma observação sistemática, centrada no que dizem os/as personagens, suas expressões faciais e corporais, vestimentas. Vale ainda conferir o artigo de Peter Fry (1995/1996) que analisou um caso de racismo a partir matérias publicadas em jornais de grande circulação.

Diferentemente das discussões candentes nas análises sobre as relações em rede – marcadas pelo estabelecimento de fronteiras entre o on-line e o off-line, que já delimitam universos distintos, apontando para uma relativa independência entre ambos – sigo as análises que afirmam o “forte entrelaçamento dos dois reinos” (Kendall, 1999Kendall, Lori. Recontextualizing “Cyberspace”: Methodological considerations for on-line research. In: Jones, Steve. Doing Internet Research: Critical issues and methodsfor examining the Net. Londres, Sage, 1999, pp.57-74.:58) e as reflexões de Miller e Slater (2004)Miller, Daniel; Slater, Don. Etnografia on e off-line: cybercafés em Trinidad. Horizontes Antropológicos, ano 10, n° 21, Porto Alegre, jan/jun. 2004, pp.41-65., que apostam no continuum on/off-line, marcando que as propriedades da internet não lhes são inerentes.4 4 A ideia de entrelaçamento, de continuum, coloca em dúvida a própria nomeção do campo – “ciberespaço” (definido como um espaço que abriga práticas e representações de diferentes grupos [Gibson, 1984]) e “cibercultura” (um conjunto de fenômenos socioculturais que acontecem nesse espaço [Levy,1999]), na medida em que várias pesquisas apontam o continuum entre “um cá e um lá” (Leitão; Gomes, 2011; Miskolci, neste número; Buchamar, 2011; Togni, 2011; Beleli, 2015). Nessa perspectiva, tampouco faz sentido nomeações como “real”/“virtual”, ainda muito utilizadas, para pensar a internet como um “laboratório de experimentação e reconstrução do self” (Turkle, 1997:180), como se essas experimentações fossem menos “reais” do que aquelas que se fazem em ambientes off-line. Menos do que marcar a separação on/off-line, o mais interessante é refletir sobre essa interação que, a partir do on-line, cruza cenários políticos e moralidades. As narrativas sobre o caso aqui analisado poderiam ser divididas entre a contestação da “cultura do estupro” e a “farsa do estupro”, mas os matizes que perpassam ambas as visões não podem ser analisados sob perspectivas que buscam a lógica e a linearidade das ideias, antes problematizam algumas noções por vezes calcificadas.

“Estupro coletivo” versus “A farsa do estupro”

A recente espetacularização do caso da menina de 16 anos estuprada no Rio de Janeiro é um bom exemplo para mapearmos a discussão. Aparentemente, o que causou comoção nacional foi o número de estupradores (entre 30 e 36, dependendo da notícia). A cobertura dos jornais de grande circulação, ao estampar nas chamadas de capa o “suposto estupro”, foi imediatamente questionada no facebook por grupos que trabalham em defesa das mulheres em situação de violência, exigindo que os jornalistas não colocassem em dúvida algo materializado nas filmagens da agressão, acessadas por milhares de pessoas em um único dia.

O sentimento coletivo de repulsa é alimentado por algumas redes sociais que denunciaram a má condução do caso por parte do Estado logo nos primeiros dias após a vítima ter sofrido essa violência.5 5 A recusa aos procedimentos de advogados que culpabilizavam as vítimas como mote da defesa dos agressores se inicia com os movimentos feministas contra os “crimes de honra” em meados dos anos de 1970. O clássico trabalho de Mariza Corrêa (1983) sobre os crimes de honra inspirou muitas pesquisas sobre a violência contra as mulheres. A recusa a esse procedimento foi imediatamente “viralizada” nas redes sociais, particularmente por grupos feministas que associavam a forma inquisitória sobre o comportamento da vítima à cultura do estupro, assim definida pela ONU Brasil:

Cultura do estupro é um termo usado para abordar as maneiras em que a sociedade culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens. (…) A cultura do estupro é uma consequência da naturalização de atos e comportamentos machistas, sexistas e misóginos, que estimulam agressões sexuais e outras formas de violência contra as mulheres. Esses comportamentos podem ser manifestados de diversas formas, incluindo cantadas de rua, piadas sexistas, ameaças, assédio moral ou sexual, estupro e feminicídio [https://nacoesunidas.org/por-que-falamos-de-cultura-do-estupro/].

A tentativa de começar o caso com um julgamento moral não foi bem sucedida, o que acarretou a substituição do primeiro delegado que, antes de tudo, transformava a vítima em ré. A pergunta do delegado – “você tem por hábito fazer sexo em grupo”? – publicada em diferentes jornais e revistas e viralizada em várias redes sociais – foi um dos fatores que teria levado a advogada da vítima – Elisa Sami – a pedir seu afastamento do caso.

Algumas redes sociais feministas promoveram um debate acerca dos silenciamentos acerca da violência contra as mulheres. Como bem mostra Rial (neste número), as humilhações pelas quais passam as mulheres, porque são mulheres, vai muito além do intercurso sexual, antes passa pelas imaginações de corpos femininos, cujas articulações de diferenças – gênero, classe, raça, gênero, sexualidade, nacionalidade, religião, entre outras – operam de formas distintas de modo a não reconhecer, ou reconhecer seletivamente, as mulheres como sujeitos de direito.

No caso do estupro coletivo, a internet teve um papel importante, porque mobilizou grandes corporações midiáticas brasileiras e estrangeiras e também permitiu às redes sociais estabelecer articulações transnacionais. O termo “cultura do estupro” ganhou dimensões tais que minha manicure, frequentadora contumaz da rede facebook, me pergunta: “você que estuda essas coisas, me explica o que significa isso, é que as pessoas não devem ser estupradas? Se é isso, eu concordo!”. O termo também foi rapidamente apropriado por vários políticos, alguns deles certamente não estariam de acordo com os debates aí colocados, porque remetem, como apontam Sonia Corrêa e Fábio Grotz (2016)Corrêa, Sonia; Grotz, Fábio. A restauração conservadora e as políticas da sexualidade. Sexuality Policy Watch, 03/06/2016 [http://sxpolitics.org/ptbr/a-restauracao-conservadora-e-as-politicas-da-sexualidade/6274].
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, às “analogias fortes entre o domínio forçado sobre os corpos femininos e os jogos de força recentemente utilizados para controle do corpo político”, associando a cultura do estupro à onda conservadora que assola o Brasil neste momento.

A associação desse caso à política nacional aparece, de distintas formas, em vários vídeos do youtube6 6 Ver links dos vídeos consultados ao final do texto. que acusam os governantes (especialmente, Lula e Dilma) de fazerem “vista grossa” aos criminosos, porque estariam mais preocupados em “roubar do povo”. Seguindo a linha do primeiro delegado designado ao caso, esses vídeos – produzidos por rapazes e moças jovens, postados em seus próprios blogs, e por pessoas comuns, aparentemente acostumadas a emitir opiniões sobre violência, política e corrupção – lançaram mão de imagens da vítima, nas quais ela aparece em gravações caseiras com amigos, falando de seus antigos e potenciais parceiros. Somando mais de 1.500.000 visualizações, essas produções, profissionais ou caseiras, colocavam em dúvida a moral da “suposta vítima”, baseadas no fato de ela ter tido um filho aos 13/14 anos, de ser assídua frequentadora de bailes funks, de usar drogas e de ter se relacionado com chefes do tráfico de drogas. Mas o argumento central para afirmar que não houve estupro, acionado na maioria dos vídeos, está fundamentado na fala em off de um rapaz, apresentado como morador do Morro da Barão, que reitera o código de conduta da “comunidade”: “e tu sabe muito bem que estupro na favela é morte, ninguém aceita, nenhuma facção aceita isso!”.7 7 Essa ideia foi contestada com veemência pela nova delegada do caso em entrevista reiteradamente reproduzida nos jornais televisivos. Alba Zaluar, reconhecida pesquisadora sobre o tema da violência nas periferias, rebateu a ideia da existência de um código de conduta nas favelas em relação ao estupro na rede facebook.

O destaque na produção da grande mídia, viralizado na internet com mais de dois milhões de visualizações, foi a reportagem do Conexão Repórter (29/05/2016)8 8 Conexão Repórter é um programa de jornalismo investigativo do Brasil, exibido pelo SBT aos domingos e apresentado pelo jornalista Roberto Cabrini. , que reitera a noção de “crime bárbaro” e incorpora o termo “cultura do estupro”, reduzindo a complexa discussão posta pelo termo à violência física. Na montagem dos quadros do programa aparecem depoimentos da amiga da vítima – “sempre quando tem roda de loló ela faz isso, sempre...” – da mãe – “ela vai para as comunidades, ela se droga, ela volta com várias escoriações... ela vai ficar eternamente marcada por essa violência...” – e da própria vítima, que silencia ante as perguntas do apresentador sobre os nomes dos agressores e do chefe do tráfico de drogas do Morro da Barão.

Paralelamente, a barbaridade do crime é associada a cenas de preparação da droga para o comércio, enfatizando que “tudo está relacionado ao tráfico de drogas”, mas também a religiões afro-brasileiras. Ao mostrar a fachada da casa do chefe do tráfico do Morro da Barão, cuja fresta do portão deixa ver algumas cadeiras no quintal e uma imagem de santo, o apresentador Roberto Cabrini afirma serem “marcas de rituais de macumba, magia negra”. A cena seguinte mostra um presídio em Porto Velho, onde o apresentador diz querer “entrar na mente de um estuprador”.

A narrativa de um presidiário – condenado por estupro seguido de morte de uma criança, sua filha de três anos – se junta à do jornalista ao enfatizar o uso de álcool e de drogas como fatores que facilitariam a violência. A humilhação pela qual passou na cadeia é atribuída pelo repórter aos “códigos paralelos – o estupro é considerado um crime sem perdão”, ideia corroborada por outros presos, que se autodenominam assaltantes, traficantes, sequestradores, assassinos. Para eles, o estupro deve ser pago na mesma moeda, “com sofrimento” e completam “a nossa justiça é totalmente diferente da justiça da lei... pra nós eles têm que virar mulher, andar de calcinha, lavar roupa e sofrer...”.9 9 A voz de um agente da prisão, cuja imagem mostrava apenas seu corpo em uniforme, afirma a existência do “Pavilhão E”, onde são alojadas pessoas que cometeram crimes sexuais. A reportagem não explica porque o estuprador não estava nesse pavilhão. O mini documentário Pavilhão E – produzido pela Poltrona Filmes e veiculado pela TV Futura c conta a luta da população LGBTT no sistema prisional de Recife para conseguir um pavilhão separado de outros presos, onde eram recorrentemente contrangidos a fazer serviços sexuais sem consentimento, mesmo que nenhum deles tenha sido acusado de estupro. O programa fecha com a fala do apresentador que, em uma relação causa/ efeito, atribui a perpetuação da cultura do estupro à impunidade.

Se no contexto prisional crimes sexuais devem ser punidos com o estupro coletivo, antes é preciso transformar o criminoso em “mulher”, ideia não problematizada pela reportagem, o que, de fato, reifica o lugar das mulheres na sociedade. A teoria da impunidade, acionada por diferentes vozes na internet, levou à retomada de debates em torno de soluções que pareciam esquecidas: castração química, pena de morte, diminuição da maioridade penal, aumento da pena para crimes de estupro, particularmente se essa violência for cometida por dois ou mais agressores.10 10 Em 2013, o deputado federal Bolsonaro deu entrada ao Projeto de lei 5398/2013 que propõe a castração química – utilização de medicamentos hormonais para reduzir a libido – de estupradores. Francisco Dornelles, governador interino do Estado do Rio de Janeiro, em rede nacional de televisão, declarou-se favorável à pena de morte para crimes sexuais.

A luta contra os retrocessos em termos de direitos sexuais e reprodutivos ganhou as redes sociais bem antes das discussões sobre esse caso de estupro coletivo. Em novembro de 2015, milhares de mulheres foram às ruas contra o deputado federal Eduardo Cunha, autor do Projeto de Lei 5069, que ameaça o direito ao aborto legal e precariza o atendimento às vítimas de estupro.11 11 Sobre as complexas discussões acerca da descriminalização do aborto, cuja pressão das feministas é barrada por acordos da base do governo com as bancadas religiosas no Congresso Nacional, ver a excelente análise de Lia Machado (neste número). Também foram expressivas as manifestações de rua, convocadas pelas redes sociais no início de 2016, contra a retirada dos debates sobre gênero e sexualidade dos planos de educação, um caminho defendido por movimentos feministas e LGBT no sentido de consolidar a discussão sobre as diferenças nas escolas, um debate necessário para pensar os significados da cultura do estupro.

Se antes os comentários, de pessoas comuns ou grupos organizados, favoráveis à eliminação das questões de gênero na escola ficavam em círculos restritos, atualmente, há uma proliferação de discursos de ódio, que mesclam, de maneira desorganizada, ataques aos que são percebidos como diferentes – mulheres, negros, pobres, homossexuais – e, muitas vezes, aparecem associados à defesa de posições político-ideológicas, acionando moralidades que imputam aos sujeitos formas “corretas” de comportamento.

Esses discursos, proferidos de maneira aberta, rápida e despreocupada têm-se tornado virais, constituindo uma espécie de tribunal de inquisição, cuja lei passa ao largo, dado que acreditam no anonimato e, portanto, na impunidade, mesmo que violem e ofendam coletividades. Nas narrativas acerca do estupro coletivo, os discursos de ódio freiam as possibilidades de diálogo, de modo que a construção de novas e criativas formas de incrementar o debate sobre os problemas sociais embaçam o entusiasmo daqueles apostam na sociedade em rede.

Faça você mesmo!

O que muda na organização da informação quando a produção de conteúdo é feita por muitos para muitos? Diferente das primeiras análises de Castells (1997:30), o que está em jogo não é mais o “selfversus a “rede”, mas se e como os “eus” – estrategicamente construídos para se visibilizar nas redes – têm ganhado projeção com potencial de contestação, seja sobre corpos modelares, seja sobre as moralidades que cerceiam esses corpos.

A intensificação das relações interpessoais propiciada pela internet se desdobra em interrogações sobre a desestabilização de antigas referências, especialmente no que se refere aos conceitos de espaço, tempo, território, mobilidade. Além disso, há uma expectativa que esse novo cenário possibilite a produção de conteúdos atravessados pelas diferenças de gênero, articulada a outros marcadores (raça/etnia, geração, sexualidade, nacionalidade), de modo a interpelar as moralidades que perpassam a operacionalização das diferenças na “cibercultura”.

A organização da informação, antes fundamentalmente mediada por grandes corporações, atualmente também é feita por grupos organizados e pessoas comuns, que se acreditam livres de cerceamentos. Algumas pesquisas têm mostrado que a liberdade na criação de textos próprios, imputados de certa autenticidade, é limitada, porque os sujeitos não se livram de sua experiência (Beleli, 2015Beleli, Iara. O imperativo das imagens: construção de afinidades nas mídias digitais. Cadernos Pagu (44), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2015, pp.91-114 [http://www.scielo.br/scielo].
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; Miskolci, neste número). A própria organização da informação é pautada por essa experiência em que convivem distintas moralidades. Para Jarret Zigon (2007)Zigon, Jarret. Moral breakdown and the ethical demand: A theoretical framework for an anthropology of moralities. Anthropological Theory, vol. 7 (2), 2007., a moral é um conjunto de normas internalizadas pelos indivíduos de forma irrefletida. A reflexão sobre essas normas e seu questionamento ante determinadas situações leva ao que o autor chama de moral breakdown, referindo-se a um momento de ruptura.

Nesse novo contexto, marcado por conteúdos profissionais ou amadores, as produções maistream são interpeladas.12 12 De fato, no cenário atual, há dúvidas sobre a própria noção de maistream – como uma produção de poucos para muitos - dado que diferentes produtos de mídia – propaganda, novelas, jornalismo – cada vez mais, têm modificado seus rumos, justamente em função do alargamento do debate sobre temas variados apresentados em blogs, páginas pessoais e/ou institucionais ou mesmo nos comentários a notícias veiculadas por jornais impressos e televisivos. No caso das mídias televisivas, como alertava Silverstone em 1994, há uma constante exploração das tecnologias de informação, que fornecem contextos para a sua produção, divulgação e seu consumo. Não quero dizer com isso que as mídias tradicionais, impulsionadas pelo capital econômico, estejam no fim, antes, como aponta Nicky Couldry (2009)Couldry, Nick. Does the media have a future? European Journal of Communication, vol. 24(4), Sage Editors, 2009, pp.1-13., é preciso perceber o jogo sutil, às vezes nem tanto, das interdependências que podem afetar de modo significativo grandes corporações da mídia, interesses comerciais, governos e sociedade civil. Se a autogestão na rede radicaliza a ideia do “faça você mesmo”, que tem ganhado percepções extremamente positivas no que se refere à liberdade, à democracia e à horizontalização, a velocidade da circulação de notícias na internet – um poderoso instrumento na disseminação do poder de intervenção – e a avidez de “ter uma opinião formada sobre tudo”, parafraseando Raul Seixas, promovem leituras irrefletidas.

A reflexão mais detida vem de alguns grupos que se organizaram em torno da contestação à cultura do estupro, e aí podem aparecer as rupturas, porque esmiúçam as situações de violência contra as mulheres, incluindo gestos e palavras correntes, percebidas como normais e até alvo de risos, no cotidiano de homens e mulheres. Como aponta Carolina Branco de Castro Ferreira, na excelente reflexão de Washington Castilhos sobre a pedagogia do estupro:

A gramática política dos feminismos incide em ansiedades e medos difusos, transformando-os em indignação e tecendo uma trama moral, cognitiva e emocional inspiradora da ação política, bastante útil como forma de comunicação social entre públicos múltiplos. Mas que, no caso do qual estamos tratando, produz uma série de ambivalências… como indignação seletiva e a (re)produção de sujeitos morais no âmbito de políticas sexuais [http://www.clam.org.br/destaque/]

É justamente a ambivalência que merece maior reflexão. Parte dos comentários às entrevistas, publicadas em jornais de grande circulação, com pesquisadoras feministas dedicadas ao tema da violência contra as mulheres e que partilham da ampliação dos significados do termo cultura do estupro, é assustadoramente adensada por adjetivos acusatórios – “feministas fedorentas”, “comunistas”, “petistas” – e colocam sob suspeita seus títulos de doutoras em filosofia e antropologia.13 13 http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral

Algumas dessas pesquisadoras, críticas da produção cultural mainstream, particularmente das representações das mulheres, são acusadas de “vendidas para a Globo”, associando-as, ainda, às “bizarras Vadias”, em referência a um vídeo que esculacha uma apresentação da Marcha das Vadias de Recife contra a cultura do estupro. O rechaço à Rede Globo, especialmente à entrevista com a vítima veiculada no Fantástico (29/05/2016), acusava a produção do programa de não levantar nenhuma suspeita quanto ao comportamento da vítima, mas de privilegiar suas falas indignadas quanto a violência sofrida, sugerindo que esse canal de TV teria montado um espetáculo em torno do “falso estupro” para desviar o foco das denúncias contra o ex-presidente Lula e a presidente afastada Dilma Roussef, que ganharam atenção da imprensa nacional e internacional.

Nesse sentido, cabe perguntar se a “vontade” de transgredir modelos estabelecidos e promover mudanças simbólicas “contagiam” o coletivo. Vale reproduzir a reflexão de Remédios Zafra (2011Zafra, Remedios. Un cuarto propio conectado. Feminismo y creación desde la esfera público-privada online. Asparkía, 22, 2011, pp.115-129.:126):

Como en todo pacto simbólico, no basta con la voluntad individual de transgredir el pacto (ya sea en las pantallas o en el cara a cara). Un cambio simbólico precisa de una revolución colectiva…; la ideación de nuevas figuraciones capaces de inspirar y contagiar otros imaginarios posibles o revisar los clásicos; una revolución que de manera necesaria exige la intervención profunda en las industrias creadoras de imaginario y visualidad, la puesta a prueba de su capacidad de contagio.

O poder de “contagiar” é alargado com a eliminação das distâncias geográficas – um dos temas que tem ganhado centralidade no debate sobre o cenário contemporâneo das relações em rede – que permite o acesso direto à chamada aldeia global. A rápida comunicação entre os que compartilham quaisquer atividades (produção de conhecimento, hobbys, opiniões sobre questões cotidianas) inclui demandas por protagonismo e reconhecimento social, tanto de pessoas comuns (Sibilia, 2008Sibilia, Paula. O Show do Eu. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008.), como de grupos vilipendiados por governos, mercados e por parte da sociedade. As redes sociais possibilitam a formação de grupos de pessoas que, até pela distância geográfica, nunca se encontraram cara a cara e talvez nunca se encontrem, mas se unem para reivindicar direitos. Esse modelo associativo traz à cena redefinições de espaço e de tempo, questionando noções de mobilidade.

Mobilidade não remete apenas ao deslocamento de um lugar a outro, mas envolve, como aponta Felicity Amaya Schaeffer (neste número), desigualdades, status e a classificação das pessoas que transitam, que podem levar ao julgamento de seus projetos de ascensão social. A classificação dos sujeitos por meio da articulação de diferenças (Piscitelli, 2008Piscitelli. Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura, vol.11, n°2, jul/dez. 2008, pp.263-274.) tem sido um ponto diferencial nas análises recentes sobre as relações mediadas pelas tecnologias.

Alguns comentários às notícias/matérias/vídeos sobre a “farsa do estupro” incluíam questionamentos sobre a circulação da vítima por bairros não “apropriados” a uma moça de classe média, uma mobilidade cerceada a lugares cujos códigos não podem ser compreendidos. Essa incompreensão alude ao horror à mistura de classes, cuja imaginação identifica e classifica os sujeitos que vivem nas “comunidades” – “o que ela queria lá? Essa gente da favela, de baile funk, é perigosa! E ela não sabia isso? Se ela queria drogas, tem um monte de ponto de venda aqui no Ibirapuera”14 14 Bairro da cidade de São Paulo considerado de classe média alta. , sugerindo que no Rio de Janeiro também existem pontos de venda em bairros “não perigosos”, de modo que o deslocamento, pensado como um fator de risco atualiza a ideia do “estupro corretivo”.15 15 Agradeço à Carolina Branco por ter chamado minha atenção para esse ponto. A violência sexual não é uma particularidade das classes menos favorecidas. Os dados também largamente divulgados na internet mostram altos índices dessa violência nas classes médias e altas, no geral, cometida por homens que circulam no ambiente familiar. A maioria dos comentários a essas notícias classificam o agressor como “monstro”, “doente mental”, naturalizando a violência sexual em bairros pobres, cuja população é majoritariamente percebida como negra.

Considerações finais

A conexão a qualquer momento e lugar quebra a exclusividade do acesso à informação às elites, especialmente com a popularização das tecnologias móveis. A construção estratégica de si não se concretiza apenas nos desejos de ser, mas fundamentalmente que os outros vejam, e reconheçam, aquilo que projetamos para nós. As grandes corporações midiáticas, ainda muito presentes, não parecem ter avançado no sentido de promover o apagamento dos estigmas de gênero e outras diferenças. Mas e as redes sociais?

Dominique Wolton (2000)Wolton, Dominique. Internet – petit manuel de survie. Paris, Flammarion, 2000., para quem a questão técnica se subsume às questões políticas, alertava sobre o risco da sociedade da informação se transformar na “sociedade do mesmo”, ao favorecer a ligação entre os que defendem as mesmas causas. Em nossas timelines “viciadas”, por onde circulam notícias de diferentes meios de comunicação, os mesmos comentários são repetidos à exaustão, seja para abrir um debate sobre o lugar das mulheres na sociedade, que vai muito além da violência física, seja para alargar a percepção do viver em “comunidades”.

O repúdio à “cultura do estupro” convive nos meios de comunicação com “farsa do estupro”, vinculando estados emocionais que regem um debate certamente alargado por meio da utilização das novas tecnologias. Mas a internet não produz ideias, antes é uma ferramenta que aumenta as possibilidades do “faça você mesmo” a quem tem acesso a ela, amplificando distintas visões sobre um fato que, certamente, são influenciadas por suas vivências cotidianas, o que reatualiza a ideia de continuum on/off line.

O caso do “estupro coletivo” produziu um debate para além da violência contra as mulheres, na medida em que diferentes visões apontaram para o desacordo com a condução política do Brasil, cujas palavras de ordem – “Fora Temer”; “Fora Lula”; “Fora Dilma” – poderiam identificar diferentes posições políticas, mas que coincidiam no “Fora Rede Globo” e “Não à corrupção”. Mas também visibilizou distintas compreensões da Cultura do Estupro. Algumas feministas questionam o consentimento, que está na base da contestação à cultura do estupro, e incluem as profissionais do sexo, a pornografia e as mulheres que participam de práticas sado-masoquistas como vítimas dessa mesma cultura, acionando outras moralidades.16 16 Em debate sobre turismo sexual e cultura do estupro, promovido pelas Jornalistas Livres, Elisa Sami – advogada da vítima de estupro coletivo – é uma das defensoras dessa visão. Vale ressaltar que a vitimização das mulheres tem sido contestada por pesquisadoras feministas em contextos do mercado do sexo (Piscitelli, 2006), das práticas sadomasoquistas (Gregori, 2016; Facchini; Machado, 2013) e da indústria pornográfica (Benitez, 2009). Segundo Adriana Vianna (2001), as moralidades não remetem somente à normatização de condutas, mas podem ser acionadas pelos sujeitos como instrumentos de agência, de modo que seus propositores podem alçar certo protagonismo. Também circularam pelo facebook adesões de feministas à castração química, defendida com veemência pelo Deputado Jair Bolsonaro, um dos políticos mais contestados pelos movimentos feministas e LGBT por suas propostas retrógradas, entre elas a retirada das discussões de gênero e sexualidade nos Planos de Educação.

Esse é o imblóglio! No continuum on e off-line circulam diferentes ideias e proposições que, até porque vinculam estados emocionais17 17 A vinculação e a extensão de estados emocionais são discutidas por Carolina Branco de Castro Ferreira em outro contexto (neste número). , podem contagiar tanto coletivos em busca de rupturas, como aqueles que seguem o imediatismo dos comentários irrefletidos. A sociedade de informação é um excelente campo de investigação, cujas metodologias ainda estão sendo testadas (Miskolci, 2011; Pelúcio, 2015Pelúcio, Larissa. O amor em tempos de aplicativos: notas afetivas e metodológicas sobre pesquisas com mídias digitais. In: Pelúcio, L. et alli. (orgs.) No emaranhado da rede. Gênero, sexualidade e Mídia: desafios teóricos e metodológicos do presente. São Paulo, Annablume Queer, 2015.), mas ainda falta um longo caminho de pesquisa para percebermos se, e como, as ideias aí debatidas promovem modificações simbólicas, seja das demandas dos movimentos sociais contemporâneos – que interpelaram a sociedade em diversos âmbitos no século XX, e no cenário atual veem sob ameaça várias conquistas realizadas – seja dos contextos percebidos como de violência, geralmente associados a corpos marcados por gênero, raça/cor, localização, de modo que imaginações sobre corpos, e o que aparece em seu entorno, não perpetuem identidades socioculturais. Talvez o grande ganho social propiciado pela sociedade em rede seja justamente a amplificação de ideias, ainda que elas possam parecer desorganizadas e sejam desorganizadoras do pensamento social.

Referências bibliográficas

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  • 1
    Localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, o Morro da Barão é uma região de disputa entre traficantes de facções rivais, mas só ganha a atenção das mídias após o caso de estupro coletivo.
  • 2
    Não é possível saber quem são, o que fazem e onde vivem as pessoas que comentaram as notícias/videos sobre o caso, a maioria se identifica com nicknames – uma forma de preservar o anonimato, ideia corrente dos/as usuários/as da internet – outras utilizam nome, sobrenome e, às vezes, profissão. Foge ao escopo deste artigo uma análise aprofundada que leve em consideração a inserção social desses sujeitos, mas é possível afirmar que são de diferentes partes do Brasil.
  • 3
    Sigo aqui o que Carmem Rial (2005)Rial, Carmem Silvia. Mídia e sexualidades: breve panorama dos estudos de mídia. In: Grossi, Miriam et alii. (orgs.) Movimentos sociais, educação e sexualidades. Rio de Janeiro, Garamond, 2005, pp.107-136. denominou de “etnografia de tela”. Apesar de traçar um panorama dos estudos de mída antes do fenômeno da internet, a autora propõe uma observação sistemática, centrada no que dizem os/as personagens, suas expressões faciais e corporais, vestimentas. Vale ainda conferir o artigo de Peter Fry (1995/1996)Fry, Peter. O que a cinderela negra tem a dizer sobre a “Política Racial” no Brasil. Revista USP, n° 28, Universidade de São Paulo, dez./fev. 1995-96, pp.122-35. que analisou um caso de racismo a partir matérias publicadas em jornais de grande circulação.
  • 4
    A ideia de entrelaçamento, de continuum, coloca em dúvida a própria nomeção do campo – “ciberespaço” (definido como um espaço que abriga práticas e representações de diferentes grupos [Gibson, 1984Gibson, William. Neuromancer. São Paulo, Aleph, 2003 [1984].]) e “cibercultura” (um conjunto de fenômenos socioculturais que acontecem nesse espaço [Levy,1999Levy, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Editora 34, 1999 [1997].]), na medida em que várias pesquisas apontam o continuum entre “um cá e um lá” (Leitão; Gomes, 2011Leitão, Débora K. e Gomes, Laura G. “Estar e não estar lá, eis a questão”: pesquisa etnográfica no Second Life. Cronos - Revista do Programa de Pós - Graduação da UFRN, Natal-RN, vol. 12, nº 2, 2011, pp.23-38.; Miskolci, neste número; Buchamar, 2011; Togni, 2011Togni, Paula Christofoletti. O K-100 compartilhado: jovens, tecnologias e gestão da experiência migratória. Cronos – Revista do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN, vol. 12, n° 2, 2011, pp.57-74.; Beleli, 2015Beleli, Iara. O imperativo das imagens: construção de afinidades nas mídias digitais. Cadernos Pagu (44), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2015, pp.91-114 [http://www.scielo.br/scielo].
    http://www.scielo.br/scielo...
    ). Nessa perspectiva, tampouco faz sentido nomeações como “real”/“virtual”, ainda muito utilizadas, para pensar a internet como um “laboratório de experimentação e reconstrução do self” (Turkle, 1997Turkle, Sherry. La vida en la pantalla. La construcción de la identidad en la era de internet. Barcelona, Ediciones Paidós Ibérica S.A., 1997 [1996].:180), como se essas experimentações fossem menos “reais” do que aquelas que se fazem em ambientes off-line.
  • 5
    A recusa aos procedimentos de advogados que culpabilizavam as vítimas como mote da defesa dos agressores se inicia com os movimentos feministas contra os “crimes de honra” em meados dos anos de 1970. O clássico trabalho de Mariza Corrêa (1983)Corrêa, Mariza. Morte em Família, Rio de Janeiro, Graal, 1983. sobre os crimes de honra inspirou muitas pesquisas sobre a violência contra as mulheres.
  • 6
    Ver links dos vídeos consultados ao final do texto.
  • 7
    Essa ideia foi contestada com veemência pela nova delegada do caso em entrevista reiteradamente reproduzida nos jornais televisivos. Alba Zaluar, reconhecida pesquisadora sobre o tema da violência nas periferias, rebateu a ideia da existência de um código de conduta nas favelas em relação ao estupro na rede facebook.
  • 8
    Conexão Repórter é um programa de jornalismo investigativo do Brasil, exibido pelo SBT aos domingos e apresentado pelo jornalista Roberto Cabrini.
  • 9
    A voz de um agente da prisão, cuja imagem mostrava apenas seu corpo em uniforme, afirma a existência do “Pavilhão E”, onde são alojadas pessoas que cometeram crimes sexuais. A reportagem não explica porque o estuprador não estava nesse pavilhão. O mini documentário Pavilhão E – produzido pela Poltrona Filmes e veiculado pela TV Futura c conta a luta da população LGBTT no sistema prisional de Recife para conseguir um pavilhão separado de outros presos, onde eram recorrentemente contrangidos a fazer serviços sexuais sem consentimento, mesmo que nenhum deles tenha sido acusado de estupro.
  • 10
    Em 2013, o deputado federal Bolsonaro deu entrada ao Projeto de lei 5398/2013 que propõe a castração química – utilização de medicamentos hormonais para reduzir a libido – de estupradores. Francisco Dornelles, governador interino do Estado do Rio de Janeiro, em rede nacional de televisão, declarou-se favorável à pena de morte para crimes sexuais.
  • 11
    Sobre as complexas discussões acerca da descriminalização do aborto, cuja pressão das feministas é barrada por acordos da base do governo com as bancadas religiosas no Congresso Nacional, ver a excelente análise de Lia Machado (neste número).
  • 12
    De fato, no cenário atual, há dúvidas sobre a própria noção de maistream – como uma produção de poucos para muitos - dado que diferentes produtos de mídia – propaganda, novelas, jornalismo – cada vez mais, têm modificado seus rumos, justamente em função do alargamento do debate sobre temas variados apresentados em blogs, páginas pessoais e/ou institucionais ou mesmo nos comentários a notícias veiculadas por jornais impressos e televisivos. No caso das mídias televisivas, como alertava Silverstone em 1994, há uma constante exploração das tecnologias de informação, que fornecem contextos para a sua produção, divulgação e seu consumo.
  • 13
  • 14
    Bairro da cidade de São Paulo considerado de classe média alta.
  • 15
    Agradeço à Carolina Branco por ter chamado minha atenção para esse ponto.
  • 16
    Em debate sobre turismo sexual e cultura do estupro, promovido pelas Jornalistas Livres, Elisa Sami – advogada da vítima de estupro coletivo – é uma das defensoras dessa visão. Vale ressaltar que a vitimização das mulheres tem sido contestada por pesquisadoras feministas em contextos do mercado do sexo (Piscitelli, 2006Piscitelli. Adriana. Sujeição ou subversão: migrantes brasileiras na indústria do sexo na Espanha. História e Perspectivas (35), Uberlândia-MG, jul.-dez. 2006, pp.13-55.), das práticas sadomasoquistas (Gregori, 2016Gregori, Maria Filomena. Prazeres perigosos: erotismo, gênero e limites da sexualidade. São Paulo, Companhia das Letras, 2016.; Facchini; Machado, 2013Facchini, Regina; Machado, Sarah Rossetti. “Praticamos SM, repudiamos agressão”: classificações, redes e organização comunitária em torno do BDSM no contexto brasileiro. Sex., Salud Soc., nº 14, Rio de Janeiro, 2013, pp.195-228 [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-64872013000200014&lng=en&nrm=iso – accesso em: 17 Aug. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S1984-64872013000200014].
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ) e da indústria pornográfica (Benitez, 2009Benitez, Maria Elvira Diaz. Nas redes do sexo: bastidores e cenários do pornô brasileiro. Rio de Janeiro, Editora UFRJ/Museu Nacional/PPGAS, 2009.).
  • 17
    A vinculação e a extensão de estados emocionais são discutidas por Carolina Branco de Castro Ferreira em outro contexto (neste número).
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    https://www.youtube.com/watch?v=zzAr64e635Y - Marcia Tiburi sobre a cultura do estupro – 30/06/2016 (Jornalistas Livres) [acesso em: 03 jun. 2016].
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2016
  • Aceito
    19 Ago 2016
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