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Dias e noites em Tamara – prisões e tensões de gênero em conversas com “mulheres de preso”

Resumo

Proponho, neste trabalho, uma reflexão teórico-metodológica que trata da pesquisa sobre prisões desde o lado de “fora”. Argumento que as pessoas (em sua maioria mulheres) que visitam esposos e filhos privados de liberdade são parte crucial na conformação da prisão extramuros. As relações que as “mulheres de preso” estabelecem com seus familiares, produzidas e mediadas pela prisão, demandam que elas atravessem as fronteiras prisionais para abastecer os presos com alimentos, roupas, cuidados e informações. Esse processo envolve trânsitos entre cidades, redes de solidariedade, confianças, desconfianças e discussões que ocorrem nas filas na porta da prisão e nas hospedarias que abrigam mulheres no período de visitas. A pesquisa de campo que informa este artigo se desenvolve em uma dessas hospedarias e na porta de uma prisão, contribuindo para a perspectiva de que os esforços analíticos sobre a prisão devem considerar os seus movimentos do lado de “fora”. As conversas entre mulheres, visitas e antropóloga também indicam articulações com gênero e sexualidade em relação aos desafios etnográficos que envolvem as muitas tensões em campo.

Gênero; Sexualidade; Prisão; Etnografia

Abstract

In this study I propose a theoretical-methodological reflection on prison research from the "outside". I argue that people (mostly women) who visit spouses and sons deprived of their liberty are crucial to shaping prisons outside their walls. The relationships that "women of prisoners" establish with their family members, produced and mediated by the prison, demand that they cross prison boundaries to supply prisoners with food, clothing, care and information. This process involves movements between cities, solidarity networks, trust, suspicion and discussions that take place on the lines to enter the prison and in the rooming houses where women stay during the visiting period. The field research that informs the article took place at one of these lodgings and at the prison gate, contributing to the perspective that analysis of prisons should consider movements on the "outside". Conversations between women, visitors and the anthropologist also indicate gender and sexuality articulations in relation to the ethnographic challenges that involve the many tensions in the field.

Gender; Sexuality; Prison; Ethnography

O objetivo deste artigo é explorar metodologicamente – e etnograficamente – algumas questões relacionadas ao fazer pesquisa sobre prisões, em particular aquelas que envolvem a pesquisa em espaços tidos como externos à prisão e as complexas negociações entre pesquisadora e interlocutoras envolvendo convenções de gênero e sexualidade correntes no campo. Essas questões surgem da minha experiência de pesquisa sobre prisões e do meu interesse nos fluxos de pessoas, objetos e informações entre dentro e fora das unidades prisionais. Em parte do meu tempo como pesquisadora – desde 2015 –, meu posto de observação etnográfica é do lado de fora das prisões, junto a pessoas, sobretudo mulheres, que se movimentam pela cidade e pelo estado de São Paulo para estarem com seus amigos, filhos e maridos presos. A primeira pergunta que orienta a reflexão que proponho aqui é, então, sobre quais são os ganhos de pesquisar prisões do lado de fora dos seus muros?

A perspectiva teórico-política que orienta meu trabalho está marcada pela teoria feminista e pelas discussões em torno da produção de categorias de diferenciação, ou marcadores sociais da diferença (Simões; França; Macedo, 2010Simões, Júlio A.; França, Isadora L.; Macedo, Marcio. Jeitos de corpo: cor/raça, gênero, sexualidade e sociabilidade juvenil no centro de São Paulo. cadernos pagu (35), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2010, pp.37-78 [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332010000200003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt – acesso em 29 abril 2019].
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). Em outras palavras, minha perspectiva confere lugar central à produção de diferenças, desigualdades e agenciamentos – assim como seus limites – entre mulheres e homens marcados pela prisão. Essas diferenças, produzidas em contextos sociais e históricos determinados, são percebidas em termos de gênero, sexualidade, raça, classe e geração.1 1 Reconheço que essas categorias de diferenciação são mutuamente constituídas, não sendo possível que suas produções ocorram em separado umas das outras (McClintock, 2010). O foco deste artigo nas dimensões de gênero e sexualidade, portanto, não desconsidera essa constituição recíproca – é antes o recorte analítico possível para este trabalho em específico. Na abordagem que realizo neste artigo, gênero e sexualidade são linguagens que atravessam as relações de mulheres e homens não apenas entre si, mas também com a própria instituição prisional. Argumento que, nesse movimento, tanto gênero e sexualidade como a própria prisão se produzem mutuamente.

A segunda questão que proponho atravessa a produção das informações aqui partilhadas e diz respeito aos modos pelos quais a pesquisadora se relaciona em campo, participando de um jogo de exibições mútuas que ocorrem na prisão em sua margem externa – o lado de fora dos muros, os caminhos e os pontos de parada onde familiares se relacionam, conversam, discutem e disputam. Nessa margem, minha presença é assimilada e estranhada, e faz parte das leituras produzidas pelas mulheres sobre o que é ser “mulher” e, de certo modo, sobre o que é ser “mulher de preso” – e o que é ser “antropóloga” naquele contexto, categorias sempre em recíproco tensionamento.

As questões aqui discutidas buscam, então, uma reflexão teórico-metodológica sobre a pesquisa com prisões considerando as disputas e produções de gênero e sexualidade que ocorrem através e ao redor da prisão. Apresento as questões a partir da pesquisa realizada em Tamara2 2 Escolho apresentar um nome fictício para a cidade e suas personagens para garantir o anonimato de quem colaborou com a pesquisa. , cidade que sedia uma prisão e algumas pensões ou pousadas onde diversas mulheres conversam, convivem e debatem. E exploro, ao final, uma das tensões que envolvem mulheres e antropóloga e que é, por sua vez, atravessada por análises diferentes sobre gênero e sexualidade.

Prisões em gênero

A prisão é tema de minhas pesquisas considerando particularmente as porosidades e fluxos de pessoas, bens e informações entre dentro e fora de seus muros. Assumo como perspectiva mais ampla que gênero é central para entender esses trânsitos e também as regulações que operam nas relações entre administração prisional, pessoas presas e seus familiares. Busco avançar na discussão abordando particularmente os modos como o dentro e o fora da prisão se produzem não apenas dos lados internos aos muros, mas também nas relações “de fora para dentro”, ou seja, a partir das mulheres que mantêm relações familiares ou afetivas de diferentes ordens com pessoas em privação de liberdade.

Reconheço que a prisão transborda para além dos seus espaços físico-institucional e se faz presente também nos bairros, onde é parte da criação e da reconfiguração de vínculos e de trajetórias. O encarceramento de um membro de uma família implica não apenas a ausência desse ente, mas também a presença da prisão, que reestrutura as relações e atravessa as dinâmicas cotidianas. Nesse sentido, entendo a prisão como um campo alargado que concebe os limites físicos da instituição, mas que também envolve os agenciamentos que ocorrem ao seu redor – o fluxo de pessoas através dos muros institucionais, as articulações familiares para realizar as visitas, as preparações na cidade de origem e nas cidades-sede das prisões, os acordos e desavenças entre familiares que acabam por envolver as pessoas privadas de liberdade e vice-versa.

O trânsito dos familiares para dentro da prisão pode ser percebido nas visitas às unidades penitenciárias, em que se destaca a presença massiva de mulheres. Dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), o órgão responsável pela gestão das unidades prisionais do estado, indicam que elas correspondem a mais de 65% das pessoas cadastradas para a realização de visitas nas unidades penitenciárias do estado de São Paulo.3 3 Os dados têm como base o ano de 2014, foram obtidos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação e compartilhados comigo pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria – NESC, a quem agradeço. No município de Tamara, onde desenvolvo parte da pesquisa aqui mobilizada, a proporção de mulheres cadastradas é de quase 70%4 4 O dado diz respeito aos cadastros relativos a janeiro de 2017 e inclui mulheres adultas. Se incluirmos as adultas, adolescentes e crianças, a proporção de mulheres chega a 77% dos cadastros. Obtive os dados na Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) via Lei de Acesso à Informação. Na fila para entrada da prisão, essa proporção parece ainda maior, ou seja, são as mulheres que efetivamente viajam até à cidade para visitar pessoas presas.

Nas relações estabelecidas entre as mulheres e os familiares privados de liberdade é importante destacar a série de regulações provocadas pela instituição prisional. Essas mulheres são de certo modo institucionalizadas a partir da privação de liberdade das suas pessoas queridas: reorganizam suas vidas em torno dos dias de visita, quando não reorganizam seus próprios locais de moradia.5 5 O processo de expansão dos presídios no estado de São Paulo, analisado por Rafael Godoi (2015), levou parte considerável das instituições prisionais para pequenos municípios do interior que recebem presos de todo o estado. Muitas vezes, a distância entre o local de moradia da família e o local de aprisionamento leva familiares a se mudarem para cidades mais próximas, de forma a facilitar as visitas (Silvestre, 2012). Visitar uma pessoa presa requer fazer um cadastro junto à SAP. Nos casos em que as mulheres visitam companheiros, é necessário apresentar um documento que comprove o relacionamento – certidão de casamento ou declaração de amásia, um tipo de comprovante de relacionamento estável. Por fim, entrar na prisão na condição de visita requer submeter-se a procedimentos como as revistas íntimas6 6 As revistas íntimas (nomeadas, por movimentos de defesa de direitos, como revistas vexatórias) consistem na realização de revista para verificação dos corpos de quem entra nos estabelecimentos prisionais sob a alegação de que objetos proibidos/ilegais (como celulares e drogas) podem ser escondidos. A revista requer que a pessoa se desnude e exponha suas partes íntimas – vagina e ânus – agachando-se sobre espelhos e, muitas vezes, tossindo para que eventuais objetos escapem das cavidades. Faz parte da revista atravessar um detector de metais que indica se o corpo nu da visitante é suspeito de carregar algo. Exploro, em minha pesquisa de doutorado, a controvérsia sobre a revista íntima (ou vexatória) que se desenrolou no último período envolvendo governos, organizações nacionais e internacionais de direitos humanos e operadores do sistema de Justiça. ou o escâner corporal.7 7 A Lei 15.552 que proíbe a realização das revistas íntimas nos presídios paulistas foi aprovada em 2014. Desde então, as unidades penitenciárias estaduais vêm “aderindo” à legislação com a instalação de escâneres corporais que funcionariam sem a necessidade de nudez da revistada. Contudo, os relatos de visitantes indicam que os escâneres aumentaram o tempo de espera para entrada na prisão e não extinguiram, em alguns casos, a exigência de que as visitas se dispam para passar por ele. Há ainda uma preocupação quanto aos seus efeitos na saúde, sobretudo de crianças e mulheres grávidas.

A instituição prisional não é a exclusiva produtora de regulações que são obedecidas, contornadas e contestadas pelas mulheres que visitam seus familiares. Elas também devem atentar-se a procederes estabelecidos sob o nome do Primeiro Comando da Capital (PCC).8 8 O PCC surgiu como um agrupamento de presos das unidades prisionais masculinas no estado de São Paulo e hoje estabelece modos de proceder na maior parte das prisões paulistas, de mulheres e homens, e em bairros das periferias. Uma série de trabalhos vem se propondo a discutir o PCC, seus modos de proceder dentro e fora das prisões e sua expansão para além de São Paulo e Brasil; destaco Feltran (2018) e Biondi (2014). Tais procederes são observados não somente nos momentos em que as mulheres se encontram na prisão, em relação a seus maridos, aos demais presos e às mulheres que visitam; os procederes operam também na vida cotidiana, a quilômetros de distância da cidade-sede da penitenciária.

Os diversos tipos de constrangimentos e regulações que envolvem a visita de mulheres na prisão, bem como sua conduta do lado de fora, revelam com intensidade as porosidades entre estar dentro e fora da prisão e indicam que a prisão se expande para além dos seus limites físicos. Essas mesmas regulações lembram que a instituição prisional se faz presente estabelecendo procedimentos e submetendo corpos à intervenção, de modo a reiterar que “os sistemas punitivos devem ser recolocados em uma certa ‘economia política’ do corpo” (Foucault, 2008Foucault, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro, Vozes, 2008 [1975].:23) – à revelia das porosidades e trânsitos possíveis.

As regulações que envolvem familiares de pessoas presas, seus agenciamentos e limites, e a própria expansão da prisão para além das fronteiras institucionais dizem respeito a um debate mais amplo sobre prisões. Perseguir os trajetos e questões mobilizadas por quem tem a vida atravessada pela instituição sem, no entanto, ser uma pessoa presa – ao menos naquele momento – é um caminho privilegiado de análise, como procuro argumentar neste artigo.

Ainda, a emergência de trabalhos cujas reflexões se produzem a partir de afetos, de relacionamentos amorosos ou familiares e de redes transnacionais que atravessam a vivência prisional de mulheres indicam que a prisão vem sendo cada vez mais debatida considerando gênero e sexualidade (Padovani, 2010Padovani, Natália C. “Perpétuas Espirais”: Falas do poder e do prazer sexual em trinta anos na história da Penitenciária Feminina da Capital (1977-2009). Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2010., 2015Padovani, Natália C. Sobre casos e casamentos: afetos e “amores” através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2015., 2017Padovani, Natália C. Tráfico de mulheres nas portarias das prisões ou dispositivos de segurança e gênero nos processos de produção das “classes perigosas”. cadernos pagu (51), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017 [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332017000300304&lng=en&nrm=iso&tlng=pt – acesso em: 26 abril 2019].
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; Lago, 2014Lago, Natália B. Mulheres na prisão: entre famílias, batalhas e a vida normal. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2014., 2017aLago, Natália B. Corajosas e batalhadoras: gênero, classe e família em histórias de mulheres na prisão. Revista InSURgência, vol.3, no1, Brasília, 2017a, pp.318-342.; Negretti, 2015Negretti, Natália. Madá e Lena entrecruzadas, dois dramas em trama: entre percursos numa tragédia social e uma constituição possível. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – PUC de São Paulo, 2015.; Bumachar, 2016Bumachar, Bruna. Nem dentro, nem fora: a experiência prisional de estrangeiras em São Paulo. Tese (Doutorado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas, 2016.). Outras pesquisas discutem a privação de liberdade de travestis e transexuais considerando ainda os efeitos desse aprisionamento nas políticas carcerárias (Zamboni, 2016Zamboni, Marcio. Travestis e Transexuais Privadas de Liberdade: a (des)construção de um Sujeito de Direitos. Revista Euroamericana de Antropologia (REA), nº 2, 2016, pp. 15-23 [https://iiacyl.files.wordpress.com/2016/07/2-n2_zamboni.pdf – acesso em 29 maio 2019].
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, 2017Zamboni, Marcio. O barraco das monas na cadeia dos coisas: notas etnográficas sobre a diversidade sexual e de gênero no sistema penitenciário. Aracê - Direitos Humanos em Revista, vol.4, no 5, São Paulo, 2017, pp. 93-115 [https://arace.emnuvens.com.br/arace/article/view/135 – acesso em 29 maio 2019].
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; Sander, 2016Sander, Vanessa. “O melhor lugar para arrumar marido”: conjugalidades e afetos entre travestis em privação de liberdade. In: Anais do VI SAPPGAS. Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2016, pp.1-17 [http://www.seminariodosalunos.com/wp-content/uploads/2016/06/Sander-Vanessa.-O-melhor-lugar-pra-arrumar-marido.pdf – acesso em 29 maio 2019].
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). As dimensões de gênero nas prisões vêm sendo extensamente trabalhadas também em outros contextos, como na discussão sobre as comunicações e circuitos entre bairro e prisão na experiência prisional de mulheres portuguesas (Cunha, 2003Cunha, Manuela I. O bairro e a prisão: a erosão de uma fronteira. In: Branco, Jorge Freitas; Afonso, Ana Isabel (org.) Retóricas sem fronteiras. Lisboa, Celta, 2003, pp.101-109.), e na análise sobre o afeto entremuros nas relações entre familiares e pessoas presas nos Estados Unidos (Comfort, 2007) e na França (Ricordeau, 2012Ricordeau, Gwénola. Entre dedans et dehors: les parloirs. Politix, no 97, 2012/1, Paris, pp.101-123.).

Há também uma sistematização de contribuições que permitem reconhecer a centralidade do gênero na prisão, seja dialogando com trabalhos que partem dessa perspectiva, seja fazendo uma leitura “a contrapelo” de pesquisas sobre o universo prisional (Lago; Zamboni, 2016Zamboni, Marcio. Travestis e Transexuais Privadas de Liberdade: a (des)construção de um Sujeito de Direitos. Revista Euroamericana de Antropologia (REA), nº 2, 2016, pp. 15-23 [https://iiacyl.files.wordpress.com/2016/07/2-n2_zamboni.pdf – acesso em 29 maio 2019].
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). Vale dizer que entendo a produção desses trabalhos como um esforço em construir enquadramentos que discutem a prisão a partir de perspectivas que apreendem gênero em sua dimensão relacional; nesse sentido, não se trata de considerar tais trabalhos como contribuições no âmbito das prisões femininas ou sobre feminilidades no cárcere, e sim como contribuições no campo de estudos sobre prisões.

Mobilizo essa literatura para argumentar que as perspectivas que articulam gênero, sexualidade e prisões não são exclusivas da pesquisa que busco fazer e fazem parte de um campo mais amplo de pesquisadoras/es, aqui e alhures, que abordam a questão prisional em sua tensão com gênero e sexualidade – inclusive sem deixar de ver nas prisões masculinas, geralmente tomadas como a-gênero, questões de gênero e sexualidade a serem desveladas. Refiro-me à ideia, vez ou outra presente em estudos sobre prisões, de que questões de gênero e sexualidade dizem respeito a mulheres – a prisões femininas, a familiares de presos. Nessa perspectiva, não seria possível abordar as prisões masculinas em uma perspectiva informada por gênero e sexualidade. Ainda que meu trabalho possa, para alguns/mas leitores/as, reiterar essa perspectiva, reafirmo que entendo gênero em sua dimensão relacional, na produção de feminilidades e masculinidades e nas regulações, constrangimentos e agenciamentos daí decorrentes.

Uma vez apresentada a reflexão sobre o fazer pesquisa em prisões desde o lado de fora, descrevo parte do trabalho que realizo na já mencionada cidade de Tamara. As situações e diálogos entre as muitas mulheres ali presentes indicam as tensões nas relações entre mulheres de preso e fazem parte do argumento de que olhar para a prisão desde sua parte externa traz rendimentos analíticos para o debate sobre prisões. Ao mesmo tempo, as tensões e questões que envolvem os sujeitos que transitam fora da prisão, sobretudo “problemas de gênero” entre mulheres, incluem também a pesquisadora.

Dias e noites em uma pensão

Cheguei em Tamara às oito da manhã. O ônibus, que saiu da Barra Funda às 22h30, estava cheio de gente que foi descendo no pinga-pinga de cidades. No mesmo ônibus estava Celina, que eu conheci no ano anterior e que costumava visitar o marido. Na rodoviária de Tamara nós nos reapresentamos. Eu já tinha ligado para Flora nos buscar, então esperamos juntas – ela também pegaria carona com Flora. Flora era a dona da pensão que abrigava familiares, negócio tocado junto do marido e da filha, Fabiana. Perguntei se ela ficaria na pensão e ela disse que não, que preferia ficar no hotel onde tem um quarto individual e as moças são mais discretas. Segundo ela, na casa da Flora tem muita confusão, ela não gosta dessa mistura, mas gosta de Flora e sempre passa por lá para conversar. Quando Flora e Fabiana chegaram para nos buscar, Fabiana, que fizera aniversário, ganhou um presente de Celina. Comentei “que legal, Fabiana, parabéns! Cê fez dezoito, né? Celina comentou “é, agora a Fabi tem que tomar cuidado, porque ela pode ser presa. Flora respondeu que era isso que ela vinha dizendo à filha desde o aniversário (Diário de campo, 2015).

Em 2014, realizei minha primeira visita a Tamara.9 9 Agradeço pela visita inicial a Rafael Godoi, que me convidou para acompanhá-lo em uma viagem até uma das cidades que fez parte de sua pesquisa de doutorado (Godoi, 2015). A cidade localiza-se na região do estado chamada de “Nova Alta Paulista” ou, como dizem presos e familiares, no fundão.10 10 As palavras grafadas em itálico mencionam expressões usadas pelas pessoas com quem converso em campo. As frases ditas nestes mesmos contextos estão marcadas com aspas. O apelido não é fortuito. As cidades do fundão ficam a centenas de quilômetros da capital, próximas à divisa com o Mato Grosso do Sul. A maior parte dos pequenos municípios da região tem, ao menos, uma prisão. Tamara tem perto de 20 mil habitantes e uma penitenciária.

Chegando à cidade, visitei a pensão, localizada em um lugar central. Flora, a dona, tocava o negócio praticamente sozinha naquele momento, com alguma ajuda de Fabiana, a filha mais velha, então adolescente. O marido, que chamo de Ítalo, estava preso por um processo que ainda seria julgado, e aquela não era sua primeira privação de liberdade. Flora mudou-se de São Paulo para Tamara no período da detenção anterior de Ítalo; ela quis ficar mais perto do marido e foi viver na cidade.

Além de hospedar pesquisadores interessados nas movimentações provocadas pelas prisões, a pensão abrigava mulheres que passavam o fim de semana na cidade para visitar seus maridos, irmãos e filhos presos. Ao longo desse primeiro fim de semana conversei com algumas das mulheres que visitavam familiares, convivi com Flora e Fabiana, e acompanhei o trabalho de ambas na gestão da pousada e do outro pequeno negócio da família, uma barraquinha na porta da prisão que vendia refeições previamente encomendadas, lanches, refrigerantes e, nos tempos de mais dinheiro, roupas compradas no Brás, em São Paulo – sobretudo calças legging, camisetas e tops, todas escolhidas de acordo com as estritas regras prisionais para o vestuário das visitas. A pensão era, portanto, um local para onde confluíam mulheres que saíam de São Paulo e de outras cidades do interior para visitar seus familiares presos. Seus donos tiveram uma trajetória marcada pela prisão e ainda viviam dos ganhos proporcionados pela vida ao redor da prisão.

Desde a primeira ida a Tamara, em 2014, explicito que faço uma pesquisa com mulheres que têm familiares presos porque quero entender como é a prisão a partir de seus pontos de vista.11 11 Voltei à cidade em outras oportunidades para acompanhar finais de semana de visitas entre 2015 e 2016. Flora e sua família, portanto, sabem da pesquisa. A dona da pensão faz questão de me apresentar às demais hóspedes como a pesquisadora de São Paulo que quer saber das dificuldades de suas vidas. Em diversos momentos, Flora e Fabiana fazem as vezes de co-pesquisadoras, seja indicando pessoas com quem eu deveria conversar, seja fazendo perguntas “desinteressadas” às mulheres, perguntas que as fazem falar sobre pontos que – as duas sabem – me interessam. Algumas mulheres querem saber mais sobre a pesquisa e conversam comigo sobre seus percursos e relacionamentos em bate-papos ao longo do fim de semana – na cozinha e nos quartos da pensão, na feira livre da cidade, na porta da prisão. Outras assentem, mas não querem saber de pesquisa alguma e vão cuidar de seus afazeres – que são muitos.

São alguns os caminhos que levam a Tamara. Viajei sempre com um ônibus de linha, mais caro que o transporte geralmente utilizado pelas mulheres que visitam seus familiares presos na região.12 12 Os trajetos de ida e volta do ônibus custam cerca de 350 reais, que devem ser somados às despesas com a hospedagem e, no caso das famílias, aos gastos com alimentos, roupas e produtos de higiene que são levados nas visitas – o chamado jumbo. Algumas vans e ônibus fretados transportam familiares de presos para o fundão pela metade do preço e são organizados pelas guias, mulheres cujos maridos também estão presos e que têm a responsabilidade de fechar a lista de passageiros e garantir que a viagem ocorra sem incidentes.

Celina, apresentada no relato de campo do início desta seção, tem mais recursos disponíveis para a viagem e estadia na cidade. Ela viaja no ônibus mais caro, prefere não se misturar às mulheres que se hospedam na casa de Flora e escolhe uma pousada com mulheres mais discretas. As diferenciações entre as mulheres que chegam e partem de Tamara começam no transporte que as leva à cidade e passam pela escolha (ou falta de escolha) de onde se hospedar.

Para além da pensão de Flora, há hotéis e pousadas na cidade que também recebem mulheres que visitam presos. Todos, no entanto, são mais caros do que a pensão, cuja diária custa entre 30 e 40 reais. A pensão funciona em uma casa cuja configuração permitiu que Flora fizesse cinco quartos, além de uma sala ampla e de duas cozinhas – a maior é usada pelas donas da pensão para cozinhar as encomendas de refeições e preparar os lanches rápidos que são vendidos na porta da prisão; a menor é alugada para as hóspedes que querem, elas mesmas, cozinhar a comida que levarão para seus maridos e filhos. Os quartos não são individuais. Abrigam entre duas e quatro pessoas, e há um quarto coletivo com seis camas. Além da pensão e dos alimentos que vendem, a família ganha dinheiro com o transporte das visitas com a perua de Ítalo, o marido. Ele costuma ser o responsável por levar e trazer mulheres nos trajetos que envolvem a pensão, a porta da prisão, o supermercado, a rodoviária e qualquer outra corrida que aparecer. Quando Ítalo não pode fazer as corridas – por exemplo, quando esteve preso, ou quando está indisposto – Flora é quem se responsabiliza pela perua.

As conversas com as mulheres ocorrem na porta da prisão, enquanto elas esperam sua senha ser cantada pela guia da fila. Mas ocorrem também nos cômodos da pensão – na cozinha, entre o preparo das refeições; no alpendre, entre cigarros; nos quartos, entre diversas arrumações para montar o jumbo – a sacola com alimentos, itens de higiene e produtos de limpeza, roupas e cigarros que cada visita leva. Descascar balas, retirar os sabonetes das embalagens e colocar em sacos transparentes, agrupar os diferentes pacotes de biscoito em um único saco, contar os chocolates para não extrapolar a cota permitida. Toda essa preparação é demandada pela administração penitenciária – que estabelece desde o material de plástico da sacola aceita como jumbo até a cor branca do sabonete que pode entrar na prisão. Conversar com as demais visitantes e informar-se das regras é fundamental, pois garante que os produtos comprados cheguem ao preso e evita o gancho, termo utilizado para a punição estabelecida pela direção prisional às visitantes que alegadamente descumprem alguma das muitas regras. Essas regras variam de acordo com as direções das penitenciárias, ou seja: quando um marido ou filho é transferido, as visitas devem buscar se familiarizar com as exigências da nova unidade que, se não obedecidas, impedem a entrada da visitante e dos suprimentos que ela carrega consigo.

A já mencionada guia da fila cumpre um papel também na explicação das regras da unidade prisional às visitantes neófitas. Sua principal atribuição, no entanto, é organizar a distribuição das senhas entre as visitantes e cantar as senhas na porta da prisão, organizando a fila das mulheres que serão chamadas por funcionários da SAP que conferem os documentos das visitantes em um balcão. Para as visitas no final de semana, as senhas começam a ser distribuídas na casa da guia ainda na quinta-feira. Na sexta-feira à tarde, a administração penitenciária abre o guichê que troca a senha obtida junto à guia pela senha que efetivamente será utilizada no fim de semana.

A guia da fila é também uma funcionária. Contudo, seu salário – cerca de 300 reais semanais, no período da pesquisa – não é pago pela SAP. Ela é contratada pelo PCC para fazer o trabalho e geralmente tem um marido privado de liberdade na unidade prisional onde é responsável pela fila. Essa, contudo, não é uma regra.

Flora e Fabiana começaram a dizer que eu nem devia conversar com a guia da fila, pois ela é muito chata. Fica se mostrando e se fazendo de coitada para ganhar coisas dos outros. Que “de coitada ela não tem nada, pois andou ganhando a rifa do Comando”. Que o marido dela nem está mais preso aqui e que a guia só fica nessa posição porque tem um padrinho dentro da cadeia (Diário de campo, dezembro de 2015).

Flora e Fabiana têm suas rusgas com algumas das mulheres, entre elas a guia da fila – que era a mesma até aquele momento. Flora já foi guia da fila da penitenciária de Tamara, mas não tem saudade da posição: “era muito buxixo”. Considerando que a decisão de quem ocupa o posto vem de dentro, a alegação de que a atual guia tem um padrinho parece responder ao questionamento que Flora faz sobre a legitimidade da permanência da guia no posto. Outro boato que corre a respeito diz, segundo Fabiana, que a guia sabe coisas a respeito de alguns presos e troca esse conhecimento pelas demandas que tem. Os boatos, ou rumores (Das, 2007) circulam e produzem informações e condutas nesses e em outros assuntos, como veremos mais adiante.

A manutenção das boas relações de Flora não apenas com os irmãos, do PCC, mas também com a direção da penitenciária, é fundamental. Como já dito, parte dos ganhos da família vem das vendas realizadas na porta da prisão. Sem a anuência do diretor e de funcionários da penitenciária, a barraquinha da família teria dificuldades de se manter no local. Um episódio ilustra os esforços que a família faz para se manter em bons termos com o diretor e com agentes prisionais: a conta do facebook de Fabiana foi invadida e o(a) responsável publicou no perfil fotos de agentes penitenciários da cidade acompanhadas de xingamentos. Assim que soube, Ítalo foi à delegacia fazer um boletim de ocorrência pela invasão da conta de facebook da filha e ligou para o diretor da penitenciária para evitar qualquer mal-entendido. “Fiz o B.O. pra me garantir”, disse Ítalo. Se o diretor desconfiasse da história de Ítalo a respeito da invasão da conta, o boletim de ocorrência seria um documento válido na argumentação em uma eventual desavença que, em seu limite, arriscaria a permanência da barraquinha da família na porta da prisão.

Além da barraquinha na porta e do passado como guia da fila, Flora já prestou outros tipos de serviços, possíveis apenas pelas suas boas relações com o Comando – outro nome para o PCC. Por algum tempo ela foi a responsável por fazer a comida dos pelegrinos, também conhecidos como peregrinos em outras regiões do estado: presos que estão há mais de seis meses sem receber visitas ou qualquer tipo de ajuda.

As refeições entram semanalmente na prisão e Fabiana, a filha de Flora, me explicou que “se o preso recebe um sedex que seja ele já não pode mais comer dessa comida”, ou seja, mesmo os presos sem visitas que recebem mantimentos pelo correio estão excluídos da categoria pelegrino. Flora era paga pelo Comando para cozinhar as refeições e garantir que elas chegassem ao interior da prisão. Para tanto, era necessário contar com o apoio de mulheres que não carregavam consigo a cota máxima de refeições que cada visita pode levar. Um pote de comida com uma, outro pote de comida com outra, toda a comida dos pelegrinos entrava. Contudo, Flora perdeu a feitura dessa comida para outra mulher da cidade que também vende refeições encomendadas. Ela continua ajudando na distribuição das refeições entre visitas que ainda podem levar um pote ou outro a mais, mas já não recebe o dinheiro que ganhava para fazer, ela mesma, as marmitas.

São três os pontos que gostaria de destacar aqui: o primeiro deles é que a visita à prisão é uma jornada que compõe a própria ideia de prisão nessa perspectiva mais alargada que proponho. Visitar alguém requer planejamento, preparação e dinheiro. Além disso, são muitas as regulações que envolvem o trânsito de pessoas e de bens entre o dentro e o fora da prisão, e elas se alteram constantemente. Para fazer uma visita é recomendável dominar essas regras e entender em quem se pode confiar para pedir ajuda.

O segundo ponto é que Flora e sua família – incluindo o marido, Ítalo, e a filha mais velha, Fabiana – ganham a vida a partir da prisão. Eles são donos de uma pensão, preparam refeições encomendadas, vendem lanches na fila, transportam as mulheres nos trajetos pensão-prisão. Isso não quer dizer que eles ganhem muito com a movimentação de pessoas e circulação de mercadorias; ao contrário, eles sempre estão em busca de negócios possíveis em torno da pensão, da produção de alimentos e do transporte de pessoas para conseguirem sobreviver e tocar a vida. Vale dizer que a família vive em uma cidade pequena e que Ítalo, Flora e as filhas enfrentam a informalidade em seus trabalhos e o fato de serem uma família marcada pela prisão – seja pelos aprisionamentos passados de Ítalo, seja pela vida familiar organizada em torno das dinâmicas de visitas prisionais.

Ao mesmo tempo, os membros da família dominam as regras da administração e conseguem garantir o transporte de alimentos através dos muros. As mercadorias de Flora são palpáveis em diferentes níveis: há comida e há informação, há hospedagem e relações tanto com a administração penitenciária quanto com o Comando. Ainda que Flora não seja mais a responsável pela comida dos pelegrinos, ela é fundamental para garantir o funcionamento da engrenagem, ou seja, colocar a comida para o lado de dentro. O que parece é que não é apenas o dinheiro que está em jogo, mas também a permanência das boas relações com o Comando e a manutenção de um certo controle de fluxos – ainda que esse controle de Flora esteja sempre em risco de ser interrompido pelo controle operado pela administração penitenciária.

A manutenção das relações é o terceiro ponto que destaco: se é necessário fazer um B.O. para garantir as boas relações com a direção da penitenciária e salvaguardar a permanência da barraquinha na porta da prisão que sustenta a família, é necessário ter atenção para se manter em bons termos também com o Comando. São constantes as tensões em torno das relações que se produzem através da prisão. O clima de desconfiança, que chega a evocar certa paranoia, provoca uma necessidade contínua de produção de evidências que, se necessário, atestam a razão em eventuais desavenças envolvendo Flora, Fabiana, Ítalo e mulheres de preso.13 13 Sobre a categoria mulher de preso, ver Lago (2017b). Não confiar em ninguém na porta da prisão é conselho repetido a todo momento, e os rumores aparecem para justificar essa disposição de não confiança nas pessoas que circulam nas entradas e saídas da prisão.

Esse clima de frequente tensão e desconfiança faz parte das relações estabelecidas em campo que também dizem sobre gênero e sexualidade e envolvem a presença da própria pesquisadora, como pretendo discutir em seguida.

Sobre diferenças e o perigo da sapatão

Domingo de manhã. O sol começou a esquentar. Quase todas as mulheres já entraram na prisão. Flora cochila sentada em uma cadeira enquanto eu, Fabiana e Aline conversamos. O papo ora acontece, ora arrefece – estamos cansadas. Acendo um cigarro. Silêncio. Fumo tranquila enquanto Ítalo vai até a perua e liga o som. A música soa, triste. Aline começa a cantar junto, a interpretar a letra, a performar o sofrimento da canção que conta sobre um dia de visita na prisão: “Mãe como vai lá em casa, como anda os manos da quebrada, diga pros mano que mandei lembranças, dá um abraço bem forte nas crianças”.14 14 A música “Dia de Visita”, do grupo Realidade Cruel, está disponível no link: https://www.letras.mus.br/realidade-cruel/76549/. Acesso em 04 set. 2018. Enquanto Aline cantava, Flora brincou: “desse jeito parece que você está presa, Aline!”.

Aline não entrou na prisão para visitar seu marido no dia em que cantou. Ela chegou em Tamara no domingo de manhã para um bate-volta, nome dado às pessoas que chegam à cidade, visitam e partem no mesmo dia. Quando Aline tentou entrar na penitenciária, o detector de metais apitou e ela recebeu um gancho, punição que a impede de entrar na prisão na condição de visitante por um período determinado pela direção – naquela ocasião, seis meses. O detector de metais estava especialmente difícil naquele dia, segundo as mulheres que voltavam da visita. Houve rumores de que a máquina teria sido trocada por uma mais nova que pegava tudo.

Não cabe discutir se Aline carregava ou não consigo algum objeto que pudesse instigar o detector; em todas as minhas idas à Tamara ouvi histórias de mulheres que foram impedidas de entrar porque o detector apitou sem que elas nada carregassem. O que importa é que Aline não entrou naquele dia e precisou esperar a carona de volta à sua cidade junto de Flora e Fabiana.

Flora me disse, na véspera, que a relação com Aline não estava boa. Os problemas começaram porque, segundo Flora, Aline não gostou quando soube que seu marido conversou com Fabiana para encomendar alimentos. A esposa considerou essa comunicação um potencial perigo, e chegou a perguntar a Fabiana se ela tinha algo para lhe contar. Fabiana chateou-se com a desconfiança de Aline, e desde então as relações entre elas estavam frias.

As relações conturbadas entre as três não impediram Flora e Fabiana de convidarem Aline a esperar a carona da volta com elas, tanto na barraquinha da porta da prisão quanto na própria pensão. Ao longo do dia, seguimos em conversas. Flora contou que duas mulheres que se hospedavam na pensão tinham sido presas nas semanas anteriores. Entre os detalhes de ambas as prisões, contados e recontados nas conversas da pensão e da fila, uma questão era evocada ora por Flora, ora por quem mais participasse: será que elas [as presas] vão virar sapatão?

A dúvida era permeada por risadas e suposições, mas havia um terreno seguro de reflexão: se uma mulher é presa, ela corre o risco de virar sapatão. O risco poderia ser atestado pela própria distribuição das duas conhecidas na penitenciária: se estivessem no pavilhão tal elas já teriam virado sapatão, pois aquele era o pavilhão das sapatão na penitenciária onde estavam presas.

Aline participava da conversa. Ela apostava que uma das mulheres viraria bofinho na cadeia, ou seja, seria uma sapatão lida como masculina.15 15 Natália Padovani (2010) explora algumas classificações que circulam na prisão e envolvem sapatões e outras mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com mulheres. Aline também já esteve presa. Naquela conversa, disse que é muito difícil a mulher ser presa e não arranjar namorada, e contou que no último dia de sua prisão resolveu experimentar, mas disse à parceira que a outra seria o hominho, pois ela não ia chupar xoxota. Sob os olhares incrédulos de Fabiana e gritos de Flora – “ai, que nojo do caramba!” –, Aline contou que não gostou da experiência, que achou estranho. As donas da pensão, entre risos, me disseram: “Natália, toma cuidado com a Aline do seu lado, hein?”. Aline, para seguir com a brincadeira iniciada por Flora e Fabiana, tocou minha perna. Eu, que já estava desconfortável com o rumo da conversa, me assustei e quase saltei da cadeira. Flora e Fabiana riram. Aline repetiu: “o toque é diferente, não é? Eu achei muito estranho...”.

Esse episódio ajuda a deslindar convenções de gênero e sexualidade que circulam em meu contexto de campo e que têm efeitos nas relações das mulheres entre si, com seus presos e com a prisão. Tais convenções fazem parte da construção da pesquisa, pois informam de que maneira Flora, Fabiana, Aline e outras mulheres de preso produzem sentidos, por exemplo, para o risco de tornar-se sapatão na cadeia ou para a própria ideia de gênero. Ao mesmo tempo, esses episódios criam situações desconfortáveis para mim – quando não geradoras de paranoia – e potencialmente disruptivas desse mesmo campo. Me explico.

As observações, comentários e perguntas que algumas das mulheres em Tamara fazem a meu respeito dizem sobre processos de produção de diferenças que evocam classificações raciais, de gênero e sexualidade.16 16 Heloisa Buarque de Almeida (2002) reflete sobre o choque entre as construções locais do feminino e as concepções da pesquisadora, e um “receio inicial” daí decorrente. O que é construído como feminino na pensão e na fila de visitas de Tamara é permeado por mulheres que negociam com as regras da administração prisional e com a presença do PCC, e que vivem momentos de desconfiança sobre quem é mulher de preso e quem não é. Ser uma mulher de preso passa por performar uma feminilidade desejável; a feminilidade que excede, das amantes ou garotas de programa, é tema de desconfianças, quando não de discussões e acusações.

Essa composição do feminino em Tamara encontra certos conflitos com minha própria apresentação de gênero, por assim dizer. Flora e Fabiana geralmente remetem a essa diferença. Ainda, diversas questões sobre relacionamentos amorosos – e, consequentemente, sobre sexualidade – colocam-se como temas das conversas e despertam curiosidade nas pessoas com quem converso.

Sou um corpo um tanto estranho na pensão e na porta da prisão. As roupas que visto distinguem-se do vestuário típico das mulheres de preso, formado por calça legging, camiseta e chinelo – a roupa permitida para entrar na prisão. “Isso é um tênis?! Parece uma meia!”, ou “Você ainda é nova, Natália, usando esse vestido... tsc, tsc, tsc.”. As roupas mais largas, os vestidos mais compridos, os tênis e o corte de cabelo curto são motivos para comentários e para o tom incrédulo na pergunta que mais ouvi em Tamara: “você visita?”. A partir da discussão de Almeida (2002)Almeida, Heloisa B. Mulher em campo: reflexões sobre a experiência etnográfica. In: Almeida, Heloisa B. et alii (org.). Gênero em Matizes. Bragança Paulista, Editora da Universidade São Francisco, 2002, pp.49-80., reconheço que ser “de fora”, ser a “pesquisadora de São Paulo”, me permite usar roupas consideradas esquisitas para o contexto de Tamara.

O fato de ser branquinha é também muitas vezes mencionado, junto à cor dos olhos. O branquinha faz parte de uma classificação racial que também inclui morenas e moreninhas – referências às pessoas que se considerariam negras em alguns contextos. A racialização em torno de branquinhas, morenas e moreninhas opera produzindo diferenças, mas não é apropriada pelas pessoas como um nexo para discutir desigualdades. O reconhecimento de que pessoas pretas e pobres são as mais perseguidas pela Justiça e vitimadas pela prisão inexiste nas conversas em Tamara.

O olhar para as roupas que visto e para o meu “estilo” guarda relações com um ponto que causa curiosidade, sobretudo em Flora, e que é sempre reiterado quando chego a Tamara: meu estado civil e meus possíveis relacionamentos amorosos. Desde a primeira vez em que fui a Tamara, em 2014, Flora perguntou se eu era casada, se tinha filhos. Respondi que não tinha filhos, mas que tinha sido casada e me separara. Ela questionou, então, se eu tinha namorado. Preferi dizer que não, não tinha namorado. A conversa, como eu esperava, e para meu alívio, não se estendeu para a possibilidade de que eu tivesse uma namorada. A pressuposição – que é quase uma prescrição – da heterossexualidade atuava naquele diálogo.

Flora e suas filhas são evangélicas, e pensei que a resposta mais completa à pergunta poderia causar efeitos imprevisíveis em minha inserção em campo. Minhas respostas relativas aos eventuais “casinhos” perguntados por Flora geralmente são evasivas. Sou, então, nesse campo, uma mulher com mais de 30 anos, sem filhos e que não tem um relacionamento estável com um homem – algo diferente das mulheres que passam pela pensão, casadas e com filhos.

Entendo que quando pergunto sobre a família e os relacionamentos das pessoas estabeleço uma via de mão dupla, que implica minha família e meus relacionamentos. Ao mesmo tempo, esse jogo opera em níveis desiguais em um contexto de campo em que os relacionamentos heterossexuais são a parte explícita das trajetórias das mulheres com quem converso, e a homossexualidade é tratada ora como perigo, ora em tom jocoso. O episódio no qual Aline e Flora discutem se uma mulher vai virar sapatão na prisão indica um olhar sobre as relações de mulheres com outras mulheres – por um lado, a dificuldade de estar presa sem ao menos experimentar um encontro com uma mulher, ainda que limitado por uma imposição sobre qual parte da relação performará o hominho; por outro lado, o nojo.

A própria noção de gênero é disputada por Flora nesse contexto, e dá indícios dos repertórios mobilizados por ela na produção dessa definição – e também nos seus efeitos. Em uma de minhas idas a Tamara, levei uma bolsa com um broche sobre direitos humanos, outro que pedia o fim da violência contra a mulher e um terceiro com escritos pela igualdade de gênero. Uma das filhas de Flora olhou a bolsa, apontou os broches e perguntou o que eram. Disse que serviam para enfeitar e falei dos dois primeiros, mas não entrei no assunto do gênero – pensei que deveria ter deixado o broche em casa.

Mais tarde saí com Flora para abastecer a perua da família e ir ao supermercado. No posto de gasolina ela apontou para duas meninas que passavam e me disse “eu não sei como é em São Paulo, mas aqui os GLS são mais as mulheres”. Respondi com uma pergunta: “por que será que aqui são mais mulheres?”. Ela emendou dizendo que hoje em dia os GLS não se chamam mais assim, que agora eles se chamam de gênero. Entendi que a conversa sobre os broches chegara aos seus ouvidos. Antes que eu falasse qualquer coisa, a filha de Flora que nos acompanhava perguntou “o que é GLS?”. Flora, rápida, respondeu: “procura no google!”, e emendou dizendo que essa história de gênero andou tramitando no congresso, mas que conseguiram barrar; que as escolas hoje não podem mais comemorar dias normais como dia dos pais e das mães por causa do gênero. Comentei que entendia gênero de um jeito diferente desse, mas ela não fez muito caso. Encerrou sua argumentação elogiando os comentários negativos de uma cantora gospel a respeito de gênero. Entendi que a discussão sobre gênero e sexualidade era perpassada por debates religiosos que excluíam a possibilidade de uma conversa franca entre nós sobre esse tema.

Evoquei esses dois momentos porque penso que sugerem convenções sobre mulheres que se relacionam com mulheres, dentro e fora da prisão. A especulação a respeito da provável sapatão e a ideia de gênero vinculada à sexualidade que Flora mobiliza apresentam modos de lidar com a diversidade sexual que perfazem um limite à minha presença: essas discussões produziram em mim um clima similar à paranoia que se instaura nas relações em torno da prisão.

Preciso urgentemente encontrar outras filas. Eu fico com medo da minha cara, se minha cara vai me denunciar. Acho que a paranoia tá se impregnando na minha pele (...). (Mensagem enviada a uma colega sobre a pesquisa em Tamara, dezembro de 2016).

Trago o excerto acima porque penso que ele ajuda a traduzir o medo que senti na última vez que estive em Tamara, enquanto ocorria a conversa sobre sapatão. O perigo da sapatão na cadeia produziu, em campo, uma sensação de perigo para mim. O encarceramento das duas mulheres despertou, nas conversas, a dimensão do risco na sexualidade que se performa através da prisão; ao mesmo tempo, a discussão sobre esse risco despertou a sensação de que minha expressão de gênero, orientação sexual ou mesmo minhas opiniões sobre sexualidade podem ser lidas em meu rosto e agenciadas contra mim. É bastante possível que Flora, Fabiana e Aline não tivessem ideia do medo que senti nas conversas envolvendo a possibilidade das duas mulheres virarem sapatão. Mas, ao final, isso foi o disparador do medo de que “minha cara vai me denunciar”, “meu corpo vai me denunciar”.

Considerações finais

Ao longo deste artigo, busquei argumentar e demonstrar etnograficamente sobre a possibilidade de explorar o mundo prisional desde seu entorno, sobretudo a partir dos trânsitos e das elaborações produzidas pelas mulheres que visitam seus maridos e filhos privados de liberdade. A pensão localizada em Tamara apresenta-se como uma extensão da prisão que recebe familiares e os diversos preparativos necessários para atravessar o portão e colocar-se do lado de dentro da instituição prisional.

As ideias sobre gênero e sexualidade apresentadas por Flora e por outras mulheres com quem conversei indicam algumas das bases sobre as quais se constituem as feminilidades que circulam por Tamara no contexto da prisão. Tais feminilidades são profundamente relacionais: materializam-se nas interações em torno da prisão, das mulheres com seus maridos, das mulheres entre si, nas amizades e desavenças. Estas últimas envolvem questões da fila e da pensão, ou mesmo uma leitura sobre o caráter do diálogo entre uma mulher e o marido de outra, como no estremecimento das relações entre Flora, Fabiana e Aline – que, por sua vez, não é levado ao limite do rompimento. A produção relacional dessas feminilidades também envolve a pesquisadora, cuja apresentação de gênero é geralmente encarada em uma perspectiva jocosa.

No contexto de Tamara não é desejável ser GLS, ou mesmo virar sapatão. Tais visões não são exclusivas das mulheres de Tamara, vale dizer, nem exclusivas das mulheres de preso ou das pessoas que visitam familiares na prisão. Não quero, trazendo esse trecho da pesquisa, contribuir para uma exotização desse contexto etnográfico. Afinal, posições que podem ser lidas como homo/lesbofóbicas não se restringem à porta da prisão. Essas visões circulam em muitos outros espaços e são por vezes mobilizadas, assim como no caso de Tamara, por perspectivas religiosas que definem gênero como “ideologia” (Carrara; França; Simões, 2018Carrara, Sergio; França, Isadora L.; Simões, Júlio A. Conhecimento e práticas científicas na esfera pública: antropologia, gênero e sexualidade. Revista de Antropologia, vol.61, no1, São Paulo, 2018, pp. 71-82 [http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/145514/139652 – acesso em 29 maio 2019].
http://www.revistas.usp.br/ra/article/vi...
).

Ao mesmo tempo, esses episódios foram o ponto inicial de uma tensão em campo. Tensões fazem parte de qualquer pesquisa, mas nem sempre são discutidas por pesquisadoras e pesquisadores. Quando se privilegia um posto que permite conversar com quem entra e sai da prisão e que possibilita acompanhar relações que se produzem através da prisão, sua própria vida faz parte das informações que circulam e que produzem relações. Lidar com isso faz parte das negociações, sempre tensas e delicadas, de qualquer etnografia.

Contudo, na porta da prisão e na pensão há regulações e negociações que têm origem em vários vetores – a instituição prisional e o PCC, sobretudo. Tais negociações, sempre reiteradas, criam um ambiente permeado pela necessidade de atestar a todo tempo sua conduta e a produzir provas que respaldem sua palavra em caso de discussão. A pesquisadora não foi a primeira nem será a última pessoa a observar com quem fala, em quem confia, que informações divide, como qualquer um(a) na porta da prisão. É muito provável que eu não fosse a única pessoa com medo naquele fim de semana.

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  • 1
    Reconheço que essas categorias de diferenciação são mutuamente constituídas, não sendo possível que suas produções ocorram em separado umas das outras (McClintock, 2010McClintock, Anne. Couro Imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas, Editora da Unicamp, 2010.). O foco deste artigo nas dimensões de gênero e sexualidade, portanto, não desconsidera essa constituição recíproca – é antes o recorte analítico possível para este trabalho em específico.
  • 2
    Escolho apresentar um nome fictício para a cidade e suas personagens para garantir o anonimato de quem colaborou com a pesquisa.
  • 3
    Os dados têm como base o ano de 2014, foram obtidos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação e compartilhados comigo pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria – NESC, a quem agradeço.
  • 4
    O dado diz respeito aos cadastros relativos a janeiro de 2017 e inclui mulheres adultas. Se incluirmos as adultas, adolescentes e crianças, a proporção de mulheres chega a 77% dos cadastros. Obtive os dados na Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) via Lei de Acesso à Informação.
  • 5
    O processo de expansão dos presídios no estado de São Paulo, analisado por Rafael Godoi (2015)Godoi, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2015., levou parte considerável das instituições prisionais para pequenos municípios do interior que recebem presos de todo o estado. Muitas vezes, a distância entre o local de moradia da família e o local de aprisionamento leva familiares a se mudarem para cidades mais próximas, de forma a facilitar as visitas (Silvestre, 2012Silvestre, Giane. Dias de visita: uma sociologia da punição e das prisões. São Paulo, Alameda, 2012.).
  • 6
    As revistas íntimas (nomeadas, por movimentos de defesa de direitos, como revistas vexatórias) consistem na realização de revista para verificação dos corpos de quem entra nos estabelecimentos prisionais sob a alegação de que objetos proibidos/ilegais (como celulares e drogas) podem ser escondidos. A revista requer que a pessoa se desnude e exponha suas partes íntimas – vagina e ânus – agachando-se sobre espelhos e, muitas vezes, tossindo para que eventuais objetos escapem das cavidades. Faz parte da revista atravessar um detector de metais que indica se o corpo nu da visitante é suspeito de carregar algo. Exploro, em minha pesquisa de doutorado, a controvérsia sobre a revista íntima (ou vexatória) que se desenrolou no último período envolvendo governos, organizações nacionais e internacionais de direitos humanos e operadores do sistema de Justiça.
  • 7
    A Lei 15.552 que proíbe a realização das revistas íntimas nos presídios paulistas foi aprovada em 2014. Desde então, as unidades penitenciárias estaduais vêm “aderindo” à legislação com a instalação de escâneres corporais que funcionariam sem a necessidade de nudez da revistada. Contudo, os relatos de visitantes indicam que os escâneres aumentaram o tempo de espera para entrada na prisão e não extinguiram, em alguns casos, a exigência de que as visitas se dispam para passar por ele. Há ainda uma preocupação quanto aos seus efeitos na saúde, sobretudo de crianças e mulheres grávidas.
  • 8
    O PCC surgiu como um agrupamento de presos das unidades prisionais masculinas no estado de São Paulo e hoje estabelece modos de proceder na maior parte das prisões paulistas, de mulheres e homens, e em bairros das periferias. Uma série de trabalhos vem se propondo a discutir o PCC, seus modos de proceder dentro e fora das prisões e sua expansão para além de São Paulo e Brasil; destaco Feltran (2018)Feltran, Gabriel. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo, Companhia das Letras, 2018. e Biondi (2014)Biondi, Karina. Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal de São Carlos, 2014..
  • 9
    Agradeço pela visita inicial a Rafael Godoi, que me convidou para acompanhá-lo em uma viagem até uma das cidades que fez parte de sua pesquisa de doutorado (Godoi, 2015).
  • 10
    As palavras grafadas em itálico mencionam expressões usadas pelas pessoas com quem converso em campo. As frases ditas nestes mesmos contextos estão marcadas com aspas.
  • 11
    Voltei à cidade em outras oportunidades para acompanhar finais de semana de visitas entre 2015 e 2016.
  • 12
    Os trajetos de ida e volta do ônibus custam cerca de 350 reais, que devem ser somados às despesas com a hospedagem e, no caso das famílias, aos gastos com alimentos, roupas e produtos de higiene que são levados nas visitas – o chamado jumbo.
  • 13
    Sobre a categoria mulher de preso, ver Lago (2017b)Lago, Natália B. Mulher de preso nunca está sozinha: gênero e violência nas visitas à prisão. Aracê – Direitos Humanos em Revista, vol. 4, no 5, São Paulo, 2017b, pp.35-53 [https://arace.emnuvens.com.br/arace/article/view/132/68 – acesso em 29 maio 2019].
    https://arace.emnuvens.com.br/arace/arti...
    .
  • 14
    A música “Dia de Visita”, do grupo Realidade Cruel, está disponível no link: https://www.letras.mus.br/realidade-cruel/76549/. Acesso em 04 set. 2018.
  • 15
    Natália Padovani (2010)Padovani, Natália C. “Perpétuas Espirais”: Falas do poder e do prazer sexual em trinta anos na história da Penitenciária Feminina da Capital (1977-2009). Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2010. explora algumas classificações que circulam na prisão e envolvem sapatões e outras mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com mulheres.
  • 16
    Heloisa Buarque de Almeida (2002)Almeida, Heloisa B. Mulher em campo: reflexões sobre a experiência etnográfica. In: Almeida, Heloisa B. et alii (org.). Gênero em Matizes. Bragança Paulista, Editora da Universidade São Francisco, 2002, pp.49-80. reflete sobre o choque entre as construções locais do feminino e as concepções da pesquisadora, e um “receio inicial” daí decorrente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2018
  • Aceito
    26 Fev 2019
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