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Dançarinas no "circuito integrado" televisivo: problemas de gênero e sexualidade na busca pela audiência*

Dancers in the "Integrated Circuit" of Television: Gender and Sexuality Troubles in The Search for Audience

Resumo

O objetivo deste artigo é contribuir para uma história do audiovisual no Brasil a partir da experiência das chacretes, dançarinas que acompanhavam Chacrinha, nos anos 1970, no programa de televisão que apresentava. Busca-se refletir sobre as questões de gênero e sexualidade recorrentes nas estratégias de mercado adotadas pelos produtores de TV. A fim de matizar tais narrativas técnico-científicas de busca pela audiência, a proposta é realçar também as conexões afetivas tecidas pelas chacretes com seus telespectadores, particularmente com as "mulheres donas de casa", "público-alvo" dos programas de auditório.

Televisão; Comunicação de Massa; Audiência; Programas de Auditório; Chacrinha

Abstract

The objective of the article is to contribute to a history of audiovisual production in Brazil based on the experience of chacretes, who were dancers on the television program "Chacrinha" in the 1970s. The text reflects on recurrent gender and sexuality issues in the market strategies adopted by TV producers. To qualify the technical-scientific narratives used to attract audiences, the affective connections created by the chacretes with their viewers is also highlighted, particularly with the "housewives"who were the"target audience" of the programs recorded before live audiences.

Television; Mass Communication; Audience; Talk Shows; Chacrinha

Introdução

Em seu já clássico ensaio-manifesto de início dos anos 1980, a estadunidense Donna Haraway trouxe à tona uma expressão (formulada por Rachel Grossman) até hoje lembrada por seus leitores: a de "mulheres no circuito integrado" (Haraway, 2009). Com o termo, a autora procurava aludir às configurações das dinâmicas sociais que passavam a ser cada vez mais mediadas pelas novas tecnologias surgidas ao longo do século XX. Seguindo sua perspectiva, as mulheres e suas práticas cotidianas estavam sendo reestruturadas por meio das "relações sociais da ciência e da tecnologia", articulação essa que acabava por compor significados específicos a seus corpos. Não seriam simplesmente sujeitos que se envolvem em linhas tecnológicas externas a eles - como uma parte integrando um todo, uma pessoa compondo um contexto/cenário, argumentos de um determinismo tecnológico redutor -, mas, sim, agentes que só são compreendidos enquanto tais por e através dos aparatos técnico-científicos.

Nessa mesma época, em terras brasileiras, um conjunto de mulheres parecia colocar em destaque - de modo quase paródico, devido ao exagero cênico com que seus "circuitos integrados" eram executados - a teoria que Haraway procurava ilustrar a partir do dia a dia mais prosaico das mulheres em geral. Há mais de uma década as chacretes vinham brilhando na televisão brasileira. Chacretes era o nome artístico do corpo de dançarinas que acompanhavam o apresentador Abelardo Barbosa, o Chacrinha, nos programas de auditório por ele comandado em inúmeras emissoras de TV. Destaquei em outros trabalhos (Bispo, 2012Bispo, Raphael. Gênero e carreiras artísticas na emergente indústria cultural brasileira. Comunicação e Sociedade (21), Minho, 2012, pp.79-94.; 2014Bispo, Raphael. Feminilidades a dedo: danças, performances e erotismos no mundo artístico da TV. Aceno: Revista de Antropologia do Centro-Oeste (1), no 2, Cuiabá, 2014, pp.23-39.; 2015Bispo, Raphael. Vivendo do Rebolado: feminilidades, corpos e erotismos no show business televisivo. Mana vol. 21, no 2, 2015, pp.237-266.; 2016Bispo, Raphael. Rainhas do Rebolado: carreiras artísticas e sensibilidades femininas no mundo televisivo. Rio de Janeiro, Mauad X/ Faperj, 2016.) o quanto a força de comunicação das chacretes estava justamente em suas articulações com a tecnologia televisiva. Dançava-se pelas câmeras, num cenário montado em um estúdio de gravação, tudo disposto e organizado com a finalidade última de se transmitir imagens por meio de antenas e sinais de longa distância.

Seguindo Haraway, portanto, para entendermos melhor a trajetória dessas mulheres é preciso levar em conta a integração delas a um circuito sóciotécnico emaranhado de linguagens audiovisuais e técnicas de gravação próprias, cuja centralidade das dinâmicas de funcionamento do maquinário de filmografia repercutia diretamente na forma como se apresentavam, se comunicavam e davam significados aos seus corpos. E mais: as chacretes se faziam nas tecnologias de transmissão televisivas tendo como parâmetro inúmeras lógicas comerciais, de lucro, que regem esse circuito mainstream em específico. Logo, é importante ressaltar que nesse circuito sociotécnico, uma série de pesquisas, boletins, dados e informações produzida por colunistas, críticos jornalísticos, profissionais do marketing, publicitários - entre outros afins do establisment da indústria cultural - erigia-se cada vez mais como discursos normativos. Isso porque tais narrativas técnico-científicas favoreciam a construção de representações hegemônicas sobre questões de gênero e sexualidade por meio de um sistema de "poderes-saberes" (Foucault, 1988Foucault, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal, 1988.:83) que passava a ser cada vez mais inerente às lógicas de funcionamento da televisão no momento em que ela se consolidou - final dos anos 1960 - como o maior veículo de comunicação de massa do Brasil.

Diante disso, este artigo tem os seguintes objetivos gerais: primeiramente, contribuir para uma história do audiovisual brasileiro a partir de uma pesquisa realizada com as chacretes, essas personagens hoje consideradas "secundárias" na memória mais oficial da TV, porém, figuras de grande apreço popular no período que estiveram em cena. Em segundo lugar, pretende-se refletir sobre as estratégias de mercado existentes nas ações dos produtores de televisão e na maneira como eles entrelaçam problemas de gênero e sexualidade para a consolidação de uma linguagem audiovisual nos momentos iniciais da TV no Brasil.

Assim, na primeira parte, analisaremos as mudanças nos perfis das dançarinas televisivas durante os anos 1960-1970, tendo como base as "performances de gênero" (Butler, 2003Butler, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.) que elas ensejavam para as câmeras. Na segunda parte, a ênfase recairá sobre narrativas subjacentes às lógicas classificatórias e de produção de informação e conhecimento constitutivos dos media a partir da observação dos discursos dos produtores e estrategistas televisivos sobre as razões da existência das chacretes enquanto um "recurso audiovisual comercial". Por fim, mais ao final deste artigo, procura-se matizar tais narrativas técnico-científicas de busca pela audiência realçando as relações afetivas construídas pelas chacretes com seus telespectadores - particularmente as mulheres -, apontando para as formas variadas e expandidas de como se constroem as afetividades entre eles, destacando assim como problemas de gênero e sexualidade se fazem presentes de maneira contundente na relação que tais dançarinas tecem com seu público.

Em termos metodológicos, cabe destacar que este artigo é resultado de uma pesquisa de campo realizada ao longo de dois anos de maneira esparsa (2010-2012) junto às antigas chacretes. O trabalho de campo foi feito na cidade do Rio de Janeiro, pelos mais diferentes bairros que elas habitam, numa busca em acompanhar o dia a dia de algumas dessas dançarinas que hoje possuem pouco mais de sessenta anos de idade.

Porém, além da convivência com as chacretes, é preciso destacar que os discursos midiáticos da época aqui presentes permitem também uma análise da maneira como elas eram descritas e apresentadas nas revistas da época, nos boletins de divulgação de programação das emissoras, nos documentos e relatórios de análise de audiência e nos discursos dos produtores televisivos que atuavam ao lado delas. A Revista Amiga TV Tudo! - publicada semanalmente pela Bloch Editores a partir de 26 de maio de 1970 (e cujas edições encontram-se no acervo de periódicos da Biblioteca Nacional para consulta) - teve uma importância muito grande para a pesquisa. A revista tornou-se aos longos dos tempos uma referência jornalística em termos de cobertura da então ascendente televisão, chegando a ser, em determinados momentos, a segunda revista semanal em volume de circulação no Brasil, perdendo apenas para Manchete. "Amiga é a única revista brasileira lida da patroa à empregada", diziam seus editores. Ela é considerada a primeira revista que se dedicou exclusivamente a cobrir a programação brasileira, feito inédito para uma imprensa que se voltava para os produtos estrangeiros, como o cinema americano e suas "divas". O sucesso editorial da revista a fez ser publicada - é claro, em diferentes formatos - até o ano de 1999, quando, devido à falência das Organizações Bloch, a equipe de Amiga! lançou seu último número.

A partir de um levantamento de todos os exemplares de Amiga! publicados entre 1970 e 1975 (ao todo, foram consultadas 291 revistas) - além de outros periódicos adquiridos junto aos acervos pessoais das chacretes -, pude deparar-me com inúmeras matérias jornalísticas sobre elas. Foi possível acompanhar pelas revistas as dinâmicas dos programas de auditório, o burburinho em torno das grandes estrelas, os sucessos audiovisuais da primeira metade da década de 1970, os dilemas com a censura federal em plena ditadura militar; enfim, num passeio pelas páginas de Amiga! e outras revistas pude construir um panorama sobre o mundo artístico popular daquela época, difícil de ser reconstruído por meio de outros registros nos dias de hoje.

Por fim, cabe destacar que este artigo também se propõe a fazer uma inversão temática na maneira como tradicionalmente os temas da mídia, do gênero e da sexualidade vêm sendo abordados nas pesquisas acadêmicas brasileiras. Pelo menos desde meados dos anos 1980, o tema do gênero e suas relações com a mídia são objetos privilegiados de estudo. Porém, valorizou-se muitas análises sobre as participações de mulheres como telespectadoras e consumidoras do mundo televisivo - tendo a figura da dona de casa que assiste a telenovelas como norte analítico (Prado, 1987Prado, Rosane. Mulher de novela e mulher de verdade. Dissertação (Mestrado em Antropologia), Museu Nacional/UFRJ, 1987.; Almeida, 2003Almeida, Heloisa Buarque de. Telenovela, consumo e gênero: muitas mais coisas. São Paulo, Edusc, 2003.) - e pouco se observou o papel ativo delas nas engrenagens midiáticas, atuando diretamente nos palcos, na produção e nos bastidores dos programas. Os poucos trabalhos que se propuseram a observar o lado "de dentro" da televisão privilegiaram a trajetória dos grandes empresários (Simões, 1986Simões, Inimá. TV à Chateaubriand. In: Simões, Inima et alli (org.). Um país no ar: história da TV brasileira em três canais. São Paulo, Brasiliense/Funarte, 1986, pp.11-112.; Mira, 1985Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985.) e figuras proeminentes da indústria cultural (Miceli, 2004Miceli, Sérgio. A noite da madrinha. São Paulo, Companhia das Letras, 2004 [1972].; Simpson, 1994Simpson, Amélia. Xuxa. São Paulo, Sumaré, 1994.; Hupfer, 2009Hupfer, Maria Luisa Rinaldi. As rainhas do rádio: símbolos da nascente indústria cultural brasileira. São Paulo, Senac, 2009.), atentando muito pouco para as pessoas de funções "subalternas", porém, essenciais na consolidação de uma indústria cultural e de um mercado do entretenimento.

De "princesinhas" a "superfêmeas"

O período que vai do final dos anos 1960 até meados da década de 1970 pode ser compreendido como um momento de grande relevância para a consolidação de uma efetiva e atuante indústria cultural no Brasil. Anteriormente, já produzíamos alguns filmes, editávamos poucos livros e ouvíamos certas músicas pelo rádio. Porém, as condições socioeconômicas do país durante aquela época - sob os auspícios de um projeto político de integrar a nação por parte da ditadura militar vigente - estimularam o crescimento de um diversificado mercado de consumo de bens culturais até então nunca visto (Caparelli, 1982Caparelli, Sérgio. Televisão e Capitalismo no Brasil. Porto Alegre, L&PM, 1982.; Ortiz, 1988Ortiz, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1988.). Deixávamos para trás a incipiente, e um tanto amadora, iniciativa de poucos empresários na área do consumo cultural para a solidificação de um amplo mercado do entretenimento, com bases lucrativas e de impacto na vida da população. A televisão foi, em boa medida, a força motora responsável por dinamizar a cultura popular de massa no país. As primeiras transmissões foram realizadas em 1950 pela TV Tupi de Assis Chateaubriand, ainda bastante atreladas às logísticas do rádio e do teatro (Simões, 1986Simões, Inimá. TV à Chateaubriand. In: Simões, Inima et alli (org.). Um país no ar: história da TV brasileira em três canais. São Paulo, Brasiliense/Funarte, 1986, pp.11-112.). Porém, já no início dos anos 1970, graças principalmente às investidas modernizadoras implementadas pela Rede Globo, tais transmissões viriam a adquirir características próprias e um alto grau de profissionalismo (Kehl, 1986Kehl, Maria Rita. Eu vi um Brasil na TV. In: Simões, Inima et alli (org.). Um país no ar: história da TV brasileira em três canais. São Paulo, Brasiliense/Funarte, 1986, pp.167-323.).

O apresentador Abelardo Barbosa foi um dos precursores dessa ascendente televisão brasileira em vários sentidos. Não cabe aqui enumerar as importantes contribuições dele ao mundo artístico popular, algo já bem detalhado tanto em biografias e autobiografias (Barbosa, 1969Barbosa, Abelardo. Chacrinha é o desafio. Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1969.; Barbosa; Rito, 1996Barbosa, Florinda; Rito, Lucia. Quem não se comunica se trumbica. São Paulo, Globo, 1996.) quanto por alguns trabalhos acadêmicos (Sodré, 1972Sodré, Muniz. A comunicação do grotesco:um ensaio sobre a cultura de massa no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1972.; Miceli, 2004Miceli, Sérgio. A noite da madrinha. São Paulo, Companhia das Letras, 2004 [1972].; Simpson 1994Simpson, Amélia. Xuxa. São Paulo, Sumaré, 1994.; Mira, 1985Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985.). O que cabe ressaltar aqui, para os fins deste artigo, é que foi justamente Chacrinha o primeiro showman a se valer do recurso de exibir, em termos nativos, "belas", "jovens" e "sensuais" dançarinas na televisão a fim de fomentar a audiência de seus programas. Posteriormente, inúmeros outros apresentadores populares como Sílvio Santos, Flávio Cavalcanti e Bolinha fariam o mesmo. Porém, no momento de consolidação da indústria cultural no Brasil, ao final dos anos 1960 e início dos 1970, foram as chacretes que adquiriram relativa notoriedade e tornaram-se figuras-chave para a compreensão de uma linguagem audiovisual de marca popular no âmbito da televisão. As silvetes, as flavetes e as boletes, que também surgiram nesse efervescente período da TV, não alcançaram a repercussão de suas concorrentes, por exemplo.

Logo, as primeiras dançarinas constituem uma geração de mulheres nascidas em metrópoles brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo, ao final dos anos 1940 e início dos 1950. Em sua maioria, eram jovens oriundas de camadas populares que encontravam por meio da dança uma primeira oportunidade de trabalho no mundo artístico. Hoje, as primeiras têm por volta de 65 anos de idade e estão afastadas dos programas televisivos, mas não das artes ou da esfera pública como um todo. Seus nomes artísticos tinham por pretensão aguçar os interesses do telespectador por meio de apelidos com conotação sexual e fantasiosa, como Índia Potira, Cléo Toda Pura, Loira Sinistra e Sandra Pérola Negra.

Nesse sentido, ao realizar um estudo de personalidades e sensibilidades femininas que poderiam ser consideradas o baixo escalão das classes artísticas e mesmo a escória da indústria cultural brasileira, procuro justamente ressaltar e até engrandecer, na medida do possível, a importância dessas mulheres na consolidação de um mercado de entretenimento e erótico na contemporaneidade. Seguindo aquilo que Corrêa (2003)Corrêa, Mariza. Antropólogas e antropologia. Belo Horizonte, UFMG, 2003. também constatou ao estudar a trajetória de antropólogas brasileiras hoje um tanto desconhecidas para a maioria dos especialistas, o que começou a ficar claro para mim é que o que rotineiramente é chamado de personagens secundários, supérfluos, de uma determinada cena artístico-cultural, teve tanta ou mais importância na sua construção e consolidação do que os ditos personagens principais, aqueles que, como Chacrinha, parecem ser os únicos a se apossar dos louros da glória.

Tal "esquecimento", por exemplo, se verifica na falta de datas precisas que pudessem localizar historicamente o momento exato do surgimento das chacretes tal como as conhecemos hoje. Vagamente, costuma-se situar em torno do ano de 1967 a primeira vez que Chacrinha fez uso dessas jovens em seu auditório, ainda na antiga TV Rio e um pouco antes de trabalhar pela primeira vez para a Rede Globo (Barbosa; Rito, 1996Barbosa, Florinda; Rito, Lucia. Quem não se comunica se trumbica. São Paulo, Globo, 1996.). Portanto, 1967 pode ser considerado o "ano de nascimento" das chacretes. Na verdade, elas não surgiram aleatoriamente, já que são produtos das elaborações e adaptações que costumam acontecer com recursos audiovisuais na indústria cultural. Ou seja: o reconhecido ineditismo das chacretes não significa a inexistência de outros tipos femininos com funções parecidas na TV, inclusive nos programas de Chacrinha, o que torna a máxima do animador "nada se cria, tudo se copia" sempre atualizada.

Na fase inicial da TV nos anos 1950 e início dos 1960 - com um público telespectador ainda restrito e considerado de elite (Mira, 1985Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985.) -, era conhecida como telemoça qualquer mulher que aparecesse rapidamente no vídeo com o propósito de divertir o telespectador por meio da dança, do canto ou anunciando produtos, e tendo na aparência e na repetição estilizada de gestos um forte apelo para captar a atenção das pessoas. A garota propaganda, por exemplo, é recorrente no imaginário da TV. Ela marca os primórdios da publicidade no veículo e sua tocante precariedade técnica. Consideradas "belas mulheres", louras em sua maioria, buscavam humanizar e feminilizar os produtos a serem vendidos fazendo inúmeras expressões faciais e trejeitos com as mãos. Idalina de Oliveira, Meire Nogueira, Odete Lara, entre outras, são lembradas como inesquecíveis garotas-propaganda ou telemoças mesmo depois da extinção da função (Simões, 1986Simões, Inimá. TV à Chateaubriand. In: Simões, Inima et alli (org.). Um país no ar: história da TV brasileira em três canais. São Paulo, Brasiliense/Funarte, 1986, pp.11-112.).

Rocha (2007)Rocha, Amara. Nas ondas da modernização: o rádio e a TV no Brasil de 1950 a 1970. Rio de Janeiro, Aeroplano/ Faperj, 2007. destaca que esse tipo de anunciante de produtos entrou para a posteridade folclórica televisiva como "sinônimo de trapalhadas" ou, melhor, de mulher "pouco inteligente", mas "bonita" - assim como as chacretes - devido aos erros e tropeços que praticavam ao apresentar comerciais ao vivo cujos produtos não possuíam as qualidades anunciadas, como um sofá-cama "fácil de montar e desmontar" que nunca abria e pratos "inquebráveis" que se espatifavam às vistas do telespectador. A publicidade na TV posteriormente abriria mão dessas pessoas e de suas demonstrações ao vivo por filmes previamente gravados, sem imprevistos, mas continuaria associando o feminino ao consumo dos produtos que procurava vender. A feminilização do comércio e a preeminência da esfera doméstica como o espaço primordial de estímulo ao consumo - por meio do poder de decisão das donas de casa - adquiria cada vez mais importância no mundo artístico e comercial da TV naquele momento (Almeida, 2002Almeida, Heloisa Buarque de. Melodrama comercial: reflexões sobre a feminilização da telenovela. cadernos pagu (19), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2002, pp.171-194., 2003Almeida, Heloisa Buarque de. Telenovela, consumo e gênero: muitas mais coisas. São Paulo, Edusc, 2003.).

As emissoras também dispunham, desde os anos 1950, de certos tipos de dançarinas. O objetivo era "segurar a audiência" por meio de um bailado "elegante" na passagem de um programa ao vivo para o outro, compondo a abertura e o encerramento dos programas e auxiliando no fluxo da programação, o que impedia vazios de imagem. Essa era uma estratégia para despistar a atenção do telespectador enquanto cenários, elencos e figurinos eram trocados, o mais rápido possível, pelos demais membros da equipe televisiva e o estúdio era finalizado para um novo programa (Rocha, 2007Rocha, Amara. Nas ondas da modernização: o rádio e a TV no Brasil de 1950 a 1970. Rio de Janeiro, Aeroplano/ Faperj, 2007.). Se na Globo as primeiras e "angelicais" dançarinas eram chamadas de "princesinhas", na TV Excelsior, por exemplo, eram conhecidas como "tevezinhas". O diminutivo para se referir a tais jovens revela muito das "performances de gênero" (Butler, 2003Butler, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.) que eram por elas efetivadas: contenção gestual, seriedade e ingenuidade. Algumas eram alunas da escola de balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e suas apresentações eram inspiradas nos passos clássicos desse estilo de dança, considerados serenos e leves, passando ao longe do "sex appeal" esperado das chacretes. Os produtores chamavam esse recurso típico da televisão ao vivo e sem videoteipe de "bailado de passagem" e podiam também fazer uso de grupos musicais para essa missão de preencher espaços.

Em 1961, quando na TV Excelsior, Chacrinha já fazia uso das "comportadas" "tevezinhas" para abrir e fechar seus programas desde então chamados Discoteca do Chacrinha e Buzina do Chacrinha. Portanto, desde que começou a trabalhar na TV, o apresentador possuía figuras femininas ao seu redor. Elas "ficavam sentadinhas, acompanhando a música, na base do charminho" e com seus 14, 15 anos tinham o propósito também de valorizar "a leveza e a fragilidade feminina" (Barbosa; Rito, 1996Barbosa, Florinda; Rito, Lucia. Quem não se comunica se trumbica. São Paulo, Globo, 1996.:118). A descrição do perfil das "tevezinhas", portanto, aponta para um tipo de dançarina cujos atos sugerem educação, serenidade, estilo sóbrio, discrição, pouca sensualidade e infantilidade, e cujo rosto considerado "belo" era essencial. São quase que o oposto simétrico das chacretes, vistas como "peruas", "alegres", que gostam de pinturas e roupas extravagantes, "extremamente sensuais", com uma feminilidade considerada "selvagem" e um "tanto vulgar" e cujo rosto não precisava ser "bonito", mas, sim, seus corpos "carnudos".

Aos poucos, conforme mudava de emissora, Chacrinha foi substituindo as tevezinhas e imprimindo a sua marca popular no uso esporádico de garotas com camisas de times de futebol, a fim de incitar as gincanas que ocorriam no palco. Sob o patrocínio do Carnê Fartura, optou gradativamente por investir em mulheres mais "carnudas" a fim de aludir não só ao nome fantasia do novo investidor como também conquistar os homens telespectadores, até então considerados afastados dos programas de auditório. A mudança no perfil é assim narrada por Chacrinha: "Esse tipo de moça, que usava o uniforme do clube, já era mais uma moça como ela [indica uma chacrete], como ela, mais, mais... É, carnuda. Era de shorts, coisa de time de futebol, com aquele bundão, tudo" (Barbosa; Rito, 1996Barbosa, Florinda; Rito, Lucia. Quem não se comunica se trumbica. São Paulo, Globo, 1996.:119).

Em 1967, intituladas já de "vitaminas do Chacrinha" na TV Rio, tais mulheres ganhavam mais "sex appeal" e as características de uma girl, tornando-se um elemento cênico fixo da atração, não sendo mais associadas apenas ao futebol. O nome "vitaminas" dá conta de tal corporificação e exacerbação da feminilidade exigidas das auxiliares de palco, marcando a passagem das "diáfanas tevezinhas" (Barbosa; Rito, 1996Barbosa, Florinda; Rito, Lucia. Quem não se comunica se trumbica. São Paulo, Globo, 1996.) para as "carnudas" chacretes. Esse período é considerado como aquele em que, pela primeira vez, girls eram utilizadas na disposição cênica de um programa de auditório, algo já recorrente na televisão americana. Se considerarmos que a partir daí o apresentador nunca abriu mão de ter essas mulheres em sua Discoteca, até 1988, quando morreu, temos que por cerca de 20 anos os brasileiros conviveram com as chacretes. Com a morte do apresentador, foram-se essas dançarinas com características bem particulares.

O nome chacrete é considerado por Chacrinha uma invenção popular, sendo uma variação do nome que caracterizava as dançarinas do teatro de revista - como Mara Rúbia, Virgínia Lane e Luz Del Fuego - as vedetes. O termo consolidou-se no início dos anos 1970, alguns poucos anos depois da criação das então "vitaminas" ou "vitaminadas", portanto. É interessante essa atribuição da criação do substantivo chacrete pelo apresentador aos seus telespectadores, o que demonstra uma tentativa de se mostrar sensível às massas e reconfigurar suas ideias conforme o gosto do público. Se "vitaminas" foi um termo que não se estabilizou, chacrete tornou-se uma expressão de sucesso. Tanto é que outros apresentadores como Sílvio Santos e Flávio Cavalcanti davam nomes às suas dançarinas seguindo essa terminologia do sufixo -ete (silvetes, flavetes), o que deixava Chacrinha um tanto orgulhoso. Conclui ele em Amiga:

O título [de chacrete], na verdade, surgiu espontaneamente, como decorrência do êxito da ideia. Ora, depois de muito tempo, foram surgindo bailarinas, desse tipo, em todas as TVs. Coisa aí de oito anos mais tarde, encontramos as silvetes, as haroldetes, as bitencuretes, etc. Essa é a estória verdadeira das chacretes. O resto é decorrência, imitação, coisa assim. É como o Velho Guerreiro fala sempre. Eu, por acaso, criei o assunto. Depois, todo mundo foi na estória. Parodiando dona Luzia: na televisão nada se cria, tudo se copia (Barbosa, 1973:47).

Numa análise diacrônica, poderíamos sugerir uma síntese da transformação do perfil dessas figuras femininas que circulavam ao redor de Chacrinha em seus programas de auditório dos anos 1970, por meio de expressões performáticas que fazem gênero, como de "princesinhas" a "superfêmeas". Nesse sentido, constatamos a partir dessas mudanças históricas uma ressignificação dos estilos de feminilidades a serem personificados pelas dançarinas no "circuito integrado" que é a TV: diferentes tipos de imagens femininas adquiriram um significado especial, principalmente na maneira como se portavam diante das câmeras de televisão e conforme as exigências e interesses mercadológicos. Como demonstrei em outros textos (Bispo, 2014Bispo, Raphael. Feminilidades a dedo: danças, performances e erotismos no mundo artístico da TV. Aceno: Revista de Antropologia do Centro-Oeste (1), no 2, Cuiabá, 2014, pp.23-39.; 2015), o sucesso das chacretes sempre esteve associado à necessária fabricação por parte delas de uma performance de gênero hiperfeminina. Suas danças cênicas e midiatizadas, executadas durante os programas de Chacrinha para uma ampla e diversificada plateia de telespectadores, tinham como proposta performática construir tais girls como mais mulheres do que qualquer outra mulher, parafraseando Perlongher (2008)Perlongher, Néstor. O negócio do michê: a prostituição viril em São Paulo. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2008., visto que exageravam e dramatizavam a feminilidade mais convencional em suas apresentações - borrando ou mesmo reificando certas fronteiras de gênero e da sexualidade mais hegemônicas -, atitude essa que nomeei nos trabalhos citados acima de performance de superfêmea.

Isso porque, seguindo Butler (2003)Butler, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003., pode-se dizer que tais performances exageradas das chacretes denunciavam o quanto o feminino/ser mulher não é algo tão estável e ontológico assim, mas fabricações sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. Nos programas de auditório, as fabricações do feminino se davam particularmente na forma como as mulheres interagiam no palco e no contexto do maquinário televisivo. Suas habilidades performáticas de "superfêmea", em última instância, eram provas de sua efetiva capacidade para ser chacrete e obter sucesso com a atividade.

Diante disso, qual a razão de trazer na linha de frente dos programas de auditório mulheres "sensuais"? É importante, a partir de agora neste artigo, tentarmos compreender por meio dos discursos das pessoas diretamente envolvidas com a produção televisiva dos anos 1970 as razões para o uso das chacretes como "recursos audiovisuais". Por meio de suas perspectivas pela busca da audiência - reveladoras de suas lógicas de mercado e conquista de espaços publicitários - conseguimos compreender melhor as razões da televisão poder ser compreendida como uma "tecnologia de gênero" tal como formulado por De Lauretis (1994)Delauretis, Teresa. A Tecnologia do Gênero. In: Hollanda, Heloisa Buarque de (org.) Tendências e Impasses: O Feminismo como Crítica da Cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-242.: as compreensões dos indivíduos sobre o masculino e o feminino - bem como as hierarquias que delas são estabelecidas e que deixam traços na vida social das pessoas e suas imaginações - são perpassadas pelas imagens, diálogos e concepções mostrados e formulados nos programas televisivos, que, assim, produzem um conjunto de efeitos nos comportamentos e nas relações sociais dos indivíduos telespectadores, da mesma forma que engendram respostas, matizes e contraposições a essas representações difusas estimuladas pela comunicação de massa televisionada.

Funções e efeitos: "segurar a audiência masculina"

É preciso destacar que as chacretes são frutos da mente de um dos maiores apresentadores que a televisão brasileira já conheceu, não sendo possível assim dissociar o criador de suas criaturas. As performances de gênero dessas mulheres ligam-se à mediação comunicativa e de autopromoção de Chacrinha. Isso porque, geralmente, girls de auditório possuem funções secundárias e podem passar despercebidas pelos espectadores. Mas Chacrinha sempre buscou estimular uma "pessoalização" de cada uma delas, permitindo que carreiras individuais sobressaíssem a partir dessa aparente indiferente atividade. A "tecnologia de gênero" que é a televisão torna-se evidente nesse processo. As imagens transmitidas das chacretes pelas emissoras, os comentários dos críticos das revistas, as notícias em periódicos, as fofocas e fotografias de seus cotidianos, bem como os discursos dos envolvidos com os programas nos quais participavam, enfim, contribuiriam para que elas fossem distinguidas por especificidades de gênero, principalmente no que tange a sexualização do corpo feminino e a construção da mulher como apenas uma imagem, objeto do olhar voyeur do telespectador.

As dançarinas foram em boa medida construídas ao longo da consolidação da indústria cultural como mulheres ativas e "sexualmente vorazes", isto é, capazes de "desestabilizar casamentos alheios" e "seduzir" o mais disperso dos telespectadores. Chacrinha incentivou a formulação de um imaginário de erotismos ao redor de suas dançarinas, ao mesmo tempo que procurava controlar, sempre que possível, a vida pessoal das jovens. Disse ele, certas vezes, em suas colunas semanais na Revista Amiga:

Se a minha adorável e incansável leitora é do tipo que faz parar o trânsito às seis da tarde, pode procurar o nosso amigo Pacote lá na TV Globo. É que esse nosso genial e sensacional amigo diretor daquela emissora, está formando um quadro de bailarinas, que sejam boas meninas. Ah, é claro: a distinta, aí, tem que saber dar aqueles passinhos bonitinhos... (Barbosa, 1970:73).

Vitaminadas são as gamadas: vocês precisam ver a correspondência das meninas que bailam nos programas do Chacrinha. Cartas de amor, carta de pedido de casamento, carta de por favor... A Débora, então, é a rainha das recebentes dos que escrevendo, mostram-se tão ardentes. Eu acho que vou começar a mostrar alguns trechos dessas cartas incendiadas, para não dizer perdidamente apaixonadas... Têm coisas que, palavra!, a gente nem acredita!... Sobre a Verinha Furacão, por exemplo, o que menos dizem é que ela é uma destroçadora de coração. Imaginem o resto... (Barbosa, 1971:47).

Cabe aqui destacar que o momento do surgimento das chacretes é considerado a "época de ouro" dos programas de auditório, que ocupavam espaços nobres na grade de programação. Chacrinha, Silvio Santos, Flávio Cavalcanti, J. Silvestre, Hebe Camargo, Aérton Perlingeiro, Dercy Gonçalves, Jair de Taumaturgo, enfim, inúmeros eram os animadores de palco, cada um com suas próprias características e voltados para um público específico. Os poucos estudos sobre esse gênero da TV - já que as telenovelas e os programas jornalísticos dominam até hoje as análises dos especialistas - apontam para a estratégia das maiores emissoras em início dos anos 1970 de conquistar telespectadores das camadas populares urbanas por meio de atrações tidas como de "mau-gosto".1 Isso porque, pouco tempo depois, já em meados de 1975, os programas de auditório entrariam numa fase de decadência, com seus profissionais e apresentadores ocupando espaços periféricos na televisão, além de muitos serem afastados definitivamente do vídeo. Isso aconteceu, basicamente, devido a um maior controle do conteúdo televisivo pela censura militar em busca de "qualidade" na programação2 e, principalmente, pelo fato de tais programas afastarem os anunciantes, que evitam associar seus produtos a gêneros de pouco prestígio e que atrairiam espectadores de "potencial de consumo" supostamente reduzido (Mira, 1985Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985.; Almeida, 2003Almeida, Heloisa Buarque de. Telenovela, consumo e gênero: muitas mais coisas. São Paulo, Edusc, 2003.).

Mira (1985)Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985., por exemplo, construiu em seu trabalho tipologias para alguns influentes apresentadores da época, as quais elucidam muito bem essa tentativa de formulação de uma imagem pública para cada um deles. Silvio Santos seria o "bom moço do mundo feio", Chacrinha o "palhaço", Flávio Cavalcanti o "moralista" e Hebe Camargo a "madrinha". Lembra Miceli (2004)Miceli, Sérgio. A noite da madrinha. São Paulo, Companhia das Letras, 2004 [1972]. que os dois primeiros são voltados para um público das camadas mais pobres urbanas, na linguagem do marketing, as classes C e D. Já Flávio e Hebe possuiriam telespectadores fortemente concentrados nos setores médios da população (classes A e B). Todas essas formulações, tanto da persona pública quanto da construção de um "público-alvo", obedecem às lógicas empresariais das emissoras, a busca por anunciantes de relevo.

Assim, no contexto festivo dos programas de Chacrinha, as chacretes dispunham-se no palco como um elemento visual de relativa importância, contribuindo para a agitação encenada. A característica diferencial introduzida pelas chacretes na TV não era a atividade de auxiliar o animador ou a de dançar no palco, mas a de usar a "sensualidade" como um recurso estético e comunicativo. Elas ficavam dispostas em passarelas ao fundo ou nas laterais do palco e da plateia, em cima de platôs envoltos pelo auditório lotado, onde podiam apresentar-se e ser captadas pelas câmeras, mesmo que indiretamente, ao fundo da atração principal. Os diretores buscavam com essa distribuição fazer com que o público se sentisse em uma chanchada da Atlântida (Barbosa; Rito, 1996Barbosa, Florinda; Rito, Lucia. Quem não se comunica se trumbica. São Paulo, Globo, 1996.). Existia também a chamada linha de frente, composta pelas chacretes mais conhecidas que se dispunham ao redor da parte plana do palco mais próximas aos cantores e atrações, o que lhes permitia uma visibilidade ainda maior. Chegar à linha de frente do programa era a maior meta de qualquer chacrete, já que começavam apresentando-se nos cantos do palco.

O investimento na tão propagada "sensualidade" das chacretes e a forma como eram distribuídas pelo cenário obedeciam a uma estratégia comercial. Por meio de gestos, movimentos sutis, olhares para a câmera e pequenos passos de dança, elas buscavam comunicar-se com o "telespectador masculino", nos termos dos produtores, e convidavam-no a compartilhar a TV com as "mulheres de sua casa", o "público-alvo" dos programas de auditório (Mira, 1985Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985.). A formulação dessa lógica não se faz aleatoriamente. Os anos 1970 foram o momento do aprimoramento das pesquisas de mercado e o fortalecimento do setor publicitário, principalmente por meio da televisão (Almeida, 2006Almeida, Heloisa Buarque de. Nas ondas do mercado: a pesquisa de audiência de TV. Anais do 30º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2006, pp.1-17.). Interpretações como essas da "função" das chacretes em "atrair homens" que "não assistem programas de auditório" emergem de conclusões feitas pelos produtores a partir dos resultados de tais pesquisas.

Assim, várias emissoras começaram a fazer usos mais constantes de procedimentos técnico-científicos a fim de mensurar a audiência por meio da construção de "perfis típicos" de telespectadores, que se tornavam "interlocutores ideais imaginários" (Almeida; Hamburger, 2004Almeida, Heloisa Buarque de; Hamburger, Esther. Sociologia, pesquisa de mercado e sexualidade na mídia:audiências x imagens. In: Piscitelli, Adriana; Gregori, Maria Filomena; Carrara, Sérgio. (org.) Sexualidades e Saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro, Garamond, 2004, pp.115-139.), com os quais os produtores dialogavam a fim de formular o conteúdo da grade de programação e vender a audiência conquistada aos anunciantes. A construção dos perfis obedece às perspectivas quantitativas demonstradas por uma série de pesquisas, cujos números em última instância são encarados como expressão de um mercado consumidor a ser explorado segundo as características de cada programa e seu "público-alvo" (Almeida, 2006Almeida, Heloisa Buarque de. Nas ondas do mercado: a pesquisa de audiência de TV. Anais do 30º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2006, pp.1-17.).

Como bem destacaram Almeida (2003)Almeida, Heloisa Buarque de. Telenovela, consumo e gênero: muitas mais coisas. São Paulo, Edusc, 2003. e Hamburger (2005)Hamburger, Esther. O Brasil antenado: a sociedade da novela. Rio de Janeiro, Zahar, 2005., tal como o cinema clássico de Hollywood, durante a década de 1970, a Rede Globo investiu maciçamente em pesquisas quantitativas e qualitativas baseadas metodologicamente em certos cânones da sociologia e psicologia norte-americanas da época a fim de verificar os índices de audiência dos programas. Existe uma legitimidade cientificista no uso de tais resultados que procura apontá-los como a representação dos gostos dos brasileiros em geral. Os números, portanto, falariam por todo o país. As antropólogas citadas constataram, todavia, que os procedimentos adotados privilegiam as regiões metropolitanas dos centros urbanos situados na faixa litorânea brasileira. Além disso, a divisão de classes estabelecida pelas pesquisas sempre se baseou essencialmente na capacidade de consumo das pessoas, tendendo a "puxar" a estratificação social brasileira para cima, mostrando que, exclusivamente pelo consumo, os sujeitos seriam mais abastados financeiramente do que se costuma acreditar. As práticas, informações e saberes formulados a partir das dinâmicas de operação da TV desde os anos 1970, portanto, produziram significados os mais distintos sobre o que seria o cotidiano dos brasileiros, formulando discursos normativos que, se não criam, pelo menos auxiliam e consolidam certas representações hegemônicas sobre aquilo que se trata ser "homem", "mulher", "pobre", "rico", etc., no Brasil.

Os discursos dos produtores de Chacrinha e das chacretes sobre a ocupação de girls giram em torno de tais terminologias mercadológicas. A ideia de que elas "atraem os homens", "seguram a audiência masculina" é recorrente nesse contexto. Portanto, é preciso trazer à tona tais categorias e reflexões êmicas a fim de se compreender os sentidos da ocupação de dançarina televisiva a partir de seus próprios termos.

De acordo com as pesquisas da época, os tipos de programa da TV preferidos pelas mulheres de camadas populares eram, em ordem de preferência, as novelas, os programas de auditório, os musicais e os humorísticos. Já os homens desses mesmos "segmentos de mercado" prefeririam os jornais, os humorísticos e os filmes (Mira, 1985Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985.). Nota-se que nesses saberes, os homens não demonstrariam maiores interesses pelos programas de auditório e telenovelas, transformando tais conteúdos em algo majoritariamente feminino. Assim, as chacretes teriam a função de reverter essa situação, partindo-se do pressuposto de que os homens podem ser trazidos para frente da TV e transformados em consumidores por meio de figuras femininas "sensuais". Portanto, as chacretes eram, antes de tudo, uma clara estratégia de marketing a fim de angariar uma maior audiência e, consequentemente, ampliar o mercado consumidor que assistia aos programas. O objetivo das dançarinas era o de conquistar um "tipo social" complementar ao "público-alvo" feminino por meio daquilo que supostamente eles mais se interessariam na vida: o sexo.

O desejo de atingir um público complementar não significa dizer que a ideia de "público-alvo" seja meramente ilustrativa. A existência de um grupo específico para o qual um programa é pensado não elimina a possibilidade de se angariarem outros tipos de espectadores. Isso ocorre porque a grande qualidade da TV como vitrine comercial e mídia nacional é sua capacidade de se estender a um imenso e heterogêneo público. "Ter um público geral, que atinge todo mundo, inclusive as camadas populares, é considerado próprio da TV e isso explica inclusive seu domínio como mídia" (Almeida, 2006Almeida, Heloisa Buarque de. Nas ondas do mercado: a pesquisa de audiência de TV. Anais do 30º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2006, pp.1-17.:9, grifos da autora). Por mais que a programação seja pensada em termos de "nichos de mercado" e "perfis" de telespectadores, a potencialidade do veículo deve ser explorada visando a atingir a maior diversidade de pessoas possíveis, algo que outros meios de comunicação não seriam capazes de fazer já que possuiriam um escopo de atuação muito reduzido. Telenovelas e programas de auditório, por mais que sejam vistos como a programação preferida e quase exclusiva das "donas de casa", sempre desenvolvem artifícios e trechos de programação com o intuito de atrair "os homens", os "maridos", consolidando a máxima de que TV é "para todo mundo".3

Assim, tais estratégias buscam ampliar o escopo da audiência sem abrir mão do público cativo. O mesmo pode ser pensado sobre o uso das chacretes. Os programas de auditório são compreendidos como voltados para o "público feminino" e as dançarinas os compõem visando trazer "os homens". Nesses casos, foram elencados elementos relacionados à sexualidade. Ação, esporte e sexo são, portanto, construções simbólicas que fazem gênero na TV, servindo como artifícios para se conquistar o público masculino. Em tempo: Irmãos Coragem foi o programa mais assistido em São Paulo no ano de 1971, com média de audiência de 49%, seguido de perto por Programa Silvio Santos (46,6%), a Buzina do Chacrinha (43%) e a Discoteca do Chacrinha (42%)4, o que demonstra que tais estratégias de "atingir todo mundo", conciliando dicotomias como homens e mulheres, jovens e adultos, classe média e popular, etc, têm seus efeitos positivados diante dos números de sucesso desses programas medidos pelos institutos de verificação da audiência.

Além dos óbvios reducionismos da diversidade de pessoas que assistem à TV - transformando a audiência em uma massa homogênea -, tais pesquisas corroboram para a reprodução de uma série de discursos normativos que partem de concepções hegemônicas acerca da classe, do gênero, da sexualidade, etc. A família heterossexual e o domicílio onde reside o casal com seus filhos é o eixo estruturante de tais análises, em que cada um dos cônjuges possuiria interesses opostos, porém, complementares, obedecendo a uma diferenciação de gêneros tida como natural. A "família brasileira" é a instituição receptora da mensagem televisiva, em que predominam relações sociais recorrentes (filhos que estudam, homens que trabalham e mulheres que cuidam da casa5) e princípios morais que não devem ser confrontados, mas, sim, valorizados.6 "A TV interpela o espectador como indivíduo-membro da comunidade familiar, reunida na parte da casa onde se concentra a atividade coletiva" (Sodré, 1984Sodré, Muniz. O monopólio da fala. Petrópolis, Vozes, 1984.:58). Um programa agrada mais as esposas do que os maridos de certo núcleo domiciliar e vice-versa, cabendo aos programadores saber lidar com tal polaridade por meio de estratégias que procuram fazer com que o casal assista harmoniosamente a certa programação.

Para além dessa centralidade da família na mensagem televisiva, há uma nítida feminilização da audiência nos discursos dos produtores e anunciantes de modo geral. A audiência seria predominantemente feminina na TV, da mesma forma que o consumo, tradicionalmente associado ao gênero feminino (Almeida, 2002Almeida, Heloisa Buarque de. Melodrama comercial: reflexões sobre a feminilização da telenovela. cadernos pagu (19), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2002, pp.171-194.). O arsenal de dados quantitativos já produzidos sobre isso faz acreditar que os telespectadores nos mais diversos lugares do mundo são em média 66% de mulheres e 34% de homens (Almeida; Hamburger, 2004Almeida, Heloisa Buarque de; Hamburger, Esther. Sociologia, pesquisa de mercado e sexualidade na mídia:audiências x imagens. In: Piscitelli, Adriana; Gregori, Maria Filomena; Carrara, Sérgio. (org.) Sexualidades e Saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro, Garamond, 2004, pp.115-139.). A "dona de casa" emerge como uma figura recorrente desses dados. A categoria não se refere propriamente a uma ocupação profissional - aquelas que trabalham nos domicílios - mas, sim, ao sujeito responsável pelas compras de uma casa, a pessoa que coordena todo o consumo do núcleo familiar (Almeida, 2006Almeida, Heloisa Buarque de. Nas ondas do mercado: a pesquisa de audiência de TV. Anais do 30º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2006, pp.1-17.). A programação deve ser capaz de captar a atenção principalmente de tais "donas de casa" pela sua capacidade de arregimentar o que toda família é capaz de consumir e de cuidar da prole, sendo agradada em seus gostos e interesses pelos formuladores do conteúdo televisivo, tornando-a por excelência a imagem do que seria o típico telespectador.

Pois bem, retornando às chacretes: os dados sobre audiência da Discoteca do Chacrinha eram carregados por inúmeras impressões e interpretações comportamentais por parte dos produtores, não sendo, na maioria das vezes, verificadas "cientificamente". Por exemplo: as dançarinas buscavam "chamar a atenção dos dispersos maridos" para a atração da qual as "esposas" deles tanto gostavam, mas não manteriam qualquer diálogo com elas. O pressuposto de um antagonismo entre marido e esposa encontra-se no cerne desses argumentos, baseando-se mais em percepções e sensibilidades pessoais do que no alcance das pesquisas desenvolvidas, que nunca chegaram a medir precisamente o "efeito chacrete" nos lares brasileiros. Portanto, tal sentido de "função" de um recurso audiovisual e seu "efeito" nos lares foi construído pelos próprios produtores televisivos a partir de suas práticas e concepções de gênero e sexualidade, partindo de suas interpretações e vivências cotidianas para chegarem a formular a máxima que justifica o uso das chacretes, ou seja, "segurar a audiência masculina".

Assim, o conflito conjugal traria consequências positivas nas lógicas do marketing, no final das contas. Ao exibir "o tipo de mulher que o pessoal [homens] lá em casa gosta"7, as chacretes também seriam os alvos da "implicância" da maioria das telespectadoras que, supostamente, assistiriam a toda performance de maneira incômoda e crítica, "cheias de inveja" das dançarinas. Não desligariam a TV porque, além da atração possuir outros quadros que lhes agradariam, elas precisariam controlar os maridos "encantados" pelas dançarinas. O argumento das "donas de casa invejosas" e dos "maridos enfeitiçados" pelas girls era constante no contexto do programa. O apresentador certa vez assim escreveu sobre o casal telespectador imaginário a quem tanto procura agradar e sobre os efeitos que as chacretes teriam em suas vidas - numa passagem que sintetiza muito bem a "tecnologia de gênero" (De Lauretis, 1994) que é a televisão:

Certos homens têm muita raiva de mim, assim como suas mulheres. E eu vou explicar o porquê. Os homens ficam se mordendo por causa das chacretes. Daí a inveja, o despeito, porque gostariam de estar no meu lugar. Eles pensam mais ou menos assim: "este velho deve passar na cara todas essas mulheres". E as mulheres que não têm o que fazer, que não têm ocupação a não ser o forno e o fogão, ficam umas "araras" quando olham para a TV e veem as chacretes - as mulheres mais quentes do Brasil - dançando e mostrando sua beleza. Essas mulheres que têm ódio das chacretes, que vivem criticando-as, são feias, gordas, mal-amadas e só têm relações sexuais uma vez por ano (quando têm!). É por isso que elas têm despeito das chacretes e formam uma concepção errada das nossas bailarinas (Barbosa, 1980:23).

Sobre conexões afetivas femininas

Pode-se inferir que a televisão não passou despercebida pelos brasileiros em geral nos anos 1970. Pelo contrário, ganhou força e construiu-se como uma poderosa e complexa tecnologia em nossa sociedade contemporânea. Este artigo procurou acompanhar a intricada rede de "poderes-saberes" (Foucault, 1988Foucault, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal, 1988.) que emergiu em nosso horizonte a partir da consolidação da indústria cultural em meados dos anos 1960 e a consequente marcação social de gênero por meio da tecnologia televisiva, tendo as chacretes como alvo privilegiado desta análise. Tais redes do "circuito integrado" (Haraway, 2009Haraway, Donna. Manifesto Ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: Haraway, Donna et alli (org.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte, Autêntica, 2009 [1983], pp.33-118.) televisivo não são centralizadas nem unidirecionais, mas, sim, dispersas e móveis, oriundas das ações fragmentadas de distintos agentes, porém, extremamente eficientes na constituição e na normatização dos sujeitos (Foucault, 2003). Assim, compreendemos aqui a televisão como uma tecnologia que vem construindo subjetividades (Abu-Lughod, 2005Abu-Lughod, Lila. Dramas of Nationhood: the politics of television in Egypt. Chicago and London, The University of Chicago Press, 2005.) e estimulando o exercício da composição de uma imagem de si pelos brasileiros desde meados do século XX - e, em particular, pelas próprias dançarinas do Chacrinha, diretamente envolvidas com os media - transformando-se numa instituição social recente em termos históricos, mas de ampla relevância no horizonte das dinâmicas de poder em nosso país.8

Ora, todo esse imaginário de aura técnico-científica apresentado ao longo deste artigo pode ser relativizado e mesmo questionado por meio dos dados do trabalho de campo junto às chacretes, que nos permitem demonstrar uma maior reflexividade dos sujeitos no âmbito da indústria cultural. Este texto encerra-se, assim, propondo uma reflexão crítica sobre as concepções normativas por trás dos argumentos dos programadores e estrategistas de audiência da televisão dos anos 1970. Para isso, começo citando um trecho da biografia-testemunho da dançarina globeleza Valeria Valenssa, muito conhecida pelas vinhetas de carnaval que estrelou ao longo de 15 anos na TV Globo a partir dos anos 1990:

Entrando sorrateira no quarto dos pais, ela [Valéria] confere no espelho o comportamento dos cabelos lisos à base de henê e se veste com o collant azul-piscina da mãe, atenta ao relógio da cabeceira, que logo vai dar quatro horas. Então se estica toda para alcançar a última prateleira do armário e surrupia as sandálias de domingo, bem maiores que seus pés de menina, se encarapitando nos saltos altos com destreza profissional. Dez para as quatro! Tem que andar bem depressa, se não quiser perder a abertura. (...) Quatro horas! Tomara que a mãe não repare no batom meio amassado e nas caixas de maquiagem, todas bagunçadas, largadas em cima da cama, porque senão é chinelada na certa... e agora não vai dar mais tempo de arrumar. É que a música alta que vem da TV ligada não deixa nenhuma dúvida: está começando o programa do Chacrinha. (...) Valéria está fascinada. As assistentes de palco, conhecidas como chacretes, metidas em maiôs cheios de brilhos e plumas, estão perfeitamente à vontade nas sandálias-plataforma de lamê que as fazem quinze centímetros mais altas. Elas distribuem sorrisos glamourosos enquanto lançam as intermináveis pernas e braços de um lado para o outro, numa coreografia cuidadosamente sincronizada. "Quero ser como elas", sonha a garotinha, sem parar de requebrar (...). Com os olhos atentos ao rebolado bem ensaiado das dançarinas do Cassino, Valeria se empenha ao máximo em acompanhar a coreografia, sentindo como se ela própria estivesse lá, naquele auditório lotado. Tem sete anos de idade e um sonho meio improvável para uma criança de origem tão humilde: ser rica e famosa. Mas não cantando num palco ou atuando numa novela da Globo. Valeria quer ser famosa dançando. "Um dia, vou ser dançarina do Chacrinha", ela decide, já caprichando ali mesmo no ensaio para o futuro recém-escolhido (Bergallo; Duarte, 2015Bergallo, Laura; Duarte, Josiane. Valeria: uma vida de sonhos. Rio de Janeiro, Tinta Negra, 2015.:27).

Na narrativa do tipo "fábula" sobre a vida de Valéria Valenssa, tornar-se uma chacrete é algo que fascinava a sambista quando criança. Constatamos por meio desse trecho que as relações das antigas dançarinas de Chacrinha com o público telespectador eram muito mais variadas e expandidas do que aquilo que as pesquisas e os conhecimentos normativos diziam sinteticamente sobre as relações que elas possivelmente produziriam no "lar brasileiro". A questão de gênero é aqui contundente: uma jovem menina se encanta com dançarinas mais velhas do que ela, tentando imitá-las e, futuramente, tornando-se uma delas. Nota-se assim que inúmeras articulações afetivas entre as mulheres telespectadoras e as dançarinas de TV são possíveis e imagináveis, para além da "inveja" e do "rancor" tão apregoados pelos produtores. Além disso, percebemos que não são só os "maridos"/"homens" aqueles interessados nas chacretes. Na verdade, podemos afirmar que é justamente na possibilidade da concretização de relacionalidades afetivas positivas com as mulheres em geral - e não trocas essencialmente conflitivas, como dizem os "poderes-saberes" - que está o ponto central do sucesso que foram as conexões estabelecidas pelas chacretes para com o seu público dos anos 1970.

Programas de auditório populares como os de Chacrinha gostam de estimular a participação do público que está em casa. Para isso, produtores e diretores inventavam inúmeras formas de incitar a colaboração como, por exemplo, a realização de concursos. Várias disputas ocorriam nos auditórios de Chacrinha a fim de se recrutarem novas girls para os seus próprios quadros. Algumas mulheres tornaram-se chacretes depois que souberam da existência dos concursos. Eles confirmam o apreço que era se tornar uma chacrete para muitas mulheres. Anunciados incessantemente na programação televisiva, os concursos eram vendidos como a grande oportunidade para jovens tornarem-se famosas. Aproveitando-se também das redes na mídia impressa que serviam de plataforma de divulgação de suas ações televisivas, Chacrinha anunciava em suas colunas em periódicos as seleções de novas chacretes que seriam realizadas a olhos vistos pelo público brasileiro.

Vocês precisam ver como tem moça bonita se inscrevendo, na TV Globo, para o trono das chacretes! Tudo gente bonita e catita. A vencedora receberá o contrato de três meses com a TV Globo. E, quem sabe?, dali em diante poderá ser uma estrela de TV. Dependerá do seu talento (Barbosa, 1972:55).

A chave analítica da polarização e de conflitos no seio do casal heterossexual mencionada anteriormente cai por terra também quando as chacretes durante a pesquisa de campo lembravam-se do carinho e da atenção que inúmeras mulheres nelas depositavam. Mesmo afirmando sentirem certa "implicância" por parte de algumas poucas delas em seu cotidiano - desavença essa, aliás, que só contribuiu para suas "performances de superfêmea", já que a "luta entre mulheres" as engrandecia como dançarinas "invejáveis" - muitas ressaltam o quanto eram paradas nas ruas pelas telespectadoras que não só elogiavam seus "rebolados" como também diziam o quanto elas e seus maridos as adoravam.

Durante os intervalos da gravação, fazia parte das rotinas das chacretes dar autógrafos às mulheres que compunham majoritariamente o auditório. Muitas afirmavam estar ali pedindo suas assinaturas apenas para satisfazerem um desejo de seus maridos. Na intimidade, as chacretes costumam lembrar que as fãs chegavam a confessar o quanto "sonhavam"9 em ser chacrete - tal como na biografia de Valeria Valenssa - mas devido a várias circunstâncias estariam impedidas de irem adiante com a ideia: seja a "falta de beleza", o corpo "pouco carnudo", a "falta de traquejo" para a dança ou constrangimentos familiares e dificuldades em adotar um projeto de vida tão "diferente". As "donas de casa" constantemente diziam "identificar-se" com as chacretes e em algum momento de suas vidas colocaram-se em seus lugares. Segundo os depoimentos das girls, elas falavam com graça dos movimentos que imitavam em casa, dos rebolados difíceis de serem atingidos e mesmo o olhar "penetrante" que muitas das vezes tentavam fazer para os seus maridos tal como as chacretes que viam pela TV. As fãs olhavam para a vida das dançarinas como se a fama lhes oferecesse a oportunidade de estarem alguns degraus acima do corriqueiro. A vida de uma chacrete seria de maior intensidade, com mais amor, mais riquezas e mais glamour do que o comum dos mortais. Ao demonstrarem tais simpatias, as "donas de casa" manifestavam certas aspirações e projetos de vida que encontrariam diversos entraves para serem efetivados. Tal como um alter ego idealizado das espectadoras, as chacretes realizavam algumas de suas mais candentes aspirações.

Portanto, as chacretes não eram meros alvos de "inveja" e "desdenho" das "donas de casa". Até mesmo a manifestação de tais sentimentos poderia ser compreendida à luz dessa chave interpretativa da identificação de gênero. As lembranças das chacretes acerca das fãs mulheres - por mais parciais que possam ser - aludem a um "processo reflexivo do eu" (Giddens apudAlmeida, 2007Almeida, Heloisa Buarque de. Consumidoras e heroínas: gênero na telenovela. Revista Estudos Feministas, vol. 15, no 1, 2007, pp.177-192.) por parte dessas telespectadoras, no sentido de as dançarinas estimularem-nas a refletir sobre suas próprias vidas, a reavaliarem seus projetos e a reverem seus pontos-de-vista. É comum entre as chacretes a menção também do quanto são "adoradas" por "homossexuais", "transformistas" e "travestis" desde aquela época. Esse tipo de afirmativa só corrobora a percepção de que uma estratégia comercial em muitos casos extrapola as próprias lógicas em que são gestadas, indo para além dos reducionismos com que operam conceitos pré-concebidos como "público-alvo" e "função" de determinado recurso audiovisual. Uma lembrança no momento de uma entrevista feita durante a pesquisa de campo com Índia Potira, a chacrete mais conhecida dos anos 1970, sobre os shows que fazia Brasil afora aponta para o público heterogêneo que as chacretes costumavam atingir.

Então, eu ficava dançando ali [no palco], eu falava: 'Meu Deus do céu!'. Eu olhava assim e falava: 'Caraca!'. Eu lindona! Eu falava assim: 'Caracas, Deus deve ter um plano para mim!'. Todo mundo vinha aqui me ver, uma mulher sozinha dançando! Porque eles [produção de Chacrinha] me mandavam, por exemplo, para lá de Governador Valladares. Sozinha. Uma mulher entrar em cena e ficar dançando, se requebrando, sozinha? Eu ficava assim, boba. Ia noivo com noiva, mulher com marido, a velhinha com seu senhor. Criancinha! Elas falavam assim: 'Eu vim até aqui, com meu marido dar um beijo em você. Porque senão ele não dorme essa noite!'. A noiva falava isso, a senhora falava isso. As mulheres, as senhoras, choravam quando me viam. Eu falo: 'Senhor, que isso'! A garotinha da idade da minha neta, de 8 anos! Você chega para fazer um show, 'olha a Índia', não sei o quê, querem falar, te dar beijo, te abraçar. Porque sempre quando eu trabalhava, eu me sentia até bem porque quem vinha falar comigo eram as mulheres, eram as crianças, as meninas novas que falavam: 'Ah, Índia, se eu não te der um beijo, um abraço, o meu marido não dorme essa noite'. Então era essa gente assim. Gente humilde. E tinha rapazes também, né? Sabe como é que é homem, né? Esses vinham com um papo...

O que temos aqui, portanto, é um conjunto de dançarinas que servem não só para "instigar sexualmente" o público - e, nesse caso, o sexo/gênero de quem é estimulado pouco importa já que qualquer pessoa pode se sentir atraída por elas - como também gerar projeções e identificações com essa plateia, estimulando até mesmo "sonhos" e fazendo de suas apresentações algo a ser extremamente admirado. O efeito da presença das chacretes no "circuito integrado" televisivo passa ao longe das considerações um tanto simplistas que os "poderes-saberes" dos produtores da TV têm sobre as dançarinas que criaram, mergulhados em pesquisas mercadológicas quantitativas e um tanto homogeneizadoras para embasar suas concepções. Se meramente servissem para atrair os homens heterossexuais para a frente da televisão, as chacretes certamente não teriam feito o grande sucesso que fizeram nas décadas de 1970 e 1980.

Portanto, podemos concluir, a partir desse momento específico da história do audiovisual no Brasil, que a TV sempre formulou uma imagem bem ambígua e contraditória acerca da moral sexual feminina e das relações de gênero presentes em nossa sociedade desde o momento em que a indústria cultural se consolidava política e simbolicamente nos anos 1970 em nosso país. Assim, as construções simbólicas e as relações sociais mais corriqueiras da atualidade não podem ser pensadas dissociadas da emergência da televisão na sociedade brasileira. A TV desde os seus primórdios em meados do século XX identifica, classifica e discrimina vários indivíduos. Ela é sem sombra de dúvida um elemento fundamental para a compreensão da maneira como diferenças podem se constituir em desigualdades.

Referências bibliográficas

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  • Barbosa, Abelardo. Homem, n 29, vol. 2, dezembro de 1980, pp.23, acervo da Biblioteca Nacional
  • 1
    Mesmo sendo escassas essas reflexões, o meio acadêmico se propôs a investigar os programas de auditório já nesse período áureo, participando ativamente do debate público que ocorria sobre eles, alvos privilegiados da censura federal. Dois trabalhos de abordagens teórico-metodológicas distintas foram seminais nessa época e marcaram a trajetória de seus responsáveis bem como abriram espaços para uma efetiva análise dos fenômenos da comunicação de massa: o estudo baseado em Michael Bakhtin da linguagem audiovisual dos programas de auditório, efetuado por Sodré (1972)Sodré, Muniz. A comunicação do grotesco:um ensaio sobre a cultura de massa no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1972., e a leitura bourdiesiana sobre o gosto e a cultura popular, de Miceli (2004)Miceli, Sérgio. A noite da madrinha. São Paulo, Companhia das Letras, 2004 [1972]., a partir da figura de Hebe Camargo, originalmente publicado em 1972 com o título A noite da madrinha. Para uma análise dos programas de auditório de Sílvio Santos, conferir Mira (1985)Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985.. Sobre Xuxa e seu público televisivo infantil, ver Simpson (1994)Simpson, Amélia. Xuxa. São Paulo, Sumaré, 1994..
  • 2
    Simões (1986Simões, Inimá. TV à Chateaubriand. In: Simões, Inima et alli (org.). Um país no ar: história da TV brasileira em três canais. São Paulo, Brasiliense/Funarte, 1986, pp.11-112.; 2000Simões, Inimá. Nunca fui santa (episódios de censura e autocensura). In: Bucci, Eugênio (org.). A TV aos 50: criticando a TV brasileira em seu cinqüentenário. São Paulo, Perseu Abramo, 2000, pp.76-94.) revela que a maioria dos problemas de Chacrinha com a censura federal era relacionada às brincadeiras que fazia com o auditório, a saias e maiôs das chacretes e de algumas "tomadas de detalhes anatômicos" feita pelas câmeras dos corpos das jovens.
  • 3
    A análise efetuada aqui tem se concentrado no recorte de gênero das pesquisas de mercado porque as chacretes são pensadas essencialmente a partir desse marcador. No entanto, a programação "para todo mundo" sempre também é formulada a partir da tentativa de se conciliarem as idades (persuadir os jovens a assistir a programas voltados para adultos, por exemplo) ou mesmo as classes sociais (programas típicos de camadas populares que buscam aproximar-se dos segmentos médios da sociedade). Este último caso foi sempre o maior problema dos programas de auditório de Chacrinha, já que supostamente eles pouco conseguiram adentrar na seara das camadas médias. Boa parte das críticas enfrentadas nos anos 1970 por esses programas vinha desse "nicho de mercado", o que reverberou, inclusive, nos poucos anunciantes de peso conseguidos por tais programas (Mira, 1985Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985.).
  • 4
    Dados do Ibope disponíveis em Mira (1985)Mira, Maria Celeste. Circo eletrônico: SBT. São Paulo, Olho D'Água/Loyola, 1985..
  • 5
    Analisando periódicos voltados para o mercado publicitário na TV, Almeida (2006)Almeida, Heloisa Buarque de. Nas ondas do mercado: a pesquisa de audiência de TV. Anais do 30º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2006, pp.1-17. destaca que os profissionais desse meio estão atentos às mudanças sociais referentes à maior participação das mulheres no mercado de trabalho, mas costumam interpretar tal fenômeno como uma mera exigência de complementação de renda. Assim, mesmo trabalhando, as mulheres são sempre as "donas de casa", aquelas que estão a todo tempo consumindo e que saem dos lares por mera imposição externa. "Percebe-se, assim, uma arraigada associação entre mulher, compras, impulso afetivo de comprar, mas também com quem compra e cuida do lar, dos filhos, e mesmo das roupas e bens do marido" (Almeida, 2006Almeida, Heloisa Buarque de. Nas ondas do mercado: a pesquisa de audiência de TV. Anais do 30º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu-MG, 2006, pp.1-17.:19).
  • 6
    Almeida e Hamburger (2004)Almeida, Heloisa Buarque de; Hamburger, Esther. Sociologia, pesquisa de mercado e sexualidade na mídia:audiências x imagens. In: Piscitelli, Adriana; Gregori, Maria Filomena; Carrara, Sérgio. (org.) Sexualidades e Saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro, Garamond, 2004, pp.115-139. afirmam que profissionais envolvidos em pesquisas de mercado enfaticamente destacam o quanto a publicidade "reflete tendências sociais", não influenciando nem determinando mudanças sociais. Esse argumento "defensivo" do mundo publicitário faz com que seus membros evitem confrontar certos "valores" que entendem como constitutivos da "família brasileira", atitude que poderia provocar danos à "imagem" de seus produtos. Dessa maneira, "há tabus que devem ser respeitados e esses tabus encontrariam-se basicamente no reino da moral e dos bons costumes" (Almeida; Hamburger, 2004Almeida, Heloisa Buarque de; Hamburger, Esther. Sociologia, pesquisa de mercado e sexualidade na mídia:audiências x imagens. In: Piscitelli, Adriana; Gregori, Maria Filomena; Carrara, Sérgio. (org.) Sexualidades e Saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro, Garamond, 2004, pp.115-139.:127). Temas sexuais como as chacretes, por exemplo, devem ser cautelosamente abordados.
  • 7
    Documentário Rita Cadillac: a lady do povo, de Toni Venturi (2010).
  • 8
    Como já pode ser notado, busquei seguir na análise do sistema de "poderes-saberes" do meio televisivo os escritos de Michel Foucault (1988Foucault, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal, 1988. e 2003), que aponta para o nível mais simples e disperso dos poderes sociais no cotidiano dos sujeitos a partir do advento da modernidade, afastando a recorrente ideia de percebê-lo como algo monolítico e unidirecional. "Não se trata de um aparelho de Estado, nem da classe no poder; mas do conjunto de pequenos poderes, de pequenas instituições situadas em um nível mais baixo" (Foucault, 2003:125). Tais poderes costumam se enraizar firmemente por meio da formulação de saberes, algo recorrente na televisão, "um saber sobre os indivíduos que nasce da observação dos indivíduos, da sua classificação, do registro e da análise dos seus comportamentos, da sua comparação, etc". Portanto, esses poderes e saberes encontram-se firmemente entrelaçados.
  • 9
    Para uma reflexão sobre as narrativas recorrentes em torno dos "sonhos" enquanto "projetos de vida" presentes nas histórias e lembranças de pessoas das classes populares, particularmente transexuais, ver o trabalho de Zampiroli (2017)Zampiroli, Oswaldo. Amores Subterrâneos: família e conjugalidades em trajetórias de prostitutas trans-travestis. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), PPGAS/ UFRJ, 2017..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2016
  • Aceito
    15 Out 2018
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