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O corpo das mulheres brasileiras e o seu estereótipo no universo fitness em Portugal

The Brazilian Women’s Body and Their Stereotype in The Fitness Universe in Portugal

Resumo

Estudos sobre a representação da brasileira em Portugal a retratam como uma mulher “fácil, vítima da dominação pós-colonial e patriarcal. Recentemente, o surgimento de uma ginástica “ Made in Brasil ”, publicitando “o segredo da mulher brasileira”, nos levou a investigar a subjetificação destas imigrantes através do corpo, a partir de entrevistas e observação participante. Constatou-se além da hipersexualização da imagem, que as brasileiras entrevistadas entendem as qualidades pelas quais são identificadas e se identificam como um recurso de negociação na busca de prestígio.

Mulher Brasileira; Corpo; Estereótipos; Imigrantes; Ginásio

Abstract

The representation of Brazilian women in Portugal shows them as easygoing, victims of post-colonial and patriarchal domination. The emergence of a kind of gymnastic called “Made in Brazil”, that promises to unveil the “secret of the Brazilian woman” led us to investigate it. Through interviews and participant observation, we sought to understand the subjectification process of these brazilian women through their bodies. Beyond the hipersexualization, the interviewees understood the qualities for which they are identified and identify themselves as a negotiation path in search for prestige.

Brazilian Women; Body; Stereotypes; Immigrants; Gymnasiums

Introdução

Este texto propõe desvelar o processo de subjetivação de mulheres imigrantes brasileiras através do corpo, analisando a evidência do corpo feminino exposto no apelo publicitário de uma cadeia de health clubs1 1 O termo health club compreende uma perspectiva mais abrangente do que os ginásios ou academias, além de ser um item de distinção de classe, como fitness centres de hotéis de luxo que oferecem serviços de massagem, sauna, relaxamento, ginástica e condicionamento físico. situados na cidade de Lisboa – Portugal. A compreensão da estereotipia associada ao corpo da mulher brasileira e a sua influência na construção subjetiva dessas mulheres em Portugal pressupõe entender: as relações de poder e o processo identitário entre os imigrantes e a sociedade; o poder da imagem estereotipada do corpo em nossa sociedade – notadamente em seu templo de consagração/fabricação que são os ginásios 2 2 O termo brasileiro “academia” equivale ao ginásio em Portugal, enquanto lugar especializado para a prática de exercícios (especificamente treinos resistidos e cardiovasculares). ; o significado da corporeidade na subjetividade dessas mulheres imigrantes.

A identidade do imigrante sofre influência das contingências sociais, políticas, econômicas, históricas e culturais, ao mesmo tempo que as constrói, como aponta Bhabha (1998 Bhabha , Homi . O local da cultura . Belo Horizonte , Editora UFMG , 1998 .: 25): “cada vez mais, as culturas nacionais estão sendo produzidas a partir de minorias destituídas”. Assim, seja por uma história de resistência ou de exploração, a vida dos imigrantes testemunha o estabelecimento de uma cultura de contra-modernidade pós colonial que desafia as lógicas tradicionais de compreensão e definição de fronteiras identitárias.

O imigrante tem a sua espera uma estratégia discursiva que enclausura sua subjetividade em um estereótipo, cuja ambivalência performativa traz em si tanto a fixidez conceptual quanto à repetição dos padrões pré-concebidos ( Bhabha, 1998 Bhabha , Homi . O local da cultura . Belo Horizonte , Editora UFMG , 1998 . ). Enquanto estratégia discursiva, a veiculação da imagem do corpo como forma de cooptação pelos mecanismos de poder é a forma mais elusiva e presente. O questionamento relativo a estas estruturas de poder tem na obra de Foucault (2008) Foucault , M. Microfísica do poder . 25 ed. Rio de Janeiro , Graal , 2008 . um marco histórico para sua compreensão, apontando que o exercício do poder, longe de se manter puramente ideológico, mostra-se materializado na disciplina dos hábitos corporais e na exposição icônica do corpo. Disciplina o desejo pelo prestígio em “ser desejável”; sendo essa a regra, normatiza-se a sexualidade como um capital simbólico em disputa, estimulando diversas estratégias que os atores sociais empreendem para amealhar esse prestígio.

A sexualidade/sensualidade da performance evocada pelo ritual da ginástica transporta para a corporeidade um rol de hábitos, sinais e marcas distintivas que elaboram um código próprio dentro do microcosmos de um ginásio. O corpo é portanto observado como instância ou canal de abertura/contaminação destas contingências, culminando por produzir novas estruturas de subjetivação; constitui-se assim a base existencial da cultura ( Csordas, 2003 Csordas , Thomas J. Embodiment and Experience – the existential ground of culture and self . Cambridge University Press , 2003 . ). Neste domínio, entrelaçam-se de maneira equânime e recíproca, a inteligibilidade cognitiva, emotiva, sensorial, gestual, etc. de modo a perspectivar uma ontologia constituída materialmente ( Harris; Robb, 2012 Harris , Oliver J.T ; Robb , John. Multiple Ontologies and the Problem of the Body in History . American Anthropologist vol. 114 , Issue 4 , December 2012 , pp. 668 – 679 . ). Para a mulher imigrante brasileira representada iconicamente de maneira hipersexualizada ou hipersensualizada, mas que potencia sua sexualidade/sensualidade no ritual da ginástica, apresentam-se possibilidades identitárias marcadas por um jugo ainda maior ou por uma agencialidade acrescida.

Este artigo busca assim inserir no cenário dos ginásios, comum em grande parte do mundo ocidentalizado, a realidade de quatro mulheres brasileiras e do imaginário cultural que permeia sua representação, compreendendo-se que nesta realidade há mais do que um mecanismo de controle; a disciplina corporal, o subjugo étnico e de gênero. Como os atores sociais poderão lidar com estes mecanismos, e como poderão negociar fronteiras, valores e identidades neste cenário? Segue-se uma breve retrospectiva histórica para compreender esta questão. Sobre o jugo pós-colonialista – relembrando o Brasil como colônia portuguesa até 1822 – pode-se perceber que esta forma de domínio estende-se sobre os vários comportamentos operantes, entre eles as relações entre gênero e sexualidade.

Pontes (2004) Pontes , Luciana . Mulheres brasileiras na mídia portuguesa . cadernos pagu ( 23 ), Campinas-SP , Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp , 2004 , pp. 229 - 256 e Machado (2006) Machado , Igor José Renó . Imigração em Portugal . Estudos avançados , 20 ( 57 ), UFscar , 2006 , pp. 119 - 135 . , ao abordar as representações étnicas em Portugal, destacam que o Brasil é considerado sexualizado e feminilizado; Machado (2006) Machado , Igor José Renó . Imigração em Portugal . Estudos avançados , 20 ( 57 ), UFscar , 2006 , pp. 119 - 135 . ainda aponta, que estas condições também são expressas na política social das entidades governamentais e nos discursos sobre o tema. Este estereótipo serve como uma estratégia de organização social, como Pontes (2004) Pontes , Luciana . Mulheres brasileiras na mídia portuguesa . cadernos pagu ( 23 ), Campinas-SP , Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp , 2004 , pp. 229 - 256 destaca, atribuindo este processo à história de imperialismo e colonialismo que existiu entre os dois países: “[…] as relações ‘centro-periferia’ se expressam no campo simbólico em representações de tropicalidade e exotismo, em que os diferenciais de desenvolvimento e distribuição de renda são sensualizados” ( Pontes, 2004 Pontes , Luciana . Mulheres brasileiras na mídia portuguesa . cadernos pagu ( 23 ), Campinas-SP , Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp , 2004 , pp. 229 - 256 : 232).

Sobre a condição de subalternidade e sexualização atribuídas ao estatuto da mulher, McClintock (2003) Mcclintock , Anne . Couro imperial – raça, travestismo e o culto da domesticidade . cadernos pagu ( 20 ), Campinas-SP , Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp , 2003 , pp. 7 - 85 . aponta que este processo pode enredar em si a fetichização da transgressão de diversas ordens sociais, como o público e o privado, hierarquia das classes sociais, e entre as raças/etnia. Diante desta possibilidade, a autora destaca, em seu estudo a partir das relações sado/masoquistas de um casal do período vitoriano de classes sociais distintas, como a mulher (da classe social inferior) conseguiu, por meio de uma complexa estratégia de submissão/insubmissão, sobreviver e manter sua identidade perante condições tão adversas. E esta possibilidade estratégica pode indiciar maneiras de subversão das categorias de domínio comumente atribuídas às mulheres imigrantes brasileiras em Portugal.

Apresenta-se agora o desenho metodológico deste trajeto, além dos excertos mais significativos dos registros do estudo.

O percurso etnográfico

O método constitui-se por uma observação participativa e entrevistas semiestruturadas de quatro brasileiras, sócias de um health club em Portugal, cidade de Lisboa, em um estudo de caso. Na vivência do campo, buscou-se compreender discursos sociais, nuances, detalhes e subtilezas próprias da imersão antropológica. A noção de descrição densa definida por Geertz (2008) Geertz , Clifford . A interpretação das culturas . Rio de Janeiro , Ed. Guanabara , 2008 . pode qualificar melhor o esforço deste artesanato intelectual: a aproximação interpretativa que busca desvelar gestos, discursos e silêncios que se desenrolam no íntimo da convivência social em uma dada realidade. Entretanto, os referenciais das teorias da incorporação deverão complementar os limites da representação textual.

A entrevista semiestruturada teve como objetivo identificar os significados culturais dos estereótipos corporais para este grupo de quatro brasileiras com percursos de vida distintos, buscando entender trajetórias pessoais, percepções sobre a mulher brasileira em Portugal, a experiência delas dentro do ginásio, e como observam a imagem do corpo da mulher brasileira na publicidade da ginástica MIB ( Made in Brazil ).

Para compreender como surge esta modalidade de ginástica, entrevistou-se o instrutor responsável (português, denominado aqui por César) por propagá-la e administrá-la em Portugal. Segue-se agora a apresentação do cenário da pesquisa.

O MIB é uma modalidade de ginástica em grupo, pautando-se em uma série de exercícios resistidos (com caneleiras de pesos, ou somente com o peso corporal), criada na franquia do health club estudado. Segundo César, ela foi criada em 2008 por um outro instrutor e uma instrutora brasileiros, em Madri e Barcelona, chegando a Portugal por volta de 2009, quando passou a ter uma gerência portuguesa. Desde então, o MIB se expandiu para oito países, contando atualmente com oito “embaixadores” 3 3 Os embaixadores da modalidade são instrutores de aula de grupo responsáveis pela gestão da modalidade no país, tanto em termos de marketing quanto de funcionamento geral das aulas. que gerenciam o funcionamento da modalidade nestes países.

Segundo César, o grande diferencial desta modalidade de ginástica é sua simplicidade e o ritmo latino, que toca muito as pessoas, bem como seu objetivo direto:

É um trabalho efectivo para glúteos. Em meia hora, nós conseguimos trabalhar as três camadas dos glúteos, o grande, o pequeno e o médio glúteo. Além disso, também desgastamos ao máximo as coxas… tanto trabalho anterior e posterior das coxas. Noventa por cento da população é mulheres, compreende-se porquê, mas aos poucos, os homens começam a entrar.

A figura abaixo é de um folheto publicitário do ginásio HC estudado:

Figura 1
: folheto ilustrativo MIB.

Como recurso ilustrativo, esta imagem foi uma das referências utilizadas durante as entrevistas com as brasileiras. Sobre o “segredo das mulheres brasileiras” – o diferencial da ginástica MIB –, César declara:

É fácil de identificar. Quando olhamos para mulheres brasileiras, aparece sempre o quê? Um biquíni, uma coxa bem delineada, um glúteo bem delineado. E isso é a imagem da marca do MIB. A partir daí, o que é que nós tentamos transmitir? Cor; calor; música; motivação; envolvência; festa… e é isto que passa-se dentro de uma aula. Não dá para ver só… não é só… treino, treino, treino, treino. Tem isso, mas está super disfarçado com penas, com carnaval, com isso…

O discurso de exotização da mulher brasileira está ali presente, entretanto com um elemento muito interessante alusivo à festividade e à alegoria do carnaval como um componente facilitador para o trabalho das aulas de ginástica. Quando perguntado sobre a existência de um segredo da mulher portuguesa, César apenas diz que a mulher portuguesa “quer ser igual às outras, e que todas querem ter os glúteos, e esta zona específica trabalhada… Eu já fui à Alemanha, já tive em França, ou a própria Inglaterra, elas gostam de trabalhar”.

Sobre o sucesso da modalidade, César – que é o responsável pela formação dos instrutores e embaixadores, e ainda supervisiona o andamento da modalidade nos demais países pertencentes à franquia – declara o contraste com a latinidade e a atribuição de um “calor” próprio da modalidade:

[…] é que como são pessoas “mais frias”, mais reservadas, basta só chegar com esta música e um instrutor que passe aquele flavour latino, que é bom, é uma aula top . Foi aquilo que logo me escreveram quando fui lá dar formação, querem mais, querem mais.

Sobre o sucesso da modalidade fora da região ibérica, César aponta que a modalidade teve um grande sucesso na Suíça, na Grécia e na Alemanha, especialmente. Entretanto, no caso de Portugal, observou-se que durante um período a publicidade do MIB utilizou como “chamada” publicitária a frase “transforme seu rabo numa bunda”, aludindo ambos os termos à descrição dos glúteos, valendo-se da proximidade entre Portugal e Brasil, de maneira a valorizar uma característica atribuída à mulher brasileira como objectivo a ser atingido. Segue-se agora como a busca corporal pode espelhar este cenário.

Habitus e incorporação no espaço / actividade dos ginásios

A noção de habitus, encarnando os processos identitários, é compreendida aqui como a estrutura estruturante que engloba não só a apreensão pelo corpo do agente, mas sua própria agencialidade. Vale de Almeida (2004) Vale de Almeida , Miguel . O corpo na teoria antropológica . Revista de comunicação e linguagem n o 33 , Lisboa , 2004 , pp. 49 - 66 . destacou que, desde o despertar do interesse acadêmico pelo corpo nas últimas décadas, a antropologia contemporânea enfrenta o conflito entre dois posicionamentos epistemológicos diferentes; o cognitivismo e a fenomenologia. O cognitivismo privilegia os processos mentais de percepção como recepção e organização mental, enquanto a fenomenologia aponta um envolvimento da percepção ativa em interação corpo-mundo.

Tendo em vista este cenário de múltiplas abordagens, compreende-se a necessidade de uma mediação; desta maneira, Vale de Almeida (2004) Vale de Almeida , Miguel . O corpo na teoria antropológica . Revista de comunicação e linguagem n o 33 , Lisboa , 2004 , pp. 49 - 66 . apontou o pensamento de Pierre Bourdieu como um grande expoente, destacando-se aqui seu conceito de habitus enquanto estrutura estruturante .

Na compreensão deste processo, as teorias da incorporação buscam uma perspectiva mais próxima da experiência fenomenológica, resguardando entretanto o poder analítico de objectivação. Csordas (2003 Csordas , Thomas J. Embodiment and Experience – the existential ground of culture and self . Cambridge University Press , 2003 .: 4) aponta que a escrita etnográfica, em uma perspectiva “incorporada”, pode adicionar “[…] senciência e sensibilidade a nossas noções de si próprio e de pessoa, e inserir uma dimensão adicional de materialidade em nossas noções de cultura e história” (tradução nossa). 4 4 “[…] sentience and sensibility to our notions of self and person, and to insert an added dimension of materiality to our notions of culture and history” ( Csordas, 2003 :4)

No âmbito deste estudo, o olhar sobre as questões do corpo adquirem a moldura de inserir as matrizes culturais acerca da condição migratória das mulheres, como determinantes sobre como o corpo e sua imagem são projetados e concebidos socialmente. A essencialização de uma maneira corporalmente “brasileira” de ser e se fazer (como jeito/gesto) compõe o imaginário de portugueses e brasileiros na forma dos estereótipos, estruturando sua parcela do habitus. Uma questão que pode servir como fio condutor é sobre como as mulheres imigrantes brasileiras adequam seu habitus , e como esta adequação influencia suas vidas?

O processo de subjetivação e constituição da identidade urbana contemporânea possui nos ginásios ou health clubs um locus diferenciado; neste cenário, foram considerados fatores importantes, a estereotipia da imagem das mulheres brasileiras, bem como as buscas corporais como processo e produto da construção identitária. O capital simbólico em questão inscreve-se em um corpo desejável sexualmente, comercialmente rentável, e moralmente aceito, constituindo a estrutura objetiva na qual os agentes aplicam esquemas de percepção e apreciação.

Compreendendo-se o corpo em simbiose com o processo identitário, e a identidade enquanto gênero masculino ou feminino, implica-se observar as relações para além da evidência corporal, como “[…] uma das normas pelas quais o ‘alguém’ simplesmente se torna viável, é aquilo que qualifica um corpo para a vida no interior do domínio da inteligibilidade cultural” ( Butler, 2001 Butler , Judith . Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo . Tradução de Tomaz Tadeu da Silva . In: Louro , Guacira Lopes ( org .) . O corpo educado . Belo Horizonte , Autêntica Editora , 2001 , pp. 151 - 172 . :111). A ginástica enquanto técnica possui um caráter de repetição imediata, o que facilita a observação da rica gestualidade em evidência constante, bem como a performatividade de gênero.

Um marcador da performance feminina nos ginásios é a participação nos espaços/atividades relacionadas à perda de peso, às aulas de grupo que acontecem em salas ou estúdios, ou no setor de treino cardiovascular/aeróbico dos ginásios (compreendidos como o espaço para treino livre, com pesos livres ou máquinas). Craig e Liberti (2007) Craig , Maxine L. ; Liberti , Rita . “Cause that’s what girls do” – the making of a feminized gym . Gender and Society , vol. 21 , nº 5 october , 2007 . pp. 676 - 699 [ http://www.jstor.org/discover/10.2307/27641005?uid=3738880&uid=2129&uid=2&uid=70&uid=4&sid=21104599814353 – acesso em 24 jan. 2012 ].
http://www.jstor.org/discover/10.2307/27...
apontam em uma ampla revisão bibliográfica que o engajamento das mulheres nestas atividades é percebido por elas como self empowerment , mas também como sujeição. As autoras destacam que na estrutura organizacional das academias ou health clubs, no que tange aos espaços exclusivos ou predominantemente femininos, glorificam-se práticas cooperativas, havendo uma relativa ausência de traços competitivos.

Embora o estudo de Craig e Liberti tenha ocorrido em um ginásio feminino, é importante estabelecer uma analogia comparativa entre a concepção da cooperação como um traço feminino para mulheres que são consideradas “fora de forma”. As autoras destacam que “[a] feminilidade enfatizada em que as mulheres são construídas como boas e gentis e bondade e gentileza são a ausência de pressão ou competição” ( Craig; Liberti, 2007 Craig , Maxine L. ; Liberti , Rita . “Cause that’s what girls do” – the making of a feminized gym . Gender and Society , vol. 21 , nº 5 october , 2007 . pp. 676 - 699 [ http://www.jstor.org/discover/10.2307/27641005?uid=3738880&uid=2129&uid=2&uid=70&uid=4&sid=21104599814353 – acesso em 24 jan. 2012 ].
http://www.jstor.org/discover/10.2307/27...
: 686, tradução nossa). 5 5 “[the] emphasized femininity in which women are constructed as nice and niceness is the absence of pushiness or competition” ( Craig; Liberti, 2007: 686). A ginástica feminilizada, neste sentido, não deve ser “[…] ameaçadora, atlética, expert ou competitiva – mas deve ser legal” ( Craig; Liberti, 2007 Craig , Maxine L. ; Liberti , Rita . “Cause that’s what girls do” – the making of a feminized gym . Gender and Society , vol. 21 , nº 5 october , 2007 . pp. 676 - 699 [ http://www.jstor.org/discover/10.2307/27641005?uid=3738880&uid=2129&uid=2&uid=70&uid=4&sid=21104599814353 – acesso em 24 jan. 2012 ].
http://www.jstor.org/discover/10.2307/27...
: 686, tradução nossa) 6 6 “[…] nonthreatening, nonathletic, nonexpert and noncompetitive – but they are nice” (id.ib.:686). , além de também demonstrar uma pronunciada depreciação e antipatia ao exercício. Desta maneira, é preciso compreender como estas mulheres brasileiras se constituem mulheres, como “qualificam seus corpos” no interior dos ginásios e como estas buscas corporais moldam suas subjetividades.

Os caminhos da pesquisa: o ginásio e as participantes

O estudo etnográfico durou um período de seis meses. Logo no início, com a observação das aulas da ginástica Made in Brazil , percebeu-se que as brasileiras não só realizavam as aulas de grupo (como são conhecidas as sessões de ginástica coletiva), mas também as atividades livres no ginásio, em que as pessoas têm mais liberdade de trânsito e podem fazer sua rotina de exercícios de acordo com seu ritmo.

Da observação das participantes, emergiram os seguintes marcadores: exercícios/gestualidade , interação com os sócios e vestimenta . As brasileiras participantes foram aqui denominadas por Ametista, Safira, Esmeralda e Rubi.

Ametista tem 24 anos, está em Portugal há 10 meses, mas na Europa há 3 anos; viveu na Espanha anteriormente. Tem o ensino fundamental completo e no momento tenta conseguir um contrato de trabalho, vivendo com o namorado.

Safira tem 27 anos e está em Portugal há um ano. Veio a convite de uma amiga para trabalhar em uma loja, mas pensa em mudar-se para Espanha. Tem o ensino fundamental incompleto.

Esmeralda tem 25 anos e cursou psicologia no Brasil; residindo em Portugal há um ano e dois meses. Trabalha em um call center , mas caso não consiga inserir-se em sua profissão de formação, cogita voltar ao Brasil.

Rubi tem 27 anos, é advogada e está em Portugal há sete meses para fazer um mestrado, entretanto já esteve no país duas vezes, de férias.

As descrições densas remetem a dois ambientes: as salas de ginástica de grupo e o ginásio, onde se fazem os treinos de musculação e treinos cardiovasculares. Durante as aulas de grupo os exercícios/gestualidade são coreografados, com alguma padronização dos gestos. A padronização serve a um propósito específico na lógica do exercício. Entretanto, a incorporação deste habitus e as características específicas necessárias para interpretar níveis de esforço, avaliar as próprias capacidades e as demandas das tarefas motoras, estresse, dor ou desconforto, constituem-se como o trajecto existencial e corporal sobre o qual a noção de si mesmo desenvolve-se, enquanto fenómeno da incorporação que Csordas (2003) Csordas , Thomas J. Embodiment and Experience – the existential ground of culture and self . Cambridge University Press , 2003 . descreve.

Neste sentido, o exercício contém um pequeno paradoxo: desafiar as forças e as próprias capacidades, cansar-se, para aumentar estas próprias capacidades. Esta lógica é incorporada de maneiras distintas, por diversas práticas corporais diferentes; e no caso das aulas de grupo, as práticas são padronizadas e executadas em grupo, permitindo maior socialização.

Nas aulas MIB, nas ocasiões em que as brasileiras estavam presentes, a interação com as sócias (sendo uma aula maioritariamente feminina) era restrita a algumas senhoras mais velhas. Nas entrevistas, revelou-se a dificuldade das participantes em se relacionarem com as mulheres portuguesas, sentindo em alguns casos uma certa competitividade ou insegurança por parte das portuguesas em relação a elas, como se estas estivessem ali apenas para “roubar seus maridos” ou arranjar um casamento com um português para conseguir a dupla nacionalidade – situação também assinalada por Pontes (2003) como recurso à mobilidade social. Talvez, a interação com as senhoras mais velhas se devesse ao fato de estas não as considerarem as brasileiras uma “ameaça”, e assim estarem abertas às outras características pessoais que não à nacionalidade.

Quanto à vestimenta, há uma clara diferenciação das roupas utilizadas nas aulas MIB e no ginásio. As aulas, sendo mais voltadas para o público feminino, estimulam o uso de “poucas roupas” ou peças curtas, com maior exibição do corpo, pois estariam “a salvo dos olhares masculinos”. 7 7 Realça-se o contraste da vestimenta entre os dois ambientes pelo cuidado de muitas participantes, quando vão ao ginásio, de amarrarem uma blusa na cintura ou de evitarem exercícios ou posições de maior exposição ao treinarem no ginásio e o relaxamento destes comportamentos no ambiente predominantemente mais feminino como a aula em questão. Insinuam que os homens lançam olhares constrangedores, mas talvez desconsiderem ou ignorem o olhar homoafetivo de outras mulheres que poderiam igualmente ser considerados lascivos. A situação observada referenda a heterossexualidade descrita por Rich (2010: 43) como compulsória, assim pensada, organizada e mantida, dando “segurança” a mulher em vários espaços sem homens. Muitas das alunas se vestiam de maneira parecida, não havendo aqui distinção entre as mulheres brasileiras e portuguesas. No ginásio, entretanto, as participantes mostraram mais singularidades no quesito exercícios/gestualidade por não estarem restringidas em seguir coreografias e horários fixos. Nas aulas de grupo, o instrutor que realiza as coreografias serve como guia ou “modelo”. A liberdade imbuída na pertença do grupo, apesar da padronização, estimula também uma maior expressividade.

Das participantes deste estudo, três já faziam ginástica no Brasil e trouxeram de lá alguns hábitos diferentes das práticas ginásticas observadas nas mulheres portuguesas. Dentre estes hábitos, alguns dos exercícios realizados eram até então restritos apenas ao espaço reservado aos “pesos livres”, maioritariamente ocupado pelos homens da academia, que procuram exercícios de hipertrofia muscular (técnica de treino em que o objectivo é maximizar o volume muscular).

A ocupação deste território “masculino” oportunizou diálogos que insinuaram um flerte por parte dos homens portugueses (camuflado sobre dicas de treinamento). A maioria das mulheres do ginásio sente-se mais intimidada por invadir um território predominantemente masculino, principalmente pelos olhares. Percebeu-se porém, uma situação mais à vontade das três brasileiras, embora uma delas o fizesse acompanhada por um personal trainer (sendo assim, sua rotina de exercícios foi mais estruturada por ele).

A vestimenta das participantes no ginásio mostrou nuances variados, que curiosamente alinhavam alguma relação com seu tempo de inserção no ginásio e seus projetos de inserção no país. A vestimenta é um componente de afirmação identitária, considerando-se aqui a possibilidade de realçar os conflitos de aceitação ou resiliência inerentes ao espaço de negociação que compõe o processo identitário, como aponta Hall (1996) Hall , Stuart . Introduction – who needs identity? In: Hall , S. ; Du Gay , P. Questions of cultural identity . North Yorkshire, (UK) , SAGE , 1996 , pp. 1 - 17 . . A adequação ao habitus evidenciado nas vestimentas denota de certa maneira como o processo identitário foi vivenciado pelas participantes; talvez pelo facto de uma maior resistência à adaptação aos costumes portugueses mais tradicionais, ou de manter “uma reputação” espelhada em vestimentas mais conservadoras da sociedade portuguesa.

Neste sentido, Safira e Rubi usavam roupas mais “ousadas” (que mostravam mais o corpo), ou nos seus dizeres, o gosto por usar “roupas curtas e decotadas” sendo que suas circunstâncias de inserção no país denotavam um projeto de permanência incerto. Pode-se portanto inferir que o espaço identitário afirmou-se no sentido de realçar uma “brasilidade” ao manter os costumes de vestimenta, como resistência à aportuguesação, contexto também verificado por Padilha et al . (2010) Padilha , Beatriz et al . Ser brasileira em Portugal: imigração, género e colonialidade . Atas do 1º Seminário de estudos sobre imigração brasileira na Europa . Barcelona , nov . 2010 , pp. 113 - 121 . .

Enquanto Safira relatava o desejo de ir para Espanha ou Itália, Rubi tinha o projeto de concluir seu mestrado e retornar ao Brasil. Esmeralda limitava-se apenas a correr na passadeira (esteira), atividade de gestualidade cíclica. O uso de uma blusa amarrada ao quadril, de maneira a esconder mais o corpo, é um recurso que Rubi adotava com frequência, declarando que não se sentia muito à vontade com os olhares dos homens no ginásio. Ametista também declarou incomodar-se um pouco com os olhares, mas como o namorado também frequentava o ginásio, considerava-se mais respeitada.

Narrativas

As entrevistas retrataram a trajetória destas imigrantes em Portugal, compreendendo projetos e anseios. Além da percepção de sua imagem como brasileiras em Portugal, também questionou-se a imagem sensualizada 8 8 Sobre a hipersensualização da imagem da mulher na publicidade, conferir o artigo de Beleli (2010) . do corpo da mulher brasileira na publicidade do ginásio, e o sentimento perante estas conceções. Apresentam-se a seguir as categorias analíticas que emergiram das entrevistas.

Quanto às relações sociais, que compreendem a maneira como as participantes sentem que são tratadas em Portugal, observou-se que em geral as relações são marcadas por um complexo de simpatia e educação por parte dos portugueses, concebidos como itens positivos que as participantes atribuíram à cultura portuguesa; mas também foram marcadas por preconceito e estereotipia, como também observado por Beleli (2010) Beleli , Iara . Imagens de brasileiros/os no atravessar das fronteiras: (des)organizando imaginários . Atas do 1º Seminário de estudos sobre imigração brasileira na Europa . Barcelona , nov . 2010 , pp. 121 - 128 . . A autora também apontou a dualidade das estratégias identitárias adotadas pelas brasileiras, que ora se aproveitam do estereótipo da “simpatia”, ora se afastam dele por conta das más interpretações.

A hipersexualização é relatada pelas participantes como preconceito tanto pelos homens quanto como pelas mulheres portuguesas que consideram-nas “mulheres desfrutáveis” (seja pela possibilidade de serem prostitutas, caso demonstrem certa condição financeira, seja simplesmente pela sua “natureza volúvel”):“Os homens, é aquela coisa assim (sorri, mostrando frivolidade), daquele jeito né, ‘brasileira, é fácil’ […] mas é mais nos mais antigos” (Ametista). “Acho que quando percebem que sou brasileira, e estou comprando coisas caras, pensam logo ‘até imagino como conseguiu o dinheiro’[…] (Safira).

Rubi entretanto apontou uma ambiguidade de aproximação/distância no relacionamento entre os portugueses e os imigrantes brasileiros – situação também destacada por Pontes (2004) Pontes , Luciana . Mulheres brasileiras na mídia portuguesa . cadernos pagu ( 23 ), Campinas-SP , Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp , 2004 , pp. 229 - 256 como uma “via de mão dupla”, acerca das possibilidades de inserção também pelos portugueses no Brasil. Ametista e Rubi apontaram que as portuguesas se mostraram distantes e desconfiadas das brasileiras: “[…] mas se for falar de preconceito, eu sinto preconceito, mais da parte das mulheres (Ametista); “[…] as mulheres portuguesas não gostam das brasileiras, então a gente sofre um certo preconceito. É difícil se relacionar com as mulheres portuguesas, porque elas não entendem, ou se sentem ameaçadas pelas mulheres brasileiras […]” (Rubi).

Esta realidade marcada pelo estereótipo demonstra como as identidades sobrepõem-se umas às outras no espaço no social; neste caso, a etnicidade sobrepõe-se ao gênero, por exemplo, como um marcador de distância. A categoria estereótipo aponta como esta condição enclausura a imagem da mulher brasileira e normatiza todas as possíveis formas de relacionamento em padrões e expectativas. Entretanto, como Bhabha (1998) Bhabha , Homi . O local da cultura . Belo Horizonte , Editora UFMG , 1998 . coloca, também cria a partir de uma repetição “demoníaca” uma duplicidade, ou um viés de agência.

Aqui, quando pensamos na imagética perpetuada na publicidade, buscamos perceber como a sua incorporação acontece pelas brasileiras enquanto objetos, mas também receptoras desta publicidade; e por este duplo estatuto, portadoras de uma agencialidade acrescida, situação observada também pelas mulheres portuguesas ( Beleli, 2010 Beleli , Iara . Imagens de brasileiros/os no atravessar das fronteiras: (des)organizando imaginários . Atas do 1º Seminário de estudos sobre imigração brasileira na Europa . Barcelona , nov . 2010 , pp. 121 - 128 . ). Pensar a incorporação e a duplicidade da mulher brasileira enquanto objecto e sujeito da publicidade remete à performance deste corpo. O estereótipo da mulher brasileira como a morena de gingado hipnótico e sensualidade à flor da pele, simpática e extrovertida, é aqui confrontado com a realidade do depoimento das participantes, que ora se apropriam deste discurso, ora se afastam, apontando as contradições e os possíveis recursos estratégicos em utilizá-lo ( Vale de Almeida, 2004 Vale de Almeida , Miguel . O corpo na teoria antropológica . Revista de comunicação e linguagem n o 33 , Lisboa , 2004 , pp. 49 - 66 . ).

Ametista aponta que como é mais introvertida, raramente é imaginada como brasileira, mesmo sendo morena – o que corresponderia ao estereótipo. Mas ela diz não se comportar desta maneira por não usar roupas “extravagantes” ou insinuantes. Também destacou a exposição deste corpo estereotipado na publicidade, e mesmo sem considerá-la uma publicidade “suja” no sentido pornográfico, revela trivialidade quanto a esta superexposição:

Eu acho que a maioria pensa que as brasileiras tem aquele corpão, bundão […] aquele tipo violão[…] são mais de cor, escurinhas[…] mas eu não vejo essas imagens como uma coisa suja, porque aqui a gente vê publicidade assim, tem demais […] (Ametista).

Esmeralda destacou alguns traços do estereótipo do corpo da mulher brasileira, apontando também a publicidade que o Brasil exporta (como o carnaval):

Acho de certa maneira bem apelativo, mas fazer o que, né? Olha a imagem que o Brasil exporta[…] mas “nem toda a brasileira é bunda”, como disse a Rita Lee […] as pessoas aqui acham que as brasileiras gostam de festa, agitação, de bagunça, eu acho que é assim […] (Esmeralda).

O distanciamento do estereótipo 9 9 Dinâmica situada na lógica da mediação, entre a héxis corporal e a illusio. é realçado nos depoimentos de Ametista e Esmeralda, quando à primeira vista as pessoas não as consideram brasileiras: “todos os que vêm falar comigo me dizem que ‘você não tem nada a ver com brasileira, não parece brasileira’ […] só quando eu falo que aí notam, né?! […]” (Ametista). Esmeralda também aponta para uma situação semelhante: “já me disseram que sou a brasileira mais branca que já viram (risos), pois acham que a brasileira é a mulata do carnaval mesmo […]”.

Entretanto, as contradições surgem como um mosaico no desenho das relações entre o estereótipo e a subjetividade destas participantes, pois nos depoimentos de Safira e Rubi pode-se inferir o recurso à esta imagem concebida do corpo da mulher brasileira, e até mesmo certos prestígio e distinção. Safira, que considera-se exemplar neste quesito, aponta que: “é bem o que as pessoas esperam, né? ficar com esse corpão… Acho que todo mundo quer. Mas a mulherada que acha que é só fazer ginástica e comer pastel de nata adoidado, vai esperando sentada para ver […]”(risos) (Safira).

Sobre o corpo da brasileira, Rubi aponta que a naturalização do corpo da brasileira pode amealhar um capital simbólico quando o prestígio e a sensualidade estão em questão; entretanto, quando também é preciso ressaltar o “valor do trabalho” envolvido na construção de um corpo desejável, destaca o caráter cultural do corpo da brasileira:

A beleza natural da mulher brasileira junto à simpatia… eu acho válida essa publicidade, em específico nesta aula do Made In Brazil, até porque é pegar uma coisa boa das brasileiras e usar como um incentivo para as pessoas fazerem uma coisa que vai ser boa para elas […] agora […] o público alvo desta propaganda precisa ter um pouco de bom senso, porque o corpo da brasileira não é só feito na academia, é uma questão de genética, é uma questão de estrutura óssea, estrutura muscular estrutura física. O quadril da brasileira não é um quadril fabricado, a gente nasce assim, não é? (risos) (Rubi).

Vale realçar outro elemento destacado na fala de Rubi acerca da naturalização da corporalidade da brasileira: ao naturalizar o discurso estereotipado, Rubi desconsidera a realidade plural e entrecruzada por diversas matrizes étnicas e fatores culturais que influenciam esta corporalidade. A ambiguidade da narrativa oscila portanto entre um corpo naturalmente estruturado e um corpo culturalmente construído.

Rubi ainda aponta uma situação interessante, quando reconhece a sexualização do corpo da brasileira e do seu jeito extrovertido de ser. De certa maneira, compreende que isto também contribui para perpetuar o estereótipo hipersexualizado, quando naturaliza a visão das brasileiras como “vagabundas” por conta de seu corpo naturalmente voluptuoso. Nota-se também aqui um divórcio ou uma cisão entre a mulher e seu corpo objectivado, destituído de agência – ou melhor, refém de uma voluptuosidade natural e sobre a qual não tem controle, culpa ou responsabilidade.

A mulher brasileira, não só em Portugal mas em muitos países é uma mulher, desculpe dizer, mas é vista como uma mulher vagabunda, uma mulher que não se dá o valor, e aí não é culpa dela, mas acho que os atributos físicos contribuem, porque a brasileira tem um corpo cheio de curvas, a brasileira chega aqui na Europa, as mulheres não têm tantas curvas. E aí chega a brasileira com um corpo de violão, e soma este jeito extrovertido de falar, e isso é facilmente confundido com essa mulher desfrutável, então aí é […] eu percebi muito isso (Rubi).

Esta perspectiva demonstra uma visão de prestígio associado ao estereótipo, demonstrando uma estratégia de sobrevivência e sobrevalorização das características estereotipadas. Safira compartilha deste ponto de vista, mostrando identificação com este comportamento:

[…] esperam sempre que a brasileira chegue “ausando”, né? […] já senti isso. Ãs vezes, faço só pra provocar mesmo (mostrando um sorriso conspiratório) […] Ah, não deixo de usar as roupas que eu gosto só porque estou aqui […] Mas em geral acham que vai ser fácil me convencer (sobre os homens), mas se chegam sem educação, perdem até o caminho de volta! (Safira).

Levantou-se aqui uma categoria interessante, acerca do segredo das brasileiras , posto ser um item apelativo na publicidade da ginástica MIB. Quando as participantes foram arguidas sobre esta publicidade, realçaram uma certa característica corporal atribuída às brasileiras que pareceu “incorporar” este segredo, compreendendo significados diversos desde a capacidade de lidar com as adversidades, a extroversão, a capacidade de suportar as injustiças, até a sensualidade.

A expressão “jogo de cintura”, que surgiu em alguns momentos durante as conversas com as participantes, simbolicamente referiu estes contextos plurais enquanto uma metáfora corporal que além de denotar sensualidade, também transparece a habilidade de dançar e/ou jogar, esquivar-se de situações adversas. Beleli também destaca a gestualidade como um item de distinção em suas entrevistadas: “[…] a morenice parece ser suplantada pela hexis corporal – o “requebrar dos quadris” agrega um novo item à particularidade nacional […]” ( Beleli, 2010 Beleli , Iara . Imagens de brasileiros/os no atravessar das fronteiras: (des)organizando imaginários . Atas do 1º Seminário de estudos sobre imigração brasileira na Europa . Barcelona , nov . 2010 , pp. 121 - 128 . :123).

Embora Ametista tenha em um momento dito que não haveria segredo, sendo uma criação “estrangeira”, quando convidada a explicitar esta ideia colocou a maneira de “estar de bem com a vida” como elemento-chave para esta distinção:

Mas isso está na cabeças delas, das europeias, das americanas, não sei […] das mulheres que não são brasileiras[…] eu acho que não existe segredo nenhum, o segredo é o quê, é estar de bem com a vida […] (risos) […] é isso […] (Ametista).

Safira por sua vez também apontou dificuldades em sua inserção, realçando que o “jogo de cintura” é a maneira de conseguir superar estas adversidades, bem como suportar sorrindo alguns constrangimentos: “[…] tem que ver com o nosso ‘jogo de cintura’ sabe, para ficar aqui de cabeça erguida tem que engolir uns sapos ‘sorrindo’, saber se virar[…]” (Safira).

Esmeralda também realçou que o segredo teria a ver com o chorar “sorrindo”, como uma maneira de lidar com a adversidade sem perder o senso de humor. Rubi, por sua vez, realçou que o “segredo” estaria na sensualidade natural da mulher brasileira, atribuindo esta sensualidade ao culto do corpo que existe no Brasil, ora apontando que o corpo da brasileira é naturalmente belo, ora esculpido com treinos pesados no ginásio:

O algo a mais da mulher brasileira é o charme dela, né? São mulheres sensuais, são mulheres sedutoras, até por conta do culto ao corpo que existe no Brasil […]. Aquela pessoa que nasce sem quadril não vai ter quadril nunca, pode “malhar” o quanto quiser, não vai […]; você entra numa academia no Brasil, as mulheres pegam peso, tem caneleira de 1kg até 16kg, e se não levantar peso não vai desenvolver [...] (risos). Aqui não existe isso (Rubi).

Aqui pode-se também talvez perceber que o “jogo de cintura” invade o domínio discursivo, no esforço de conjugar contradições. Quando o intuito é valorizar a beleza natural do corpo da brasileira, desqualifica-se o esforço de quem “não nasceu com quadril”. Quando importa valorizar a “cultura do corpo” das mulheres brasileiras, valoriza-se sua forma de treinar pesado e o trabalho árduo. Rubi também aponta a extroversão e a capacidade de improviso como componentes do “jogo de cintura” brasileiro, e destaca como este fato conta a seu favor, desde favorecer contactos pessoais e profissionais como lidar com adversidades, considerando os portugueses mais “engessados”. Declara também que há um fascínio pelos portugueses em relação ao brasileiro, transparecendo que conseguiu articular estratégias de negociação e amealhar para si prestígio pessoal.

Considerações finais

Inicialmente observou-se que o habitus das participantes demonstrou a permanência das técnicas corporais mantidas pelas participantes em relação às suas práticas de ginásio no Brasil; na utilização do espaço, quando praticavam musculação “dividiam” o espaço dos pesos livres com os homens. Entretanto, esta interação sugere uma nova questão: revelaria uma maior emancipação e ousadia destas mulheres brasileiras, ou um maior jugo à corpolatria, onde a performatividade de gênero está pré-estabelecida como mecanismo de controle? Ou seja, estaria o corpo da mulher mais liberto e conquistando mais um espaço/possibilidade de subjetivação, ou tornando-se mais subjugado à formatação das estereotipias? As entrevistas corroboraram para desvelar este habitus: o ato de “pegarem peso” no treino como um diferencial para a construção do “corpo da mulher brasileira”, e este como componente de seu “segredo”.

O vestuário apropriado aos determinados espaços do ginásio (as aulas de grupo e o ginásio) também realçaram a visibilidade do corpo, contendo dois aspectos ou interpretações:

– o corpo como detentor de um prestígio e capital simbólico associados à sensualidade, característica da mulher brasileira, uma “mística secreta”;

– o corpo como vestígio de uma moral lasciva, associada a uma “mulher desfrutável”, hipersexualizada.

Compreende-se, portanto, que o habitus corporal das participantes pode assumir uma negociação de prestígio ou ser apenas tomado como signo de uma moralidade dúbia, e a regulação desta condição passaria pela noção de illusio que as participantes podem exercer. Bourdieu (1989) Bourdieu , Pierre . O poder simbólico . Lisboa , Difel , 1989 . compreende este recurso como mediador entre o habitus e o meio social. A illusio possui uma relação muito estreita com a constituição da identidade, enquanto um sentimento de pertença a uma categoria social – no caso a “brasilidade”.

A interação observada entre as participantes brasileiras e os portugueses revelou algum conflito no que tange ao estereótipo, que demonstrou ultrapassar o gênero, quando também sentiram dificuldade em relacionarem-se com mulheres portuguesas. A exceção das mulheres portuguesas mais velhas, talvez por não representarem concorrência no campo da atratividade em disputa (em que o padrão de beleza é associado à juventude), não constituíram uma relação de pares/concorrentes; simplesmente parecia que não estavam “em jogo”, dado o conceito de beleza estereotipado no ginásio ser quase um privilégio e um atributo dos mais jovens.

As técnicas corporais observadas e descritas pelas participantes fazem parte de um intrincado sistema de, por um lado, investimento em saúde e bem-estar, e por outro pela constituição de um corpo subjugado à ditadura da imagem. Entretanto, este gestual também revelou que a performatividade do gênero destas mulheres brasileiras passa por uma metáfora corporal 10 10 A ideia da metáfora corporal pode ser a base para nosso processo cognitivo. A estreita relação entre pensamento e ação ganha um grande auxílio com a noção de metáfora enquanto uma representação sígnica a partir de um gesto ( Damásio, 2000 ). materializada e imaginada no “jogo de cintura”, que incorpora um entrelaçar de sensualidade, ética e estética. A sensualidade como componente de negociação e prestígio pode converter-se em capacidade de adaptação e improviso, bem como extroversão que facilita contatos sociais e profissionais.

O “jogo de cintura” pode conter em si o imaginário misterioso que reinterpreta o fascínio do colonizador pelo colonizado, bem como a capacidade de sobrevivência deste último. O “segredo” da mulher brasileira, aqui corporificado no gesto, demonstra como o corpo é constructo e construtor de significados ao mesmo tempo. Infere-se que a incorporação deste “segredo da mulher brasileira” por parte das participantes pode representar um ardil, quando se aprisionam em um estereótipo. Esta situação encontra eco nos questionamentos de Bhabha (1998) Bhabha , Homi . O local da cultura . Belo Horizonte , Editora UFMG , 1998 . sobre as estratégias de sobrevivência das comunidades que vivem no espaço fronteiriço, como os migrantes; o autor destaca que “as estratégias de representação ou aquisição de poder (empowerment)” não são sempre lineares, podendo ser extremamente conflituosas.

Destaca-se a importância de uma perspectiva de abordagem que não faça leituras superficiais ou estáticas dos fenômenos, mas que compreenda que “os termos do embate cultural, seja através de antagonismos ou afiliação, são produzidos performativamente” ( Bhabha, 1998 Bhabha , Homi . O local da cultura . Belo Horizonte , Editora UFMG , 1998 .: 20). A performatividade encontra aqui uma abertura metodológica e conceptual realçando a característica do habitus corporal como um indicador valioso de análises futuras. Neste caso, também a ditadura da imagem impõe critérios rígidos que tornam a modelagem física para as mulheres quase um “terceiro turno” de trabalho, gerando uma constante insegurança corporal sobre sua aceitação. A sociedade de risco, sobre a qual Giddens (1995) nos alerta, torna a performatividade de gênero mais rigorosa e suscetível às demandas impulsionadas pela cultura de consumo.

Neste cenário, diante de diversos jugos sobre as quais estas mulheres imigrantes encontram-se reféns e cúmplices na construção desta identidade feminina, observamos que alguns destes jugos são (re)inventados no país que as acolhe, apenas em outro molde, uma vez que no Brasil este é o modelo que elas se apropriam em diferentes espaços: midiáticos, educacionais, sociais, culturais, políticos e econômicos.

A ideia de pertencer ao “primeiro mundo” onde poderão viver mais emancipadas, como relataram em seus discursos, logo pode se tornar uma ilusão levando a capacidade de articulação e negociação em um ambiente estrangeiro aos seus limites. A submissão/insubmissão, o “incorporar” do estereótipo e sua negação posterior revelam o desenvolvimento de estratégias subjetivas de sobrevivência arriscada, que impõe um alto custo. O corpo, assim, apresenta um mudo testemunho quando denuncia seu habitus gestual, podendo representar um item de prestígio ou reclusão.

Observamos que este primeiro momento de aproximação demonstrou ser um canal fértil de investigação, apesar da dimensão reduzida deste estudo. Consideramos que uma maior estruturação acerca do desvelar do habitus corporal traga novos significados sobre a compreensão deste fenômeno, tanto do ponto de vista conceptual e metodológico, como do social e cultural.

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  • Vale de Almeida , Miguel . O corpo na teoria antropológica . Revista de comunicação e linguagem n o 33 , Lisboa , 2004 , pp. 49 - 66 .
  • 1
    O termo health club compreende uma perspectiva mais abrangente do que os ginásios ou academias, além de ser um item de distinção de classe, como fitness centres de hotéis de luxo que oferecem serviços de massagem, sauna, relaxamento, ginástica e condicionamento físico.
  • 2
    O termo brasileiro “academia” equivale ao ginásio em Portugal, enquanto lugar especializado para a prática de exercícios (especificamente treinos resistidos e cardiovasculares).
  • 3
    Os embaixadores da modalidade são instrutores de aula de grupo responsáveis pela gestão da modalidade no país, tanto em termos de marketing quanto de funcionamento geral das aulas.
  • 4
    “[…] sentience and sensibility to our notions of self and person, and to insert an added dimension of materiality to our notions of culture and history” ( Csordas, 2003 Csordas , Thomas J. Embodiment and Experience – the existential ground of culture and self . Cambridge University Press , 2003 . :4)
  • 5
    “[the] emphasized femininity in which women are constructed as nice and niceness is the absence of pushiness or competition” ( Craig; Liberti, 2007 Craig , Maxine L. ; Liberti , Rita . “Cause that’s what girls do” – the making of a feminized gym . Gender and Society , vol. 21 , nº 5 october , 2007 . pp. 676 - 699 [ http://www.jstor.org/discover/10.2307/27641005?uid=3738880&uid=2129&uid=2&uid=70&uid=4&sid=21104599814353 – acesso em 24 jan. 2012 ].
    http://www.jstor.org/discover/10.2307/27...
    : 686).
  • 6
    “[…] nonthreatening, nonathletic, nonexpert and noncompetitive – but they are nice” (id.ib.:686).
  • 7
    Realça-se o contraste da vestimenta entre os dois ambientes pelo cuidado de muitas participantes, quando vão ao ginásio, de amarrarem uma blusa na cintura ou de evitarem exercícios ou posições de maior exposição ao treinarem no ginásio e o relaxamento destes comportamentos no ambiente predominantemente mais feminino como a aula em questão. Insinuam que os homens lançam olhares constrangedores, mas talvez desconsiderem ou ignorem o olhar homoafetivo de outras mulheres que poderiam igualmente ser considerados lascivos. A situação observada referenda a heterossexualidade descrita por Rich (2010 Rich , Adrienne . Heterossexualidade compulsória e existência lésbica . Bagoas: estudos gays: gêneros e sexualidades 4 ( 5 ), Natal , jan./jun . 2010 , pp. 17 - 44 . Obra original publicada em 1980 .: 43) como compulsória, assim pensada, organizada e mantida, dando “segurança” a mulher em vários espaços sem homens.
  • 8
    Sobre a hipersensualização da imagem da mulher na publicidade, conferir o artigo de Beleli (2010) Beleli , Iara . Imagens de brasileiros/os no atravessar das fronteiras: (des)organizando imaginários . Atas do 1º Seminário de estudos sobre imigração brasileira na Europa . Barcelona , nov . 2010 , pp. 121 - 128 . .
  • 9
    Dinâmica situada na lógica da mediação, entre a héxis corporal e a illusio.
  • 10
    A ideia da metáfora corporal pode ser a base para nosso processo cognitivo. A estreita relação entre pensamento e ação ganha um grande auxílio com a noção de metáfora enquanto uma representação sígnica a partir de um gesto ( Damásio, 2000 Damásio , Antonio . O Sentimento de Si. O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência . 5 ed. Lisboa , Editora Europa America , 2000 . ).
  • Bolsa CAPES, processo 1036/12-2

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2015
  • Aceito
    24 Ago 2017
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