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As mulheres desiludidas: de Simone de Beauvoir à “ideologia de gênero”

Resumo

Em 2015, a filósofa francesa Simone de Beauvoir foi alvo de uma moção de repúdio da Câmara Municipal de Campinas, acusada de ser a mentora da chamada “ideologia de gênero”, expressão utilizada pelo campo conservador para confrontar as produções científicas feministas. Por que, após 70 anos da publicação de O Segundo Sexo , “tornar-se mulher” segue sendo, para alguns, uma frase tão provocativa e até mesmo perigosa? Os medos e críticas que ela despertava então continuam os mesmos ou estaríamos diante de um novo pânico moral no Brasil contemporâneo? Ao analisar as falas dos vereadores envolvidos nesse debate fica evidente que, com um avanço significativo de pessoas oprimidas pelas relações sociais hierárquicas de gênero, houve uma reação contundente por parte daqueles setores que não entendem a inexorável transformação social promovida pelos feminismos e que tremem ao ouvir o nome de Beauvoir.

Gênero; Ideologia; Legislativo

Abstract

In 2015 French philosopher Simone de Beauvoir received a motion of repudiation from the Campinas City Council, which accused her of mentoring so-called “gender ideology”, a phrase used by conservatives to challenge feminist scientific work. Seventy years after the publication of The Second Sex , why does “becomes a woman” continue, for some, to be such a provocative or even dangerous phrase? Do the fears and criticisms that she aroused at the time continue to be the same, or are we facing a new moral panic in contemporary Brazil? By analyzing the words of the city council members involved in the debate, it becomes evident, in the face of significant advances made by those who are oppressed by socio-hierarchical gender relations, that there has been a strong reaction from those sectors that do not understand the inexorable social transformation promoted by feminists, and who tremble at the sound of Beauvoir’s name.

Gender; Ideology; Legislative

Introdução

A primeira edição de O Segundo Sexo , publicada em 1949, perturbou a sociedade francesa. Simone de Beauvoir recebeu milhares1 1 Estima-se que cerca de 20 mil nos primeiros anos (Rouch, 2107:2). de cartas de mulheres agradecendo-a por desvelar sentimentos que antes elas não conseguiam colocar em palavras, tais como a tristeza e a indignação diante da construção da diferença entre homens e mulheres. “Eu fiquei transtornada ao constatar que você exprimia com lucidez tão penetrante algumas coisas que eu mesma sentia, mas sem saber como traduzi-las” (Rouch, 2017:7), dizia uma leitora.

Foi uma revelação bastante violenta. Primeiro, um despertar muito lento para a dignidade (...) Acredito sinceramente que estes dois livros me devolveram a razão de viver e, especialmente, de não sofrer eternamente (Rouch, 2017:8), afirmava outra.

A resposta conservadora também foi contundente. Quando os primeiros capítulos saíram na revista Les Temps modernes , editada por Jean-Paul Sartre, o escritor François Mauriac declarou ao jornal Le Figaro que o livro beirava os “limites do abjeto” e convidou a juventude cristã a reagir. Sua fala gerou um debate público, através da imprensa, sobre a obra. Mesmo entre a esquerda, onde Simone de Beauvoir se localizava politicamente, houve críticas. A filósofa Jeannette Colombel, por exemplo, que vinha de uma família de lideranças comunistas, escreveu que

o inimigo não é o homem, mas o capitalismo. Declarar uma rivalidade entre homens e mulheres é se esquivar do verdadeiro problema: a miséria da classe trabalhadora e a ameaça de guerra (Galster, 2004:12).

Como nos mostra Sylvie Chaperon,

com argumentos muitas vezes semelhantes, círculos de direita e comunistas, que detêm uma moralidade tradicional, foram os mais agressivos em sua crítica ao livro ( Chaperon, 1997Chaperon, Sylvie. Le Deuxième Sexe en héritage. Le monde diplomatique , janeiro de 1997.: 5).

De pedante a libertadora, sendo atacada ou defendida, Beauvoir recebeu todo tipo de qualificativos.

O escândalo causado pela obra é correspondente ao quão impactante é seu conteúdo. Ao apontar a insuficiência das contribuições da biologia, da psicanálise e do materialismo histórico para explicar a hierarquia social entre os sexos, a autora lança-se a uma revisão histórica, etnográfica e dos mitos da humanidade para, diante das experiências de vida concreta das mulheres, desvelar assim o sistema de produção e manutenção de sua dominação. Potente, O Segundo Sexo transcendeu à época de seu lançamento. Inspirou e provocou inúmeros trabalhos posteriores de teóricas feministas, de Gayle Rubin e Monique Wittig nos anos 1970 a Angela Davis nos anos 1980, Judith Butler nos anos 1990 – apenas para citar alguns nomes – fomentando um rico campo de debate. Ademais,

o Segundo Sexo é considerado precursor do feminismo “da segunda onda”, protagonizado por grupos organizados de mulheres, em diversas partes do mundo, a partir da década de 1960 ( Piscitelli, 2009Piscitelli, Adriana. Gênero: a história de um conceito. In: Almeida, Heloisa Buarque; Szwako, José. Diferenças, Igualdade . São Paulo, Berlendis & Vertecchia, 2009, pp.116-148.: 133).

No Brasil, o livro foi muito importante para a formação das feministas, como afirma Heleieth Saffiotti:

Agora, o que me parece importante é a repercussão desse livro fora da sociedade francesa, em outros países como o Brasil. Você vê a minha geração (...), todas passamos por esse livro, então ele foi um marco, sem dúvida nenhuma, abriu muitas cabeças de quem o leu, ele foi muito importante. É um marco histórico, continua sendo e esse reconhecimento, as reverências foram feitas ainda que se fizessem críticas – sempre se faziam reverências porque ela continua sendo uma referência e também há que se atentar para sua precocidade. Naquele momento, o livro foi fundamental e continuou sendo por muito tempo ( Saffioti, 2000Saffioti, Heleieth. O Segundo Sexo à luz das teorias feministas contemporâneas. In: Motta, Alda Britto da; Sardenberg, C.; Gomes, M. (org.). Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas . Coleção Bahianas, n.5. Salvador, Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM:FFCH/Universidade Federal da Bahia, 2000, pp.15-38.: 35).

Setenta anos depois, O Segundo Sexo continua provocando reações tanto na França, seu berço original, quanto mundo afora, como no Brasil. Se, por um lado, o trabalho da autora segue sendo fundamental para o desenvolvimento dos estudos feministas e das reflexões acerca das identidades de gênero, estando também presente como referência para manifestações e protestos de mulheres, por outro lado, Beauvoir é vista, juntamente com Butler, como a matriz intelectual do que o campo conservador2 2 Compreendo que há uma dificuldade em localizar o sentido de “conservador” atualmente. Para fins deste artigo, trago como referência a recente reflexão de Ronaldo de Almeida sobre a onda conservadora no Brasil: “pensá-la quebrada em linhas de força que resultam dos processos sociais, e que por sua definição são desiguais, assimétricos e com temporalidades distintas” (Almeida, 2017:25). Tais linhas de força, afirma o autor, são a econômica, a moral, a securitária e a interacional. convencionou chamar de “ideologia de gênero”, sofrendo forte oposição às suas formulações.

A “ideologia de gênero”, como já apontaram Corrêa (2018)Corrêa, Sônia. A “política do gênero”: um comentário genealógico. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp 2018 [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332018000200401&script=sci_arttext – acesso em 16 dez. 2019].
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
, Miskolci e Campana (2017) e Reis e Eggert (2017)Reis, Toni; Eggert, Edla. Ideologia de Gênero: uma falácia construída sobre os planos de educação brasileiros. Educ. Soc. vol. 38, n. 138 [online], 2017, pp.9-26. , entre outros, é um termo impulsionado a nível global a partir da reação da cúpula da Igreja Católica à Conferência Mundial de Beijing sobre a Mulher, em 1995, quando a palavra “mulher” começou a ser substituída por “gênero” ( Almeida, 2018Almeida, Janaiky Pereira. As conferências da ONU e suas abordagens sobre a desigualdade entre homens e mulheres. In: Queiroz, Fernanda Marques; Cisne, Mirla; Gurgel, Telma. Feminismo e Serviço Social – Debates Contemporâneos. Mossoró, Eduern, 2018, pp.23-57.: 35). Com o passar do tempo, esse discurso foi incorporado por outros setores cristãos e ganhou capilaridade social em países como Polônia, Hungria, Estados Unidos, França, Colômbia, Peru, Argentina e Brasil. Aqui, os enfrentamentos mais contundentes em relação a gênero ocorrem na esfera institucional, tanto no Poder Legislativo quanto no Executivo ( Mano, 2019Mano, Maíra Kubík. Fascismo social e pautas feministas: construindo parâmetros para a intensidade da democracia brasileira. In: Marques, Danusa; Rezende, Daniela; Mano, Maíra Kubík; Sarmento, Rayza; Freitas, Viviane Gonçalves (org.). Feminismos em rede . 2019, pp.15-28.: 15). A tática mais frequentemente adotada pelos grupos que se colocam antigênero tem sido a proposição e aprovação de projetos de leis3 3 Por exemplo, as Câmaras Municipais de Londrina e Foz do Iguaçu aprovaram, em 2018, a proibição de ensino sobre gênero nas escolas. , pronunciamentos de parlamentares4 4 A Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, divulgou em 2018 um documento em que afirma que “a ideologia de gênero desvia a escola das suas atribuições normais e investe na subversão de todos os valores e princípios da civilização” , ministras/os5 5 A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que no início de 2019 afirmou que “menino veste azul e menina veste rosa”, entre muitos outros exemplos. e até do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, que em sua posse declarou que iria combater a ideologia de gênero, assim como pressão da bancada religiosa para barrar políticas de Estado específicas.6 6 Como o programa “Escola sem Homofobia”, que foi apelidado de “Kit gay” pelos conservadores.

Entre os episódios, destaco um que considero prototípico e que será objeto de análise neste artigo: a moção de repúdio que Simone de Beauvoir recebeu da Câmara Municipal de Campinas em 2015. A filósofa, falecida em 1986, foi rechaçada pelo Poder Legislativo na cidade que abriga este cadernos pagu , após O Segundo Sexo ser tema de questão do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). O caso expõe como se constituem as iniciativas contrárias a gênero, quais são as argumentações utilizadas para sustentá-las e quem são seus atores. A partir dos pronunciamentos dos vereadores e de suas trajetórias de vida, que serão apresentados abaixo, me questiono se estaríamos diante de um novo pânico moral, distinto daquele que Beauvoir enfrentou quando lançou sua obra, ou se não há nada de novo no front daqueles que se opõem aos direitos das mulheres e LGBTQIAs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersex e Assexuados).

Minha hipótese é que existe uma continuidade entre os argumentos e protagonistas, mas que os distintos períodos históricos fazem com que as movimentações do presente estejam em sentido contrário às do passado: enquanto no final dos anos 1940 e nas décadas seguintes quem estava na ofensiva por espaço e direitos eram as feministas, questionando as hierarquias sociais, hoje elas se encontram na defensiva para garantir o que já foi conquistado diante dos ataques conservadores. Esta afirmação, obviamente, não significa dizer que as mulheres estejam hoje em posição de privilégio na sociedade. Pelo contrário: os dados demonstram que os motivos que levaram as feministas às ruas na segunda onda persistem, tais como a baixa ocupação de espaços na política institucional, a distante equidade nas relações de trabalho e os parcos direitos sexuais e reprodutivos. Esses dados, necessariamente, precisam ser entrecruzados por raça e etnia. Contudo, é preciso reconhecer que houve avanços significativos, tais como a expansão e consolidação dos estudos de gênero, assim como de direitos individuais, a exemplo do casamento homoafetivo ou do nome social para pessoas transgêneras, o que provoca a reação dos conservadores.

Como forma de exposição do artigo, apresentarei inicialmente o trecho destacado da obra de Beauvoir que foi alvo de discussão na Câmara Municipal de Campinas. Em seguida, trarei os argumentos utilizados pelos vereadores favoráveis e contrários à moção com uma análise crítica. Por fim, tecerei algumas notas conclusivas.

Tornar-se mulher

O Enem, que busca avaliar a qualidade do ensino médio no país e que serve de acesso ao ensino superior em universidades públicas, trazia a seguinte questão, em 2015:

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino (Beauvoir, 1999).

Na década de 1960, a proposição de Simone de Beauvoir contribuiu para estruturar um movimento social que teve como marca o(a)

  1. Ação do Poder Judiciário para criminalizar a violência sexual

  2. Pressão do Poder Legislativo para impedir a dupla jornada de trabalho.

  3. Organização de protestos públicos para garantir a igualdade de gênero.

  4. Oposição de grupos religiosos para impedir casamentos homoafetivos.

  5. Estabelecimento de políticas governamentais para promover ações afirmativas.

Trata-se do trecho mais conhecido de O Segundo Sexo , localizado na abertura do Tomo II, em que Simone de Beauvoir reflete sobre a experiência vivida pelas mulheres e descreve “o fundo comum sobre o qual se desenvolve toda a existência humana singular” (Beauvoir, 1967:s/p). A sentença está colocada no capítulo sobre a infância, em que a autora discorre sobre diferenças nas criações de meninos e meninas a partir de corpos que, ao menos até o início da adolescência, são bastante similares. Apoiada sobre a doutrina existencialista, Beauvoir apresenta as circunstâncias sociais que se impõem sobre as mulheres para limitar sua liberdade desde os primeiros anos de vida. Com sua afirmação, ela

procura desvincular a identidade de gênero da identidade natural. Nós não somos por causa do nosso sexo, mas nos tornamos pelo que nos é ensinado e cobrado, em decorrência do nosso sexo ( Passos, 2000Passos, Elizete. O existencialismo e a condição feminina. In: Motta, Alda Britto da; Sardenberg, C.; Gomes, M. (org.). Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas . Coleção Bahianas, n.5. Salvador, Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM; FFCH/ Universidade Federal da Bahia, 2000, pp.39-48.: 44).

A crítica à naturalização de papéis masculinos e femininos aparece com força também em outros trechos do livro. Ao discorrer sobre a vida em sociedade, Beauvoir nos conduz por um percurso de adornamento feminino, da saia aos cabelos, da postura aos gestos. A mulher caminha por uma linha tênue para ser considerada adequada ao matrimônio. Ela não pode provocar demasiadamente o desejo e exacerbar sua feminilidade, para não ser associada à prostituição, nem exercer uma masculinidade que a coloque próxima da lesbianidade. A mulher de um pastor, por exemplo, deve se maquiar com leveza, seguir a moda com discrição e indicar, com o cuidado de seu encanto físico, que “aceita seu papel de fêmea” (Beauvoir, 1967:299).

No capítulo sobre a mãe, o casamento e os filhos são uma prisão para as mulheres, muitas vezes aceita por elas, que permanecem nesse modelo de relações familiares que impede sua transcendência. A gravidez é vista como enriquecimento, mas também mutilação. Parasita e, ao mesmo tempo, parte de seu corpo, o bebê suga as energias femininas, que poderiam ser ocupadas de maneira inventiva ou criativa.

É pela maternidade que a mulher realiza integralmente seu destino fisiológico; a maternidade sua vocação ‘natural’, porquanto todo o seu organismo se acha voltado para a perpetuação da espécie ( Beauvoir, 1967Beauvoir, Simone. O segundo sexo: A experiência vivida . Vol. 2. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 1967.: 248).

Contudo, a sociedade não está “abandonada à natureza”, escreve Beauvoir, e “particularmente, há um século mais ou menos, a função reprodutora não é mais comandada pelo simples acaso biológico: é controlada pela vontade” (Beauvoir, 1980:248). Só que, como afirma Andrea Nye ao refletir sobre O Segundo Sexo , “a opressão das mulheres é ainda mais poderosa naquilo em que é mascarada por trás da natureza, por trás da crença de que o destino das mulheres é serem passivas” ( Nye, 1988Nye, Andrea. Teorias feministas e a filosofia do homem . Rio de Janeiro, Rosa dos Tentos, 1988.: 108).

Com a compreensão existencialista de que não há essência que preceda a existência, é possível a Beauvoir afirmar que homens e mulheres são construídos socialmente. “O ‘tornar-se’ fala das interferências da cultura, mas também do esforço próprio por construir-se”, lembra Elizete Passos (Passos, 2000:46). É um percurso ao mesmo tempo pesaroso e libertador. Assim,

a partir da ideia sartreana, o tornar-se significa escolher aquilo que se quer ser, de modo que a mulher será aquilo que se projetou ser. Nós nos tornamos nosso gênero e não nosso corpo ( Passos, 2000Passos, Elizete. O existencialismo e a condição feminina. In: Motta, Alda Britto da; Sardenberg, C.; Gomes, M. (org.). Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas . Coleção Bahianas, n.5. Salvador, Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM; FFCH/ Universidade Federal da Bahia, 2000, pp.39-48.: 46).

Como veremos a seguir, é justamente essa elaboração que problematiza a correspondência entre sexo e gênero que está no centro da argumentação contrária a Beauvoir feita por parte dos vereadores de Campinas.

Discurso de natureza, religiosidade e posição de maioria

“A maioria é favorável à lei da natureza: homem é homem, mulher é mulher”, afirmou Campos Filho, do partido Democratas, ao propor a moção de repúdio a Beauvoir. Para o vereador, o texto de O Segundo Sexo era uma iniciativa “demoníaca”:

Estamos representando a grande maioria da população brasileira (...) Estamos nos posicionando de maneira contrária. Mais uma vez a minoria vai se manifestar e vai perder porque a maioria é favorável a lei da natureza: homem é homem; mulher é mulher. Não podemos ir contrário a isso. Eu tive em Mogi Guaçu fazendo uma palestra sobre isso e um cidadão disse “o senhor tem que entender que para vocês falta amor; isso aí é uma pulsão que a gente sente. Tem mulheres que tem um homem lá dentro. São casos excepcionais”. E eu disse “você tome cuidado com essa pulsão, essa pulsão pode levar o senhor para a cadeia. O senhor pode passar em frente a um caixa eletrônico e sentir uma pulsão de roubar e o senhor vai preso. O senhor pode sentir uma pulsão de vontade de estuprar e o senhor vai preso.” (...) O jornal mostrou que 86% da população de Campinas é contrária a essa iniciativa demoníaca que o governo lança no Enem (Campos Filho, 2015).

Em sua fala na tribuna7 7 Todas as falas dos vereadores foram transcritas a partir de transmissão feita pela Câmara Municipal de Campinas e disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=NDEXfUBK0-k> . Acesso em 10 mar. 2019. , é possível perceber duas argumentações recorrentes entre aqueles que se colocaram contrários a Beauvoir: primeiramente, a utilização de referências de fundo religioso (“demoníaca”) para embasar o discurso de natureza (“homem é mulher; mulher é mulher”), associado também a um repúdio a qualquer divergência ao pensamento hétero ( Wittig, 1980Wittig, Monique. La pensée straight. Questions Féministes , n. 7. fev. 1980, pp.45-53. ) – Campos Filho coloca a transexualidade e a homossexualidade como crimes semelhantes a roubo a banco e estupro; e, em segundo lugar, uma percepção derivada da primeira, de que se a maioria do país é cristã e se estamos em um regime político democrático, essa maioria poderia decidir sobre todos (“estamos representando a grande maioria da população brasileira”; “86% da população de Campinas é contrária”).

Vereador seguinte a se pronunciar para defender a moção, Cid Ferreira, do Solidariedade (SD), reforça o princípio das funções reprodutivas associadas às identidades cisgêneras8 8 Utilizamos cisgênero em referência a transgênero. A palavra, que começa a circular nos anos 1990, tem uma utilização política. Como explica Viviane Vergueiro, cisgeneridade é “um conceito analítico que eu posso utilizar assim como se usa heterossexualidade para as orientações sexuais, ou como branquitude para questões raciais. Penso a cisgeneridade como um posicionamento, uma perspectiva subjetiva que é tida como natural, como essencial, como padrão. A nomeação desse padrão, desses gêneros vistos como naturais, cisgêneros, pode significar uma virada descolonial no pensamento sobre identidades de gênero, ou seja, nomear cisgeneridade ou nomear homens-cis, mulheres-cis em oposição a outros termos usados anteriormente como mulher biológica, homem de verdade, homem normal, homem nascido homem, mulher nascida mulher etc.” (Vergueiro, 2014). : “homem e mulher faz [sic] filho, faz filho homem e mulher também”. Em sua fala fica ainda bastante marcada a questão geracional imbricada com a religião – “falta Deus no coração” – e o preconceito contra a população LGBTQIA – “é sacanagem”:

Isso nunca poderia estar no Enem. Eu tenho por princípio que pai é pai, filho é filho, mulher é mulher e homem é homem. Esse princípio que homem e mulher faz filho, faz filho homem e mulher também (...) É muito fácil eu dizer que vou mudar o mundo, mas mudar para melhor, nunca da forma desses que aprovam esse tipo de coisa. Isso é falta de religiosidade. Falta Deus no coração dessa gente. Querer mudar um sistema que nós temos há muitos anos. “Ah, mas você é quadrado, você é idoso, você é velho”. Eu não quero saber. Eu não aceito esse casamento de homem com homem e mulher com mulher e não respeito quem aceita isso. Isso para mim é sacanagem. Isso é querer fazer com que aquele que acredite em Deus passe não acreditar mais. ( Ferreira, 2015Ferreira, Carolina Branco de Castro. Feminismos web: linhas de ação e maneiras de atuação no debate feminista contemporâneo. cadernos pagu (44). Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2015 [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332015000100199&script=sci_arttext&tlng=pt – acesso em 16 dez. 2019].
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
).

Jairson Canário, outro vereador pelo Solidariedade (SD), foi ainda mais explícito no embasamento religioso para sustentar seu argumento:

Eu gostaria de voltar um pouco na história. Contamos a luta da história no Brasil, na revolução, mas gostaria de contar uma história para aqueles que se lembram do que aconteceu em Sodoma e Gomorra. (...) Eu quero dar um recado para aqueles que acreditam que teve um criador, que tá lá em Gênesis. Esse criador, nosso Deus, nosso pai, ele sabe de tudo desde o princípio até o fim da humanidade. Aqueles que acreditam que Deus existe, deveriam acreditar que se fosse essa a vontade de Deus, ele teria feito Adão com dois órgãos genitais. Ele não precisaria criar a mulher. Então ele criou Adão e disse: não é bom que o homem viva só. E aí ele fez a mulher, e não foi da sola de seus pés, fez da costela, para mostrar que é companheira. Isso está em todas as bíblias (...) Ali está escrito as orientações divinas que devemos seguir. Bom, isso é para aqueles que acreditam. E Deus é o mesmo ontem, hoje e sempre. Então aqueles que pensam diferente será que deixaram de acreditar nele? Essa é a grande preocupação. Porque tenha a certeza de que quando nasce um homem é homem porque foi Deus quem criou porque ele sabe desde dele nascer. Eu digo que nós respeitamos, mas os nossos princípios, as nossas posições, cada um defende (Canário, 2015).

Para esses legisladores, há uma correlação direta entre os papéis reprodutivos masculinos e femininos e os papéis sociais de pais e mães, a partir de um ponto de vista cristão, onde a única família possível é a heterossexual. Suas falas remetem ao que Colette Guillaumin denominou como um “discurso de natureza”, que é um efeito ideológico das relações hierárquicas de sexo no qual a natureza supostamente explica o que são as mulheres. O enunciado construído é de que “uma mulher é uma mulher porque ela é uma fêmea” (Guillaumin, 1992:51).

Tal natureza não é fruto de um conjunto de elementos que passa por processos transformativos e evolutivos, dizem esses vereadores, mas teria sido definido por Deus, segundo o texto bíblico. Aqui fica explícito o posicionamento de “mulheres como mães e cuidadoras, de modo que justificam (e ampliam) sua exclusão e sua inclusão desvantajosa em outras esferas” ( Biroli, 2018Biroli, Flavia. Gênero e desigualdades – limites da democracia no Brasil . São Paulo, Boitempo Editorial, 2018.: 117), o que só é possível em relações heterossexuais que compactuem com a divisão sexual do trabalho. Como afirma Flavia Biroli (2018Biroli, Flavia. Gênero e desigualdades – limites da democracia no Brasil . São Paulo, Boitempo Editorial, 2018.: 123),

a norma heterossexual tem sido um dos pilares da noção moderna de família e das convenções mobilizadas em discursos familistas, nos quais a defesa ‘da família’ corresponde a idealizações e exclusões.

Em seu pronunciamento, Edison Ribeiro, do Partido Social Liberal (PSL) repetiu a argumentação acerca dos papéis sexuais já colocada acima, mas acrescentou um novo elemento: o ambiente escolar. Bastante presente entre aqueles que defendem o projeto de lei Escola Sem Partido, que prevê, em algumas proposições, a proibição de gênero nas escolas – como se isso fosse possível diante de uma dimensão transversal e fundamental da vida humana –, o debate sobre a inclusão ou retirada de gênero nas escolas ocorreu também durante as votações dos Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação. Ao falar sobre Beauvoir, Ribeiro afirmou que

Hoje a gente vê essa barbaridade, conforme meus colegas de trabalho dizem, homem com homem, mulher com mulher. Isso é uma verdadeira palhaçada que existe. Inclusive já falei que sou contra essas paradas gay que eles têm feito na [Av.] Paulista. Você vê só baderna, vê só bagunça. Homem beijando na boca de homem, mulher beijando na boca de mulher. Isso é uma vergonha que não tem tamanho. E como eu fui criado em outro sistema, um sistema mais rígido, eu nunca vi isso na minha infância. Agora tem muita gente que é professor, que é professora, que está envolvido. Se meus filhos, meus netos, tiver professores desses aí, prefiro que eles não aprendam a ler. E que ensina eles em casa (Ribeiro, 2015).

Aqui há uma conjugação em que evidencia-se o papel de diferentes instituições importantes para a reprodução da ideologia, como a escola, a igreja, os partidos políticos e as famílias. Não da “ideologia de gênero” à maneira como sustentam os parlamentares, mas sim na acepção inicial da terminologia, ou seja, como aquela que produz as estruturas e discursos que estabelecem as hierarquias nos sistemas de relações sociais entre homens e mulheres, definição utilizada pelas próprias teóricas feministas, em especial Teresa de Lauretis (1987).

Professor Alberto, do Partido da República (PR, atual Partido Liberal) acrescentou, ao argumento religioso, a posição de “maioria”:

Se você é tão tolerante assim por que querer atacar quem não concorda com você, como Bolsonaros da vida? Que discurso é esse? Que história é essa de fundamentalismo religioso? Espera um pouquinho. Nós temos o direito de pensar diferente da esquerda nesse país. Eu tenho o direito de discordar da ideologia de gênero. É um direito que eu tenho. Só faltava essa. E aí você já vai me rotular. Tem alguma coisa errada nesse discurso da esquerda raivosa. Toda vez é assim. Não pode ser contra eles. São todos delicadinhos. Tocou neles nós somos fundamentalistas, Bolsonaros da vida, religiosos. O que que é isso, gente? Eu acho uma hipocrisia, um discurso estranho, contraditório. E depois vem falar de tolerância. Que tolerância é essa? Sou contra sim. Acho que o Enem não poderia ter feito isso. Vocês leram a questão. Olha aqui o que escreveram: “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Isso aqui é uma ideologia. Eu até respeito quem pensa assim, mas a realidade não é. Você nasce mulher sim. Nasce homem sim. Agora vem com essa história que é uma filosofia e tenta impor na sociedade brasileira, sabendo que a sociedade brasileira tem uma tradição cristã. Foi fundada sobre uma insígnia da cruz, da religiosidade, e agora vem com a maior cara de peroba me rotular. Eu não aceito esses rótulos não senhores. Eu quero ser respeitado também. Eu diria que uma maioria, 70% da população brasileira, repudia esse tipo de coisa. Agora vem aqui rotular a gente, acha que é moderninho, que é vanguardista. Esse é o pensamento desse grupo de pessoas que eu respeito, mas a maioria não pensa assim não (Professor Alberto, 2015).

O mesmo dado, embora de maneira distinta, foi citado por Cid Ferreira, para quem “temos pesquisa, temos 80% favorável descriminando essa população”. Assim, no lugar de refletir sobre os direitos individuais e coletivos, os representantes políticos se colocam de tal maneira a afirmar que as mulheres estão destinadas a serem mães, cisgêneras e a estarem em uma relação heterossexual. Professor Alberto afirma “até respeitar” para, logo depois, dizer que se nasce mulher e homem numa sociedade cristã. Tal argumento põe em questão o regime democrático ao possibilitar que os sujeitos socialmente hegemônicos imponham a grupos minoritários uma restrição ao acesso a direitos, tais como os sexuais, reprodutivos, trabalhistas, de integridade física e intelectual etc., tão plurais quanto a pauta de gênero é capaz de englobar. Como a moção foi aprovada com apenas cinco votos contrários, torna-se evidente que o espaço da institucionalidade pode ser também o da dominação. Sobre isso, Luis Felipe Miguel nos lembra que a aceitação da

institucionalidade dada como ambiente definitivo da disputa, só reformável a partir de seus próprios mecanismos, condena os grupos sociais dominados a travar a luta política em condições que lhes são, de partida, desfavoráveis ( Miguel, 2014Miguel, Luis Felipe. Deliberacionismo e os limites da crítica: uma resposta. Opinião Pública, vol. 20., n. 1, Campinas, SP, Cesop/Unicamp, 2014, pp.118-131.: 127).

Sujeitos importam

Considerando que suas trajetórias impactam em sua atuação política, como ensinam as epistemologias feministas, é preciso situar os sujeitos para verificar se, de fato, há uma confluência entre um perfil explicitamente religioso e seu posicionamento político. Campos Filho (DEM), autor da moção, se define “um dos precursores da Renovação Carismática Católica”, além de ter sido Secretário da Arquidiocese de Campinas, da Secretaria “Fé e Política”, e atuar

na Comunidade no E.C.C. (Encontro de Casais com Cristo) juntamente com a esposa Fátima. Faz parte do C.O.F. (Centro de Orientação Familiar), onde faz palestras a famílias (Campos Filho, s/d).

Em sua página na internet, onde disponibiliza todas essas informações, ele também registra que seu principal marco é em defesa da família e registra ser o “autor do Projeto que objetiva proibir a ideologia de gênero nas escolas municipais” e

propaga que as crianças não sejam definidas pelo seu sexo biológico (meninas e meninos), permitindo variações que contrariam a natureza (Campos Filho, s/d).

O vereador Professor Alberto (PR) é, de acordo com sua página na internet, mestre em Ciências da Religião, formado em História, Direito e Teologia. Foi Presidente da Comissão dos Direitos Humanos na Câmara Municipal de Jundiaí (1997-1998) e vice-presidente e Diretor Teológico do ICP (Instituto Cristão de Pesquisas) e um dos coordenadores da primeira edição da Bíblia Apologética e da Série Apologética do ICP. Professor da Rede Pública Estadual, em que leciona História, “foi professor de diversas disciplinas bíblicas e seculares” (Alberto, s/d). É evangelista da Igreja Evangélica Assembleia de Deus e professor do Curso de Formação Continuada para Professores da Escola Bíblica Dominical (Adultos) da Assembleia de Deus de Campinas. Além disso, é autor do livro: O Povo de Israel, Uma Perspectiva Pentecostal .

Ambos os vereadores parecem confirmar o que Reginaldo Prandi e Renan William dos Santos trazem ao analisar o comportamento de parlamentares evangélicos, quando afirmam que, embora eles possam ser mais progressistas do que suas bases, isso não ocorre com as questões relacionadas a gênero e sexualidade. Nesse caso, a bancada seria uma fração contrária à modernização dos costumes. “Sem dúvida, parece ser essa a coroa que encima seu brasão moral, entre outras notórias rejeições antimodernas de caráter moralista” (Prandi; Santos, 2017:203). Com uma perspectiva semelhante, Ronaldo de Almeida afirma que

Aborto e homossexualidade entre pessoas próximas são mais transigidos na vida cotidiana do que defendidos no espaço público (compreendido como visibilidade legítima e ordenamento jurídico). Isso não é propriamente uma característica tão somente dos evangélicos, mas diz respeito ao conservadorismo da própria sociedade brasileira, que lida de forma mais flexível nas relações interpessoais e com maior rigidez de valores morais no espaço público ( Almeida, 2017Almeida, Ronaldo de. A onda quebrada – evangélicos e conservadorismo. cadernos pagu (50), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017 [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332017000200302&script=sci_abstract&tlng=pt – acesso em 16 dez. 2019].
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: 12).

Entre os demais vereadores que se pronunciaram a favor da moção, a filiação religiosa não é auto-evidente, o que mostra que a pauta tem aderência para além daqueles que tem na religião o centro de seu mandato. Cid Ferreira (SD) é metalúrgico, torneiro mecânico, sindicalista, e, na ocasião da sessão plenária, era o mais velho da Casa. Administra uma Associação dos Aposentados e Pensionistas das Indústrias Metalúrgicas e Outras Categorias de Campinas, conhecida também como Associação Cid Ferreira, que de acordo com sua página na internet, tem 25 mil associados. Ferreira foi investigado por declarações racistas e acusado de ser funcionário fantasma da Prefeitura de Campinas. Edison Ribeiro, do Partido Social Liberal (PSL), já foi filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) e ao Partido da Mobilização Nacional (PMN) e se elegeu pela primeira vez em 2012. Vindo de Minas Gerais, trabalhou na roça desde os 12 anos e depois atuou no setor varejista. Em entrevista à TV Câmara Municipal, ele afirmou fazer a vereança para “toda a cidade de Campinas”, buscando obras de asfalto, rede de esgoto e praça poliesportiva para áreas mais pobres, como aquela de onde ele vem, trazendo um perfil mais popular. E completou: “Eu gosto sempre de colocar Deus na frente de todas as minhas coisas. Que Deus abençoe todo mundo. Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Ribeiro, 2019). Sobre Jairson Canário, encontrei poucas informações. Primeiramente filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), foi expulso em 2013 ao aceitar compor um governo municipal com o Partido Socialista do Brasil (PSB).

Cabe aqui refletir também que, entre aqueles que se pronunciaram sobre a medida, todos eram homens cisgêneros. Cinco foram favoráveis a ela, já citados acima, e dois contrários, Paulo Bufalo, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Pedro Tourinho, do Partido dos Trabalhadores (PT). Embora seja problemático no Brasil classificar os partidos na régua ideológica convencional, pode-se afirmar que há uma nítida separação de posicionamentos entre aqueles de centro-direita (SD), direita (PR) e extrema-direita (PSL), daqueles que se identificam como centro-esquerda (PT) e esquerda (PSOL).9 9 Não é possível ignorar, contudo, que ao menos dois dos vereadores que repudiaram gênero tiveram passagens por partidos de centro-esquerda, o PT e o PDT, o que indica ou uma mudança de posição de ambos ou uma flexibilidade programática dos partidos. Como afirmam Tarouco e Madeira “apesar de muito frequentemente os portadores da ideologia de direita serem também conservadores, inclusive no Brasil, o eixo esquerda-direita não se confunde com o eixo progressista-conservador, mas, antes, é cortado por ele, definindo um espaço político bidimensional” ( Tarouco; Madeira, 2013: 159). O apelo à moralidade, assim, aparece como uma referência à direita, combinando movimentos antiliberais e anti-igualitários.

Os dois vereadores que se colocaram em defesa de Beauvoir utilizaram argumentos múltiplos, que os posicionavam ao lado da tolerância, da laicidade do Estado e da importância da filósofa para a denúncia das desigualdades de gênero. Pedro Tourinho (PT) é médico e sua participação política é oriunda do movimento estudantil. Já Paulo Bufalo (PSOL) é professor e ingressou na política pela Pastoral da Juventude Rural. Ambos têm trajetórias bastante comuns a militantes localizados à esquerda.

De certa forma, Tourinho recorreu a uma posição de maioria, não na Câmara, mas na sociedade, ao dizer que “muita gente” celebra os avanços de gênero:

mais um movimento (...) que tem como objetivo negar o rumo irreversível da história no sentido de ampliação das igualdades e superação da opressão orientada pelo gênero. Hoje em dia a sociedade brasileira vem superando paulatinamente essa vocação medieval que eu enxergo materializada nessa moção e em toda iniciativa que vossa excelência [Campos Filho] protagonizou que trata da tentativa de impedir que as temáticas relativas a gênero sejam discutidas nas escolas. (...) Não concordo com essa moção e acho que o Ministério da Educação acertou quando colocou uma questão que citava essa grande autora, essa grande intelectual, esse expoente do feminismo, e na verdade, esse expoente das mulheres do século XX, que foi Simone de Beauvoir, que colocou em xeque diversas questões que justamente provêm desse machismo, desse pensamento homofóbico, misógino que é caracterizado por esse movimento de impedimento da discussão de “ideologia de gênero” – que vocês inventaram –, mas evidentemente da discussão do feminismo, do machismo, da realidade de gênero existente no Brasil. (...) Por mais que os setores retrógrados, atrasados do nosso país, tentem impedir que o nosso país progrida rumo a superação e ao enfrentamento progressivo da violência contra a mulher, da opressão de gênero, a gente tá progredindo, tá avançando. Essa moção aprovada ou não, que muita gente saiba que tem gente que celebra esse avanço Brasil.

Tourinho classificou os pronunciamentos dos pares como homofóbicos e misóginos, que buscam impedir os avanços progressivos contra a opressão de gênero e a violência contra a mulher.

Paulo Bufalo, por sua vez, se contrapôs ao que foi dito sobre tolerância e sobre modelos restritivos de família:

Estamos criando e aprofundando cada vez mais um certo divisor de águas aqui entre aqueles que querem fazer prevalecer os seus princípios religiosos sobre os princípios do Estado brasileiro, do Estado laico, previstos inclusive na Constituição, e com essa visão vêm impondo legislações, decisões, posicionamentos que acabam emparedando a ideia do Estado laico. A segunda questão que eu quero destacar é a questão da tolerância. Dizer que é tolerante, a tolerância não pressupõe só tolerar o que o outro é, as opções, a orientação, a identidade, tolerar o gênero do outro. A questão da tolerância pressupõe o respeito ao outro. E quando vem, insiste em trazer o tema para cá, chamar inclusive de ideologia de gênero, que se constitui numa farsa criada pelos fundamentalistas para fazer prevalecer que não são eles que estão disputando a questão do Estado, mas são aqueles que defendem a liberdade, são aqueles que defendem a vida. Nós defendemos a família, mas defendemos todas as famílias. Não se trata de criarmos padrões aqui e justamente por isso que vamos votar contra a moção do nobre vereador. Porque isso impede que o Estado brasileiro faça um debate central que é justamente a opressão de gênero. Foi o que garantiu que em 2014 nós tivéssemos quase 80 mil casos de violência contra a mulher no país.

A tolerância aparece aqui como um valor associado à liberdade, que na interpretação aqui proposta é mais afeito às agremiações de esquerda, bastante diferente da suposta tolerância evocada mais acima pelo vereador professor Alberto. Na fala deste último, o que se vê é, ao contrário, uma limitação da liberdade: ele diz aceitar uma existência divergente da norma apenas para, logo depois, reafirmar a norma. Trata-se de um jogo semântico em que aqueles que estão em uma posição de maioria afirmam-se discriminados pela minoria, o que é impossível em uma relação opressor-oprimido.

Por fim, tanto Bufalo quanto Tourinho ressaltaram que a ideologia de gênero é um termo recente, desenvolvido pelos chamados fundamentalistas religiosos.

É inevitável pensar se haveria uma postura diferenciada se mulheres estivessem debatendo a temática. Como eu afirmo ao refletir sobre a participação das mulheres na política institucional, sem adotar uma postura essencialista ou biologizante, mas considerando que elas “têm experiências de vida diferenciadas, poderiam trazer esta contribuição distinta à arena democrática” ( Mano, 2016Mano, Maíra Kubík. Contradições e limites da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados: uma análise da 54aLegislatura (2011-2014). Anais do Xl Encontro Anual da Anpocs , Caxambu, 2016 [https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro/st-10/st09-9/10223-contradicoes-e-limites-da-bancada-feminina-na-camara-dos-deputados-uma-analise-da-54-legislatura-2011-2014/file – acesso em 16 dez. 2019].
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: 8).

Algumas considerações

Ao longo deste artigo, procurei trazer os principais argumentos para refletir se estaríamos diante de um novo pânico moral no Brasil contemporâneo, explicitado em casos como a moção de repúdio a Simone de Beauvoir aprovada pela Câmara Municipal de Campinas em 2015, ou se este momento de ascensão conservadora vivenciado atualmente traz em seu seio as mesmas características daqueles que sempre se posicionaram contra os direitos das mulheres e LGBTQIAs.

Estamos em um contexto que, como afirma Biroli, “há uma ruptura, mesmo que parcial, com a correspondência entre casamento, família e heterossexualidade” (Biroli, 2018:122), que é “resultado da ação de movimentos sociais, feministas e LGBT, assim como juristas e outros atores políticos” ( Biroli, 2018Biroli, Flavia. Gênero e desigualdades – limites da democracia no Brasil . São Paulo, Boitempo Editorial, 2018.: 123). Para ela,

Embora os relacionamentos afetivos não entre pessoas do mesmo sexo não sejam exclusivos do mundo contemporâneo, a noção de uma família gay ou lésbica é do fim do século XX. Está relacionada a mudanças culturais e nas normas legais, assim como ao desenvolvimento de tecnologias reprodutivas que permitem redefinir a parentalidade, desvinculando-a da procriação sexuada da consanguinidade ( Biroli, 2018Biroli, Flavia. Gênero e desigualdades – limites da democracia no Brasil . São Paulo, Boitempo Editorial, 2018.: 123).

Ademais, vivenciamos, a partir dos anos 2010, com o desenvolvimento da internet 2.0, uma proliferação de relatos feministas em primeira pessoa, ocupando as redes e mobilizando as ruas, em que destaca-se a presença expressiva de transfeministas, jovens e negras ( Ferreira, 2015Ferreira, Carolina Branco de Castro. Feminismos web: linhas de ação e maneiras de atuação no debate feminista contemporâneo. cadernos pagu (44). Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2015 [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332015000100199&script=sci_arttext&tlng=pt – acesso em 16 dez. 2019].
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; Mano, 2015Mano, Maíra Kubík. Internet, feminismos e a possibilidade de unidades provisórias. RECIIS – Rev Eletron de Comun Inf Inov Saúde, 9(4), 2015, pp.1-3. ). Em 2015, ano em que a moção contra Beauvoir foi aprovada, houve dois episódios significativos relacionados a essas movimentações: a Marcha das Mulheres Negras a Brasília e a Primavera Feminista, um movimento contra um projeto de lei do então deputado federal Eduardo Cunha (MDB) para impedir o acesso de mulheres vítimas de violência sexual à profilaxia da gravidez no Sistema Único de Saúde (SUS). Isto em uma conjuntura na qual, durante mais de uma década, a Presidência da República foi exercida pelo PT. Embora tenha ocupado o Executivo federal de maneira contraditória, negociando com setores conservadores recuos após adoção de políticas avançadas como o programa Escola sem Homofobia, o partido foi historicamente identificado com pautas feministas e com a luta pelos direitos das mulheres e LGBTQIAs. Parece-me, então, que, diante de um avanço significativo de pessoas oprimidas pelas relações sociais hierárquicas de gênero, houve uma reação contundente por parte daqueles setores aos quais faz tremer a frase “não se nasce mulher, torna-se”. A argumentação utilizada por eles continuam as mesmas de outros períodos históricos, a saber: a preservação da família como concebida na doutrina cristã, em que a mulher está restrita a cumprir o papel da fêmea reprodutora. Contudo, há uma nova roupagem, a “ideologia de gênero”, que se utiliza de um termo desenvolvido pelo pensamento feminista para deturpá-lo e que se alia a um movimento mais amplo de crescimento mundial da extrema direita, no qual gênero torna-se um dos pilares para a fascistização social e política ( Santos, 2016Santos, Boaventura de Sousa. A difícil reinvenção da democracia frente ao fascismo social. Em entrevista a Ricardo Machado. OperaMundi , 2016 [http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/a-dificil-reivencao-da-democracia-frente-ao-fascismo-social/07062017/ – acesso em: 16 fev. 2018].
http://operamundi.uol.com.br/dialogosdos...
).

O repúdio a Beauvoir demonstra o quanto seu pensamento, que se firmou no imaginário feminista como símbolo e referência para a busca pela libertação das mulheres, continua potente. Justamente por isso, é tão perigoso aos olhos conservadores. Em seu romance A mulher desiludida , Beauvoir nos mostra o difícil percurso de uma esposa que, ao descobrir a traição do marido após duas décadas de casamento, vê seu mundo desmantelado. Ela tem receio do que a espera. É essa sensação que domina aqueles que não entendem a inexorável transformação social promovida pelos feminismos.

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  • Wittig, Monique. La pensée straight. Questions Féministes , n. 7. fev. 1980, pp.45-53.
  • 1
    Estima-se que cerca de 20 mil nos primeiros anos (Rouch, 2107:2).
  • 2
    Compreendo que há uma dificuldade em localizar o sentido de “conservador” atualmente. Para fins deste artigo, trago como referência a recente reflexão de Ronaldo de Almeida sobre a onda conservadora no Brasil: “pensá-la quebrada em linhas de força que resultam dos processos sociais, e que por sua definição são desiguais, assimétricos e com temporalidades distintas” (Almeida, 2017:25). Tais linhas de força, afirma o autor, são a econômica, a moral, a securitária e a interacional.
  • 3
    Por exemplo, as Câmaras Municipais de Londrina e Foz do Iguaçu aprovaram, em 2018, a proibição de ensino sobre gênero nas escolas.
  • 4
    A Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, divulgou em 2018 um documento em que afirma que “a ideologia de gênero desvia a escola das suas atribuições normais e investe na subversão de todos os valores e princípios da civilização”
  • 5
    A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que no início de 2019 afirmou que “menino veste azul e menina veste rosa”, entre muitos outros exemplos.
  • 6
    Como o programa “Escola sem Homofobia”, que foi apelidado de “Kit gay” pelos conservadores.
  • 7
    Todas as falas dos vereadores foram transcritas a partir de transmissão feita pela Câmara Municipal de Campinas e disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=NDEXfUBK0-k> . Acesso em 10 mar. 2019.
  • 8
    Utilizamos cisgênero em referência a transgênero. A palavra, que começa a circular nos anos 1990, tem uma utilização política. Como explica Viviane Vergueiro, cisgeneridade é “um conceito analítico que eu posso utilizar assim como se usa heterossexualidade para as orientações sexuais, ou como branquitude para questões raciais. Penso a cisgeneridade como um posicionamento, uma perspectiva subjetiva que é tida como natural, como essencial, como padrão. A nomeação desse padrão, desses gêneros vistos como naturais, cisgêneros, pode significar uma virada descolonial no pensamento sobre identidades de gênero, ou seja, nomear cisgeneridade ou nomear homens-cis, mulheres-cis em oposição a outros termos usados anteriormente como mulher biológica, homem de verdade, homem normal, homem nascido homem, mulher nascida mulher etc.” (Vergueiro, 2014).
  • 9
    Não é possível ignorar, contudo, que ao menos dois dos vereadores que repudiaram gênero tiveram passagens por partidos de centro-esquerda, o PT e o PDT, o que indica ou uma mudança de posição de ambos ou uma flexibilidade programática dos partidos. Como afirmam Tarouco e Madeira “apesar de muito frequentemente os portadores da ideologia de direita serem também conservadores, inclusive no Brasil, o eixo esquerda-direita não se confunde com o eixo progressista-conservador, mas, antes, é cortado por ele, definindo um espaço político bidimensional” ( Tarouco; Madeira, 2013Tarouco, Gabriela da Silva; Madeira, Rafael Machado. Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, vol. 21, n. 45, 2013, pp.149-165.: 159).
  • Sites consultados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2019
  • Aceito
    02 Out 2019
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