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Sexualidade e feminilidade: o paradoxo do movimento estético-cultural Kawaii* * As opiniões expressas aqui são do autor. Nomes japoneses seguem a regra nipônica começando pelo nome de família seguido pelo prenome. Nomes que não são do leste-asiático seguem a regra ocidental do prenome primeiro seguido, depois, do nome de família.

Resumo

O kawaii, um adjetivo japonês que significa “fofo”, é também um movimento estético japonês que existe desde a Era Meiji. Nas décadas de 1970 e 1980, contudo, o kawaii surge com um direcionamento mais plural, quebrando barreiras de gênero, dentro de uma estrutura capitalista focado no consumismo e no incentivo a uma democratização de criações e mídias. Esse ambiente é preponderantemente feminino, já que mulheres são criadoras e consumidoras. Ademais, desse espaço advém um certo preconceito aos homens que aderem à cultura kawaii, denominados de otaku, que podem ser vistos como sem masculinidade. Daí decorre, ainda, visões diversas e controversas sobre sexualidade, relacionamentos e estética. Assim, o kawaii é incoerente. Apesar de incorporar elementos que podem ser interpretados como ofensivos às mulheres e até mesmo ilegais, ele possibilita uma expressão do comportamento e estilos mais femininos, lúdicos, individuais e infantis como um movimento oposto ao que preza por uma masculinidade, seriedade e comprometimento com regras e expectativas sociais.

Kawaii; Otaku; Cultura Pop; Sexualidade; Preconceito; Estética

Abstract

Kawaii, an adjective in the Japanese language meaning “cute”, is part of Japan’s aesthetic movement that stems from the Meiji Era. However, since the 1970s and 1980s, this kawaii movement takes a more pluralistic turn by breaking certain gender stereotypes within a capitalist structure focused on the democratization of media production and creation. This environment is predominantly feminine, with women being the primary creators and consumers. Furthermore, there is also some prejudice against men who partake in this cultural movement, labeled "otaku", who can be envisaged as deprived of masculinity. Accordingly, from this framework flow several controversial issues encompassing sexuality, relationships, prejudice, and aesthetics. The conclusion is that kawaii, as a movement, is incongruent. Although it incorporates certain elements that could be seen as offensive to women or even illegal, it also opens a window to express more feminine, childish, individual and playful behaviours. This comes in opposition to a more standardized movement intrinsically connected with what could be envisaged as more masculine behaviour and a commitment to rules and social expectations.

Kawaii; Otaku; Pop Culture; Sexuality; Prejudice; Aesthetics

1. Introdução

Uma parte considerável da cultura pop que influencia o mundo, inclusive o Brasil, vem do Japão (Gushiken; Hirata, 2014GUSHIKEN, Yuji; HIRATA, Tatiane. Processos de consumo cultural e midiático: imagem dos “Otakus”, do Japão ao mundo. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun., v. 37, n. 2, São Paulo July/Dec. 2014.). Um exemplo do enorme impacto da cultura pop japonesa é a franquia Pokémon que engloba jogos, livros, revistas, desenhos, e apresentações teatrais, que influenciam o comportamento de pessoas para além das fronteiras do Japão (Tobin, 2004TOBIN, Joseph (ed). Pikachu’s Global Adventure. Durham, Duke University Press, 2004.). A literatura global sobre a cultura pop japonesa tende a focar muito nos aspectos consumistas de um capitalismo pós-moderno e como esse sistema possibilitou a difusão da cultura pop japonesa (Kam, 2013KAM, Thiam Huat. The Common Sense that Makes the “Otaku”: Rules for Consuming Popular Culture in Contemporary Japan. Japan Forum, v. 25, n. 2, 2013, pp.151–173.). Outra parte da literatura é centrada em aspectos psicológicos utilizados para analisar a sociedade japonesa contemporânea (às vezes em comparação com outros países) tendo em vista entender certos elementos da cultura pop japonesa.

Anne Allison (1996)ALLISON, Anne. Permitted and Prohibited Desires: Mothers, Comics, and Censorship in Japan. Boulder, Westview Press, 1996., por exemplo, faz uso de estudo do gênero e da psicanálise. Já Patrick Galbraith (2011b) utiliza estudos etnográficos em conjunto com teorias filosóficas, especialmente de Hardt e Negri (1999)HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Value and Affect. Source: boundary 2. v. 26, n. 2, 1999, pp.77-88., para estudar a cultura pop japonesa. Há, também, um foco em estudos de mídia para entender como certos aspectos da cultura pop impactam o globo (Lamarre, 2009LAMARRE, Thomas. The Anime Machine: A Media Theory of Animation. Minneapolis, University of Minnesota University Press, 2009.; Kawasaki, 2007KAWASAKI, Kenichi. Tokyo Pop Culture as A Transformative Culture. Journal of Global Media Studies, v. 1, 2007, pp.17-29.). Dentro da literatura especializada, pode-se ainda mencionar análises sociológicas, como os trabalhos de Sharron Kinsella (1995)KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995., Laura Miller (2004)MILLER, Laura. Those Naughty Teenage Girls: Japanese Kogals, Slang, and Media Assessments. Journal of Linguistic Anthropology, v. 14, 2004, pp.225-247. e da própria Anne Allison (2009)ALLISON, Anne. The Cool Brand, Affective Activism and Japanese Youth. Theory, Culture & Society v. 26, n. 2-3, 2009, pp.89-111., bem como publicações da cultura pop kawaii por meio de estudos políticos e voltados às relações internacionais (Miller, 2011MILLER, Laura. Cute Masquerade and the Pimping of Japan. International Journal of Japanese Sociology, v. 20, 2011, pp.18-29.; Heng, 2014HENG, Yee-Kuang. Beyond “kawaii” pop culture: Japan’s normative soft power as global trouble-shooter. The Pacific Review, v. 27, n. 2, 2014, pp.169-192.). Essa tendência se apresenta, apesar de forma ainda muito limitada, também no Brasil (Issa, 2016; Oliveira, 2014OLIVEIRA, Natália Marques Cavalcante de. “Ela não pode ser assim tão fofa!”. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política), Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014 [https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/128685 - acesso em: 14 jul. 2016].
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle...
; Gorgatti, 2004GORGATTI, Eliana Cristina de Alvarenga Saraiva. A influência da cultura japonesa através dos desenhos animados: animês culturais ou fruto da cultura de massa? Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, v. 2, 2004, pp.1-8.).

Os estudos sobre kawaii, do ponto de vista de gênero no ocidente, partem de uma visão crítica sobre a infantilização da sociedade (Akita, 2005AKITA, Kimiko. Cuteness: the sexual commodification of women in the Japanese media. In: CARILLI, Theresa; CAMPBEL, Jane. Women and the Media: diverse perspectives. New York, University Press of America, 2005.); dos estudos etnográficos sobre o otaku; ou de uma descrição histórica do desenvolvimento do movimento kawaii per se. Ou seja, sem um forte foco no contexto sociocultural que possibilita o surgimento e a popularização do kawaii (Kinsella, 1995KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995.). No Brasil, o estudo da cultura pop japonesa está ainda engatinhando. Apesar de haver trabalhos importantes como, por exemplo, da Professora Okano (2014)OKANO, Michiko. A Estética Kawaii: origem e diálogo. In: Anais do Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental. São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, 2014, v. 1, pp.288-307., ainda é uma área incipiente com pouquíssimas pesquisas acadêmicas.

O presente artigo, assim, vem justamente acrescentar tanto à literatura mundial quando à nacional com uma análise do kawaii dentro de um contexto que acentua os pontos positivos desse movimento reconhecendo, contudo, a existência de tensionamentos e questionamentos no campo. Do ponto de vista internacional, o foco recai sobre a análise psicanalítica, etnográfica ou econômica do assunto. Assim, o argumento principal do presente artigo é que o kawaii é incoerente. Ou seja, apesar de incorporar elementos dentro desse movimento que podem ser interpretados como ofensivos às mulheres e até mesmo ilegais, kawaii possibilita uma expressão do comportamento e estilos mais femininos, lúdicos, individuais e infantis como um movimento oposto ao que preza por uma masculinidade, seriedade e comprometimento com regras e expectativas sociais.

2. Salaryman e Mulheres

Analisando o cenário do marcado de trabalho antes e logo após a Segunda Guerra Mundial, pode-se argumentar que esse era um setor dominado por homens. As mulheres, naquele contexto, ficavam geralmente restritas ao serviço doméstico ou informal. Há, contudo, uma gradual mudança de cenário com constante acesso das mulheres ao mercado de trabalho, mesmo com dificuldade e ainda rodeado de desigualdades se comparadas com o salário e oportunidades existentes para os homens (Tzannatos, 1999; Cain, 1986CAIN, Glen G. Chapter 13 The economic analysis of labor market discrimination: A survey. Handbook of Labor Economics, v. 1, 1986, pp.693-785.; Pettitand Hook, 2005). O Japão, assim como outros países, não era exceção à regra. O acesso das mulheres ao mercado de trabalho formal e em tempo integral tem sido gradual, mas lento (Takeishi, 2016TAKEISHI, Emiko. An Analysis of Organizational Factors That Increase Women’s Ambition for Promotion. Japan Labor Review, v. 13, n. 3, 2016, pp.32-57.). Apesar de uma política atual de encorajamento das mulheres ao acesso ao mercado de trabalho, ainda há uma divisão do trabalho por gênero sendo que as mulheres arcam com a grande parte do trabalho doméstico não pago (Tsutsui, 2016TSUTSUI, Junya. Female Labor Participation and the Sexual Division of Labor: A Consideration on the Persistent Male-Breadwinner Model. Japan Labor Review, v. 13, n. 3, 2016, pp.80-100.). Apesar de melhoras desde o pós-guerra, também há casos de segregação por gênero no ambiente de trabalho e diferenças salariais entre homens e mulheres (Komagawa, 2016KOMAGAWA, Tomoko. Gender-Based Job Segregation and the Gender Gap in Career Formation: Focusing on Bank Clerical Staff since the Postwar Years. Japan Labor Review, v.13, n. 3, 2016, pp.58-79.).

De acordo com a tradição confuciana, eram consideradas virtudes das mulheres o respeito a três homens durante sua vida: o pai durante a juventude, o marido durante a maturidade e o seu filho durante a velhice. Segundo Smith (1987)SMITH, Robert J. Gender Inequality in Contemporary Japan. The Journal of Japanese Studies, v. 13, n. 1, 1987, pp.1-25., essa visão de que as mulheres eram juridicamente incompetentes foi uma fonte de influência cultural. Apesar do homem ser juridicamente estabelecido como o chefe da família com poderes de decisão e controle do lar inigualáveis pela mulher, é de se observar que o Código Civil japonês de 1898 previa a possibilidade da mulher pedir o divórcio. Tal prática, apesar das dificuldades jurídicas, era factível (Smith, 1987SMITH, Robert J. Gender Inequality in Contemporary Japan. The Journal of Japanese Studies, v. 13, n. 1, 1987, pp.1-25.).

Do período Meiji (1868-1912) até a Segunda Guerra, o slogan “boa esposa, sábia mãe” (ryosaikembo) resumia a visão do papel das mulheres na sociedade: de serem criadas visando o casamento e, após casarem, terem filhos e cuidarem dos afazeres domésticos, do marido e da criação dos filhos (Smith, 1987SMITH, Robert J. Gender Inequality in Contemporary Japan. The Journal of Japanese Studies, v. 13, n. 1, 1987, pp.1-25.). Isso, entretanto, não significa que as mulheres não podiam ou faziam parte da força de trabalho. O rápido desenvolvimento da indústria se deu, grande parte, pela força de trabalho feminina, principalmente de mulheres solteiras oriundas da zona rural que encontravam nas fábricas condições de trabalho muitas vezes melhores das do campo (Smith, 1987SMITH, Robert J. Gender Inequality in Contemporary Japan. The Journal of Japanese Studies, v. 13, n. 1, 1987, pp.1-25.). Deve-se destacar, todavia, que não havia carreiras para as mulheres no mercado de trabalho, já que a sociedade permanecia fortemente patriarcal (Smith, 1987SMITH, Robert J. Gender Inequality in Contemporary Japan. The Journal of Japanese Studies, v. 13, n. 1, 1987, pp.1-25.).

O Japão, assim como outros países, passou por uma reestruturação jurídica pós-Segunda Guerra visando uma maior igualdade entre os homens e mulheres estabelecendo uma ruptura com os princípios jurídicos mais patriarcais. O artigo 14 da Constituição de 1947 estabelece que todos são iguais perante a lei e não haverá discriminação por raça, credo, sexo, status social ou origem familiar. Já o artigo 24 prega que o casamento deve ser baseado no mútuo consentimento por ambos os sexos e que deve ser mantido pela cooperação mútua com direitos iguais entre marido e mulher. O artigo também direciona que as leis promulgadas sobre a escolha do cônjuge, direitos de propriedade, herança, escolha do domicílio, divórcio e outros assuntos relacionados com a família devem observar a dignidade dos indivíduos e a igualdade fundamental entre os sexos.

O princípio da igualdade estabelecida como uma das pedras fundamentais da Constituição (Matsui, 2011MATSUI, Shigenori. The Constitution of Japan: a contextual analysis. Portland, Hart Publishing, 2011.) impactou toda a organização familiar e demandou uma criteriosa revisão do Código Civil japonês (Smith, 1987SMITH, Robert J. Gender Inequality in Contemporary Japan. The Journal of Japanese Studies, v. 13, n. 1, 1987, pp.1-25.). Assim como no ocidente, mudanças no arcabouço jurídico tiveram impacto gradual e assimétrico nas relações de gênero do dia-a-dia (Smith, 1987SMITH, Robert J. Gender Inequality in Contemporary Japan. The Journal of Japanese Studies, v. 13, n. 1, 1987, pp.1-25.). Apesar de tentativas do governo em propulsionar uma maior participação e empreendedorismo das mulheres no mercado de trabalho (Abe, 2013ABE, Shinzo. Shinzo Abe: Unleashingthe Power of “Womenomics”. The Wallstreet Journal 25 de setembro de 2013 [http://www.wbsociety.org/wp-content/uploads/2014/07/Shinzo-Abe_-Unleashing-the-Power-of-Womenomics-WSJ.pdf - acesso em: 20 jun. 2017].
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), ainda há, conforme já mencionado, uma disparidade entre homens e mulheres em casa e nas relações de emprego. Principalmente nas famílias de classe média – nas relações heterossexuais –, as mulheres possuem a função de criar os filhos sendo que os homens pouco participam desse processo (Allison, 1996ALLISON, Anne. Permitted and Prohibited Desires: Mothers, Comics, and Censorship in Japan. Boulder, Westview Press, 1996.). Existe, ainda, certa divisão na classe média em que os homens trabalham fora de casa (o “salaryman”) e as mulheres trabalham em casa ou em empregos de tempo parcial (“part-time job”, em inglês, ou “arubaito” em japonês), geralmente como secretárias ou em funções não gerenciais em empresas – conhecidas como “OL”, do inglês “office lady” (White, 1987WHITE, Merry. The Virtue of Japanese Mothers: Cultural Definitions of Women's Lives. Daedalus, v. 116, n. 3, 1987, pp.149-163.; Allison, 1996ALLISON, Anne. Permitted and Prohibited Desires: Mothers, Comics, and Censorship in Japan. Boulder, Westview Press, 1996.).

Homens, por outro lado, tendem a adentrar o mercado de trabalho e ao ritmo de vida de um “salaryman” logo após o termino de algum curso superior e serem contratados por alguma empresa durante um árduo processo seletivo. Apesar de um termo que varia dependendo do contexto histórico, “salaryman” refere-se aos funcionários de empresas que estão na classe média e possuem certo grau de estabilidade profissional, a qual permite acesso maior a bens de consumo e, consequentemente, um estilo devida mais consumista (Shibata, 2007SHIBATA, Yoshio. A Sociological History of Salarymen and Japan’s Modernization. New York, the City University of New York Publisher, 2007.). O “salaryman” pode ser relacionado à ideia do que pode ser entendido como “típico” de homem em contraposição à mulher. Dasgupta, por exemplo, afirma que:

Ademais, apesar da grande proporção dos homens não trabalhar (e nunca ter trabalhado) para essas empresas elitistas do colarinho branco centradas no emprego estável, promoções e salários baseados em antiguidade, e no paternalismo corporativo, foram os funcionários masculinos dessas empresas que vieram a representar o “ideal” corporativo e o “ideal” de masculinidade. O salaryman era um lado da dualidade do discurso de gênero dominante sendo que o outro lado o da sengyō shufu (da dona de casa em tempo integral) representa quem ele deveria se casar (Dasgupta, 2000DASGUPTA, Romit. Performing Masculinities? The “Salaryman” at Work and Play. Japanese Studies, v. 20, n. 2, 2000, pp.189-200., traduzido pelo autor).

Dasgupta (2000)DASGUPTA, Romit. Performing Masculinities? The “Salaryman” at Work and Play. Japanese Studies, v. 20, n. 2, 2000, pp.189-200., assim, argumenta que a imagem do “salaryman” estabelecida no pós-Segunda Guerra é o do ideal de masculinidade, de um árduo trabalhador, comprometido com o trabalho e a empresa. Em contraste, o ideal de feminilidade é o da dona de casa e da esposa dedicada formando-se, assim, dois lados de uma mesma moeda (White, 1987WHITE, Merry. The Virtue of Japanese Mothers: Cultural Definitions of Women's Lives. Daedalus, v. 116, n. 3, 1987, pp.149-163.). Essa divisão de gêneros por funções e expectativas é questionada tanto em setores culturais como políticos. O kawaii se insere nos movimentos de contracultura que questiona essa visão. De impacto profundo na cultura pop japonesa, o kawaii é um movimento de baixo, ou seja, que surgiu na sociedade concedendo voz política, econômica e social a uma forma de ver o mundo.

3. Cultura Kawaii

A literatura anglo-saxã aponta o kawaii como um movimento cultural contemporâneo que surgiu na década de 1970 no Japão (Kinsella, 1995KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995.). Kawaii é um adjetivo do idioma japonês que, na concepção contemporânea, significa basicamente infantil e “fofo”.1 1 Kawaii é um tipo de adjetivo configurado como “adjetivo i”. Este artigo não discute diferenças idiomáticas entre os adjetivos “kawaii”, “kirei”, e “bijin” que podem ser traduzidos como “bonito (a)” ou “lindo (a)”. Para fins de simplificação, utilizo a palavra “fofa” ou “fofo” como sinônimo de kawaii apesar das diferenças e peculiaridades idiomáticas. Kinsella (1995KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995.:220) ensina que a cultura pop kawaii celebra o que é “doce, adorável, inocente, puro, simples, genuíno, gentil, vulnerável, fraco e ligado a um comportamento social e aparência física inexperiente”. É um estilo que nega a maturidade substituindo-a por uma estética que aparenta inocência, às vezes atrelada ao esforço de agir de forma dependente, fraca e até mesmo estúpida (Kinsella, 1995KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995.).

A literatura inglesa costuma apontar como marco da criação da estética kawaii o estilo de escrita mais infantil adotada, a princípio, por autoras mulheres se tornando, posteriormente, um fenômeno por todo o Japão da década de 1970 (Cheok; Fernando, 2012). De leitura difícil, esse estilo de escrita “fofo” (cute handwriting em inglês) utilizava palavras estrangeiras, desenhos e baseava-se em uma forma mais arredondada de escrever os caracteres japoneses (Cheokand; Fernando, 2012). Segundo Kinsella (1995)KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995., tal forma de escrita jovial foi denominada por alguns de marui ji (escrita redonda), enquanto outros utilizavam termos como kaneko ji (escrita de gatinho), manga ji (escrita de quadrinhos japoneses ou manga) e burikko ji (escrita de “falsa-criança”).

Logo em seguida a popularização da escrita “fofa”, adolescentes e jovens adultos, especialmente mulheres, passaram a também desenvolver e utilizar uma forma nova de conversar baseado em gírias criadas com o objetivo de deixar as palavras e sons com aparência mais infantil (Kinsella, 1995KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995.). Uma das formas de conversa, por exemplo, era a pronúncia errada, feita de forma proposital, de certas palavras para deixá-las com sons parecidos aos produzidos por uma criança pequena, ou ainda a criação de novas expressões com a nyan nyan suru (fazer miau, miau) utilizada para significar sexo. Palavras e expressões mais “fofas” levaram a criação de toda uma indústria de roupas e acessórios fashions deliberadamente criados e minuciosamente pensados para deixar as pessoas com uma aparência mais jovem, inocente e infantil. Na década de 1980, a “moda fofa” (cute fashion, em inglês) passou a incorporar também uma aparência andrógena e excêntrica à estética infantil (Kinsella, 1995KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995.).

Tendo em vista a utilização de toda uma mídia contemporânea e o consumo capitalista, observa-se que a forma “fofa” de escrever e de comportamento, ou seja, a estética infantil de escrita, fala e vestuário, abriram caminho para popularização dessa cultura como um fenômeno nacional japonês que passa por uma variedade de acessórios, produtos de papelaria, programas de televisão, animações, revistas em quadrinhos e pela música (Granot; Brashear; La Toya, 2014). A culinária também adaptou a cultura kawaii sendo modelada e produzida de forma a também atender a demanda de uma crescente clientela. A produção da comida kawaii é focada em doces, suavidade e leite com conotações infantis (Kinsella, 1995KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995.). A comida “fofa” também incluiu produtos não açucarados, mas igualmente providos de elementos infantis. Um exemplo seriam as panquecas ou outros alimentos que possuem, como retoques finais, desenhos feitos com a ajuda de ketchup em forma de gato, coelho ou algum outro animal.

Na década de 1980, o fenômeno musical idol contribuiu para consolidar a cultura japonesa kawaii por todo o país. Idol (aidoru) é a palavra em inglês para ídolos, que no Japão é comumente utilizada para denominar grupos musicais ou solistas musicais geralmente focados ou baseados na cultura kawaii. Os idols, principalmente as mulheres, vestem roupas coloridas e baseadas em modas infantis, utilizam um vernáculo com gírias juvenis e procuram passar uma aparência que articula atributos socialmente relacionados a pureza, inocência e carisma. Ou seja, o foco da indústria de ídolos japonesa não é necessariamente no talento musical ou artístico, mas sim em ser idolatrado pelos fãs, em figurar em um imaginário coletivo que aguça o afeto de um possível grupo de seguidores (Ashcraft; Ueda, 2010ASHCRAFT, Brian; UEDA, Shoko. Japanese Schoolgirl Confidential: How Teenage Girls Made a Nation Cool. Tokyo, Kodansha International, 2010.). O protótipo da indústria de ídolos começou com o enorme sucesso de Matsuda Seiko na década de 1980. Nas palavras de Kinsella (1995KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995.:231):

Matsuda possuía peitos pequenos e pernas tortas e na televisão vestia roupas de criança, dava passos em falso, ficava corada de vergonha, chorava e ria para as câmeras... Todos os 23 singles lançados entre 1980 e 1988 se transformaram em hits... Matsuda ficou popular por ser infantil. Ela publicou diversos livros para os fãs cheios de uma caligrafia infantil, pequenas palavras e poemas “reconfortantes” [traduzido pelo autor].

Saber cantar ou dançar não é um requisito fundamental para ser uma ídolo. Em 1980, o produtor Aizawa Masahisa, da Sun Music, transformou a desconhecida Sakai Noriko em uma celebridade idol reforçando o uso que a artista fazia da linguagem infantil, a qual fora exaustivamente imitada: a língua noripii ou noripii-go (West, 2006WEST, Mark D. Scandals. Secrets, Sex, and Spectacle. Chicago, The University of Chicago Press, 2006.).

No Japão, os ídolos geralmente trabalham para agências (jimusho), ou seja, são vinculados a empresas de entretenimento que os promovem e produzem (Galbraith; Karlin, 2012GALBRAITH, Patrick W; KARLIN, Jason G. Introduction: the Mirror of Idols and Celebrities. In: GALBRAITH, Patrick W. Idols and Celebrity in Japanese Media Culture. New York, Palgrave Macmillan, 2012.; Marx, 2012MARX, W. David. The Jimusho System: Understanding the Production Logic of the Japanese Entertainment Industry. In: GALBRAITH, Patrick W.; KARLIN, Jason G. Idols and Celebrity in Japanese Media Culture. New York, Palgrave Macmillan, 2012, pp.35-55.). Essas agências “treinam, empregam, nutrem, agendam, protegem e administram pessoas que trabalham no entretenimento” (West, 2006WEST, Mark D. Scandals. Secrets, Sex, and Spectacle. Chicago, The University of Chicago Press, 2006.:181, traduzido pelo autor). Recorrentemente, agências procuram por pessoas com a “aparência correta”, ou seja, que transmitam atributos socialmente vinculados a noções de docilidade, fofura, infantilidade e que fiquem longe dos tabloides. West (2006WEST, Mark D. Scandals. Secrets, Sex, and Spectacle. Chicago, The University of Chicago Press, 2006.:182, traduzido pelo autor) cita um agente que, no trabalho de buscar novas ídolos, afirma que “desde que a garota não seja surda, estúpida, ou em uma cadeira de rodas, nós podemos ensiná-la todo o resto”.

Na sua estética, o movimento kawaii contemporâneo incorpora elementos internacionais, estrangeiros à cultura japonesa tradicional. Desde o desenvolvimento da escrita “fofa” nos anos 70, a cultura kawaii incorpora, mistura e transforma o que é local com o que é internacional visando um escapismo da realidade adulta. O foco da cultura kawaii é, assim, é uma ilusão da inocência, da infantilidade, de um retorno a época de criança e do descomplicado. O kawaii se apresenta, portanto, como romântico e não incluiu imagens e ações que, apesar de conectados à infância, possam causar reações não fofas como, por exemplo, incontinência urinária infantil, restrições jurídicas relacionadas à idade não adulta e a utilização de fraudas. A representação “fofa”, contudo, pode vir acompanhada de violência direcionada à personagem kawaii, comumente uma mulher, e muitas vezes de cunho sexual (Allison, 1996ALLISON, Anne. Permitted and Prohibited Desires: Mothers, Comics, and Censorship in Japan. Boulder, Westview Press, 1996.). Assim, o assustador e sombrio, seja ele de cunho sexual ou não, pode fazer parte da estética kawaii (Korusiewicz, 2011KORUSIEWICZ, Maria. The Cute or the Scary: Japanese Youth Subcultures in Contemporary Japanese Society. Asian Journal of Literature, Culture and Society, 2011, pp.64-85.).

A estética kawaii pode colocar a visão de inocência e infantilidade acima das liberdades individuais das artistas. As idols, por exemplo, geralmente assinam contratos que as proíbem de consumir bebidas alcoólicas, fumar e serem vistas na companhia de homens (Galbraith; Karlin, 2012GALBRAITH, Patrick W; KARLIN, Jason G. Introduction: the Mirror of Idols and Celebrities. In: GALBRAITH, Patrick W. Idols and Celebrity in Japanese Media Culture. New York, Palgrave Macmillan, 2012.). Quebrar essas regras pode acarretar severas punições incluindo demissões.2 2 Ver AKB48 POP STAR SHAVES HEAD AFTER BREAKING BAND RULES.BBC News, Asia, 1 de fevereiro de 2013 [http://www.bbc.com/news/world-asia-21299324 - acesso em: 17 fev. 2016]. JAPANESE POP STAR SHAVES HEAD IN APOLOGY – FOR NIGHT WITH BOYFRIEND. The Guardian, Asia: Japan, 1 de Fevereiro de 2013 [http://www.theguardian.com/world/2013/feb/01/japanese-pop-star-apology-boyfriend - acesso em: 17 fev. 2016].

O produtor Akimoto Yasushi3 3 Em 1985, Akimoto Yasushi e produtores da Fuji TV, seguindo a popularidade das garotas kawaii, criaram o Onyanko Club (“Clube das Gatinhas”), um grupo de estudantes do ensino médio que dançavam, cantavam e apresentavam um programa de televisão chamado Yūyake Nyan Nyan (“Pôr-do-sol Miau Miau”).Esse grupo, viabilizado por produtores masculinos, misturava e estética kawaii feminina com letras com insinuações sexuais. formou o AKB 48 que veio a ser um grupo idol de popularidade extraordinária (Ashcraft; Ueda, 2010ASHCRAFT, Brian; UEDA, Shoko. Japanese Schoolgirl Confidential: How Teenage Girls Made a Nation Cool. Tokyo, Kodansha International, 2010.). A inovação do AKB48 é na comercialização de uma fantasia kawaii que os fãs podem encontrar e conhecer, ou seja, ai ni ikeru aidoru (Galbraith; Karlin, 2012GALBRAITH, Patrick W; KARLIN, Jason G. Introduction: the Mirror of Idols and Celebrities. In: GALBRAITH, Patrick W. Idols and Celebrity in Japanese Media Culture. New York, Palgrave Macmillan, 2012.). O sucesso do grupo se dá pelo que Galbraith e Karlin (2012)GALBRAITH, Patrick W; KARLIN, Jason G. Introduction: the Mirror of Idols and Celebrities. In: GALBRAITH, Patrick W. Idols and Celebrity in Japanese Media Culture. New York, Palgrave Macmillan, 2012. chamam de “affective sensibility of fandom”. Kawaii torna-se ainda mais rentável quando, além de uma fantasia e fuga da realidade, é comercializada uma noção de intimidade e afeição focada na venda de produtos do grupo musical (Galbraith; Karlin, 2012GALBRAITH, Patrick W; KARLIN, Jason G. Introduction: the Mirror of Idols and Celebrities. In: GALBRAITH, Patrick W. Idols and Celebrity in Japanese Media Culture. New York, Palgrave Macmillan, 2012.).

3.1. Kawaii e Otaku

Segundo a literatura anglo-saxã, o kawaii está relacionado à movimentos jovens contemporâneos no Japão. Korusiewicz (2011)KORUSIEWICZ, Maria. The Cute or the Scary: Japanese Youth Subcultures in Contemporary Japanese Society. Asian Journal of Literature, Culture and Society, 2011, pp.64-85., por exemplo, seguindo o direcionamento de Sharon Kinsella (1995)KINSELLA, Sharon. Cuties in Japan. In: MOERAN, Brian; SCOV, Lise (org.). Women, media and consumption in Japan. Hawaii, Curzon &Hawaii University Press, 1995., exemplifica bem essa posição ocidental quando afirma que a estética kawaii, que mistura elementos da cultura pop ocidental, especialmente americana, com elementos japoneses, invadiu o Japão em meados de 1970 e chegou ao topo na década seguinte.

Conforme já explicado por Michiko Okano (2014)OKANO, Michiko. A Estética Kawaii: origem e diálogo. In: Anais do Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental. São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, 2014, v. 1, pp.288-307., entretanto, há uma transformação e adaptação da estética kawaii segundo o período histórico e social. Como um movimento, o kawaii transforma e adapta aos anseios da população e as especificidades históricas e sociais. Adensando o argumento proposto pela literatura anglo-saxã, Okano (2014)OKANO, Michiko. A Estética Kawaii: origem e diálogo. In: Anais do Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental. São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, 2014, v. 1, pp.288-307. divide o kawaii em três fases. A primeira, mais tradicional, vem como movimento estético desde a era Heian (794-1185). A segunda fase, desenvolvida no período moderno, está vinculada à Era Meiji (1868-1912) e à Era Taishō (1912-1926). Já a terceira fase, a contemporânea, surgiu na década de 1970. Por conseguinte, o kawaii não é algo que decorre do pós-guerra impulsionado pela abertura política e social do Japão combinado com o modelo capitalista. Esses não são fatores que criaram a estética kawaii, mas sim fatores que modificaram, impulsionaram e deram relevância internacional a uma visão estético-cultural já existente, pelo menos em certos termos, na cultura japonesa. Como Okano (2014)OKANO, Michiko. A Estética Kawaii: origem e diálogo. In: Anais do Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental. São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, 2014, v. 1, pp.288-307. destaca, ilustrações de Nakahara Jun’ichi de 1932, anterior a década de 1970 portanto, já demonstravam elementos da estética kawaii como, por exemplo, rostos mais arredondados, figuras delicadas e a busca por um visual considerado suave e infantil.

Michiko Okano (2014)OKANO, Michiko. A Estética Kawaii: origem e diálogo. In: Anais do Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental. São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, 2014, v. 1, pp.288-307. acrescenta uma quarta fase período histórico do kawaii que convive com a terceira geração (que vai de 1983 até os dias atuais). Nessa quarta fase tem-se uma “complexidade do ‘modelo relacional’, no qual surge o fenômeno otaku, em que a sexualidade é introduzida e o mundo apocalíptico é frequentemente representado” (Okano, 2014OKANO, Michiko. A Estética Kawaii: origem e diálogo. In: Anais do Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental. São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, 2014, v. 1, pp.288-307.:8).

A palavra “otaku”, referida por Okano (2014)OKANO, Michiko. A Estética Kawaii: origem e diálogo. In: Anais do Encontro Internacional de Pesquisadores em Arte Oriental. São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, 2014, v. 1, pp.288-307., é comumente utilizada para denominar os ávidos fãs das animações japonesas (anime), dos quadrinhos japoneses (manga), dos jogos de videogame, dos grupos idols e da cultura pop japonesa em geral (Hiroki, 2009HIROKI, Azumi. Otaku: Japan’s Database Animals. Minneapolis, University of Minneapolis, 2009. Tradução: ABEL, Jonathan E.; KONO, Shion.). A palavra de origem antiga, otaku, era utilizado como pronome “você” ou referia-se a “casa” – “sua casa”. Seu uso ressurgiu com uma definição diferente nos anos 1980 (Hiroki, 2009HIROKI, Azumi. Otaku: Japan’s Database Animals. Minneapolis, University of Minneapolis, 2009. Tradução: ABEL, Jonathan E.; KONO, Shion.; Morikawa, 2012). Não é por acaso que Michiko Okano aponta o ano de 1983 como o início da quarta fase do kawaii. O conceito contemporâneo da palavra otaku surgiu em 1983, quando o colunista da revista Manga Burikko, Nakamori Akio, escreveu uma coluna intitulada “Pesquisa Otaku” (otaku no kenkyū), na qual criticava fãs de filmes animados, entusiastas de trens, fãs das idols e de ficção científica. Todos esses fãs eram intitulados “otaku” (Galbraith, 2015GALBRAITH, Patrick W. “Otaku Research” and Anxiety about Failed Men. In: GALBRAITH, Patrick; KAM, Thiam Huat; KAMM; Björn-Ole (org.). Debating Otaku in Contemporary Japan: Historical Perspectives and New Horizons. London, Bloomsbury, 2015.).

Apesar de ser um termo de gênero neutro e de amplo espectro, Nakamori focou em criticar o que ele acreditava serem homens sem masculinidade, quer dizer, o grupo de homens sexualmente atraídos por personagens femininos fictícios (Galbraith, 2015GALBRAITH, Patrick W. “Otaku Research” and Anxiety about Failed Men. In: GALBRAITH, Patrick; KAM, Thiam Huat; KAMM; Björn-Ole (org.). Debating Otaku in Contemporary Japan: Historical Perspectives and New Horizons. London, Bloomsbury, 2015.). Nakamori chamou essa atração sexual de “complexo de duas-dimensões” (nijigen konpurekkusu ou two-dimensional complex em inglês), argumentando que o otaku não consegue conversar com mulheres e, dessa forma, dirigem-se às cantoras idols e personagens que não demonstram feminilidade (Galbraith, 2015GALBRAITH, Patrick W. “Otaku Research” and Anxiety about Failed Men. In: GALBRAITH, Patrick; KAM, Thiam Huat; KAMM; Björn-Ole (org.). Debating Otaku in Contemporary Japan: Historical Perspectives and New Horizons. London, Bloomsbury, 2015.:27). Ironicamente, apesar de criticar otaku e o amor por personagens fictícios femininos, chamado de Lolita complex (complexo de Lolita), o artigo de Nakamori foi publicado pela revista Manga Burikko que, já aquele ano, era integralmente dedicada ao consumidor otaku, focando em personagens femininos kawaii de manga e anime geralmente em situações eróticas (Morikawa, 2012). Dessa forma, Nakamori incomodava-se com a conexão dos homens à cultura mais feminina e a atração por uma estética mais infantil.

A expansão da cultura pop japonesa e a adoção do kawaii como forma de marketing pelo governo japonês e de empresas japonesas sob a denominação de “Cool Japan” pode ter alterado a visão do otaku pela sociedade (Yiu; Chan, 2013YIU, Wai-hung; CHAN, Alex Ching-shing. ‘Kawaii’ and ‘Moe’ — Gazes, Geeks (Otaku), and Globalization of Beautiful Girls (Bishōjo) in Hong Kong Youth Culture. Positions: East Asia Cultures Critique, v. 21, n. 4, 2013, pp.853-884.; Cheok; Fernando, 2012)4 4 Sobre “Cool Japan”, ver Allison (2009). . Thiam Huat Kam (2013)KAM, Thiam Huat. The Common Sense that Makes the “Otaku”: Rules for Consuming Popular Culture in Contemporary Japan. Japan Forum, v. 25, n. 2, 2013, pp.151–173., depois de conversar com estudantes japoneses, desenvolveu a regra da realidade. Segundo essa regra, pessoas que: 1) são tão devotas aos hobbies ao ponto de perder contato com a realidade; 2) para quais os hobbies não são ligados à realidade; 3) que confundem realidade com fantasia; 4) e aqueles que buscam fugir da realidade são otaku. Nessa visão, ser otaku é uma questão de grau. É aceitável assistir anime, ler manga, jogar videogames e consumir a cultura kawaii em geral desde que esse comportamento não atrapalhe obrigações sociais e de gênero relacionadas a ser adultos (Smith, 1987SMITH, Robert J. Gender Inequality in Contemporary Japan. The Journal of Japanese Studies, v. 13, n. 1, 1987, pp.1-25.). Otakus são problemáticos justamente porque quebram paradigmas relacionados a cultura e gênero ao abraçar o movimento kawaii.

Garotas impactam fortemente o kawaii por serem ambas produtoras e consumidoras. Várias personagens “fofas” vistas em shōjo manga (manga de garotas) e em anime foram desenhadas por mulheres, incluindo para a revista Manga Burikko (Galbraith, 2015GALBRAITH, Patrick W. “Otaku Research” and Anxiety about Failed Men. In: GALBRAITH, Patrick; KAM, Thiam Huat; KAMM; Björn-Ole (org.). Debating Otaku in Contemporary Japan: Historical Perspectives and New Horizons. London, Bloomsbury, 2015.). Mulheres foram centrais no estabelecimento de convenções de manga e anime na década de 1970. Dessas convenções e trabalhos por fãs surgiram criações como o boys’ love manga (BL ou yaoi), quando jovens mulheres modificaram o formato do manga direcionado às garotas quebrando barreiras e tabus (Kinsella, 1998KINSELLA, Sharon. Japanese Subculture in the 1990s: Otaku and the Amateur Manga Movement. Journal of Japanese Studies, v. 24, n. 2, 1998.).5 5 Yaoi é um anagrama formado pela expressão yamanashi, ochinashi, iminashi que traduziria para algo em torno de: sem construção (build-up, em inglês), sem encerramento (foreclosure) e sem significado (Kinsella, 1998:301). Esse estilo é quase sempre caracterizado por um foco na estética (na aparência e emoção) dos personagens no lugar de uma estrutura narrativa. McLelland e Yoo (2007MCLELLAND, Mark; YOO, Seunghyun. The International Yaoi Boys’ Love Fandom and the Regulation of Virtual Child Pornography: The Implications of Current Legislation. Sexuality Research & Social Policy: Journal of NSRC, v. 4, n. 1, 2007, pp.93-104.:94, traduzido pelo autor) comentam que o yaoi também é caracterizado por possuir “representações altamente sexualizadas da homossexualidade masculina em relacionamentos entre homens ou garotos de boa aparência”.

Um fator comum no yaoi são as representações masculinas, inclusive de personagens menores de idade, contendo diferentes formas de atos sexuais, incluindo assédio e estupro, desde que minimamente complacente com as regras de censura japonesa (McLelland; Yoo, 2007MCLELLAND, Mark; YOO, Seunghyun. The International Yaoi Boys’ Love Fandom and the Regulation of Virtual Child Pornography: The Implications of Current Legislation. Sexuality Research & Social Policy: Journal of NSRC, v. 4, n. 1, 2007, pp.93-104.). Muitas leitoras femininas e heterossexuais (ou assexuais) aceitam a expressão de amor homossexual masculino como uma forma de autoexpressão ou de compaixão entre os personagens (McLelland; Yoo, 2007MCLELLAND, Mark; YOO, Seunghyun. The International Yaoi Boys’ Love Fandom and the Regulation of Virtual Child Pornography: The Implications of Current Legislation. Sexuality Research & Social Policy: Journal of NSRC, v. 4, n. 1, 2007, pp.93-104.). As fãs de yaoi são denominadas de fujoshi, que significa garotas podres (Galbraith, 2011a).

Seguindo essa mesma tendência do yaoi, focado em cute boy characters (bishōnen), há também personagens de “garotas fofas” (cute girl characters ou bishōjo) e o “erótico fofo” (kawaii ero) que surgiram no Japão no quarto movimento do kawaii no final da década de 1970 em revistas como Manga Burikko. Estudiosos anglófanos apontam o começo do bishōjo com Azuma Hideo, quando ele misturou a estética dos personagens de shōjo manga com a forma mais arredondada de desenhar utilizada por Tezuka Osamu (Galbraith, 2014GALBRAITH, Patrick W. Moé Manifesto: An Insider’s Look at the Worlds of Manga, Anime, and Gaming. Turtle Publishing, North Clarendon, 2014.).

A estética bishōjo, não obstante, poderia ser compreendida como relacionada a uma estética anterior ao Azuma Hideo e Tezuka Osamu. Nakahara Jun’ichi e Matsumoto Katsuji já apresentavam uma estética mais redonda (como Tezuka) e um traço talvez similar ao visto em manga de garotas. O que começou a surgir na década de 1970, e angariando popularidade global, é a forma de divulgação dessa estética (por meio de manga e anime), sua popularização e crescente utilização em formas sexualizadas, tendo por base um balizamento ou uma transgressão das leis de censura japonesas (baseadas em interpretação, as leis de censura atualmente basicamente proíbem imagens que mostrem genitália, seja masculina ou feminina) (Trager; Obata, 2004TRAGER, Robert; OBATA, Yuri. Obscenity Decisions in the Japanese and United States Supreme Courts: cultural values in interpreting free speech. University of California Davis Journal of International Law & Policy, v. 10, 2004, pp.247-275.; Parini, 2012PARINI, Ilaria. Censorship of Anime in Italian Distribution. Journal des Traducteurs / Meta: Translators' Journal, v. 57, n. 2, 2012, pp.325-337.; Mclelland, 2014MCLELLAND, Mark. Sex, Censorship and Media Regulation in Japan: A historical Overview. In: MCLELLAND, M.; MACKIE, V. (org.). Routledge Handbook of Sexuality Studies in East Asia. Oxford, Routledge, 2014.). Esses personagens são desprovidos de sexualidade (incitando o desejo do espectador ou leitor) ou estão em ambientes que, justamente, colocam a personagem em situações de tensão sexual e violência. Pode haver, dessa forma, uma justaposição da inocência da estética kawaii em contraponto a um ato sexual e/ou violento (Korusiewicz, 2011KORUSIEWICZ, Maria. The Cute or the Scary: Japanese Youth Subcultures in Contemporary Japanese Society. Asian Journal of Literature, Culture and Society, 2011, pp.64-85.).

A popularidade do kawaii ero levou a criação da nomenclatura “lolicom boom” (roricon bumu). Lolicon é uma contração para Lolita Complex (Complexo de Lolita), que pode ser usada para designar o desejo por cute girl characters. Ou seja, refere-se a uma atração (comumente amorosa e/ou sexual) pela estética kawaii, incluindo o elemento infantil que a caracteriza (Galbraith, 2011b). Na cultura pop japonesa, a palavra moé designa tanto o desejo que uma pessoa tem por uma personagem como trabalhos que podem ou possuem a intenção proposital de produzir esse efeito de desejo. Assim, moé consegue esquivar-se da amplitude da expressão lolicon excluindo logo ab initio uma relação ilegal entre seres humanos.

Lamarre (2013LAMARRE, Thomas. Cool, Creepy, Moé: Otaku Fictions, Discourses, and Policies. Diversité Urbaine, v. 13, n. 1, 2013, pp.131-152.:136, traduzido pelo autor), por exemplo, define moé como “wow”, “cute” (fofo) ou “hot” (gostosa), “uma imagem que atinge o espectador e a percepção dá lugar ao efeito”. Moé é uma consequência da resposta do espectador a uma determinada estética kawaii. É um desejo de afeição ou sexual decorrente de imagens das personagens. Galbraith afirma que moé é um verbo, não representa um personagem em si, mas uma resposta afetiva a determinada imagem (Galbraith, 2009; Yiu; Chan, 2013YIU, Wai-hung; CHAN, Alex Ching-shing. ‘Kawaii’ and ‘Moe’ — Gazes, Geeks (Otaku), and Globalization of Beautiful Girls (Bishōjo) in Hong Kong Youth Culture. Positions: East Asia Cultures Critique, v. 21, n. 4, 2013, pp.853-884.).

Formando uma parcela significativa do mercado de jogos eletrônicos no Japão, dating simulation games ou ren'ai shimyurēshon gēmu (em japonês) pode ser traduzido como jogos de relacionamento simulado. Relativamente incomuns nos Estados Unidos, Europa e na América Latina, eles podem ser traduzidos como jogos de computador ou videogame que focam no romance ou relacionamentos (contendo ou não elementos eróticos). Os jogos de simulação de relacionamentos são divididos em subgêneros, entre eles: bishōjo (um personagem masculino jogável interage com personagens femininas bonitas), GxB ou otome (uma personagem feminina jogável interage com personagens masculinos atraentes) e jogos BL ou boys’ love (jogo foca em relacionamento entre personagens masculinos). Dentre as subdivisões dos jogos de relacionamento, o mais popular são os jogos bishōjo (Jones, 2005)JONES, Matthew T. The Impact of Telepresence on Cultural Transmission through Bishoujo Games. Psychology Journal, v. 3, n. 3, 2005, pp.292-311..

Os jogos de relacionamento bishōjo utilizam elementos kawaii do anime e manga, geralmente em 2D (duas dimensões), para desenvolver uma história que concede opções ao jogador. Opções as quais o levará a um determinado resultado no jogo (normalmente cada jogo possui inúmeros finais diferentes) (Taylor, 2007TAYLOR, Emily. Dating-Simulation Games: Leisure and Gaming of Japanese Youth Culture. Southeast Review of Asian Studies, v. 29, pp.192–208, 2007.). As histórias e características dos jogos podem variar existindo, assim, subgêneros de subgêneros. Alguns jogos focam na escolha da personagem levando a relacionamentos virtuais. Outros jogos podem possuir violência e pornografia, incluindo temas como incesto e estupro como parte da narrativa. O elemento constante é a estética kawaii das personagens.

Do ponto de vista da personalidade, as personagens femininas são fracas e dependentes do homem (Taylor, 2007TAYLOR, Emily. Dating-Simulation Games: Leisure and Gaming of Japanese Youth Culture. Southeast Review of Asian Studies, v. 29, pp.192–208, 2007.). Taylor (2007)TAYLOR, Emily. Dating-Simulation Games: Leisure and Gaming of Japanese Youth Culture. Southeast Review of Asian Studies, v. 29, pp.192–208, 2007. justifica a denominação shōjo para as personagens femininas afirmando que elas são kawaii, inexperientes, “fofas”, infantis e emotivas. A estética kawaii com efeito moé vinculado a garotas inexperientes em um mundo de fantasias em que as personagens possuem pouca ou nenhuma expectativa, bem como vontade própria, são aspectos constantes dos jogos de relacionamento.

O jogo de relacionamento mais vendido do Japão: Loveplus (Demetriou, 2011DEMETRIOU, Danielle. “She Feels as Real as My Real Girlfriend”: Love Plus captures hearts in Japan. The Telegraph, 11 de Dezembro de 2011 [http://www.telegraph.co.uk/women/sex/8940765/She-Feels-as-Real-as-My-Real-Girlfriend-Love-Plus-captures-hearts-in-Japan.html - acesso em: 12 jul. 2016].
http://www.telegraph.co.uk/women/sex/894...
; Bosker, 2014BOSKER, Bianca. Meet The World’s Most Loving Girlfriends — Who Also Happen to Be Video Games. The Huffington Post, 25 de Janeiro de 2014 [http://www.huffingtonpost.com/2014/01/21/loveplus-video-game_n_4588612.html - acesso em: 12 jul. 2016].
http://www.huffingtonpost.com/2014/01/21...
; Fondi, 2014FONDI, Francesco. A Day-trip Date with the Virtual Romantics of “New LovePlus+”. The Japan Times, 7 de Abril de 2014 [http://www.japantimes.co.jp/life/2014/04/07/digital/a-day-trip-date-with-the-virtual-romantics-of-new-loveplus/#.V4VEvzkrKuU - acesso em: 12 jul. 2016].
http://www.japantimes.co.jp/life/2014/04...
) pode ser acionado como exemplar. Esse jogo, feito pela Konami para console Nintendo DS, é indisponível no Brasil, Europa e mesmo nos Estados Unidos. A única versão do jogo é em japonês, ou seja, é apenas vendido no Japão (a não ser que seja um produto importado no mercado brasileiro ou americano que requer a compra de um videogame japonês em conjunto) e exige um conhecimento da língua japonesa.

Loveplus, diferente de outros jogos de simulação, não possui aspectos pornográficos. O jogo é baseado na perspectiva de um aluno do ensino médio que interage com três garotas diferentes: Rinko, Nene e Manaka. As três são diferentes em fisionomia e personalidade. Takane Manaka, que é carente e inteligente, adora tênis e cozinhar; Kobayakawa Rinko, se sente alienada por sua madrasta, adora punk e batata frita; e a doce Anegasaki Nene adora trabalhos domésticos e filmes de terror.

O jogo não termina, contudo, quando o jogador conhece e conquista a garota dos sonhos. Pelo contrário. O relacionamento continua indefinitivamente. O sistema de inteligência do jogo é programado para responder dezenas de milhares de perguntas, possui um sistema de voz e reconhecimento de face, tem um microfone acoplado para conversas, envia e responde mensagens e marca encontros. As garotas, dessa forma, exigem um tratamento adequado sendo programadas para possuírem expectativas e idiossincrasias típicas de um ser humano (se um encontro foi marcado em um determinado horário e o “namorado” não for ou atrasar, a “namorada” ficará com raiva e desapontada). Em 2014, um estudante universitário japonês, “casou”, quer dizer, fez uma cerimônia de casamento com a personagem Nene (Bosker, 2014BOSKER, Bianca. Meet The World’s Most Loving Girlfriends — Who Also Happen to Be Video Games. The Huffington Post, 25 de Janeiro de 2014 [http://www.huffingtonpost.com/2014/01/21/loveplus-video-game_n_4588612.html - acesso em: 12 jul. 2016].
http://www.huffingtonpost.com/2014/01/21...
). A Konami também já organizou viagens e pacotes turísticos para os jogadores de Loveplus com suas respectivas namoradas virtuais.

4. Violência, Kawaii e a Questão de Gênero

O kawaii é um movimento cultural iniciado por mulheres e jovens em colisão com certos conceitos e expectativas vigentes. Em uma estrutura em que responsabilidades são vinculadas à vida adulta, a maioridade pode ser vista como uma limitação à liberdade individual. Quando se é criança, pode-se viver livremente, sem as obrigações e as responsabilidades relacionadas com a vida adulta. Nesse diapasão, crescer significa assumir obrigações condizentes com as responsabilidades exigidas e esperadas da maioridade. Ou seja, mulheres devem assumir obrigações relacionadas com o trabalho e à vida doméstica ao casar, e homens devem entrar no mercado de trabalho, em especial como um “salaryman” ou trabalhador de colarinho branco.

Em sociedades que valorizam a harmonia e a padronização social concedendo crescente responsabilidade à maioridade, tendo por base divisões de obrigações e expectativas estabelecidas por gênero com foco no trabalho masculino e patriarcal, o kawaii vem balançar esses alicerces. O movimento “fofo” prioriza a infantilidade, busca aparência e comportamento que realçam a visão imaginária e utópica do que seria considerado próprio à estética e às atitudes infantis. É um movimento que surgiu e tem por base uma visão feminina. Parte do preconceito enfrentado pelos homens, ávidos fãs de da cultura pop kawaii, o otaku, decorre justamente do apreço a uma estética mais feminina e infantil no lugar de assumirem compromissos esperados pela sociedade. No mesmo tom, mulheres fãs de kawaii, do que é voltado à representações românticas ou eróticas homossexuais, também enfrentam preconceito por não aderirem a expectativas sociais ligadas ao gênero específico feminino voltados ao casamento heterossexual.

Com o kawaii há, assim, uma quebra de paradigmas relacionados à sexualidade e à estética dominantes colocando pontos de interrogação no que seria bonito, adulto, sexualmente atraente e masculino ou feminino. Por outro lado, o kawaii também pode sexualizar o infantil. Há uma preocupação que o esse movimento, ao valorizar o infantil, contribui para uma cultura de abuso de menores. O argumento é que a popularização da aparência infantilizada leve a sexualização da juventude, incluindo a criação de imagens virtuais de garotas com aparência jovial em cenários sexuais (United Nations, 2016UNITED NATIONS. Human Rights Council. Report of the Special Rapporteur on the sale of children, child prostitution and child pornography on her visit to Japan. Human Rights Council thirty-first session, 3 March 2016 A/HRC/ 31/58/Add.1.).

Deve-se ter duas considerações em mente com relação às críticas feitas ao kawaii como contribuinte para a sexualização do comportamento infantil. A primeira é que a representação virtual em jogos, animes e mangas não utilizam personagens reais, mas sim desenhos ou criações em computadores. O outro ponto é que mesmo moralmente questionáveis ou repreensíveis, animes e mangas com forte apelo kawaii e sexual são muitas vezes criados por mulheres formadoras desse movimento e não necessariamente elementos da imaginação sexual masculina. Galbraith (2017GALBRAITH, Patrick W. Rape Lay and the return of the sex wars in Japan. Porn Studies, v. 4, 2017, pp.105-126.:9), por exemplo, cita uma entrevista com a estudiosa e feminista Fujimoto Yukari em que ela afirma que:

Como resultado de uma divisão do mercado em gênero e idade, quadrinhos feitos por e para garotas e mulheres abordam temas importantes para esse grupo. Esse mercado é massivo e é mantido por garotas e mulheres que são as principais produtoras e consumidoras do conteúdo. Esses trabalhos contêm representações de violência sexual desde a década de 1970 [traduzido pelo autor].

Galbraith (2017)GALBRAITH, Patrick W. Rape Lay and the return of the sex wars in Japan. Porn Studies, v. 4, 2017, pp.105-126. afirma que representações de violência sexual em quadrinhos criados por mulheres espalharam na década de 1980 em trabalhos amadores de fãs (fanfiction) direcionados à garotas e mulheres e chegaram ao mainstream” na década de 1990.

Assim, mesmo nos casos controversos envolvendo o movimento kawaii, há participação dos fãs como produtores e consumidores de produtos focados nesse movimento, e há participação de mulheres e homens, não havendo uma imposição de visões masculinas. O kawaii fomenta uma maior democratização da cultura e estética, minimiza rigorosas divisões de gênero quebrando alguns paradigmas e expectações sociais. Homens otaku, fãs de produtos kawaii, não necessariamente querem seguir uma vida de “salaryman”, dedicada ao trabalho conforme esperado do gênero. Mulheres, com o kawaii, buscam uma voz própria e central não imposta pela sociedade ou por homens. Além de infantil, o kawaii é essencialmente feminino e abarca uma estética em alimentos, vestimenta, música, fala, escrita e representação em quadrinhos, jogos e animações.

5. Conclusão

Apesar de ser um movimento estético-cultural com raízes advindas do Período Heian, o kawaii foi reinventado no final da década de 1970 de maneira fortemente vinculada ao consumo capitalista e estilo de vida otaku. Essa característica atual preza pela liberdade individual e igualdade de gênero, tendo por base fatores atribuídos à infantilidade e feminilidade, substituindo comportamentos relacionados com um estilo de vida adulto.

Na Era Meiji, a visão institucionalizada pelo Estado era de uma sociedade dividida por gênero, sendo que a mulher era a responsável pela criação dos filhos e apoio ao marido. No pós-guerra, a mulher continuou como mãe e esposa, apesar de fortes conquistas sociais e acesso ao mercado de trabalho. Os homens, por sua vez, foram encorajados a perseguir o ideal do “salaryman”, ou seja, de um funcionário dedicado ao trabalho como principal responsabilidade. A vida adulta, assim, pode ser vista como marcada por responsabilidades sociais divididas por gênero.

Nesse contexto, surge um novo movimento kawaii que abre espaço para compreensões plurais dos atributos de gênero, quebrando barreiras dentro de uma estrutura capitalista focado no consumismo e no incentivo à produção de conteúdo por artistas e pelos próprios consumidores. Esse ambiente foi e continua sendo de criação e consumos preponderantemente femininos. Em decorrência, resulta preconceito aos homens que aderem à cultura kawaii, denominados de otaku. Desse movimento vêm, também, visões diversas e controversas sobre sexualidade, relacionamentos e estética. Ainda assim, mesmo quando controverso, kawaii é um movimento que preconiza rompimentos com valores da Era Meiji e do pós-guerra, negando a idade adulta, a masculinidade estereotípica, privilegiando uma estética infantil, feminina e inocente.

O kawaii é, assim, paradoxal. Por um lado, é um movimento impulsionado por mulheres que quebra paradigmas anteriores e questiona normas sexuais e de gênero. Por outro, pode implicar em pressões para que mulheres se enquadrarem na estética kawaii, consumindo produtos e reproduzindo comportamentos infantilizados ou submissos. Nesse mesmo diapasão, assim como o kawaii mudou a forma de enxergar o gênero feminino no Japão, também auxiliou em mostrar a existência de uma linha imaginária que, para a sociedade ligada ao paradoxo do “salaryman”, homens não podem desconsiderar sem correr o risco de reprimendas sociais: um homem não pode ter um comportamento visto como kawaii. Ademais, não é incomum encontrar quadrinhos japoneses (mangas), jogos de videogame e animações que mostram personagens kawaii como vítimas das mais variadas violações virtuais (e.g.: incesto e estupro).

Dessa forma, como movimento, o kawaii é paradoxal: quebra barreiras de gênero, mas estabelece outras; é um movimento impulsionado por mulheres, mas constrói um modelo de comportamento feminino a ser seguido; foi criado e é ainda desenvolvido por fãs, mas foi fortemente englobado pelo capitalismo contemporâneo; e cria uma liberdade de pensamento e imaginação, mas ao mesmo tempo pode sexualizar e objetificar o que pode ser visto como feminino e infantil.

Apesar das críticas e de possíveis questionamentos sobre a legalidade ou moralidade de certas representações estéticas, o kawaii pode ser considerado um movimento de contracultura sacudindo certos alicerces de gênero e expectativas sociais em face de uma ênfase maior a expressões individuais, infantis e femininas.

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  • *
    As opiniões expressas aqui são do autor. Nomes japoneses seguem a regra nipônica começando pelo nome de família seguido pelo prenome. Nomes que não são do leste-asiático seguem a regra ocidental do prenome primeiro seguido, depois, do nome de família.
  • 1
    Kawaii é um tipo de adjetivo configurado como “adjetivo i”. Este artigo não discute diferenças idiomáticas entre os adjetivos “kawaii”, “kirei”, e “bijin” que podem ser traduzidos como “bonito (a)” ou “lindo (a)”. Para fins de simplificação, utilizo a palavra “fofa” ou “fofo” como sinônimo de kawaii apesar das diferenças e peculiaridades idiomáticas.
  • 2
    Ver AKB48 POP STAR SHAVES HEAD AFTER BREAKING BAND RULES.BBC News, Asia, 1 de fevereiro de 2013 [http://www.bbc.com/news/world-asia-21299324 - acesso em: 17 fev. 2016]. JAPANESE POP STAR SHAVES HEAD IN APOLOGY – FOR NIGHT WITH BOYFRIEND. The Guardian, Asia: Japan, 1 de Fevereiro de 2013 [http://www.theguardian.com/world/2013/feb/01/japanese-pop-star-apology-boyfriend - acesso em: 17 fev. 2016].
  • 3
    Em 1985, Akimoto Yasushi e produtores da Fuji TV, seguindo a popularidade das garotas kawaii, criaram o Onyanko Club (“Clube das Gatinhas”), um grupo de estudantes do ensino médio que dançavam, cantavam e apresentavam um programa de televisão chamado Yūyake Nyan Nyan (“Pôr-do-sol Miau Miau”).Esse grupo, viabilizado por produtores masculinos, misturava e estética kawaii feminina com letras com insinuações sexuais.
  • 4
    Sobre “Cool Japan”, ver Allison (2009)ALLISON, Anne. The Cool Brand, Affective Activism and Japanese Youth. Theory, Culture & Society v. 26, n. 2-3, 2009, pp.89-111..
  • 5
    Yaoi é um anagrama formado pela expressão yamanashi, ochinashi, iminashi que traduziria para algo em torno de: sem construção (build-up, em inglês), sem encerramento (foreclosure) e sem significado (Kinsella, 1998KINSELLA, Sharon. Japanese Subculture in the 1990s: Otaku and the Amateur Manga Movement. Journal of Japanese Studies, v. 24, n. 2, 1998.:301).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2018
  • Aceito
    29 Jun 2020
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