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Viagem e gênero: tendências e contrapontos nos relatos de viagem de autoria feminina*

Travel and Gender: Trends and Counterpoints in Nineteenth-Century Female Travel Accounts

Resumo

Trabalhos dedicados à análise de relatos de viagem de autoria feminina do século XIX, em geral, tentam delinear as especificidades dessas fontes, evidenciando o apego ao âmbito privado e ao ponto de vista pessoal das autoras. Este artigo reflete sobre essa questão e procura mostrar que, se esse traço de fato existiu enquanto tendência, certos contrapontos tornam problemática a ideia de uma estrita oposição entre as esferas “feminina” e “masculina”. A pesquisa tomou como fontes primordiais relatos de latino-americanas que viajaram à Europa e aos Estados Unidos no século XIX.

Relatos de viagem; Gênero; América Latina; Século XIX

Abstract

Studies that analyze the travel accounts written by women in the nineteenth century generally try to outline specific aspects in those sources by demonstrating the personal views of the authors. This article reflects on this issue and attempts to demonstrate that if this trait is accepted as a trend then it is also possible to identify counter arguments that make such a simplistic distinction between “female” and “male” accounts more problematic than previously asserted. The primary sources for this research were the accounts of Latin American women who travelled to Europe and the United States in the nineteenth century.

Travel Accounts; Gender; Latin America; Nineteenth Century

Introdução

Os relatos de viagem de autoria feminina têm sido foco de análises acadêmicas nas últimas décadas. Parte desses estudos faz alusão ao caráter específico desses textos, marcado pela associação entre o universo feminino e o privado, a instância pessoal e estratégias retóricas usadas pelas autoras para imporem-se para além desses limites. Mesmo considerando que tais afirmações têm como base as pressões sociais vividas por essas mulheres – e não uma mística essência feminina – o foco na especificidade acaba por tender a uma certa generalização, passível de ser relativizada, levando-se em consideração as ambiguidades presentes nos discursos das personagens analisadas. Por essa razão, este artigo pretende mostrar os traços mais comuns nos textos das viajantes, que aludem a uma separação das esferas de atuação entre homens e mulheres e também abordar contrapontos elucidativos das confusões de papeis, menos evidenciadas quando o ponto de partida é detectar as diferenciações.

Estudos sobre os relatos femininos: convergências e discordâncias

É importante, antes de iniciar a análise dos relatos, averiguar como a questão da especificidade feminina foi entendida em destacadas pesquisas nas Ciências Humanas que também lidaram com essas fontes. É possível depreender que o tema da especificidade é conclusão comum em diferentes obras.1 1 Evidentemente, não há unanimidade em relação a essa questão. Um exemplo de trabalho que aponta para as dificuldades em se definir as particularidades desses relatos femininos é o de Miriam L. Moreira Leite. A respeito, a autora afirmou: “A expectativa de que as autoras mulheres apresentassem uma perspectiva diferente e alguma identificação com as mulheres do país visitado nem sempre se comprovou. É difícil, sob esse ponto de vista, distingui-las dos autores homens” (Leite, 1997:16).

Ao examinar textos de viajantes britânicas no auge do imperialismo, Sara Mills (1991)Mills, Sara. Discourses of difference. An analysis of women’s travel writing and colonialism. Nova Iorque, Routledge, 1991. conclui que seus enunciados diferem dos articulados pelos homens. As mulheres não aderiram à voz imperialista da mesma maneira que os homens. Adotaram uma escrita mais experimental e menos imperativa e descreveram indivíduos, e não estamentos e raças. Sem negar a dominação imperial, apreciaram de forma menos autoritária o “outro” marginalizado. Esses atributos decorrem da condição especial da produção desses textos, confeccionados por mulheres presas entre as demandas do discurso feminino – que as colocavam como passivas e preocupadas com os relacionamentos – e os imperativos do discurso do colonizador – que demarcava uma ação intrépida.

Bénédict Monicat (1996)Monicat, Bénédict. Itineraire de l´écriture au féminin. Voyageuses du 19e siècle. Amsterdam, Editions Rodopi, 1996., em seu estudo sobre viajantes europeias no século XIX, concorda com a ideia da especificidade. Enfatiza que esses são textos definidos, desde sua origem, como femininos e que engendram a ideologia da diferença sexual. Segundo a autora, adotam uma retórica distinta: se os homens eram assertivos, as mulheres, ao atingirem a esfera pública, precisavam se justificar, conservando uma aparência de inferioridade ligada ao feminino – operação que mobilizavam para alcançarem um reconhecimento do próprio valor, ao mesmo tempo que “reconheciam” o valor do mais forte. Converge com Mills ao afirmar que as viajantes reproduziam o discurso colonial, central e dominante, e simultaneamente o contestavam, pois, estando à margens desse centro, se aproximavam da “outra” margem.

O trabalho de Mary Louise Pratt (1999)Pratt, Mary Louise. Os olhos do império. Relatos de viagem e transculturação. Bauru, Edusc, 1999. sobre as visões imperiais por meio dos relatos de viagem contempla também as mulheres viajantes, embora não exclusivamente. Ao comparar os relatos femininos e masculinos conclui ser possível diagnosticar diferenças. Os relatos masculinos da chamada “vanguarda capitalista” (europeus que viajaram à América Latina após as independências, interessados em vantagens materiais) foram constituídos a partir de uma narrativa de conquista, por meio da qual expressavam seus objetivos intervencionistas e sua energia decisória. Os das mulheres estudadas adotaram um outro padrão: demonstravam pouco interesse à sua volta, preocupando-se mais com a independência pessoal; as ações narradas desenrolam-se a partir da moradia (como espaço da produção da subjetividade). As mulheres atuariam no âmbito da caridade, parte de uma prática de reformismo social, entendido como intervenção feminina na missão civilizatória europeia. Seriam, ainda, menos estatísticas, menos técnicas e revelariam um olhar menos autoritário, apesar de admitirem o privilégio europeu (Pratt, 1999Pratt, Mary Louise. Os olhos do império. Relatos de viagem e transculturação. Bauru, Edusc, 1999.).

De acordo com a argentina Mónica Szurmuk, é na narração sobre o âmbito doméstico e no processamento da viagem pelo viés da pessoalidade – o que fazia com que as mulheres observassem e se sentissem observadas – que se concentra a especificidade dos relatos femininos (Szurmuk, 2000Szurmuk, Mónica. Mujeres en viaje. Buenos Aires, Alfaguara, 2000.).

O recente trabalho de Adriana Méndez-Ródenas (2014)Méndez-Rodenas, Adriana. Transatlantic travels in nineteenth-century Latin America: european women pilgrims. Lewisburg (PA), Bucknell University Press, 2014. também enfatiza as especificidades: as viajantes tenderam a fazer dos locais de visita seus lares, ao invés de um simples lugar de passagem, o que cumpriria a função de diminuir a diferença entre elas e as populações locais. No entanto, destaca um aspecto que interessa sobremaneira a este artigo, por ir além da circunscrição da mulher ao círculo da intimidade ou do privado. Para a autora, as viagens propiciaram às mulheres a possibilidade de forjarem outros papéis, tais como os de observadoras sociais, etnógrafas amadoras e escritoras da história natural. Além disso, pondera que concretamente essas viagens podem ser entendidas como um canal de autotransformação das mulheres. O ecletismo dos relatos teria contribuído para que as viajantes os utilizassem para abordarem os mais variados temas, transformando-os, ao fim, num veículo de autoafirmação.

Embora concordem com a existência de um denominador comum nesses textos, há, nas análises, diferenças de ênfase. No último texto (Méndez-Ródenas, 2014Méndez-Rodenas, Adriana. Transatlantic travels in nineteenth-century Latin America: european women pilgrims. Lewisburg (PA), Bucknell University Press, 2014.), confere-se à experiência da viagem um potencial para se sobrepujar as práticas mais tradicionais. Esse tipo de análise contribui para relativizar a própria ideia de separação entre as fronteiras do “feminino” e do “masculino”. Outra diferença diz respeito à suposta natureza autobiográfica dos relatos femininos. Para Sara Mills (1991)Mills, Sara. Discourses of difference. An analysis of women’s travel writing and colonialism. Nova Iorque, Routledge, 1991. é complicado considerá-los como uma escrita desse gênero, pois isso retiraria deles o caráter como artefatos culturais; deixariam de ser pensados como parte de um estatuto literário, para serem entendidos como obras de passatempo. Monicat (1996)Monicat, Bénédict. Itineraire de l´écriture au féminin. Voyageuses du 19e siècle. Amsterdam, Editions Rodopi, 1996. diverge de Mills nesse ponto, pois encara positivamente o caráter autobiográfico dos textos de viagem de mulheres. Por meio dos relatos autobiográficos, as viajantes teriam realizado um trabalho criativo, reinventando ou redescobrindo o sujeito feminino, depois de terem entrado no domínio masculino da produção de texto “factuais”.

Ainda que com variações de ênfase ou discordâncias mais marcadas, é possível depreender das análises acima uma forte tendência a sustentar a existência de especificidades dos relatos femininos. Neste artigo, defende-se que o propósito de se analisar as especificidades pode, dependendo da maneira como for abordado, encerrar alguns problemas, tais como a naturalização de comportamentos historicamente produzidos ou a pressuposição de esferas separadas e pouco permeáveis a relações e interconexões. Os trabalhos citados acima não apresentam esse tipo de problema. Mesmo que às vezes associem as particularidades de tais textos a uma narrativa que privilegia o privado, a vida doméstica, o autobiográfico ou sentimento de menor potência das mulheres em comparação aos homens, o fazem mostrando tais traços como resultados de pressões e constrangimentos engendrados social e historicamente.

De fato, analisando essas fontes, é difícil fechar os olhos para os aspectos que tentam denotar os comportamentos “tipicamente femininos ou masculinos”, pois eles são proeminentes. Por outro lado, tomá-los como pontos de partida e concentrar-se exclusivamente neles pode contribuir para que alguns questionamentos fiquem na sombra. Um caráter mais rústico de uma mulher, passível de convivência com uma suposta feminilidade dominante; ou um comportamento emotivo entre os homens, na maior parte das vezes entendidos como seres racionais, lineares, focados e objetivos. Por essa razão, pretende-se, neste texto, destacar tanto um caráter mais presente do discurso de mulheres viajantes, que projetaram a casa, a família, o veio pessoal como seu centro, quanto elementos que contradizem a regra, como as ações mais imperativas e as incursões no terreno do “outro”, tido como masculino.

Relatos de viagem femininos: além do caráter autobiográfico

Como já mencionado, um dos aspectos debatidos por certos analistas é o caráter autobiográfico dos relatos femininos que, defende-se aqui, deve ser matizado. O ponto de partida para essa relativização poderia ser a própria ideia de que os relatos de viagem compõem um todo tão diversificado – podendo circular a partir de suportes variados e mesclar-se a diferentes gêneros – que seria difícil pressupor uma definição tão rígida.2 2 Alguns autores chegam a desconsiderar a possibilidade de entender os relatos de viagem enquanto um gênero literário específico (Borm, 2004). Foge ao escopo deste artigo discutir os relatos de viagem como um tipo específico de gênero literário. Para objetivos mais focados no uso dessas fontes pelos historiadores, consultar Junqueira (2011). No entanto, o objetivo deste item é circunscrito à tentativa de verificar, de um lado, a presença desses elementos pessoais nos relatos, e de outro, as marcas de outros aspectos que transcendem o âmbito pessoal. É também aqui que serão dadas a conhecer, ainda que sumariamente, as autoras e as fontes da pesquisa.

Para uma análise mais sistemática, foram utilizados seis relatos de viagem de autoria feminina. Apenas como contraponto, serão feitas, ao final, referências a textos produzidos por dois viajantes homens. As autoras estudadas eram latino-americanas que viajaram para a Europa e Estados Unidos no século XIX. Oriundas de um leque diversificado de países, circularam por roteiros nem sempre coincidentes, embora viajando para o que poderíamos chamar de “países centrais”. De diferentes condições civis, tinham motivações específicas distintas. As viagens perfazem um escopo temporal relativamente amplo, que se estende de 1830 até o último decênio do século XIX. Para apresentá-las muito sumariamente3 3 Abordar as biografias das autoras não é o objetivo deste artigo. Alguns aspectos biográficos serão apresentados para a devida contextualização das viagens que deram origem aos relatos. , seguir-se-á a ordem cronológica das viagens.

A primeira é a cubana Gertrudis Gómez de Avellaneda (1814-1863). Deixou seu país quando tinha pouco mais de 20 anos, acompanhando a família, que decidira se mudar para a Espanha, país de seu padrasto. O relato é um misto de cartas endereçadas à prima e de uma memória dos dois primeiros anos da viagem (1836-38), organizadas em forma de quatro cadernos e publicadas postumamente (Gómez de Avellaneda, 1914a Gómez de Avellaneda, Gertrudis. Memorias inéditas de la Avellaneda. Epistolario a su prima Eloisa Arteaga y Loinaz. Habana, Imprenta de la Biblioteca Nacional, 1914a. ). Esse primeiro relato é repleto de referências autobiográficas. Discorreu sobre suas desventuras amorosas, reclamou da família do padrasto, fez referência às lembranças da infância. Por outro lado, é fartamente erudito, com citações, por exemplo, de Lord Byron, José María Heredia e Madame de Staël. Além disso, buscou algum grau de tecnicidade, como pode-se notar na descrição da Catedral de Sevilha, para a qual contou com a ajuda do livro do historiador espanhol Juan Agustín Ceán Bermúdez. Esses elementos mostram uma intenção de que o relato extrapolasse o caráter meramente autobiográfico. Uma vez estabelecida na Espanha, Gómez de Avellaneda envolveu-se com o círculo literário na metrópole e produziu importantes trabalhos literários em diferentes gêneros.4 4 Foi reconhecida principalmente por sua obra poética, mas um trabalho que desperta atenção da crítica atualmente é seu romance antiescravista, Sab (1841). A respeito, ver Sommer (2004) e Méndez Ródenas (2002). De sua volumosa obra destaca-se outro relato de viagem, escrito muito posteriormente ao primeiro. Trata-se de uma viagem de veraneio à região dos Pirineus, que realizou na companhia de seu marido, em 1859. Descreveu as estações de águas termais, a natureza exuberante da região e os estabelecimentos frequentados pelos turistas. Trata-se de um relato de caráter turístico, diferindo em muito do primeiro, que privilegia o tom autobiográfico. Já nessa primeira autora é possível notar diferenças nos tipos de relatos, sendo um mais marcado pela pessoalidade e outro mais depurado dos aspectos privados.

Nísia Floresta (1810-1885), a segunda viajante abordada, era brasileira, nascida no Rio Grande do Norte e morou em várias partes do Brasil antes de viajar para a Europa. De suas muitas viagens, há dois relatos conhecidos, um sobre a Alemanha e outro sobre a Itália. O primeiro – Itinerários de uma viagem à Alemanha – diz respeito a uma viagem realizada entre agosto e setembro de 1856 e o relato foi publicado em Paris, em 1857 (Floresta, 1998a Floresta, Nísia. Itinerários de uma viagem à Alemanha. Santa Cruz do Sul, Edunisc; Florianópolis, Ed. Mulheres, 1998a. [Trad. Francisco das Chagas Pereira]. ). Menos de dois anos depois fez uma viagem à Itália e à Grécia, entre 1858 e 1861. Suas impressões ficaram registradas em dois tomos de um relato – Três anos na Itália seguidos de uma viagem à Grécia –, também publicados em Paris (Floresta, 1998b Floresta, Nísia. Itinerários de uma viagem à Alemanha. Santa Cruz do Sul, Edunisc; Florianópolis, Ed. Mulheres, 1998a. [Trad. Francisco das Chagas Pereira]. ; s/d Floresta, Nísia. Trois ans en Italie suivis d’un voyage en Grèce. Vol. 2. Paris, E. Dentu, s/d. ). Ambos os textos têm caráter autobiográfico. As referências aos filhos – tanto a moça, companheira de suas viagens, quanto o moço, que ficara no Brasil – são frequentes. O homem com quem viveu – a quem considerava seu marido5 5 Nísia Floresta casou-se aos 13 anos, por pressão familiar, e tempos depois abandonou o casamento. O marido, inconformado, teria passado a persegui-la. Aos 18 anos, a autora passou a conviver com Manuel Augusto de Faria Rocha, estudante de Direito em Olinda, com quem teve dois filhos. Para dados biográficos, consultar Duarte (1995). – e sua mãe, ambos falecidos antes de suas viagens, também são figuras onipresentes. O ponto de vista pessoal é, inegavelmente, um dado significativo. No entanto, não se deve negligenciar a preocupação em transmitir aos leitores informações históricas sobre os lugares visitados. As cidades e os monumentos são descritos com riqueza de detalhes. Os textos têm também um caráter doutrinário, que reflete a preocupação com a educação da mulher. Conselhos e narrações de casos exemplares entremeiam a narrativa.

O caráter da narração histórica não é exclusividade de Nísia Floresta. Está também presente no relato da argentina Eduarda Mansilla (1834-92), autora oriunda de uma família abastada e envolvida com a política.6 6 Eduarda Mansilla era sobrinha de Juan Manuel de Rosas, político federalista que ficou por mais de 20 anos no poder. Casou-se com um diplomata de tendência unitária, oposta à de sua família. As viagens realizadas foram feitas quando acompanhava o marido diplomata em suas missões. Para análises da obra da autora, ver Lojo (1999; 2002). Seu relato sobre os Estados Unidos, Recuerdos de viaje, remete-se a uma visita feita na década de 1860; no entanto, o livro só foi publicado no início dos anos 1880 (Mansilla, 1996 Mansilla, Eduarda. Recuerdos de viaje. Madrid, Ediciones El Viso, 1996. ). Eduarda acompanhava seu marido diplomata em suas viagens e carregava consigo filhos e serviçais (Sosa de Newton, 1994Sosa de Newton, Lily. Eduarda Mansilla de García: narradora, periodista, música y primera autora de literatura infantil. In: Fletcher, Lea (org.). Mujeres y cultura en la Argentina del siglo XIX. Buenos Aires, Feminaria, 1994, pp.87-95.). Apesar de trazer alguns dados pessoais, o relato muito pouco tem de autobiográfico. Ele está mais voltado para uma análise da sociedade norte-americana, feita principalmente a partir da observação dos hábitos culturais (incluindo-se a vida das mulheres), e traz também, como mencionado, reflexões históricas. É curioso notar que antes de abordar os temas históricos, a autora faça uma espécie de ressalva. Ela recomendava: “Aquellos lectores que de la Historia no gusten, pueden saltarlo; no por eso compreendrán menos bien mis impresiones de viajera” (Mansilla, 1996 Mansilla, Eduarda. Recuerdos de viaje. Madrid, Ediciones El Viso, 1996. :51). Esse alerta serve como tentativa de mostrar aos seus leitores homens que adentrava o terreno deles, ou como forma de precaver as leitoras que abordaria um ângulo menos usual.

A próxima autora, a chilena Maipina de la Barra (1834-1904), viajou à Europa em 1873 com o objetivo de visitar a mãe, que residia em Gênova, e completar a educação da filha, mostrando-lhe a “sociedade de bom tom” europeia. Seu relato foi publicado pela primeira vez em 1878, em Buenos Aires, com o título de Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. ). Nele, os traços autobiográficos têm um grande predomínio. Narrou sobre sua viuvez (embora não fale do marido), relatou que viajou com a filha, que enfrentou dificuldades financeiras e que teve algumas incompatibilidades com a mãe.7 7 Sua mãe morava na Itália e Maipina viajou para visitá-la. No entanto, chegando lá, encontrou a mãe casada com um homem muito mais jovem, o que a desagradou e fez com que ela continuasse sua viagem à Europa, e depois voltasse ao Chile, mais tarde indo viver na Argentina. Sobre Maipina de la Barra, remeto a Ulloa Inostroza (2012). Tinha como público as mulheres de alta sociedade e defendia, como Nísia, a educação feminina.

Ao contrário dela, a cubana Aurelia Castillo de González (1842-1920) não tece nenhum comentário pessoal ou familiar. Sabe-se que era casada com um militar espanhol que tinha inclinações políticas discrepantes a do governo espanhol na ilha, o que resultou na necessidade de viagens de exílio em certas ocasiões (Valdés Estrella, 2008Valdés Estrella, Mercedes. Aurelia Castillo. Ética y feminismo. La Habana, Publicaciones Acuario, Centro Félix Varela, 2008.). O livro aqui analisado é resultado de uma viagem de Cuba aos Estados Unidos, passando pelo México. É composto por cartas, publicadas na imprensa cubana, e, posteriormente, reunidas em livro. O objetivo é descrever a Exposição Universal de Chicago, em 1893 (Castillo de González, 1895 Castillo de González, Aurelia. Un paseo por América. Cartas de Méjico y de Chicago. La Habana, Imprenta La Constancia, 1895. ). A autora se porta como uma periodista, escrevendo com objetividade para um veículo da imprensa.

Finalmente, a colombiana Soledad Acosta de Samper (1833-1913) foi uma escritora prolífica, tendo trafegado por diferentes gêneros: artigos em periódicos, biografias, contos, história, romances, relatos de viagem. O texto analisado é um relato resultante de uma viagem à Espanha (Acosta de Samper, 1893 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. ), que ocorreu em 1892, quando, viúva havia quatro anos, fora convidada a representar a Colômbia em reuniões comemorativas do IV Centenário de Descobrimento da América. Embora acompanhada de sua filha, fez poucas referências à família e à vida pessoal. O enfoque principal é a narração dos aspectos históricos das cidades visitadas nas diferentes regiões do país, como Vizcaya, Castela, Galícia e Andaluzia. Em cada novo capítulo, ao descrever a próxima cidade a ser conhecida, elaborava uma longa descrição dos principais sucesos políticos y recuerdos históricos, antes de passar a narrar sobre os monumentos mais importantes. Nesse sentido, o relato ultrapassa os limites do autobiográfico, mesclando-se com narrativas históricas.8 8 O interesse de Soledad Acosta de Samper pela História é digno de nota. Ademais da presença de temas e personagens históricos em seus romances e biografias, escreveu livros de História, propriamente, como é o caso do manual didático Lecciones de Historia de Colombia (1908). Apesar de ter sido admitida na Academia Nacional de História da Colômbia, não se declarava enquanto uma profissional da área de História. Tratava-se, na verdade, de uma área ainda em formação. O fato de não atuar de maneira profissional não exclui, evidentemente, sua reconhecida atuação nesse âmbito.

Diante da diversidade de enfoques é difícil estabelecer de maneira categórica uma especificidade dos relatos femininos. Alguns traços que ajudam a perfilar as viajantes e considerar suas ligações com o âmbito feminino: quatro, dentre as seis, viajaram com filhos (Mansilla, Nísia, Maipina e Acosta de Samper), sendo essas três últimas viúvas, o que provavelmente abria maiores possibilidades às viagens, por liberá-las, ao menos parcialmente, de compromissos domésticos. Em geral reproduziram temas ligados à esfera privada, mas nunca se limitando a eles. Outros elementos estão presentes nessas obras, sendo os mais evidentes a narração dos acontecimentos históricos ligados aos locais descritos, a preocupação com a questão da educação feminina, a crônica de costumes das sociedades visitadas. Nesse ponto, cabe relembrar uma posição já comentada anteriormente, de uma estudiosa dos relatos de viajantes europeias. Ela aponta para o espaço da viagem como oportunidade para essas mulheres forjarem novas funções, como antropólogas e historiadoras naturais (Méndez-Ródenas, 2014Méndez-Rodenas, Adriana. Transatlantic travels in nineteenth-century Latin America: european women pilgrims. Lewisburg (PA), Bucknell University Press, 2014.). Essa perspectiva parece uma chave interpretativa interessante para a compreensão das viajantes latino-americanas aqui abordadas, pois seus relatos ultrapassam a dimensão de um texto estritamente autobiográfico.

Reiteração das “especificidades femininas”

As viajantes não negaram as funções consideradas “femininas”, mas também não se restringiram a elas. Os objetivos neste e no próximo item são mostrar como reiteravam a essencialização – ideia de que a mulher é dotada de “dons naturais” para certas atividades –, e ao mesmo tempo a rechaçavam, afirmando a necessidade de se inserirem em circuitos em tese inacessíveis às pessoas do sexo feminino. Para evidenciar essas ambiguidades, o artigo aborda primeiramente as leituras reiterativas de uma visão mais habitual, para depois explorar negações e inquietudes em relação aos papeis tradicionais.

Caridade e maternidade

Não é difícil encontrar nesses relatos descrições dos aspectos que deviam normatizar as ações das mulheres. As funções eram entendidas como designadas a partir dos sexos. A mulher era considerada o sexo frágil e a ela estava resguardada a função maternal. A dedicação ao outro – filhos, maridos, doentes, pobres e necessitados em geral – é um dado significativo nesse ideário, cabendo à mulher uma forte dose de altruísmo.

A chilena Maipina de La Barra refletiu, em seu texto, sobre as características específicas do homem, de um lado, e da mulher, do outro, entendidas como opostas. Assinalou que essas características eram intrínsecas a cada sexo, como se fizessem parte da natureza. Em sua visão, o homem era “ciência bruta da matéria”, ao passo que a mulher era dotada de sensibilidade e seu destino era “fazer o bem”, leia-se, praticar a caridade (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. :70). Quando viajava em direção à Europa, narrou, em forma de diálogo, uma cena que se passou no barco, em que se descreveu cuidando de um senhor idoso, que se dirigia a Turim (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. :60). Esses aspectos são estrategicamente ressaltados nos relatos com o intuito de valorizarem os próprios feitos, de mostrarem-se adequadas aos padrões de moralidade vigentes, como o demonstra a própria forma escolhida para abordar o assunto – o diálogo – tão usado nos catecismos para fins doutrinários na educação escolástica. Também é esse o modo utilizado para abordar outro papel normatizado da mulher: a maternidade. Como já foi apontado, Maipina de la Barra viajou com a filha. A uma certa altura da viagem, elas teriam travado o seguinte diálogo:

- Hija mía: tú sabes cuán grande es el cariño que abriga este pobre corazón que late aquí dentro (…)

- Significa, mamá, que tú me quieres mucho, pues que tú te afanas por mí; y que debo serte agradecida y sumisa, complaciéndote en todo y poniendo en práctica todos tus afectuosos consejos.

- Significa más, hija mía; significa que yo no vivo sino por ti, por tu felicidad; que mi vida depende de la tuya; y que si tú no existieras, la vida me sería indiferente… y aun abrumadora. (…) Mis consejos, pues, son sinceros, y ningún interés, sino el tuyo propio, me impulsa a dártelos” (…)

- Pero, querida mamá: tú me has enseñado a ser buena, humilde, laboriosa, caritativa, resignada…” (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. :64).

Os termos falam por si só. Os ensinamentos de mãe para filha eram de que esta devia ser agradecida, submissa, boa, humilde, laboriosa, criativa e resignada. No entanto, nas palavras da mãe, tudo isso ainda era pouco para expressar o verdadeiro valor da maternidade. Ao escrever que vivia só pela filha (No vivo sino por ti) queria enfatizar que a maternidade significava a própria existência.

A caridade e a maternidade foram abordadas com a mesma carga valorativa nos relatos da brasileira Nísia Floresta. Esses temas, além de constantes, apareciam misturados. A prática da caridade foi retratada como algo que Nísia havia herdado da mãe. Viajando por Milão, narrou sobre a visita feita a um hospital. A sequência da narração é a seguinte: primeiramente afirmou sua predileção por esse tipo de estabelecimento, sentindo-se inspirada ao lançar-se ao pé do leito dos doentes, levando-lhes uma palavra de consolo; na sequência, narrou, condoída, o contato com uma criança, praticamente desnutrida, que ficara órfã naquele hospital; essa cena fez com que se lembrasse de sua atuação em uma enfermaria no Rio de Janeiro, durante um ataque de cólera, em 1855, mesmo ano em que Nísia perdera sua mãe, ficando, ela mesma órfã; por fim, lembrou-se que o valor da caridade lhe fora passado na infância, justamente por sua mãe, que visitava os doentes nos arredores de Floresta (seu local de nascimento, no Rio Grande do Norte); concluiu afirmando que apesar de seu gosto pelas obras de arte, deixaria de ir a galerias para passar o resto do dia visitando outras instituições da mesma natureza (Floresta, s/d). É fácil perceber como vários encadeamentos são feitos aqui ligando maternidade à caridade. Cabe ressaltar outro aspecto muito presente nos textos de Floresta ao abordar o tema da caridade. A autora desfere uma crítica a mulheres que usam esse atributo para se vangloriarem, mulheres que queriam os “brilhos frívolos” e “louvores efêmeros do mundo”. Segundo a autora, a verdadeira mulher devia praticar a caridade em silêncio, na “doce atmosfera da modéstia”, sem “renegar sua nobre e generosa natureza” (Floresta, 1998:79-80).

Esses exemplos de valorização do altruísmo e da modéstia são representativos de outras narrativas similares. A maternidade e a caridade foram exploradas no discurso oitocentista feminino como termos correlatos, com vistas a reproduzir a ideia de que a renúncia dos interesses individuais em prol dos mais necessitados, era, para a mulher, algo natural e quase genético, visto que passado “de mãe para filha”.

Negação das glórias mundanas

A afirmação da prática da caridade em silêncio está associada à ideia de que as mulheres não deveriam ter visibilidade, aparecer ou destacarem-se publicamente, optando por uma vida de recato, introspecção, no interior dos lares, nas instituições de assistência ou na Igreja. Como conciliar tal acepção com o perfil de mulheres instruídas, cultas, viajadas? Como minimizar o impacto que os atos de viajar, conhecer e publicar podiam acarretar nos leitores, justamente pelo fato dessas ações afrontarem as expectativas de recolhimento que existiam em relação às “mulheres de bem”? Uma estratégia comum foi enfatizar o rechaço às glórias mundanas por meio da utilização de uma retórica de autodesqualificação do saber, do conhecimento e das potencialidades dessas mulheres.

Dentre os relatos consultados, o de Nísia Floresta é o que mais abusa dessa estratégia. A prática é usada à exaustão. Ela se comparava aos viajantes homens, colocando-se num lugar inferior. Não teria, como eles, pretensões científicas, um gosto formal refinado para narrar ou capacidade para julgar obras artísticas, colocando-se como “humilde apreciadora” da realidade (Floresta, 1998b Floresta, Nísia. Três anos na Itália seguidos de uma viagem à Grécia. Vol 1. Natal, Editora da UFRN, 1998b. [Trad. Francisco das Chagas Pereira]. ). Também ocorre com frequência narrar situações polêmicas do ponto de vista político, em relação às quais afirma desinteresse, alegando que esses assuntos graves não eram próprios para a pena de uma mulher (Floresta, 1998b Floresta, Nísia. Três anos na Itália seguidos de uma viagem à Grécia. Vol 1. Natal, Editora da UFRN, 1998b. [Trad. Francisco das Chagas Pereira]. :121). No entanto, como ainda será abordado aqui, a autora emitia críticas e expressava posições políticas, o que faz crer que o desinteresse afirmado era apenas retórico, usado de forma perspicaz e com alguma eficácia.

A chilena Maipina de la Barra concorre com a brasileira Nísia Floresta nesse ponto. São igualmente frequentes os usos estratégicos da autonegação, da falsa modéstia, as buscas de justificativas para mostrar-se, aparecer em cena, fazer-se presente. Logo no início do livro nega o desejo de ser escritora, mas na sequência, afirma que a escrita feminina era um dom divino e que era falsa a ideia de que as mulheres não deviam se expor porque seriam criticadas (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. ). Com essa “permissão divina” a prática da escrita tornava-se quase uma obrigação. Mesmo assim, optou por pedir também a aceitação de suas interlocutoras de carne e osso. Ao dirigir-se às suas leitoras, pedia que fossem indulgentes ao lerem sua “obrita” (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. :51)

Também era preciso “pedir licença” para viajar: Nísia argumentava que precisava distrair o espírito no aniversário de morte da mãe ou buscar tratamento médico para a filha (Floresta, 1998a Floresta, Nísia. Itinerários de uma viagem à Alemanha. Santa Cruz do Sul, Edunisc; Florianópolis, Ed. Mulheres, 1998a. [Trad. Francisco das Chagas Pereira]. ; Floresta, 2001). Maipina explicava longamente as razões de sua viagem. Iniciou o livro informando que era viúva, mãe de uma menina de 16 anos, que tinha que dar aulas de música para sobreviver, que queria dar um futuro digno para a filha. Tudo isso contava na decisão da viagem. Não bastando as explicações terrenas, apelou de novo ao sobrenatural: desacorçoada, foi à Igreja e recebeu, novamente, da Divina Providência, a inspiração de viajar à Europa (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. ). Tanto para escrever, quanto para viajar – duas formas de fazer-se presente no público – essa autora precisou sentir-se autorizada por uma “voz superior”. Sem negar o conforto que isso podia representar para a autora, não se deve perder de vista que essa justificativa também devia cumprir o papel de resguardá-la perante os julgamentos da sociedade.

Nos relatos das outras autoras, a autonegação e justificativas não são tão presentes quanto nos dois anteriores, ainda que não estejam de todo ausentes. A cubana Gómez de Avellaneda não atribuiu ao fato de ser mulher a desqualificação de seu relato, mas alegou falta de tempo para produzir algo com real valor. De toda forma, recaiu numa característica comum, nos relatos femininos, que é o de afirmar incompetência para certos assuntos, como, nesse caso, o conhecimento artístico. Escreveu à prima, a quem dirigia seus apontamentos de viagem: “No espere, pues, una descripción de Bourdeaux ni detalles artísticos de sus notables edifícios; conténtate con una ligera reseña de las cosas más sobresalientes que vi en aquella hermosa capital” (Gómez De Avellaneda, 1914a Gómez de Avellaneda, Gertrudis. Memorias inéditas de la Avellaneda. Epistolario a su prima Eloisa Arteaga y Loinaz. Habana, Imprenta de la Biblioteca Nacional, 1914a. :6). Sua conterrânea, Aurelia Castillo de González lançou mão do recurso em duas situações. Primeiramente, quando tratou da passagem pelo México, a caminho dos Estados Unidos, afirmou que sua descrição da paisagem era feita com “una rapidez de impresiones propia de mi sexo” (Castillo de González, 1894:7) E depois, já no fim do livro, quando estava prestes a terminar as narrações sobre a Exposição Universal de Chicago de 1893, se desacreditou como expectadora capaz de compreender bem alguns edifícios da exposição (como os de maquinário, eletricidade, antropologia, transportes, minas, belas artes e manufaturas). Pedia indulgência às leitoras, suas compatriotas, afirmando que os descreveria apenas como pessoa “curiosa” (Castillo de González, 1894:119). O que é muito interessante nessa autora é perceber que ela manifestou consciência do uso estratégico desse recurso retórico, chegando a comentar diretamente sobre ele. Numa passagem em que descreveu a atuação de uma importante escritora norte-americana, afirmou que nos Estados Unidos as mulheres não precisavam lançar mão desse recurso. Lá, a mulher

no tendrá que hacer prodigios de intuición, equilibrios en el aire o punto menos; esto es, en la cuerda floja de lo mal sabido, de la incertidumbre, temiendo siempre resbalar y caer, temblando al presentir la risa inconsiderada de la multitud (Castillo de González, 1894:85).

Isso mostra que era um tanto comum e até mesmo esperado da mulher escritora que utilizasse esse recurso, de forma que já era possível até mesmo cogitar abrir mão de seu uso.

Ao que parece, esses artifícios eram menos usados para demarcarem interesses “especificamente femininos”, e mais utilizados como uma espécie de “passaporte” para que pudessem trafegar numa fronteira cujos limites, tão bem estabelecidos, elas ameaçavam transgredir com os seus atos.

Confrontando as “especificidades femininas”

A tensão entre a reiteração de concepções convencionais e a quebra de alguns protocolos também se fez evidente em temas como a circulação pelos espaços, a colocação das mulheres no mercado de trabalho, a incursão no mundo das letras e os posicionamentos políticos. Tentavam manter um equilíbrio, no limite, bastante instável, e que às vezes parecia pender, se não para uma ruptura, ao menos para um deslocamento dos comportamentos e noções usuais.

Mulheres que viajam sozinhas contra a segregação dos espaços

No que diz respeito à circulação pelos espaços, em algumas ocasiões encararam como natural a demarcação dos ambientes de acordo com os sexos. Vejamos alguns poucos exemplos. Espécie de cronista de costumes, Eduarda Mansilla flagrou aspectos que marcavam o cotidiano de homens e mulheres norte-americanos. Registrou as especificidades de comportamentos e as delimitações dos espaços de circulação. Depois do jantar, em um restaurante, retratou mulheres reunidas num salão de conversação específico para senhoras; observou a “galanteria” nos hotéis, que reservavam entradas diferenciadas para homens e mulheres; mostrou como a rua era lugar frequentado pelas mulheres solteiras enquanto o lar era o reduto “por excelência” das casadas (Mansilla, 1996 Mansilla, Eduarda. Recuerdos de viaje. Madrid, Ediciones El Viso, 1996. ). Da mesma maneira, percorrendo de trem o caminho de Bordeaux a Marselha, Maipina de la Barra saudou a iniciativa das companhias ferroviárias de destinarem vagões específicos a mulheres que viajavam sozinhas (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. ). Soledad Acosta de Samper se irritou, na Espanha, com a postura de homens que fumavam perto das mulheres (Acosta de Samper, 1893 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. ).

Tais descrições podem levar a pensar que elas só reforçaram especificidades entendidas enquanto intrínsecas ao sexo feminino, reiteraram a divisão dos espaços, endossaram o âmbito das esferas separadas. No entanto, rastrear as ambiguidades ajuda a mostrar que esses limites não eram tão estritos como se poderia pensar à primeira vista. Se por um lado defendiam comportamentos específicos e lugares próprios para homens e mulheres, por outro chegaram a afirmar exatamente o contrário. Reclamavam, por exemplo, quando eram impedidas de entrarem em alguns lugares. Nísia Floresta mostrou-se indignada com a proibição da entrada de mulheres na capela de São João Batista, na Catedral de São Lorenzo, em Roma (Floresta, 1998b Floresta, Nísia. Três anos na Itália seguidos de uma viagem à Grécia. Vol 1. Natal, Editora da UFRN, 1998b. [Trad. Francisco das Chagas Pereira]. ). Soledad Acosta de Samper, em Burgos, Espanha, também lamentava não poder conhecer algumas partes do convento da cidade (Acosta de Samper, 1893 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. ).

Em outras ocasiões enfrentaram situações de exposição ou de risco. Nísia Floresta narrou as adversidades ao visitar o Vesúvio, enfrentando-as com grande disposição física. Dispensou guias e o transporte a cavalos, chegando infatigavelmente ao cume da montanha (Floresta, 1998b Floresta, Nísia. Três anos na Itália seguidos de uma viagem à Grécia. Vol 1. Natal, Editora da UFRN, 1998b. [Trad. Francisco das Chagas Pereira]. ). Soledad, que viajou com a filha, contou como desafiou, por duas vezes, situações de perigo, percorrendo lugares inóspitos à noite. A opção de viajar à noite era da própria autora, para tornar a jornada noturna um tempo útil e aproveitar ao máximo a viagem durante os dias. No primeiro episódio, chegou a León, na Espanha, às quatro da manhã, depois de ter viajado a noite inteira, partindo de Valladolid. No caminho entre a ferroviária e o hotel, num descampado, ouviu um diálogo entre o condutor da viatura e um transeunte, sobre um assassinato que se dera na região, conversa que foi seguida das indagações curiosas do caminhante sobre as mulheres no interior do veículo. Escreveu que não tinha recursos para se proteger naquela situação, tendo que “calar e sofrer” e “aguardar em silêncio, torcendo para que não houvesse um ataque (Acosta de Samper, 1893 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. ). A intenção manifesta do texto é mostrar os perigos que duas mulheres viajando sem a companhia masculina – e ainda mais de madrugada – corriam, como se a afirmar que aquilo não era coisa para o sexo feminino. Diante disso, uma primeira leitura poderia fazer pensar numa atitude passiva da personagem. No entanto, como já se afirmou, esses relatos são cravados de ambiguidades. Tanto é assim que, em outra situação muito semelhante, quando viajava de La Coruña a Santiago de Compostela, Soledad mostrou ter reagido, tomando atitude mais rústica, em vez de esperar em silêncio. Os condutores da carruagem pararam numa taberna, na estrada, onde ficaram por mais de uma hora, deixando as duas passageiras sozinhas no veículo, estacionado num rincão inóspito da Galícia, famoso nos livros de viagem por ser um lugar onde assaltantes faziam ataques nos caminhos (Acosta De Samper, 1893 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. ). Mais do que o suspense da narrativa, o que chama a atenção é a atitude imperativa, que contrasta com a imagem da mulher calada e sofrida. Depois de elucubrar sobre a possibilidade de ser assaltada ou molestada pelos condutores em suposto complô com outros homens da taberna, tomou coragem para entrar no recinto e perguntar se seguiriam ou não a viagem. Após ser ignorada numa primeira tentativa de diálogo com aqueles homens “grosseiros” no ambiente “hostil”, foi obrigada a recolocar a questão, de forma mais incisiva: “Hace más de una hora que estamos aguardando, repuse; es preciso que partamos, agregué con voz firme” (Acosta de Samper, 1893 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. :146, grifos nossos). A necessidade de impor um tom rude na voz para se fazer ouvir é digno de nota. É como se dissesse ser preciso adotar um comportamento mais “masculino” para vencer aquela situação imposta a uma viajante solitária. Em outras palavras, não tinha senão a si própria para defender-se, e não esquivou de fazê-lo, saindo ilesa e fortalecida da situação: “Poco a poco habíamos perdido el temor de ladrones, y la idea de la confabulación de nuestros conductores com salteadores de camino nos empezaba a causar risa” (Acosta de Samper, 1893 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. :150).

É impossível saber se a história narrada foi real ou inventada. No entanto, a vontade da autora foi a de passar a imagem de alguém que venceu obstáculos colocados diante da mulher que viajava sem a companhia masculina, encarando-os, depois de vivida a experiência, como fantasias risíveis.

Mulheres trabalhadoras

Da mesma maneira que foram ambíguas e não consentiram integralmente a ideia de segregação dos espaços, também chegaram a defender posturas que contrariavam o contorno mais retraído que algumas vezes pintaram sobre si próprias. Fizeram-no a partir das apreciações sobre o trabalho feminino. O ato de trabalhar fora de casa era tradicionalmente entendido como algo masculino. Em suas viagens, as autoras se depararam com situações em que viram mulheres trabalhando e, em geral, fizeram elogios a esses atos.

Em Paris, Maipina de la Barra reparou em mulheres trabalhando (De La Barra, 2014). Quando de volta ao Chile, narrou sobre as dificuldades financeiras em que se encontrava e aventou a possibilidade de trabalhar, dando aulas de música. Nessa passagem, fica claro que valorizava a atitude das mulheres trabalhadoras e lamentava as interdições e preconceitos enfrentados no Chile. Em um determinado momento, em tom de desabafo, escreveu que seus problemas se resumiam ao fato de ser mulher e não poder trabalhar (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. ). E, logo na sequência, fez uma crítica mais contundente aos seus conterrâneos pelas rejeições que sofreu ao trabalhar para sobreviver: “¡triste es decirlo! En América el trabajo de una señora es, en general, considerado con las ideas más mezquinas, y lo que en Europa es un honor, aquí casi es deshonra” (De La Barra, 2013 Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013. :176).

Eduarda Mansilla, que gozava de uma condição privilegiada em termos financeiros, também defendeu o trabalho feminino. Nos Estados Unidos, deparou-se com mulheres repórteres. Elogiou suas atuações e, para minimizar possíveis críticas de seus leitores, afirmou que a profissão não era incompatível com a feminilidade, pois podiam tratar, de forma profunda, de “assuntos amenos”, como os eventos sociais. Além de valorizar as atividades das jornalistas, Mansilla estimava o trabalho das tradutoras. Por fim, defendeu que as mulheres deveriam aproveitar esses “meios honrados” de ganharem a vida, o que as libertaria da “servidão da agulha” (Mansilla, 1996 Mansilla, Eduarda. Recuerdos de viaje. Madrid, Ediciones El Viso, 1996. :120-121).

Na mesma linha, Aurelia Castillo de González admirou-se com mulheres na exposição de Chicago. Conduziam veículos sozinhas, trocando de papéis com os homens. Usavam até mesmo roupas mais masculinas. Tudo isso, afirmava, “sem perder a graça” (Castillo de González, 1894 Castillo de González, Aurelia. Un paseo por América. Cartas de Méjico y de Chicago. La Habana, Imprenta La Constancia, 1895. :63). A autora defendia que a mulher devia ser educada para que isso abrisse caminho às atividades lucrativas (Castillo de González, 1894 Castillo de González, Aurelia. Un paseo por América. Cartas de Méjico y de Chicago. La Habana, Imprenta La Constancia, 1895. ). E mostrava-se satisfeita quando o papel da mulher era reconhecido. Uma das cartas mais longas é a que descreve o Edifício das Mulheres, da Exposição Universal de Chicago, na qual relatou que o prédio teve uma mulher como projetista e contou que o primeiro trem a entrar em Chicago depois de inaugurada a exposição foi conduzido por uma maquinista (Castillo de González, 1894 Castillo de González, Aurelia. Un paseo por América. Cartas de Méjico y de Chicago. La Habana, Imprenta La Constancia, 1895. ).

Mulheres intelectualizadas

O trabalho era entendido como forma de atuação legítima para essas mulheres, ainda que os costumes definissem a casa como seu lugar natural. Da mesma maneira, o trabalho intelectual foi mobilizado para refutar a perspectiva de que só os manuais eram cabíveis às mulheres.

No seu relato, Gómez de Avellaneda comentou, sem grandes críticas, que as galegas faziam todos os trabalhos domésticos, e que as cubanas de sua classe eram acusadas de preguiçosas e indolentes (Gómez de Avellaneda, 1914a Gómez de Avellaneda, Gertrudis. Memorias inéditas de la Avellaneda. Epistolario a su prima Eloisa Arteaga y Loinaz. Habana, Imprenta de la Biblioteca Nacional, 1914a. ). Já em outro texto seu, uma autobiografia escrita na mesma época atacou a noção de que as mulheres deviam limitar-se às tarefas do lar sem dedicarem-se ao cultivo das letras. Por ser uma jovem intelectualizada, era acusada de preguiçosa pelas matronas da família. Virulento, seu discurso é atravessado por um ideal ilustrado, que rejeitava o conservadorismo religioso e as práticas comportamentais de um universo convencional, que alijava as mulheres do mundo das ideias:

Las parientas de mi padrasto decían, por tanto, que yo no era buena para nada, porque no sabía planchar, ni cocinar, ni calcetar; porque no lavaba los cristales, ni hacía las camas, ni barría mi cuarto. Según ellas, yo necesitaba veinte criadas y me daba el tono de una princesa. Ridicularizaban también mi afición al estudio y me llamaban la Doctora (Gómez De Avellaneda, 1914c Gómez de Avellaneda, Gertrudis. Autobiografia y cartas (hasta ahora inéditas) de la ilustre poetisa Gertrudis Gómez de Avellaneda. Madrid, Imprenta Helenica, 1914 c. :72-73).

O papel da mulher intelectualizada se destaca no relato de Aurelia Castillo de González. No México, elogiou as ações que Benito Juárez tinha empreendido no âmbito da educação feminina, tal como a fundação de escolas normais para formar professoras; defendeu a importância dos gabinetes científicos para mulheres e contou que assistiu a aulas de professoras nas quais ensinavam de maneira criativa os princípios da Física e da Química (Castillo de González, 1894 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. ). Ao mesmo tempo, rendeu um tributo a mulheres que alcançaram projeção pública por meio das atividades intelectuais. Nos Estados Unidos, o caso mais significativo é o da escritora Harriet Beecher Stowe, autora do popular romance Uncle Tom´s Cabin, por meio do qual defendeu a abolição. Aurelia visitou o pavilhão das mulheres, na Exposição Universal em Chicago, que tinha uma ala toda dedicada a Stowe. A educação feminina e o incentivo a que as mulheres exercessem seus talentos intelectuais eram considerados pela autora um sinal de civilização (Castillo de González, 1894 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. ). Era prática comum entre essas viajantes elevar os nomes das “mulheres célebres” no campo das letras, sempre que visitavam seus locais de moradia, tal como fez Gómez de Avellaneda, na viagem aos Pirineus, ao visitar a morada da escritora francesa Sophie Cottin (Gómez de Avellaneda, 1914b Gómez de Avellaneda, Gertrudis. Mi última excursión por los Pirineos. In: Obras. (Tomo VI, Miscelánea). La Habana, Imprenta de Aurelio Miranda, 1914b, pp.7-47. ) e Soledad de Acosta Samper, ao comentar sobre as escritoras Emília Pardo Bazán e Rosalía de Castro, em sua viagem à Espanha (Acosta de Samper, 1893 Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893. ).

A política na ponta da pena

Todas essas defesas e argumentos – da viagem sem a companhia masculina, do trabalho feminino, da participação da mulher no campo das letras ou do ensino – representam tentativas de alargar a estreita trama tecida no âmbito dos costumes e propalada pelo discurso que tendia a cercear as práticas das mulheres. São, portanto, tentativas de incursão na esfera pública. Apesar do rompimento que significavam, eram, ainda, um modo oblíquo de adentrar o círculo dominado pelos homens, visto que apenas margeavam aquela área considerada masculina por excelência, isto é, a da política. Nesse aspecto em particular, poucas foram as manifestações da maior parte das autoras estudadas. Dentre elas, a que mais se aproximou desse campo foi Nísia Floresta, apesar de todas as afirmações de falta de pretensões com seus escritos.

Quando viajou pela Itália, o Estado nacional ainda não tinha sido constituído e preponderava uma situação de divisão do território em vários reinos e ducados, submetidos, em alguns casos, a nações estrangeiras. Absorvida por aquele agitado ambiente político, abordou-o frequentemente em seu relato, por meio de declarações que mostram uma postura enérgica e nada passiva. Colocou-se contra a monarquia absoluta, representada sobretudo pelos Bourbons no Reino das Duas Sicílias, apoiando o projeto monárquico constitucional e reformista representado pela casa de Savóia, do Reino Sardo-Piemontês; condenou as situações de dominação estrangeira, como ocorria com o domínio dos austríacos e criticou a intromissão do poder religioso na esfera civil. Ainda incentivou a participação das mulheres na luta pela unificação italiana – é certo que com contribuições “específicas”, isto é, como auxiliares dos homens. (Floresta, 1998b; s/d Floresta, Nísia. Três anos na Itália seguidos de uma viagem à Grécia. Vol 1. Natal, Editora da UFRN, 1998b. [Trad. Francisco das Chagas Pereira]. ). Pode-se dizer que as questões de ordem política estiveram presentes no horizonte feminino no século XIX, apesar de que se tenha enfatizado que as funções naturais da mulher se ligavam exclusivamente à esfera doméstica.

Um contraponto necessário: dois relatos de autoria masculina

À imagem de que certos comportamentos (recato, altruísmo, caridade) eram naturalmente identificados com as mulheres, corresponde uma outra, oposta, frequentemente mobilizada para definir os homens: seres supostamente objetivos, racionais, egocêntricos, dominadores, viris. O questionamento desse tipo de argumento, buscando-se nos relatos femininos aspectos que procuravam quebrar a rigidez dessas divisões pressupõe também a relativização da noção estigmatizada do homem como antípoda da mulher. Não é objetivo, aqui, realizar uma análise sistemática de todo um conjunto de relatos masculinos do século XIX, mas pretende-se apresentar, como contraponto à leitura mais corrente, exemplos menos comuns de relatos masculinos, por mostrarem que nem sempre seguiam o modelo clássico esperado do viajante.

O primeiro relato foi escrito por Florencio Varela (1807-48), um argentino exilado no Uruguai, que viajou para Inglaterra e França em 1843, com fins diplomáticos, tendo como missão buscar apoio britânico para solucionar os conflitos políticos que ocorriam no Prata.9 9 Varela era liberal e unitário, e posicionava-se contra Juan Manuel de Rosas, na Argentina, e Manuel Oribe, no Uruguai, que representavam a tendência federalista. Durante a viagem, escreveu um relato em forma de diário, que permaneceu inédito até 1974, quando veio a ser publicado, em dois volumes, pela Revista de História de Montevideo, com o título Diario de Viaje por Inglaterra y Francia (1843-1844). Ao longo de suas páginas relatou atividades diplomáticas, visitas a museus, galerias e fábricas e os momentos com personalidades célebres, como os políticos José de San Martín e Louis Adolphe Thiers, e os escritores François-René de Chateaubriand e Alphonse de Lamartine. Mas o que tem de mais significativo para os objetivos deste artigo é que Florencio Varela levou consigo o filho primogênito, Héctor Florencio Varela Cané, que à época tinha apenas 11 anos. Esse fato, pouco comum, chama a atenção, pois os cuidados com as crianças no século XIX em geral cabiam às mães. Nesse caso, o viajante foi obrigado a lidar com o problema, e o que nos lega é um raro e interessante testemunho das tentativas de adequação das funções profissionais, entendidas como “masculinas”, e das tutelares, percebidas como “maternais”.

Não são muitas as menções que faz ao filho. Afinal, não era padrão um homem registrar os aspectos de sua vida privada em um relato de viagem. Ao contrário, devia-se destinar a esta produção os “assuntos sérios”. Tanto é assim que Varela precisou se justificar ao adentrar a esfera privada. O argumento que utilizou para escrever sobre o filho foi a necessidade de relatar à esposa sobre o que se passava com o menino (Varela, 1974a Varela, Florencio. Diario de Viaje por Inglaterra y Francia (1843-1844). Revista Histórica, Tomo XLV, Ano LXVIII nºs 133-135, Montevideo, 1974. ). Apesar de serem poucas as referências, é possível perceber que precisou abrir espaço em sua viagem para lidar com as questões do filho. Essas questões eram muito variadas; relacionavam-se aos cuidados do pai em relação a demandas elementares, como a saúde do pequeno, ou a aspectos ligados à formação religiosa. É curioso o fato de que, no início do relato, narre, sistematicamente, todas as idas a missas aos domingos. Logo, no entanto, essas narrações simplesmente desaparecem. Não é possível saber se ele deixou de levar o filho à missa, ou se simplesmente parou de relatar. De toda maneira, deixou de seguir, tão “religiosamente”, a tarefa de reportar à esposa aquea atividade que praticava com o filho. As referências à criança também envolvem questões como o atendimento aos seus desejos de entretenimento. Registrou, numa passagem, que levaria Héctor a um circo “de péssimo gosto”, mas que o fazia sem pesar, para distrair o filho (Varela, 1974a Varela, Florencio. Diario de Viaje por Inglaterra y Francia (1843-1844). Revista Histórica, Tomo XLV, Ano LXVIII nºs 133-135, Montevideo, 1974. ). Em Portsmouth, na visita que fizeram a um navio resgatado de um naufrágio e que estava sendo restaurado, comprou para o filho um souvenir de viagem: “Tuve que comprar para Héctor um cañoncito del mismo modelo de la artillería de aquel buque” (Varela, 1974a Varela, Florencio. Diario de Viaje por Inglaterra y Francia (1843-1844). Revista Histórica, Tomo XLV, Ano LXVIII nºs 133-135, Montevideo, 1974. :286). Mas o mais marcante é a quantidade de vezes que registrou a necessidade que teve de se privar de algo em razão da presença do filho. Digna de nota é a narração da visita que fez, em Londres, à Galeria Politécnica. Em uma das salas havia um depósito de água que servia como lugar de ensaio, onde os visitantes podiam testar aparatos normalmente utilizados para baixar ao fundo do mar. Varela deixou de participar da experiência por causa do filho: “Vi practicar varios experimentos en que hombres y señoras de entre los espectadores, bajaron al fondo dentro de la campana. Héctor no quiso entrar y no lo hice yo por no dejarlo solo” (Varela, 1974a:288). Ou ainda, na visita a uma catedral, em que deixou de explorar uma parte do lugar, também pela presença do filho: “Hoy he visitado todo el edifício, y subido a todas las alturas, menos a la bola en que descansa la cruz del dombo porque Héctor lo resistió decididamente de miedo” (Varela, 1974b:353-354). Vale a pena lembrar o registro que fez de um dia em que ficou preso no hotel, para fazer companhia ao filho doente: “Héctor ha passado el día enfermo en casa, y yo no he salido, sino a comer, por acompañarle” (Varela, 1974b:328). Diante dos obstáculos criados pela situação da viagem em companhia do filho, o autor criou alternativas buscando ter algum tempo livre. Só assim podemos entender a razão pela qual escreveu tantas vezes sobre uma tal Sra. Gowen, esposa de um amigo. Em passagem na qual registrou uma das tantas vezes que visitou o casal, Varela confessou que gostava de ir à casa do amigo, em Londres, pois a Sra. Gowen o ajudava a cuidar de Héctor (Varela, 1974a). Se por um lado a companhia do filho pode ter representado algumas perdas, por outro, essa figura acabou por conferir ao texto uma dimensão raramente explorada nos relatos masculinos: a do afeto, demarcado pelos pequenos atos, pelos detalhes aparentemente insignificantes que a vivência da paternidade em situação de viagem fez emergir. Elucidativa dess aspecto é a maneira como narrou a chegada com o filho à Inglaterra. Depois de vários dias de navegação e após enfrentar o percalço para encontrar alojamento adequado, o filho lhe fez um pedido singelo: “Me he alojado en uma posada, llamada ‘Fontain Hall’, em High Street, donde tengo un cuarto com Héctor. Este lo primero que pidió para tomar fue leche” (Varela, 1974a:278). Esse documento mostra que, apesar de ser algo incomum, os relatos masculinos também podem incorporar a dimensão do privado.

Comparado ao de Varela, o segundo texto de autoria masculina é muito mais carregado nas questões pessoais. Trata-se de um relato de viagem e, ao mesmo tempo, um diário íntimo. Foi escrito pelo chileno Isidoro Errázuriz (1835-98), quando o autor era muito jovem, entre 1851 e 56, ou seja, entre os seus 15 e 20 anos, período durante o qual empreendeu uma viagem de estudos ao exterior, nos Estados Unidos e na Alemanha.10 10 A versão consultada é uma edição publicada em 1947, pela Editorial Nascimento e tem 415 páginas. É uma cópia do original, feita por membros da família e está dividida em duas partes. No prólogo à edição publicada há a informação de que a segunda parte era um caderno de cem folhas, e que foram publicadas apenas 71 folhas possivelmente houve censura de algumas partes).

Aos 15 anos, quando era estudante do Instituto Nacional de Valparaíso – centro de formação secundária da elite do Chile –, envolveu-se, junto com outros jovens, na oposição ao governo conservador e no apoio a liberais. À época, as posições liberais eram perseguidas e o ímpeto juvenil de Isidoro resultou na sua expulsão do colégio e na decisão familiar de enviá-lo aos Estados Unidos, para concluir o secundário. Na sequência, viajou à Alemanha, para estudar na Universidade de Göttingen, onde obteve título de doutor em Leis. Durante esse período foi financiado pelo avô, que era também um político liberal.

A primeira parte do diário corresponde ao período inicial da viagem, entre 1851 e início de 1853. Nela, escreveu quase que ininterruptamente, sobre quando estudou no colégio jesuítico de Georgetown, nos Estados Unidos, e sobre os primeiros cinco meses na Alemanha. Então o diário sofre uma interrupção brusca, passando para a segunda parte, em que o autor narrou sobre a estadia na Alemanha entre setembro de 1855 e abril de 1856. Os anos de 1853 e 1854 não fazem parte do diário publicado.

Dentre outros temas, esse relato trata dos sentimentos de amor e amizade. Sobre esse tipo de fonte são importantes as considerações de Maria Helena P. T. Machado, quando afirma que ao lidar com diários íntimos, que expressam as “pulsões, sentimentos e pensamentos”, o historiador deve ter em relação ao documento uma “aproximação cuidadosa e empática, avessa a sensacionalismos e julgamentos moralistas, que destruiriam a própria riqueza do diário” (Machado, 1998:36). O relato de Errázuriz mostra que os textos masculinos não necessariamente cumprem um modelo tradicional idealizado, no qual as atividades na esfera pública são priorizadas e a racionalidade é empregada como algo naturalmente própria do homem. Quando essas características se fazem presentes, não traduzem uma “essência masculina”, mas sim os constrangimentos sociais que pesavam também sobre os homens. Tanto é assim que as funções desempenhadas no âmbito doméstico – como mostrado no caso de Florencio Varela –, bem como as emoções, devaneios e ambivalências sentimentais – como ocorrem no relato de Errázuriz –, só puderam ser expressos em textos originalmente destinados ao foro privado, e ainda assim são cravados de justificativas ou até mesmo de autocensura.

Ainda que manifestados de forma discreta, os conflitos sentimentais foram expostos. De maneira sutil, Errázuriz narrou ambiguidades em relação à sua sexualidade. Tratou de afetos e de relações de amor, paixão e amizade, que não raro se mesclavam.

A primeira pessoa por quem sentiu atração ao longo da viagem era uma jovem que conheceu em Washington, onde ia passear quando morava em Georgetown. Chamava-se Cora e era “lindíssima”, de acordo com o autor (Errázuriz, 1947). Escreveu sobre ela frases das mais inocentes e angelicais às mais pungentes. (Errázuriz, 1947). Logo esqueceria Cora e teria um brevíssimo entusiasmo por Elisa, filha de D. Manuel Carvallo, seu tutor, nos Estados Unidos (Errázuriz, 1947). No entanto, é de se notar particularmente o entusiasmo com que escrevia sobre seu amigo chileno Ladislao Larraín, que estudava numa escola católica nos Estados Unidos, mas em Nova Iorque.11 11 Ladislao Larraín viveu entre 1833 e 1901 e futuramente se tornaria proprietário de terras e deputado por Rancagua. Segundo informações do prólogo do Diário, escrito pelo historiador Eugenio Pereira Salas, era irmão de Joaquín Larraín Gandarillas, um importante membro da Igreja Católica do Chile, Bispo da Arquidiocese de Santiago, primeiro reitor da Universidade Católica do Chile e implacável perseguidor do liberal reformista Francisco Bilbao. Essa é a parte mais relevante do diário, em termos de demonstração de afetos e tensões emocionais.

Isidoro Errázuriz encontrou-se com Ladislao Larraín duas vezes durante sua viagem. Primeiro, em Washington, na passagem de 1851 para 1852. O segundo encontro se deu no trajeto de viagem de Isidoro dos Estados Unidos à Alemanha, quando o autor passou por Nova Iorque e visitou o amigo. Descreveu, no diário, os vários passeios feitos juntos, sempre expressando teor de felicidade. Num deles afirmou, entusiasmado: “El día fue interessantíssimo. Nunca, nunca pude esperarlo” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :244). Em outra oportunidade, contou: “A las 5 ½ tomamos un baño delicioso y después de la cena nos dirigimos a Castle Garden. (...) La función estuvo espléndida (...) Hasta muy tarde he conversado con Ladislao” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :247, grifos meus). Chamava-o constantemente de amigo e de irmão – “es el hermano querido de mis entrañas” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :248) –, mas marcas de um erotismo latente se insinuavam sutilmente. No navio, indo para a Alemanha, anota: “Después de la cena me quedé dormido como ayer. Ví a H..., a mis amigos, a mi madre. A las 9 ½ me desnudé. El nombre de Ladislao estaba muy grabado en mi corazón” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :251).

Nessa fase de transição entre os Estados Unidos e a Alemanha, também é perceptível que há um certo rechaço do autor em relação às mulheres, e ele parece sentir uma pressão social dos amigos para ter um comportamento “tipicamente masculino”. Em Bremen, foi convidado por seu companheiro de hotel para “buscar aventuras con mujeres”. Sua resposta ao convite foi a seguinte: “Le contesté evasivamente, pero creo que comprendió mi negativa” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :266). Em Hamburgo, outro amigo comentara sobre a beleza das mulheres, ao que contestou: “he paseado bastante desde que llegué a Alemania y aún no he visto una cara hermosa” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :280). Por vezes, passa a impressão de resvalar numa certa misoginia. Narrando um passeio, contou que encontrou mulheres de Wandsbek, lugar propagandeado pelo amigo como local de mulheres bonitas, ao que ele retrucou: São “toscas y feas como todas” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :282). Peter Gay afirmou que Schopenhauer professava a misoginia de modo quase proverbial, e que para tal, o filósofo bebia em várias fontes, incluindo seu desejo frustrado (Gay, 1988-90Gay, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. Vol. 2: a paixão terna. São Paulo, Companhia das Letras, 1988-90.). A considerar-se como válida essa análise, esse humor do viajante chileno ao falar das mulheres poderia expressar também suas desventuras sentimentais.

Isidoro provavelmente sentiu alguma culpa por não se comportar como outros amigos que saíam com mulheres, pois chegou a estabelecer uma comparação entre ele e esses jovens, lamentando a sua situação de envolvimento emocional com o amigo distante:

Sáez [que era seu amigo de quarto] ha llegado a las 11 de casa del joven venezolano, en donde fué convidado a pasar la tarde. Parece que se han divertido con niñas bastante bien. Todos se divierten, todos gozan a su modo. Yo sólo estoy en vela con la memoria y el alma fija en mi Ladislao (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :336).

Sobre a situação da culpa, também relatou um episódio em que ele e seu amigo de quarto seguiram uma jovem na rua, e declarou-se arrependido por sentir que traía Ladislao: “El asunto de la muchachita del Bazar me pesa en el alma, sobre todo cuando pienso en Ladislao. ¡Piedad, hermano! ¡Piedad, Padre consolador!” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :340).

Além do afeto, do ódio e do remorso, outro sentimento que expressou em relação ao amigo foi a saudade. Passado um bom tempo desde a separação, ainda lamentava a distância: “Hace cuatro meses desde que dejé a Ladislao en New York. ¡Para el corazón es un siglo!” (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :347).

Tempos depois que Isidoro chegou a Hamburgo, soube que o amigo iria à Alemanha visitá-lo. A partir desse momento, escreveu praticamente todos os dias sobre ele. Contava as horas para sua chegada. Começou a tentar acompanhar seu itinerário dos Estados Unidos até a Alemanha. Chegava a verificar cotidianamente as notícias sobre o movimento de partidas e chegadas de vapores que saíam de Nova Iorque. Mas tudo era em vão. Em desespero e delírio, escreveu em seu diário, pedindo a Deus, que lhe trouxesse “um/o” amigo e “um/o” irmão, e que não desejava uma mulher:

No quiero una mujer, porque las he visto en la nada de su brillantez y seducciones. Dame un amigo, un yo, un hermano; el amigo, el yo, el hermano que mis ojos ven sin cesar a los lejos, en medio de las olas del océano, que enturbia la tempestad (Errázuriz, 1947 Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947. :350).

O jogo com os artigos indefinido e definido – “um/o” - é muito significativo. O pedido é genérico o bastante para encobrir a confissão do amor que sentia pelo amigo, mas é claro o suficiente para sabermos que se referia a uma pessoa em específico, o que é complementado com o restante da frase, que se remete a alguém que chegaria de longe, cruzando o oceano.

Pelo diário, não se pode ter certeza se seu amigo chegou depois, já que nesse momento há um corte, uma interrupção nas anotações. É justamente aqui que se encerra a primeira parte do diário. A segunda parte registra acontecimentos de momentos muito posteriores e as temáticas são outras. Isidoro nada mais falou do amigo. Ele já estava envolvido com uma jovem alemã, com quem viria a se casar, e de quem se separaria tempos depois. Mas sabe-se, por outras fontes, que Ladislao de fato não chegou. Isidoro se refere a essa ausência numa carta ao avô, de 24 de janeiro de 1853, na qual lamentava o fato de seu amigo não ter ido visitá-lo (Errázuriz, 1920 Errázuriz, Isidoro. Cartas de Errázuriz al abuelo Chileno. Revista Chilena de Historia y Geografía, n6, T X, Santiago, enero-marzo 1920, pp.50-76. ).

Cabe colocar alguns questionamentos sobre esse relato. Que importância tem em termos históricos? Como não transformar as informações que contém em simples curiosidades? Primeiramente, é inegável que é uma fonte rica para se explorar um tema de difícil abordagem – o da sexualidade –, sobretudo no auge da moral vitoriana. A outra questão importante é que embora o diário seja pessoal, não se pode desprezar a sua dimensão coletiva. O corte no texto justamente quando escrevia de forma mais sincera sobre seus sentimentos, mostra a existência de um controle, não sabemos se do próprio autor ou da família. De toda maneira, revela que, por força de uma sociedade repressora em termos do comportamento e da moral, houve uma censura ou autocensura.

Além disso, alguns elementos presentes no diário – como o fato de enfatizar a relação de amor ou paixão como uma amizade – dão conta de que Isidoro Errázuriz não estava sozinho em sua prática de narrar, da forma como o fez, sobre seus sentimentos por pessoa do mesmo sexo. Outros diários da mesma época descreviam tais sentimentos de forma muito similar. Segundo Peter Gay, durante o século XIX o tema foi tratado com relativa frequência e mesmo com certa tranquilidade, até porque isso era feito de forma secreta e ambígua, o que se alterou no início do XX, quando ganhou um tom condenatório, pois passou a ser analisado de forma mais expandida pelo discurso científico e foi traduzido para a linguagem médica, inclusive com discussões sobre a cura (Gay, 1988-90Gay, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. Vol. 2: a paixão terna. São Paulo, Companhia das Letras, 1988-90.).12 12 O julgamento e a prisão do escritor britânico Oscar Wilde, em 1895, em razão da deflagração pública de casos de homoafetividade, constituíram um ponto fulcral nessa mudança de discurso. Ainda de acordo com esse autor, o século XIX guardava um paradoxo pois, ao mesmo tempo em que imperava a forte separação dos espaços e a distinção das condutas de acordo com os sexos, havia, por outro lado, um poder de negação dessa separação extrema, e um “segredo declarado” em relação a atitudes que desafiavam essa distinção excessiva. Desde que os “desvios” fossem narrados de forma difusa, permitia-se certa liberalidade, inclusive a de se cortejar pessoas do mesmo sexo (Gay, 1988-90Gay, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. Vol. 2: a paixão terna. São Paulo, Companhia das Letras, 1988-90.). Justamente sob essa lógica é possível entender o fato do viajante estudado chamar de “amigo” aquele que era o objeto de seu desejo. Chamar de “amigo” era uma forma justamente de tornar difusa a declaração de amor, e isso permitia que essas manifestações fossem feitas sem grandes punições, pois como não se podia provar que fosse algo mais além de amizade, não geravam escândalo. Assim, a prática de relatar sobre esses casos pôde passar ilesa por tanto tempo, até perto do fim do século XIX, quando o destino daqueles que começaram a ser chamados, pela linguagem médica, de “extraviados sexuais”, ficou mais difícil (Gay, 1988-90Gay, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. Vol. 2: a paixão terna. São Paulo, Companhia das Letras, 1988-90.). Análises como essa ajudam a pensar diários desse tipo, de forma que se possa extrapolar o universo das curiosidades e inseri-los numa dimensão coletiva.

Contra a naturalização das definições de papéis sociais de acordo com os sexos, é possível afirmar que, mesmo não sendo a regra, alguns viajantes homens quebraram protocolos, cumprindo papéis e reproduzindo comportamentos geralmente entendidos como exclusivos das mulheres. Os cuidados com uma criança durante a viagem e as demonstrações de sentimentos e emoções foram os pontos mais importantes dos dois últimos relatos abordados.

Considerações finais

Neste artigo buscou-se analisar as tendências mais presentes nos relatos femininos, sem perder de vista as particularidades das personagens estudadas. Nísia e Maipina trataram de forma mais contundente os temas da maternidade e da caridade, pois eram também as mulheres mais preocupadas com a educação das jovens. Eduarda Mansilla, por escrever um relato voltado à crônica de costumes e por ser uma dama da alta sociedade, ressaltava a questão da separação dos espaços. Aurelia e Soledad estavam mais próximas do que poderíamos entender como escritoras profissionais – sem sê-lo, ainda. Também escreveram perto do fim do século XIX, quando os movimentos de mulheres – como o sufragista – tinham ganho certa repercussão. Não abusaram da autonegação e valorizaram certas figuras como ícones numa ainda muito incipiente manifestação de afirmação das mulheres no espaço público. Gómez de Avellaneda, com sua trajetória, ajuda a quebrar os esquematismos na análise histórica: oriunda da colônia, contestou muitos dos hábitos convencionais das mulheres da metrópole. Altamente ilustrada, provinha de Cuba, que ainda vivia sob administração colonial, destinando-se a uma Espanha tradicionalista e que guardava muito das práticas do Antigo Regime. Três delas viveram situações semelhantes: Nísia, Maipina e Soledad eram viúvas e viajaram em companhia das filhas. A viuvez parece operar aqui como uma condição social que permitia às mulheres uma maior mobilidade.

A despeito dessas particularidades, todas compartilharam certos aspectos atinentes à questão de gênero. Ao percorrerem diferentes mundos e se aventurarem a produzir obras e ensaiar análises sobre o visto e o vivido, registraram a existência de um universo marcado pelas esferas separadas de acordo com os sexos. Isso era algo que não se podia negar de todo, sobretudo pertencendo-se às camadas abastadas no século XIX, sobre as quais pesavam regras de comportamento forjadas especificamente para homens e para mulheres. Fazendo parte desse mundo, preocuparam-se com os impactos que um suposto rechaço às normas podia ocasionar. Por isso procuravam amenizá-los adotando um discurso apaziguador, que tendia a autodesqualificar suas ações e capacidades.

Por outro lado, sem chegarem a desprezar a separação das esferas, arriscaram-se a “olhar pelo buraco da fechadura” e enxergaram um mundo mais amplo. Viram mulheres que trabalhavam e mulheres intelectualizadas. Atiçadas, reclamaram das restrições à circulação pelos espaços impostas às mulheres e indignaram-se com a política. Descreveram as cidades e narraram suas histórias, fazendo com que seus relatos ultrapassassem as dimensões meramente autobiográficas. Quiseram mostrar que suas existências sobrepujavam os limites dos papéis de damas dos lares. Ao abordarem assuntos específicos e incorporarem novos ofícios, despontavam como conhecedoras competentes de certos domínios com significativo valor na esfera pública. Em relação aos relatos masculinos, procurou-se também apresentar exemplos capazes de mostrar que nem sempre eles correspondiam aos comportamentos idealizados.

O viés adotado buscou lançar luz sobre regiões mais obscuras, fugindo dos lugares comuns mais frequentemente visitados na leitura dessas fontes. Abordar, nos textos de autoria feminina e masculina, aspectos não considerados “típicos” às mulheres e aos homens, cumpre a função de contrastar o que é tendência ao que é incomum.

Se, em termos de escala, a maior parte dos textos de viagem femininos ressaltava o privado e o pessoal, e os masculinos, o pragmatismo e a linearidade, o olhar para o que se insinua menos como tendência e mais como singularidade revela que havia textos femininos menos autobiográficos, assim como havia também uma escrita intimista de autoria masculina. Esses relatos mostram que se o costume assinalava comportamentos típicos a homens e mulheres, se demarcava a separação dos espaços e das funções sociais, esses mesmos homens e mulheres tenderam a desafiar a rigidez desse postulado. As mulheres puderam agir com rusticidade e os homens ensaiar gestos sutis. Era possível – como afirmaria Wolf, quebrando os esquematismos – ser masculinamente feminina ou femininamente masculino (Wolf, 1985Woolf, Virginia. Um teto todo seu. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1985.).

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  • Woolf, Virginia. Um teto todo seu. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1985.
  • 1
    Evidentemente, não há unanimidade em relação a essa questão. Um exemplo de trabalho que aponta para as dificuldades em se definir as particularidades desses relatos femininos é o de Miriam L. Moreira Leite. A respeito, a autora afirmou: “A expectativa de que as autoras mulheres apresentassem uma perspectiva diferente e alguma identificação com as mulheres do país visitado nem sempre se comprovou. É difícil, sob esse ponto de vista, distingui-las dos autores homens” (Leite, 1997Leite, Miriam L. Moreira. Livros de viagem. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1997.:16).
  • 2
    Alguns autores chegam a desconsiderar a possibilidade de entender os relatos de viagem enquanto um gênero literário específico (Borm, 2004Borm, Jam. Defining travel: on the travel book, travel writing and termilogy. In: Youngs, T.; Hopper, G. Perspectives on travel writing. Londres, Ashgate, 2004, pp.13-26.). Foge ao escopo deste artigo discutir os relatos de viagem como um tipo específico de gênero literário. Para objetivos mais focados no uso dessas fontes pelos historiadores, consultar Junqueira (2011)Junqueira, Mary A. Elementos para uma discussão metodológica dos relatos de viagem como fonte para o historiador. In: Junqueira, Mary A.; Franco, Stella Maris S. Franco (orgs). Cadernos de Seminários de Pesquisa. São Paulo, Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/Humanitas, 2011, pp.44-61 [http://leha.fflch.usp.br/sites/leha.fflch.usp.br/files/upload/paginas/CSP2.pdf].
    http://leha.fflch.usp.br/sites/leha.fflc...
    .
  • 3
    Abordar as biografias das autoras não é o objetivo deste artigo. Alguns aspectos biográficos serão apresentados para a devida contextualização das viagens que deram origem aos relatos.
  • 4
    Foi reconhecida principalmente por sua obra poética, mas um trabalho que desperta atenção da crítica atualmente é seu romance antiescravista, Sab (1841). A respeito, ver Sommer (2004)Sommer, Doris. Ficções de fundação. Os romances da América Latina. Belo Horizonte, EdUFMG, 2004. e Méndez Ródenas (2002)Méndez-Rodenas, Adriana. Cuba en su imagen: historia e identidad en la literatura cubana. Madrid, Editora Verbum, 2002..
  • 5
    Nísia Floresta casou-se aos 13 anos, por pressão familiar, e tempos depois abandonou o casamento. O marido, inconformado, teria passado a persegui-la. Aos 18 anos, a autora passou a conviver com Manuel Augusto de Faria Rocha, estudante de Direito em Olinda, com quem teve dois filhos. Para dados biográficos, consultar Duarte (1995)Duarte, Constância Lima. Nísia Floresta: vida e obra. Natal, Editora da UFRN, 1995..
  • 6
    Eduarda Mansilla era sobrinha de Juan Manuel de Rosas, político federalista que ficou por mais de 20 anos no poder. Casou-se com um diplomata de tendência unitária, oposta à de sua família. As viagens realizadas foram feitas quando acompanhava o marido diplomata em suas missões. Para análises da obra da autora, ver Lojo (1999Lojo, María Rosa. El imaginario de las Pampas en francés: de Eduarda Mansilla a Guillemette Marrier. In: Rodríguez Pasqués, Mignon Domínguez (org.). La función narrativa y sus nuevas dimensiones. Buenos Aires, Centro de Estudios de Narratología, Universidad de Buenos Aires, 1999, pp.339-347.; 2002Lojo, María Rosa. Naturaleza y ciudad en la novelística de Eduarda Mansilla. In: Navascués, Javier de (ed.). De Arcadia a Babel. Naturaleza y ciudad en la literatura hispanoamericana. Madrid, Iberoamericana; Frankfurt, Vervuert, 2002, pp.225-258.).
  • 7
    Sua mãe morava na Itália e Maipina viajou para visitá-la. No entanto, chegando lá, encontrou a mãe casada com um homem muito mais jovem, o que a desagradou e fez com que ela continuasse sua viagem à Europa, e depois voltasse ao Chile, mais tarde indo viver na Argentina. Sobre Maipina de la Barra, remeto a Ulloa Inostroza (2012)Ulloa Inostroza, Carla. Crítica social y gestión social de una viajera sudamericana. Magíster en Estudios Latinoamericanos, Facultad de Filosofía y Humanidades/Universidad de Chile, 2012..
  • 8
    O interesse de Soledad Acosta de Samper pela História é digno de nota. Ademais da presença de temas e personagens históricos em seus romances e biografias, escreveu livros de História, propriamente, como é o caso do manual didático Lecciones de Historia de Colombia (1908). Apesar de ter sido admitida na Academia Nacional de História da Colômbia, não se declarava enquanto uma profissional da área de História. Tratava-se, na verdade, de uma área ainda em formação. O fato de não atuar de maneira profissional não exclui, evidentemente, sua reconhecida atuação nesse âmbito.
  • 9
    Varela era liberal e unitário, e posicionava-se contra Juan Manuel de Rosas, na Argentina, e Manuel Oribe, no Uruguai, que representavam a tendência federalista.
  • 10
    A versão consultada é uma edição publicada em 1947, pela Editorial Nascimento e tem 415 páginas. É uma cópia do original, feita por membros da família e está dividida em duas partes. No prólogo à edição publicada há a informação de que a segunda parte era um caderno de cem folhas, e que foram publicadas apenas 71 folhas possivelmente houve censura de algumas partes).
  • 11
    Ladislao Larraín viveu entre 1833 e 1901 e futuramente se tornaria proprietário de terras e deputado por Rancagua. Segundo informações do prólogo do Diário, escrito pelo historiador Eugenio Pereira Salas, era irmão de Joaquín Larraín Gandarillas, um importante membro da Igreja Católica do Chile, Bispo da Arquidiocese de Santiago, primeiro reitor da Universidade Católica do Chile e implacável perseguidor do liberal reformista Francisco Bilbao.
  • 12
    O julgamento e a prisão do escritor britânico Oscar Wilde, em 1895, em razão da deflagração pública de casos de homoafetividade, constituíram um ponto fulcral nessa mudança de discurso.

Fontes

  • Acosta de Samper, Soledad. Viaje a España en 1892. Bogotá, Imprenta de Antonio María Silvestre, 1893.
  • Barra, Maipina de la. Mis impresiones y mis vicisitudes en mi viaje a Europa pasando por el Estrecho de Magallanes y en mi excursión a Buenos Aires pasando por la cordillera de los Andes. Santiago, Cuarto Proprio, 2013.
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  • Errázuriz, Isidoro. Diario de Don Isidoro Errázuriz 1851-1856. Santiago de Chile, Editorial Nascimento, 1947.
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  • Floresta, Nísia. Fragmentos de uma obra inédita. Notas biográficas. Brasília, Editora UnB, 2001.
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  • Floresta, Nísia. Trois ans en Italie suivis d’un voyage en Grèce. Vol. 2. Paris, E. Dentu, s/d.
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  • Mansilla, Eduarda. Recuerdos de viaje. Madrid, Ediciones El Viso, 1996.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2016
  • Aceito
    08 Fev 2017
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