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Trabalho emocional e significados do feminino no empreendedorismo contemporâneo* * Agradeço às pareceristas da cadernos pagu pelas valiosas sugestões e a Ester Ribeiro (PPGS/FFLCH-USP), Lina Ferreira (PPGS/FFLCH-USP) e Marcia Cunha (IEA/USP) pela leitura crítica.

Emotional Work and Meanings of the Feminine in Contemporary Entrepreneurship

Resumo

Este artigo trata da atividade empreendedora realizada por mulheres dos estratos socioeconômicos médios que recorrem a uma organização intermediadora associada a uma grande empresa de tecnologia. Reflete-se sobre como o trabalho emocional e as formas de apresentação social são mobilizadas nessa organização. Suportado por observações etnográficas e entrevistas, o artigo revela como emoções, trabalho, extratrabalho e sentidos atribuídos ao feminino se conectam no empreendedorismo contemporâneo.

Gênero; Maternidade; Trabalho Emocional; Self; Empreendedorismo

Abstract

This article discusses entrepreneurial activity by middle class women who turn to an intermediary organization associated with a large tech company. It reflects on how the emotional work and forms of social presentation are mobilized in this organization. Supported by ethnographic observations and interviews, the article reveals how emotions, work, “extra-work” and meanings attributed to the feminine connect in contemporary entrepreneurship.

Gender; Motherhood; Emotional Work; Self; Entrepreneurship

Introdução

Este artigo enfoca um grupo de mulheres que se dedica à construção de novos negócios e que, em busca de qualificação, recorre aos serviços de uma organização intermediadora parceira da Google, empresa de Tecnologias da Informação e Comunicações (TICs). Tratam-se de mulheres posicionadas nos estratos socioeconômicos médios, que acumulam certa experiência de trabalho qualificado e remunerado e que, após se tornarem mães e enfrentarem dificuldades no mercado de trabalho referentes à conciliação entre o trabalho de cuidado dos filhos e a manutenção do trabalho remunerado, lançam-se ao empreendedorismo.

O caso é especialmente interessante, pois permite dar tratamento teórico a duas dimensões do trabalho feminino, a saber, o trabalho emocional e as formas de apresentação de si. Tradicionalmente, elas têm sido mais abordadas em estudos dedicados ao setor de serviços, notadamente, naquelas ocupações em que há interação entre as trabalhadoras e o público. Esse é um interesse que, desde o marcante estudo de Hochschild (1979HOCHSCHILD, Arlie. Emotion work, feeling rules, and social structure. American Journal of Sociology, Chicago, v. 85, n. 3, 1979, pp.551-575 [http://www.jstor.org/stable/2778583 – acesso em: 10 abr 2019].
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, 1983HOCHSCHILD, Arlie. The managed heart: commercialization of human feeling. Berkeley, University of California Press, 1983.) acerca do modo como comissárias de bordo controlam suas emoções para bem desempenhar suas tarefas, segue fertilizando reflexões (Soares, 2011SOARES, Angelo. Tão longe, tão perto: o trabalho no setor de serviços. Revista Latino-americana de estudos do trabalho, a. 16, n. 26, Rio de Janeiro, 2011, pp.89-117 [http://www.angelosoares.ca/articles/aac/Tao_longe_tao_perto.pdf – acesso em ago 2020].
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; Wasser, 2017WASSER, Nicolas. The promise of diversity: how Brazilian brand capitalism affects precarious identities and work. Bielefeld, Transcript, 2017.). Outro rico veio de pesquisas sobre as emoções está dedicado aos trabalhos de cuidado, majoritariamente desempenhados por mulheres. Nele, destacam-se as novas ideias em torno do valor de emoções como o amor (Folbre; Nelson, 2000FOLBRE, Nancy; NELSON, Julie. For Love or Money - Or Both?. The Journal of Economic Perspectives, Pittsburgh, v. 14, n. 4, 2000, pp.123-140 [https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/jep.14.4.123 – acesso em: 19 jan 2019].
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; Hochschild, 2012HOCHSCHILD, Arlie. The outsource self: what happens when we pay others to live our lives for us. New York, Metropolitan Books, 2012.; Soares, 2012SOARES, Angelo. As emoções do care. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya (org.). Cuidado e cuidadoras: as várias faces do care. São Paulo, Atlas, 2012, pp.44-60.; Araújo, 2019).

Além de contribuir com reflexões acerca do trabalho emocional e da apresentação de si, este artigo aporta ideias sobre a operação das organizações especializadas no aprimoramento de negócios – conhecidas no mercado como “aceleradoras” – que se dedicam exclusivamente ao empreendedorismo feminino. As aceleradoras são organizações qualificadoras de firmas de base tecnológica em fase inicial (start-ups), que cumprem papel similar ao das antigas incubadoras, diferindo dessas em dois aspectos. Elas não se concentram na manutenção das start-ups, mas no incremento do valor de mercado dessas firmas. Ademais, elas adotam um formato em que os agentes qualificadores se tornam sócios dos negócios iniciantes.

As reflexões são suportadas por material empírico coletado entre 2014 e 2018. Até 2016, foram realizadas observações etnográficas em eventos nos quais empreendedores (majoritariamente homens1 1 Segundo mapeamento da Associação Brasileira de Startups, apenas 13% das start-ups são fundadas por mulheres (ABSTARTUPS, 2020). ) recém-formados em cursos promovidos por aceleradoras apresentaram seus projetos de negócios a plateias formadas por potenciais investidores, membros da imprensa e outros agentes de mercado. A partir da análise de mais de 70 dessas apresentações, argumenta-se que, nessas situações, os empreendedores buscam alcançar a definição consensual da realidade por meio da mobilização de discursos ligados à racionalidade administrativa e por meio da incorporação da persona do herói modernizador. Ao mesmo passo que ficava claro que os significados caros à masculinidade se mostravam centrais à representação social das start-ups, a difusão do formato de qualificação das aceleradoras ganhava força, fazendo surgir aquelas que buscam atrair públicos específicos, destacando-se o feminino. Tal fenômeno animou, então, uma pesquisa complementar capaz de fazer avançar a compreensão de aspectos relativos ao gênero no empreendedorismo.

Para tal, pesquisou-se uma aceleradora que coloca o gênero no centro de sua atuação. A NPM (Negócios para Mães)2 2 Adotam-se nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas e de algumas organizações. é uma aceleradora que proclama que “capacita e conecta mães ao ecossistema de inovação e tecnologia para que sejam líderes livres economicamente”, promovendo cursos regulares e atividades diversas sobre empreendedorismo feminino. Em 2017, seu curso regular ocorreu duas vezes por semana ao longo de quatro meses e custou R$ 2.400 mensais às alunas. Tal curso teve lugar em uma sala do Google Campus, em São Paulo. Trata-se de uma iniciativa que disponibiliza espaço e qualificação para empreendedores de start-ups de base tecnológica3 3 Os escritórios-escola da Google estão presentes em sete cidades do mundo. . Além desse foco, o Campus acolhe atividades vizinhas e parcerias; e esse é o caso do evento analisado neste artigo.

O material empírico coletado reúne observações etnográficas e entrevistas com empreendedoras e com a coordenadora da NPM realizadas em eventos promovidos por essa aceleradora4 4 Em um deles, realizou-se observação participante. Trata-se de uma oficina gratuita, aberta ao público masculino e feminino, que compôs o festival São Paulo Tech Week, promovido pela Agência São Paulo de Desenvolvimento, em cooperação com a Secretaria Municipal do Trabalho e Empreendedorismo. . Para a produção deste artigo, contudo, a análise se detém sobre um evento em que dez empreendedoras da NPM se apresentaram para uma plateia de colegas, potenciais investidores e público em geral, no Google Campus, por ocasião da conclusão de um curso de aprimoramento de novos negócios5 5 O evento, realizado em novembro de 2017, foi aberto ao público mediante inscrição prévia. . A análise aborda, ainda, a trajetória de uma empreendedora. Embora não tenha sido possível aferir os dados socioeconômicos do grupo atendido pela NPM, como se nota pelo valor do curso oferecido, as mulheres que a ele acorrem se encontram nas camadas médias da sociedade brasileira. Ao longo das observações, evidenciou-se, ainda, o predomínio da presença de mulheres que poderiam ser fenotipicamente identificadas como brancas.

Na primeira seção deste artigo, localiza-se a atividade empreendedora no debate do trabalho feminino no Brasil. Na segunda seção, conhece-se a situação de apresentação social sobre a qual a análise se deterá. A terceira seção trata do caractere biológico da maternidade enquanto uma estratégia discursiva cara à apresentação de si. Na quarta seção, descreve-se a carreira de uma empreendedora de modo a revelar como aqueles discursos se fazem encarnados nas agentes. Na quinta seção, destaca-se a importância de lançar um olhar ao trabalho doméstico, ao cuidado dos filhos e à gestão familiar no estudo do trabalho feminino. A sexta seção trata da conexão entre trabalho emocional e símbolos do empreendedorismo ligado ao setor das TICs. Na conclusão, indicam-se alguns desafios analíticos acerca das novas formas do trabalho feminino contemporâneo.

A atividade empreendedora

Para melhor refletir sobre a conciliação trabalho-família na atualidade, convém recuperar certas passagens da trajetória da sociologia do trabalho brasileira. Em seus primeiros passos, a associação entre as formas de trabalho e as noções teóricas foi tal que, por vezes, enquadrou-se primordialmente o trabalho industrial, masculino, regular e duradouro como paradigma para a reflexão (Oliveira; Ramalho; Rosenfield, 2019). Após os primeiros esforços para compreender, de um lado – e usando a nomenclatura de época –, a marginalização da mulher da vida econômica capitalista e, de outro, a sua integração nas sociedades competitivas (Saffioti, 1969SAFFIOTI, Heleieth. A Mulher na Sociedade de Classes. Mito e Realidade. São Paulo, Livraria Quatro Artes Editora, 1969.), emerge uma série de interrogações. O debate sobre o estatuto teórico do trabalho doméstico é um dos mais marcantes a se instalar nos anos 1970. Poderia um trabalho realizado fora do circuito da mercadoria contribuir para o valor da força de trabalho? A questão apresentava um impasse teórico, principalmente sob a ótica marxiana, que tendia a considerar o trabalho doméstico como improdutivo, uma vez que, apesar de reconhecer o seu valor de uso, negligenciava o seu valor troca (Bilac, 2014BILAC, Elisabete. Trabalho e família: Articulações possíveis. Tempo social, v. .26, n. 1, São Paulo, 2014, pp.129-145 [https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/84984 – acesso em 10 set 2019].
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).

Nos anos 1980, essa interpretação era confrontada pelas evidências empíricas que revelavam a importância do trabalho doméstico para a produção da vida e para a reprodução cotidiana e geracional da família (Rodrigues, 1978RODRIGUES, Arakcy. Operário, operária. São Paulo, Símbolo, 1978.; Bilac, 1983; Lobo, 1986LOBO, Elisabeth. A prática invisível das operárias. In: KARTCHEVSKY-BULPORT, Andrée. O Sexo do trabalho. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.). Ficava claro que esse trabalho, majoritariamente realizado por mulheres, encontrava-se analiticamente subordinado ao trabalho assalariado. Percepções dessa ordem convergem para a elaboração do conceito de “divisão sexual do trabalho”, que confere maior visibilidade à composição sexuada do trabalho, estabelecendo-se como “um paradigma sólido para incluir a diferença dos sexos na sociologia do trabalho” (Hirata; Kergoat, 2008HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Paradigmas sociológicos revistos à luz da categoria de gênero: que renovação aporta a epistemologia do trabalho. Revista Novos Cadernos NAEA, v. 11, n. 1, Belém, 2008, pp.39-50 [http://dx.doi.org/10.5801/ncn.v11i1.262 – acesso em: 18 jan 2019].
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:44). O conceito de trabalho passa, então, a contemplar a “produção de vivência”, incluindo não apenas o trabalho profissional – seja ele formal ou não, assalariado ou não – mas também o trabalho doméstico (Kergoat, 2002:50). Os cuidados físicos e afetivos dos filhos, entre tantos outros trabalhos, passam a ser caracterizados como integrantes do modo de produção; afinal, eles estão ligados aos diferentes processos e dinâmicas que sustentam a vida (Moreno, 2019MORENO, Renata. Entre a família, o Estado e o mercado: mudanças e continuidades na dinâmica, distribuição e composição do trabalho doméstico e de cuidado. Tese (Doutorado em Sociologia), FFLCH, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2019.).

Ademais, no plano do indivíduo, “não se pode pensar o trabalho, inclusive sociologicamente, sem levar em conta a subjetividade” (Kergoat, 2002:50). Desse modo, trabalho profissional e doméstico, produção e reprodução, regime salarial e familiar, tornam-se categorias analíticas indissociáveis. Contudo, nos anos seguintes, a sociologia do trabalho vai privilegiar outros temas, como a mobilidade dos indivíduos no mercado de trabalho, a precarização do trabalho e a flexibilização das contratações. Os debates sobre o trabalho doméstico vão ganhar novo vigor a partir dos anos 2000, com a emergência de problemas relativos ao cuidado (Bilac, 2014BILAC, Elisabete. Trabalho e família: Articulações possíveis. Tempo social, v. .26, n. 1, São Paulo, 2014, pp.129-145 [https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/84984 – acesso em 10 set 2019].
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).

Nesse mesmo período, estabelece-se a ideia de “uma cultura do trabalho adaptada ao desemprego, ao risco e à insegurança” (Machado da Silva, 2002MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Da informalidade à empregabilidade: reorganizando a dominação no mundo do trabalho. Caderno CRH, v. 15, n. 37, Salvador, 2002, pp.81-109 [https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/18603 – acesso em: 25 jul 2019].
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:101). Em um país em que a precariedade das condições de trabalho, a informalidade e a fragilidade dos benefícios sociais são marcantes, apreender os mecanismos de convencimento que buscam garantir a permanência da adesão e do consentimento ativo dos trabalhadores aos novos modos de organização do trabalho, fez-se tarefa de primeira ordem. É nesse contexto que Machado da Silva (2002MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Da informalidade à empregabilidade: reorganizando a dominação no mundo do trabalho. Caderno CRH, v. 15, n. 37, Salvador, 2002, pp.81-109 [https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/18603 – acesso em: 25 jul 2019].
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:103), que muito pesquisou sobre a “informalização” do trabalho, considera essa noção superada e passa, então, a propor o par “empregabilidade/empreendedorismo” como capaz de melhor apreender o “caráter estruturante de um novo quadro de vida” no Brasil. Uma característica fundamental dessa nova cultura do trabalho é, ainda para esse autor, a “individualização” dos controles que organizam a produção e a vida social.

Atenta às mudanças desse período, Leite (2009)LEITE, Marcia. O trabalho e suas reconfigurações: conceitos e realidades. In: LEITE, Marcia; ARAÚJO, Angela (org.). O trabalho reconfigurado: ensaios sobre Brasil e México. São Paulo, Annablume, Fapesp, 2009, pp.67-94. aponta que as mulheres são mais afetadas pelas novas formas de trabalho atípico, pela informalidade e pela precarização do trabalho. Como observam Araújo e Lombardi (2013), coube principalmente às mulheres a solução das exigências – cada vez mais conflitantes – relativas ao trabalho remunerado e ao trabalho reprodutivo realizado no âmbito doméstico. Com efeito, Soares (2008SOARES, Cristiane. A distribuição do tempo dedicado aos afazeres domésticos entre homens e mulheres no âmbito da família. Revista Gênero, v. 9, n. 1, Niterói, 2008, pp.9-29 [https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/30951 – acesso em: 23 set 2019].
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:27) constata que “a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho não as isentou dos afazeres domésticos nem reduziu seu tempo dedicado a elas”. Observação que se alinha aos achados de outros estudos sobre o uso do tempo no âmbito da família (Bruschini, 2006BRUSCHINI, Cristina. Trabalho doméstico: inatividade econômica ou trabalho não-remunerado? Revista Brasileira de Estudos de População, v. 23, n. 2, São Paulo, 2006, pp.331-353 [https://doi.org/10.1590/S0102-30982006000200009 – acesso em: 22 mar 2019].
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; Melo; Castilho, 2009MELO, Hildete; CASTILHO, Marta. Trabalho reprodutivo no Brasil: quem faz?. Revista de Economia Contemporânea, v.13, n.1, Rio de Janeiro, 2009, pp.135-158 [https://doi.org/10.1590/S1415-98482009000100006 – acesso em: 27 nov 2019].
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). Ademais, a distribuição do trabalho doméstico entre os sexos segue desigual em anos mais atuais. Nota-se que, em 2016, 92% das mulheres ocupadas realizaram afazeres no próprio domicílio, enquanto 72% dos homens ocupados o fizeram (IBGE, 2020a). Quando se enfoca o cuidado de moradores do domicílio, Moreno (2019MORENO, Renata. Entre a família, o Estado e o mercado: mudanças e continuidades na dinâmica, distribuição e composição do trabalho doméstico e de cuidado. Tese (Doutorado em Sociologia), FFLCH, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2019.:86) informa que as mulheres são as que mais se encarregam desse trabalho e que “as crianças pequenas demandam mais presença e atenção para o auxílio nas atividades cotidianas” do que outros grupos etários.

Como bem apontam Sorj, Fontes e Machado (2007:577), a carência de políticas públicas voltadas às demandas conflitivas entre trabalho e cuidados da família, combinada com a baixa participação masculina na divisão do trabalho não remunerado, “repercute nas oportunidades laborais das mulheres, notadamente das mães com filhos dependentes, e reforça as desigualdades de gênero no mercado de trabalho”. Com efeito, considerando-se que, em 2015, 75% das mães de nascidos vivos (nos últimos 12 meses da semana de referência da pesquisa, em domicílios urbanos) tinham entre 18 a 39 anos de idade, verifica-se que 12% das mulheres nessa faixa etária estavam ocupadas naquele ano, enquanto 17% dos homens assim estavam (IBGE, 2020bIBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pesquisa Básica, 2020b [https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnad/geral/pesquisa-basica - acesso em: 20 nov. 2020].
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). Outro indicativo de que as demandas de trabalho no próprio domicílio podem, combinadas a outros fatores, impactar na disponibilidade para o trabalho remunerado em período integral é o número de horas habitualmente trabalhadas. Em 2015, enquanto 45% dos homens trabalharam 40 horas ou mais na semana de referência da pesquisa, 26% das mulheres o fizeram (IBGE, 2020bIBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pesquisa Básica, 2020b [https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnad/geral/pesquisa-basica - acesso em: 20 nov. 2020].
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).

Afinal, diante de uma rica tradição de pesquisas sobre a conciliação trabalho-família, busca-se aportar ideias acerca do empreendedorismo feminino contemporâneo, enquanto uma faceta da individualização do trabalho que “caminha junto com a defesa da competitividade, da autonomia profissional e da independência pessoal” (Machado da Silva, 2002MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Da informalidade à empregabilidade: reorganizando a dominação no mundo do trabalho. Caderno CRH, v. 15, n. 37, Salvador, 2002, pp.81-109 [https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/18603 – acesso em: 25 jul 2019].
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:105).

Dentre os estudos sobre empreendedorismo na sociedade brasileira, destaca-se o de Lima (2010LIMA, Jacob. Participação, empreendedorismo e autogestão: uma nova cultura do trabalho? Sociologias, v. 12, n. 25, Porto Alegre, 2010, pp.158-198 [https://doi.org/10.1590/S1517-45222010000300007 – acesso em: 21 out 2019].
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:175), que aponta que “o trabalhador do informal, mais que um excluído do mercado, seria então um empreendedor por necessidade”. Para o autor, trata-se do indivíduo que, para transformar sua situação desfavorável no mercado, predispõe-se a investir no seu negócio/atividade e a trabalhar duro. Nesse sentido, a atividade empreendedora de pequeno porte pode, como aponta Rosenfield (2015)ROSENFIELD, Cinara. Autoempreendedorismo: forma emergente de inserção social pelo trabalho. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 30, n. 89, São Paulo, 2015, pp.115-128 [https://doi.org/10.17666/3089115-128/2015 – acesso em: 20 nov 2019].
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, significar tanto uma forma virtuosa quanto uma forma precária de inserção no mercado de trabalho. Ao refletir sobre indivíduos que, à procura de alternativas de trabalho, “buscam ‘franjas’ ou interstícios entre formas canônicas de trabalhar”, a autora identifica uma “zona cinzenta” do trabalho e do emprego que renova a tensão entre subordinação e autonomia notada nas variadas formas de trabalho no Brasil (Rosenfield, 2015ROSENFIELD, Cinara. Autoempreendedorismo: forma emergente de inserção social pelo trabalho. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 30, n. 89, São Paulo, 2015, pp.115-128 [https://doi.org/10.17666/3089115-128/2015 – acesso em: 20 nov 2019].
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:12). Interessadas naquela inserção mais virtuosa, Leite e Melo (2008LEITE, Elaine; MELO, Natália. Uma nova noção de empresário: a naturalização do empreendedor. Revista de Sociologia e Política, v. 16, n. 31, Curitiba, 2008, pp.35-47 [https://doi.org/10.1590/S0104-44782008000200005 – acesso em: 07 jul 2019].
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:40) debruçam-se sobre a literatura de autoajuda da gestão de empresas e identificam no empreendedorismo “um conjunto de princípios ideais de bom comportamento” que estabelece prescrições normativas.

Quando se tomam os estudos especificamente dedicados ao empreendedorismo ligado às TICs, reconhecem-se duas frentes de interesse. Na primeira, exploram-se as novas formas de organização e contratação de trabalhadores (Lima; Oliveira, 2017LIMA, Jacob; OLIVEIRA, Daniela. Trabalhadores digitais: as novas ocupações no trabalho informacional. Sociedade e Estado, v. 32, n. 1, Brasília, 2017, pp.115-143 [https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3201006 – acesso em: 18 jun 2019].
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; Bridi; Motim, 2014BRIDI, Maria Aparecida; MOTIM, Benilde. Trabalho e trabalhadores na indústria de informática. Contemporânea, v. 4, São Carlos, UFSCar, 2014, pp.351-380 [https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/238 – acesso em: 15 jun 2019].
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). Nessas pesquisas, o exame das relações de gênero não é privilegiado. Na segunda frente, mais interessada no gênero, tem-se refletido, por exemplo, sobre a divisão sexual do trabalho em fábricas (Leite; Guimarães, 2015LEITE, Marcia; GUIMARÃES, Pilar. Tudo muda, nada muda: as implicações do uso das tecnologias de informação sobre o trabalho das mulheres no setor eletroeletrônico. cadernos pagu (44), Campinas, SP, Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2015, pp.333-366 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8637377 – acesso em: 16 mai 2019].
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), e a concentração das mulheres em ocupações menos técnicas (Castro, 2018CASTRO, Bárbara. Feminizando chefias? Uma análise da dinâmica da divisão sexual do trabalho no setor de TI. Revista da ABET, v. 17, n. 1, João Pessoa, 2018, pp.16-27 [https://doi.org/10.22478/ufpb.1676-4439.2018v17n1.41161 – acesso em: 14 nov 2019].
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). Ao fim, nota-se que a atividade empreendedora das mulheres dos estratos médios e os seus cursos de qualificação restam pouco explorados. Para fazer avançar o conhecimento sobre essa atividade, enfoca-se a mobilização de significados e emoções em uma situação de apresentação social.

A apresentação social de mães empreendedoras

Joana, coordenadora da NPM, sobe ao palco do Google Campus diante de um auditório lotado e calado, no qual não mais de dez homens estão presentes – a maioria companheiros de empreendedoras. “Quem tá me ouvindo bate palmas uma vez”, diz ela, que é respondida imediatamente. “Quem tá me ouvindo bate palma duas vezes [a plateia executa duas palmas ritmadas]; quem tá me ouvindo bate palmas três vezes [a plateia responde novamente]”. Então diz, “bem-vindas ao Brasil que dá certo. Este é um evento de mulheres que se ajudam!”. Joana segue afirmando que as mulheres perceberam que “tem muito dinheiro para se ganhar por aí”, mas questiona, “qual dinheiro?”. Ela mesma responde: “o que me faça sentido!”.

A coordenadora da aceleradora segue, então, com uma retrospectiva da trajetória da NPM, afirmando que resolveu publicar no Facebook um relato sobre o isolamento que vivenciou após o nascimento de seu filho. “Estava doendo demais”, de modo que lançou um chamado para uma reunião que iria tratar do desenvolvimento de negócios capazes de romper com a solidão. Ela afirma ter preparado um cafezinho, imaginando poucas interessadas, mas oitenta mulheres atenderam ao convite. “Choramos um mês inteiro e depois começamos a trabalhar”, conta, provocando risos na plateia. Após uma série de percalços, e após alguns terem lhe dito “ninguém acredita em você”, Joana afirma em tom emocionado que “o Google foi até a NPM e falou ‘eu acredito em você!’”.

A plateia é, então, apresentada às regras da exposição dos novos negócios qualificados pela aceleradora: os pitches – como são chamadas as palestras de empreendedores sobre seus projetos – devem durar cinco minutos; encerrado o tempo, uma ajudante adentrará ao palco dançando, o que forçará a conclusão. Há outros cinco minutos para responder aos comentários da banca de especialistas, que é logo apresentada. São chamados à mesa posicionada em frente ao palco: um membro da SP Negócios (entidade de incentivo ao empreendedorismo da Prefeitura de São Paulo), a fundadora de uma start-up, e o fundador de uma empresa de publicidade que patrocina o evento. Ao se apresentar, uma das julgadoras diz que “falta uma coisa humana nas start-ups”. Para ela, “os homens são frios; num evento masculino, as mulheres não podem chorar. Aproveitem esse momento em que vocês podem ser humanas e empreendedoras ao mesmo tempo”.

Finalmente, a primeira empreendedora sobe ao palco. Ela se apresenta como “Carla, mãe do João” e revela: “o primeiro ano do meu filho foi o pior da minha vida; foi quando eu conheci o machismo e entrei em depressão”. O tom de emoção ganha o auditório novamente. A empreendedora, então, descreve a sua empresa, que promove aulas de surfe que “empoderam as mulheres” por meio de parcerias com marcas como Avon [cosméticos], “uma empresa que mostra que mulher se junta”. Carla conclui: “depois que empreendi, descobri que o machismo estava na minha cabeça”.

A segunda empreendedora se apresenta como “Claudia, mãe do Junior”. Ela descreve como fora bem cuidada, quando criança, por tias e avós que apoiaram sua mãe, e como tal cuidado a inspirou a criar a Sitters, uma empresa que busca “o match ideal entre a babá e a mãe”, selecionando babás por meio de avaliações psicológicas e de indicações de clientes confiáveis. Por sua vez, a terceira empreendedora sobe ao palco vestindo uma pequena capa vermelha do tipo super-heroína e também se apresenta como “mãe”. “Com a maternidade, questionei o mundo corporativo”, diz ela, cuja empresa “busca incentivar a brincadeira por meio de fantasias infantis”. Seguiram-se, então, as demais apresentações, a maioria marcada por pausas emocionadas e lágrimas.

Cintia, sócia de uma empresa parceira da NPM na qualificação de negócios, encaminha o encerramento do evento, dizendo: “eu não choro de frustração por ter abandonado a carreira de executiva, mas por ficar longe do meu filho”. Depois de referências à dor, à sinergia e à gratidão, ela termina sua exposição revelando: “não costumo chorar, mas hoje tá complicado”. Ao fim, quando a música “We will rock you”, da banda Queen (1977), estoura nos autofalantes, o evento é encerrado, sessões de fotos são organizadas no palco, e todas são convidadas para o happy hour que se dá no mesmo Google Campus.

A maternidade como estratégia discursiva

A situação descrita é especialmente interessante, pois circunscreve formas de apresentação de si que foram modeladas por agentes intermediadoras que dominam as regras informais consideradas legítimas no empreendedorismo ao qual se dirige. A partir da ideia de que as interações sociais, conquanto possuam dinâmicas específicas, são informadas pela realidade mais abrangente, a apresentação das empreendedoras é aqui apreendida como um “padrão de ação pré-estabelecido que se desenvolve durante a representação” (Goffman, 2002GOFFMAN, Erving, A Representação do Eu na Vida Cotidiana. 10 ed. Petrópolis, Editora Vozes, 2002.:24). Nessa linha, entende-se que aceleradoras como a NPM atuam como “especialistas em treinamento” que realizam “a complicada tarefa de ensinar ao ator como construir a impressão desejada” (Goffman, 2002GOFFMAN, Erving, A Representação do Eu na Vida Cotidiana. 10 ed. Petrópolis, Editora Vozes, 2002.:148).

A primeira característica relevante da forma de apresentação das empreendedoras diz respeito ao estatuto que a posição social de “mãe” ganha nos discursos. “Eu [nome], mãe do(a) [nome]”, dizem elas em situação de palestra. Notavelmente, o rótulo que, em certas interações de cunho econômico, apresenta-se como um obstáculo à produção de acordos (Ridgeway, 2011RIDGEWAY, Cecilia. Framed by gender: how gender inequality persists in the modern world. New York, Oxford University Press, 2011.), aqui é promovido a qualificativo de primeira ordem. Para entender essa valorização, é preciso ter em conta o contexto que informa a construção da situação, qual seja, o da crescente pressão social em relação aos históricos limites de gênero observados nas empresas produtoras de TICs, ao qual as aceleradoras originalmente estão ligadas. A própria Google reconhece que apenas 26% do seu quadro de liderança global é do sexo feminino (Google, 2019). Não sem razão, a empresa tem promovido atividades voltadas às mulheres, entre elas o evento “Liderança e Empreendedorismo Digital para Mulheres” que pretendia capacitar 10 mil mulheres (o evento foi cancelado por conta da pandemia de SARS-CoV-2).

É nesse contexto que a maternidade ganha significados que permitem sua circulação não apenas como definidora da situação, mas como atributo a evidenciar a presença das mulheres em um setor econômico avesso a elas. Com efeito, a maternidade, quando descolada da realidade dos escritórios, goza de uma moralidade quase inquestionável. Ela permite o deslocar-se do plano do inconveniente profissional para o plano da natureza, no qual a mulher vai se associar à beleza e ao humano (Rezende, 2011REZENDE, Claudia. Um estado emotivo: representação da gravidez na mídia. cadernos pagu (36), Campinas, SP, Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2011, pp.315-344 [https://doi.org/10.1590/S0104-83332011000100012 – acesso em: 19 set 2019].
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). Nesse sentido, do mesmo modo que a publicidade introduz, nas cenas que compõe em torno de produtos voltados ao público feminino, elementos simplificados e descontextualizados a respeito das mulheres (Goffman, 1987GOFFMAN, Erving. Gender advertisements. New York, Harper Publishers, 1987.), a estratégia de ostentação da maternidade mobilizada nos eventos da NPM relaciona-se às atuais preocupações das empresas produtoras de TICs em tornar a “diversidade” de gênero em seus quadros evidente e facilmente inteligível.

A apresentação das empreendedoras gravita, portanto, em torno de significados caros à conciliação trabalho-família. No palco promovido pela NPM, os sentidos do trabalho feminino realizado no interior dos domicílios se aproximam dos sentidos que têm lugar nas empresas. Isso porque o que era interpretado pelas agentes como trabalho de baixo prestígio – seja nomeado como conta-própria, seja como informal, seja como cuidar dos outros, educar os filhos ou costurar/cozinhar para fora – é deslocado para o sistema simbólico do empreendedorismo; um sistema que goza de alto prestígio social, uma vez associado às empresas de TICs. Antes de desenvolver essa ideia, contudo, convém conhecer o modo como significados e emoções caros ao trabalho remunerado e não-remunerado são encarnados em uma agente.

Uma empreendedora entre trabalhos visíveis e invisíveis

Vanessa, 34 anos, reside na Praia Grande, no Estado de São Paulo. Neta de militar, filha de graduados em cursos de nível superior, irmã de uma professora e de um engenheiro, formou-se em administração de empresas em uma faculdade privada e passou a trabalhar como caixa no supermercado Atacadão, onde logo passou ao posto de líder de seção e, depois, ao departamento de recursos humanos. Mais tarde, aprovada em um concurso público do munícipio de Cubatão, foi alocada em um órgão que trata de crianças vulneráveis.

Aos 28 anos, Vanessa engravidou de seu primeiro filho, uma menina chamada Maria; dois anos depois, resolve ter seu segundo filho. É no mesmo período que sua filha Maria é diagnosticada com síndrome de Asperger, transtorno inserido no escopo do espectro autista. Na mesma época, o dono de uma pequena construtora, na qual seu marido trabalhava, propõe que ela se torne sua sócia em uma marcenaria. Vanessa aceita e permanece dois anos nesse trabalho, mas os cuidados especiais de sua filha e o trabalho no escritório da marcenaria se mostram inconciliáveis. “A menina só comia, só se trocava, só fazia qualquer coisa quando eu estava com ela”. Ademais, seu marido “teve dificuldade de aceitar” a condição da filha. Vanessa deixa, então, a sociedade “sem dinheiro nenhum”. Apesar do que qualifica como “golpe” de seu sócio, decide não tomar medidas “para não prejudicar” o marido (ainda empregado de seu agora ex-sócio). Esse período é associado pela empreendedora à perda de identidade: “fiquei totalmente perdida. Eu era a Vanessa do Atacadão, a Vanessa do social, a Vanessa da marcenaria, aí, de repente, eu não era a Vanessa de nada”.

A essa altura, Vanessa conta que já acumulava dívidas, pois, apesar dos frequentes gastos extras com a filha especial, não gostava de pedir dinheiro para seu marido. “O certo seria dividir, mas eu comecei a pagar a escola dela, essas coisas”. A dívida foi mantida em segredo, pois seu marido seguia resistente em aceitar a síndrome da filha. Em meio a um turbilhão emocional, Vanessa nota sintomas de depressão e inicia tratamento psicoterápico. Após diversas seções, decide “fazer algo”. Sua primeira resolução é que “tinha que ser um trabalho com horário flexível”; depois, perguntou a si mesma: “o que eu gosto de fazer?”. Ela, que já vinha utilizando as redes sociais virtuais para escrever mensagens de apelo emocional em ocasiões como dia dos pais, desenvolvendo “gosto e talento” por escrever, vislumbra um projeto para produzir materiais pedagógicos.

Nesse período, a dúvida sobre empreender persiste, especialmente porque o marido não a auxiliava no cuidado da filha e em outros trabalhos domésticos. “Eu precisava da ajuda dele, mas não queria pedir”. “Foi quando a NPM apareceu”. Vanessa conta que foi a uma reunião inicial e, mais tarde, recebeu uma ligação da coordenadora a convidando para participar do programa de treinamento no Google Campus, contando com uma bolsa que a isentava dos custos. “Dei sorte por ser uma das que não pagou. Primeiro, pensei que elas queriam uma história de emoção como a minha, mas depois vi que não”. Ao longo do curso, Vanessa afirma que redirecionou o negócio de forma a fornecer material de interesse às escolas que buscam se adaptar à nova base curricular – que prevê o desenvolvimento de habilidades psicossociais de seus alunos. Sobre a experiência do curso, ela destaca que “ficar dois dias longe [por semana, enquanto estava no curso] foi muito bom, porque voltava [para casa] mais motivada, não ficava em casa com a cara no celular o dia todo”.

Ocorre que Vanessa seguiu acumulando dívidas, agora agravadas pelos frequentes investimentos em seu empreendimento. Contudo, durante o curso, ela repensou sua situação: “percebi que eu não tenho dívidas, tenho investimentos. Isso foi bom, porque vi que eu tenho uma mente empreendedora”. Ademais, “com dívida grande, eu sou forçada a pensar rápido sobre como escalar [fazer crescer] o negócio”, o que ela nota como uma diferença em relação a algumas de suas colegas de curso que possuem melhores condições financeiras – “tem mãe que o marido banca, então elas não têm pressa”.

Ademais, após o curso sobre empreendedorismo, Vanessa percebe uma mudança em relação ao seu marido: “hoje, eu consigo me posicionar, é o empoderamento da mulher, até porque minhas referências eram minha mãe e minha sogra, superdependentes... Agora, eu dou palestra, vou para São Paulo. Meu marido viu que se enchesse o meu saco, o casamento ia acabar”. Ela segue: “ele não me apoia muito, mas eu não desisti do meu propósito. Encontrei apoio na NPM; lá elas fazem empoderamento, não é porque você é mãe que é carta fora do baralho; elas falam que mulher é ‘foda’ [...]. Mas não tem um apoio muito estruturado, as pessoas que por si só não conseguiram se erguer ficaram para trás. Eu tomei pau, mas persisti e me empoderei”. E complementa: “o bom lá é que não te vitimam por você ser mãe descabelada, elas lembram que business é business... Elas ajudam, mas exigem”.

Afinal, ao refletir sobre os motivos principais que a levaram a empreender, Vanessa conclui: “não tive opção, eu precisava cuidar dos meus filhos. A Maria tinha muitas crises, eu tinha que acompanhar de perto. Ela se negava a se vestir, a comer, e minha mãe e minha sogra não conseguiam dar conta porque a menina ficava agressiva. Tem que ter estômago, foi muito sofrido.... Meu marido não dava suporte, daí eu chegava no trabalho e não conseguia fazer uma planilha Excel... Não empreendi por vocação ou por propósito, mas porque precisava”. Para ela, empreender “é igual filho, você faz tudo por ele. Penso em trabalho 24 horas; estou trabalhando muito mais do que em outras fases da minha vida”.

Ao sintetizar os benefícios que extraiu do curso da NPM, destaca as amizades que fez e exemplifica: “esses dias, eu ia para uma reunião importante, então liguei para uma amiga para pedir dicas de como me comportar, e é aquela coisa, ‘vai lá, faca na caveira!’, é diferente da família, que já não aguenta mais ouvir você falando naquilo e pensa ‘coitada, não vai dar certo’”.

As marcas de gênero em uma carreira

Vale retomar a carreira profissional de Vanessa para destacar algumas de suas marcas de gênero. Em primeiro lugar, notam-se ocupações tipicamente femininas. De caixa de supermercado à secretária, à sócia do chefe de seu marido, que realiza funções de secretaria. Em segundo lugar, o fator determinante para o seu afastamento do mercado de trabalho remunerado é o cuidado diligente de sua filha especial, que recai por completo sob sua responsabilidade. Nesse ponto, identifica-se a persistência de duas características do trabalho feminino: a disponibilidade permanente para a família e a subjacente conexão entre afetos e trabalho doméstico (Dayan-Herzbrun, 1982DAYAN-HERZBRUN, Sonia. Production du sentiment amoureux et travail des femmes. Cahiers Internationaux de Sociologie, v. 72, Paris, 1982, pp.113–130.; Delphy; Leonard, 1992DELPHY, Christine; LEONARD, Diana. Familiar exploitation: a new analysis of marriage in contemporary western societies. Cambridge, Polity Press, 1992.).

Em terceiro lugar, sua posição na família, dominada pelo marido, que, supostamente, mantém financeiramente a casa, leva-a ao endividamento. Impedida de buscar ocupações regulares no mercado de trabalho por conta do cuidado que sua filha especial requer, Vanessa não quer “pedir” dinheiro ao marido. Acaba, assim, assumindo mais um trabalho invisível e em segredo, qual seja, o de gerenciamento de uma dívida de ordem familial – dívida que cresce quando ela vislumbra um negócio e nele passa a investir recursos. Ao fim, a complexidade da gestão dessa dívida secreta também aumenta. Em quarto lugar, o desemprego limita o estabelecimento de uma identidade que, desde a juventude da agente, encontrava-se ligada ao valor social do trabalho remunerado. Desse modo, mesmo exercendo um duro trabalho de cuidado, a trabalhadora sente-se “totalmente perdida”. Aos seus olhos, resta a “Vanessa de nada”.

No que se refere ao empreendedorismo, que marca o momento atual da carreira da agente, destacam-se algumas características. Trata-se de um trabalho sem horário fixo e que se dá de modo intermitente em meio ao trabalho doméstico e ao do cuidado dos filhos; que não conta com jornada determinada; que é realizado no espaço doméstico; que demanda autofinanciamento não só para a compra de insumos, mas para a aquisição de conhecimento, caro à organização do negócio; e que não conta com equipe de trabalho. Ademais, nota-se a persistência da segregação dos setores econômicos de atuação das mulheres. Uma tabulação simples dos negócios apresentados no evento da NPM revela que as agentes empreendem em setores tipicamente femininos: quatro negócios são relativos a serviços de pedagogia; dois, a serviços de cuidado; um trata de alimentação; e um, de cosmética (dois prestam outros serviços).

Embora essa atividade se assemelhe ao trabalho por conta própria – marcante na sociedade brasileira (Prandi, 1978PRANDI, Reginaldo. O trabalhador por conta própria sob o capital. São Paulo, Símbolo, 1978.) –, dele se difere por não estar calcada na busca por rendimentos presentes, mas na expectativa de ganhos futuros. Com efeito, certas formas de trabalho feminino remunerado por conta própria e mesmo de autoempreendedorismo são tradicionalmente representadas como ligadas ao improviso, à intermitência, à informalidade e à atuação circunscrita ao espaço doméstico (Sorj; Fontes; Machado, 2007). Ocorre que, na NPM, esse trabalho acessa uma rota de promoção de significados ligados ao planejamento, à regularidade, à formalidade e à atuação em espaços de prestígio. A atividade de costura de fantasias infantis, por exemplo, torna-se uma start-up voltada ao “incentivo à brincadeira através de roupas lúdicas”. Esses são significados êmicos que incrementam o valor do trabalho, que “empoderam”, como colocam as agentes.

Nesse ponto, dois aspectos se destacam. O primeiro diz respeito à valorização do trabalho realizado. Para as agentes, quando seu trabalho é exposto, medido e aprimorado, ele é valorizado. Ademais, tratando-se do Google Campus, o espaço em si joga a favor do valor do trabalho, já que uma organização internacional bem-sucedida empresta signos de consagração às agentes que a ela se ligam. O segundo aspecto se refere ao incremento do volume e da qualidade das interações, o que empresta status às agentes. Elas atribuem alto valor às interações com as orientadoras da NPM e da Google, aos laços construídos com as colegas de curso e, ainda, às situações de palestras e entrevistas. Esses não são aspectos banais, uma vez que têm efeitos sobre o social. Vanessa, por exemplo, atribui ao empreendedorismo o incremento de poder de negociação junto ao seu marido, o que lhe permitiu a contratação de uma pessoa para realizar parte do trabalho de limpeza da casa.

Afinal, diante dessas características, corrobora-se a ideia de que, para compreender o trabalho feminino, mesmo nos estratos médios da sociedade brasileira, segue importante pensar o trabalho no seu sentido amplo. Ou seja, importa ultrapassar os espaços de trabalho comumente explorados pela sociologia do trabalho, como a empresa, para bem compreender as relações entre o trabalho profissional e o doméstico, o formal e o informal, o remunerado e o não-remunerado (Hirata, 2002HIRATA, Helena. Travail et affects. Les ressorts de la servitude domestique. Travailler, n. 8, Paris, 2002, pp.13-26.:6). Não obstante, como os aspectos do trabalho feminino aqui em tela fazem elo com a dimensão emocional, convém avançar sobre essa importante conexão.

Trabalho emocional e empreendedorismo

Ao se atentar ao componente social das emoções, Hochschild (1979)HOCHSCHILD, Arlie. Emotion work, feeling rules, and social structure. American Journal of Sociology, Chicago, v. 85, n. 3, 1979, pp.551-575 [http://www.jstor.org/stable/2778583 – acesso em: 10 abr 2019].
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avança da noção goffmaniana, segundo a qual os indivíduos buscam controlar a forma como expressam suas emoções, para a noção segundo a qual buscam sentir certas emoções. A autora passa, assim, de uma abordagem interessada na “incorporação superficial” para uma voltada à “incorporação profunda” em que o trabalho de gerenciamento emocional é definido como “o ato de modificar, em grau ou qualidade, emoções ou sentimentos” (Hochschild, 1979HOCHSCHILD, Arlie. Emotion work, feeling rules, and social structure. American Journal of Sociology, Chicago, v. 85, n. 3, 1979, pp.551-575 [http://www.jstor.org/stable/2778583 – acesso em: 10 abr 2019].
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:561). Trata-se de dois tipos de trabalho: o de evocar emoções socialmente apropriadas, mas inicialmente ausentes; e o de suprimir emoções inapropriadas, mas presentes.

Convém destacar que a autora elabora essa ideia no contexto em que o setor de serviços estadunidense buscava aprimorar o atendimento aos consumidores por meio da produção de significados, o que apresentou novas exigências laborais, especialmente às mulheres; afinal, eram elas a, por exemplo, evocar emoções positivas em aeronaves para gerar sentidos como “essa companhia aérea é segura” (Hochschild, 1979HOCHSCHILD, Arlie. Emotion work, feeling rules, and social structure. American Journal of Sociology, Chicago, v. 85, n. 3, 1979, pp.551-575 [http://www.jstor.org/stable/2778583 – acesso em: 10 abr 2019].
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:572). Assim, a autora torna visível não apenas o trabalho extra realizado pelas mulheres, como também quem dele se beneficia. Como coloca Hochschild (1979HOCHSCHILD, Arlie. Emotion work, feeling rules, and social structure. American Journal of Sociology, Chicago, v. 85, n. 3, 1979, pp.551-575 [http://www.jstor.org/stable/2778583 – acesso em: 10 abr 2019].
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:572), “certamente, o senso das comissárias de bordo de que elas ‘devem se sentir alegres’ faz mais pelos lucros da United [empresa aérea] do que pelo incremento de bem-estar delas próprias”.

Essa linha de reflexões se serve de enfoques dirigidos, principalmente, aos espaços de trabalho onde se dão as interações. No início dos 2000, porém, o notável crescimento da variedade de serviços vem apresentar “dilemas difíceis de se enxergar e de se nomear” (Hochschild, 2012HOCHSCHILD, Arlie. The outsource self: what happens when we pay others to live our lives for us. New York, Metropolitan Books, 2012.:233). Com a popularização dos serviços de consultorias personalizadas dirigidos às famílias e com a emergência dos serviços de cuidado, as pesquisadoras interessadas em flagrar o papel das emoções na vida econômica dirigem seus olhares aos espaços privados e à intimidade. Frutifica-se, assim, uma perspectiva marcada pela dissolução da divisão teórica entre uma esfera privada saturada de emoções e uma esfera pública desprovida delas (Zelizer, 2000ZELIZER, Viviana. The Purchase of Intimacy. Law & Social Inquiry, v. 25, n. 3, 2000, pp.817–848 [http://www.jstor.org/stable/829137 – acesso em: 14 set 2019].
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; Pixely, 2002; Bandelj, 2009BANDELJ, Nina. Emotions in economic action and interaction. Theory and Society, v. 38, n. 4, 2009, pp.347–366 [https://doi.org/10.1007/s11186-009-9088-2 – acesso em: 05 fev 2019].
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; Guimarães, 2016GUIMARÃES, Nadya. Casa e mercado, amor e trabalho, natureza e profissão: controvérsias sobre o processo de mercantilização do trabalho de cuidado. cadernos pagu (46), Campinas, SP, Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2016, pp.59-77 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645358 – acesso em: 19 mai 2019].
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).

Diante desse percurso teórico, instala-se o desafio de, a partir do caso aqui descrito, avançar na reflexão sobre o trabalho emocional. De um lado, vê-se que não se tratam de tarefas desempenhadas em ocupações tradicionais de trabalho. Não há empregadores a demandar certo desempenho, tampouco há controle sobre tal por parte de supervisores e gerentes. Sequer há uma jornada típica de trabalho, ou um espaço a circunscrever onde ela se dá, aspectos esses que também dificultam o reconhecimento do beneficiário direto do trabalho emocional realizado. De outro lado, o curso para empreendedoras não é exatamente uma “terceirização de si” (Hochschild, 2012HOCHSCHILD, Arlie. The outsource self: what happens when we pay others to live our lives for us. New York, Metropolitan Books, 2012.), mas qualificação para a realização de uma atividade econômica.

Argumenta-se, assim, que o aspecto a tornar o trabalho emocional essencial à qualificação para o empreendedorismo é a produção e manutenção de significados apropriados. Vale recuperar que, para Hochschild (1979HOCHSCHILD, Arlie. Emotion work, feeling rules, and social structure. American Journal of Sociology, Chicago, v. 85, n. 3, 1979, pp.551-575 [http://www.jstor.org/stable/2778583 – acesso em: 10 abr 2019].
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:570), especialmente nas ocupações de classe média, os significados são mais eficientemente sustentados por meio do trabalho emocional. “O gerente bancário e o executivo da IBM, por exemplo, podem ser parcialmente instados a sustentar uma definição de si, do escritório e da organização como ‘promissor’, ‘ativo’, ‘cuidadoso’ ou ‘confiável’”. Por essa razão, “as regras sentimentais estão mais presentes em trabalhos como esses, em que os lembretes das regras e as sanções cumprem um papel destacado”. Nessa linha, entende-se que, uma vez que é da produção de significados que se extrai o valor caro aos mercados e à reprodução da vida, tal produção mostra-se um aspecto-chave do conceito de trabalho emocional.

A partir dessa interpretação, indica-se que a mobilização do já clássico conceito de trabalho emocional é irredutível às relações de trabalho típicas e às ocupações tradicionais, sendo sua capacidade explicativa cara às atividades econômicas em que os significados se mostram determinantes à produção do valor e à sustentação da vida. Argumenta-se, assim, que a observação de aspectos tais quais a regularidade do trabalho, o espaço em que ele se dá, as formas de controle que sobre ele incidem ou quem o executa não deve se manter estanque e indiferente às transformações do mundo do trabalho. Especialmente, em sociedades da periferia do capitalismo, como a brasileira, cumpre se atentar à riqueza de formas que o trabalho assume – nem sempre contempladas nos modelos teóricos elaborados nas sociedades de capitalismo avançado.

Nessa linha, é intrigante notar que as dificuldades das mulheres brasileiras das camadas médias relativas à conciliação trabalho-família se fazem presentes no palco de uma corporação global como a Google. É notável a mobilização de emoções de conotação negativa, especialmente aquelas relativas à perinatalidade (Guedes; Araújo, 2011GUEDES, Moema; ARAÚJO, Clara. Desigualdades de gênero, família e trabalho: mudanças e permanências no cenário brasileiro. Revista Gênero, v.12, Niterói, 2011, pp.61-79 [https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31130 – acesso em: 17 mar 2019].
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; Sorj; Fontes; Machado, 2007) nas apresentações das empreendedoras. Com efeito, como apontam Collin e Laborie (2009COLLIN, Françoise; LABORIE, Françoise. Maternidade. In: HIRATA, Helena et alii. (org.) Dicionário crítico do feminismo. São Paulo, Editora UNESP, 2009, pp.133-38.:133), ao mesmo tempo que a maternidade é uma especificidade valorizada como “o poder de dar a vida”, ela constitui “uma das fontes da opressão”. Curiosamente, esses dois estatutos operam no curso de empreendedorismo da NPM. Isso porque constituem um modelo de comunicação inspirado na linguagem da psicologia. A partir desse modelo, as emoções negativas operam como um antagonista narrativo bastante conveniente à “virada” positiva associada ao empreendedorismo. Como bem coloca Illouz (2007ILLOUZ, Eva. Cold intimacies: the making of emotional capitalism. Cambridge, Polity Press, 2007.:61) ao refletir sobre a autoajuda, “para melhorar, primeiro é preciso adoecer”. Assim, a enunciação inicial de emoções negativas por parte das empreendedoras serve de base para o gerenciamento emocional que, ao fim, resultará no “empoderamento” das empreendedoras.

Como já apontado, para as agentes, os significados desse empoderamento se referem à valorização do trabalho realizado e ao incremento do status das agentes. Não obstante, esses são sentidos que se enlaçam ao gênero. É preciso relembrar que uma das bases de sustentação da divisão e distinção entre homens e mulheres se encontra nas culturas afetivas. A masculinidade se define, por exemplo, pela coragem e pela racionalidade fria. Já a feminilidade requer compaixão e otimismo. Assim, a hierarquia social estabelecida a partir das divisões de gênero possui uma dimensão emocional que permite que homens e mulheres reproduzam seus papeis e identidades (Illouz, 2007ILLOUZ, Eva. Cold intimacies: the making of emotional capitalism. Cambridge, Polity Press, 2007.). Como as emoções associadas à masculinidade se encontram no topo da hierarquia emocional estabelecida, a racionalidade costuma ser mais valorizada do que a compaixão em contextos socialmente prestigiados, como os de negócios. Dessa maneira, as mulheres que buscam se inserir nesses espaços encontram obstáculos de gênero que requerem trabalho emocional sempre que a produção e manutenção de significados se mostra importante. Pierce (1996)PIERCE, Jennifer. Gender trials: emotional lives in contemporary law firms. Berkeley, University of California Press, 1996. descreve, por exemplo, o estilo “Rambo” adotado por advogadas que, para perseguirem o sucesso em seus processos litigiosos, encontram na incorporação da agressividade uma estratégia apropriada.

Nessa linha, as mulheres que recorrem a aceleradoras de negócios femininas realizam um trabalho emocional que se inicia com a evocação de emoções negativas – “choramos uma semana” – e segue para a supressão dessas mesmas emoções – “business é business”. Como os significados produzidos se referem a uma atividade socialmente valorizada na atualidade – o empreendedorismo ligado às empresas de TICs –, as agentes lidam com a hierarquia emocional que suporta a divisão sexual estabelecida no mundo social mais amplo. A partir dessa interpretação, indica-se que as empreendedoras que pretendem se fazer bem-sucedidas movem os significados de suas atividades laborais de um plano feminino para um eminentemente masculino. Isso porque é sobre esse último que se encontra a representação social do que é um empreendedor de sucesso. Ser empreendedor ligado às TICs é ser homem.

Esse deslocamento de significados de gênero opera por três vias principais. A primeira diz respeito ao valor dos espaços de trabalho: há uma transição de sentidos do espaço privado para o da sociabilidade, do doméstico para a empresa, e da casa para o palco das palestras de negócios. A segunda se refere ao valor social do trabalho: os significados se afastam dos trabalhos femininos marcados socialmente pelo improviso e pelo amadorismo – como o artesanato ou o “cozinhar para fora” – para se aproximarem de uma atividade com a etiqueta do planejamento e do profissionalismo; os sentidos se desvinculam do trabalho invisível e não remunerado de cuidado dos filhos para se ligarem a uma atividade que não só é visível, mas que se encontra em uma vitrine privilegiada do capitalismo, iluminada pela tecnologia e pela inovação. A terceira via é a do valor social das ocupações: os sentidos sociais da falta de regularidade em ocupações remuneradas se deslocam em direção à atividade empreendedora, associada ao elogio ao ritmo de trabalho desmedido e ao afã por resultados.

Esses todos são significados socialmente compartilhados em torno da masculinidade, de modo que, para as empreendedoras, o machismo termina dirimido – “depois que empreendi, descobri que o machismo estava na minha cabeça”. Mesmo em um programa de “diversidade”, são os sentidos sociais do trabalho masculino a prevalecer quando as agentes aderem ao empreendedorismo. Isso porque as práticas dessa atividade, quando ligadas às TICs, estão ancoradas em uma cultura de negócios, acima de tudo, masculina. O deslocamento simbólico de um gênero ao outro é latente no próprio modo das agentes se expressarem: “percebi que eu não tenho dívidas [relativas à família, ao domínio feminino], tenho investimentos [relativos aos negócios, ao domínio masculino]”; ou “elas ajudam [sororidade], mas exigem [virilidade].

No nível da subjetividade, a mulher “coitadinha” dá lugar à mulher “faca na caveira”, a “fracassada” é substituída pela “aceita”, e a “isolada” cede vez à “de resultados”. A mulher “perdida” que não sabe como se sentir torna-se alguém que sabe gerenciar suas emoções. Esse deslocamento de significados não opera apenas no plano discursivo, mas também tem efeitos nas negociações que se desenrolam no cotidiano. Com efeito, como aponta Illouz (2007ILLOUZ, Eva. Cold intimacies: the making of emotional capitalism. Cambridge, Polity Press, 2007.:69), a linguagem terapêutica e a inteligência emocional de certos grupos de indivíduos “são recursos culturais ‘reais’, não porque eles entendem a natureza ‘real’ de seus problemas emocionais, mas porque eles podem utilizar uma estrutura cultural comum para entender seus sentimentos difíceis e fazê-los ‘trabalhar’[...]”.

Nessa direção, quando a empreendedora diz “eu tomei pau, mas persisti e me empoderei”, ela alcança, por meio do trabalho emocional, uma definição profunda de si alinhada ao sistema simbólico do empreendedorismo. Ao aderir aos preceitos da resiliência e da persistência, a empreendedora insere-se em um mundo bastante guiado por signos do futuro. Se antes, no mercado de trabalho, o caráter aberto da temporalidade capitalista representava uma ameaça ao status econômico da agente, o curso de qualificação para os negócios indica uma promessa de possibilidades ilimitadas (Beckert, 2013BECKERT, Jens. Imagined futures: fictional expectations in the economy. Theory and Society, v. 42, 2013, pp.219-240 [https://doi.org/10.1007/s11186-013-9191-2 – acesso em: 14 nov 2019].
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). Promessa que enseja um modo de conduzir a vida sustentado no aprimoramento constante de si. Essa é a condição de possibilidade para a produção dos sentidos do empoderamento.

Quando se toma em conta que “em toda ação econômica, as pessoas se engajam em processos de diferenciação de relações sociais carregadas de significados” (Zelizer, 2012ZELIZER, Viviana. How I became a relational economic sociologist and what does that mean? Politics & Society, v. 40, n. 2, 2012, pp.145–174 [https://doi.org/10.1177/0032329212441591 – acesso em: 09 dez 2019].
https://doi.org/10.1177/0032329212441591...
:145) e que, nesses processos, as emoções importam (Bandelj, 2009BANDELJ, Nina. Emotions in economic action and interaction. Theory and Society, v. 38, n. 4, 2009, pp.347–366 [https://doi.org/10.1007/s11186-009-9088-2 – acesso em: 05 fev 2019].
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), vê-se que, para as empreendedoras das camadas médias de nossa sociedade, o empoderamento diz respeito a um conjunto de recursos que pode ser mobilizado ao longo de negociações cotidianas. Trata-se de um aprimoramento do senso que guia a ação em diferentes condições de poder e incerteza. Induzir a cooperação, por exemplo, não é uma ação social cara apenas às relações de trabalho, mas também às tantas outras relações que integram a vida das agentes.

Afinal, ao tomar a “construção de uma subjetividade pensada a partir das dimensões de um trabalho que se constitui concomitantemente como experiência de gênero” (Rizek; Leite, 1998RIZEK, Cibele; LEITE, Márcia. Dimensões e representações do trabalho fabril feminino. cadernos pagu (10), Campinas, SP, Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1998, pp.281-307 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/4444569 – acesso em: 20 nov 2019].
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:305), reconhece-se que, no curso de empreendedorismo feminino aqui analisado, a maternidade é conclamada tanto como uma especificidade valorizada como “poder de dar a vida” quanto como “fonte de opressão”. No entanto, sua histórica função social ligada à reivindicação de direitos políticos e sociais (Collin; Laborie, 2009COLLIN, Françoise; LABORIE, Françoise. Maternidade. In: HIRATA, Helena et alii. (org.) Dicionário crítico do feminismo. São Paulo, Editora UNESP, 2009, pp.133-38.), termina não acionada. Nessa perspectiva, a produção de sentidos aqui documentada prescinde do caráter relacional que define as especificidades dos sexos (Mathieu; Sheridan-Smith, 1975MATHIEU, Nicole-Claude; SHERIDAN-SMITH, Alan. Notes toward a Sociological Definition of Sex Categories. International Journal of Sociology, v. 5, n. 4, London, 1975, pp.14-38 [https://doi.org/10.1080/15579336.1975.11769626 – acesso em: 20 out 2019].
https://doi.org/10.1080/15579336.1975.11...
), furtando-se, portanto, ao conflito capaz de promover o deslocamento das fronteiras relativas ao gênero. Corroboram-se, assim, as ideias de Rosenfield (2015ROSENFIELD, Cinara. Autoempreendedorismo: forma emergente de inserção social pelo trabalho. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 30, n. 89, São Paulo, 2015, pp.115-128 [https://doi.org/10.17666/3089115-128/2015 – acesso em: 20 nov 2019].
https://doi.org/10.17666/3089115-128/201...
:127), quando a autora observa que “ser empreendedor de si mesmo remete à responsabilidade pelo seu próprio destino social e econômico, tornando-se aparentemente – ou seja, apenas supostamente – autônomo em relação às imposições do mercado de trabalho e às proteções sociais”.

Conclusão

Ao se atentar à ideia de que “as questões provocadas pelo trabalho feminino relacionam-se a realidades sociais diversas e frequentemente em plena evolução” (Guilbert; Isambert-Jamati, 1973GUILBERT, Madeleine; ISAMBERT-JAMATI, Viviane. A distribuição por sexo. In: FRIEDMANN, Georges; NAVILLE, Pierre (org.) Tratado de Sociologia do Trabalho. São Paulo, Cultrix, 1973, pp.304-322.:323), este artigo destacou a emergência de organizações voltadas à qualificação de projetos de negócios realizados por mulheres, argumentando que tal novidade relaciona-se, principalmente, às atuais pressões sociais dirigidas às empresas produtoras de TICs.

O trabalho emocional se mostrou central à atividade empreendedora desenvolvida na organização analisada. Embora em meados dos anos 2000 esse tipo de trabalho tenha sido descrito como mais presente nas classes baixas (Hochschild, 2002), aponta-se aqui a pertinência de seu papel nos estratos médios que se dirigem ao empreendedorismo. Documentou-se, ainda, como a maternidade opera como um elemento caro à apresentação de si e ao trabalho emocional. Trata-se de uma estratégia discursiva que oblitera o aspecto conflituoso que caracteriza as relações de gênero e a distribuição do trabalho doméstico nas famílias, contribuindo com a formação de expectativas acerca do surgimento de novos e bem-sucedidos ciclos de vida. Ademais, indica-se que diversas das atividades desenvolvidas no interior da organização se assemelham à qualificação para o trabalho por conta própria.

Nessa direção, dois desafios interpretativos se apresentam. Conquanto, como argumenta Cornwall (2018CORNWALL, Andrea. Além do ‘Empoderamento Light’: empoderamento feminino, desenvolvimento neoliberal e justiça global. cadernos pagu (52), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018, e185202 [https://doi.org/10.1590/18094449201800520002 – acesso em: 23 out 2019].
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:28), as atividades comerciais de pequena escala que combinam “narrativas de autoconfiança e o triunfo do sujeito individual” revelem que a agência feminina se faz “vinculada a suas famílias e ao papel vital prescrito para elas enquanto mães altruístas”, o caso aqui examinado demonstra que a articulação entre sistema simbólico e regras sociais é rica em contradições. Notou-se, por exemplo, que essa articulação é capaz de produzir novos arranjos políticos na esfera conjugal e de mitigar certos sofrimentos relativos às relações de gênero e ao trabalho feminino. Assim, embora a transformação das estruturas de poder sequer seja aventada pelas agentes, suas ações são interpretadas como uma forma de busca por maior poder de negociação no nível das relações cotidianas. Afinal, como lembra Sorj (1992SORJ, Bila. O feminino como metáfora da natureza. Revista Estudos Feministas, v. 0, n. 0, Florianópolis, 1992, pp.143-150 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/15806 – acesso em: 03 nov 2019].
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:146), “a política, apesar de muitas racionalizações, é toda ela perpassada de valores subjetivos, emoções conflitantes, forças emotivas”.

Um segundo desafio encontra-se na provocadora questão de Hirata (2002HIRATA, Helena. Travail et affects. Les ressorts de la servitude domestique. Travailler, n. 8, Paris, 2002, pp.13-26.:16) acerca do potencial de sublimação presente no trabalho doméstico exercido pelas mulheres “por amor”. A partir dela, seria oportuno indagar se o exercício da criatividade, crucial ao empreendimento de um novo negócio promissor, contempla a sublimação, uma vez que alcançaria o estatuto de obra inscrita na coletividade e legitimada pela cultura vigente.

Agradecimentos

Agradeço às pareceristas da cadernos pagu pelas valiosas sugestões e a Ester Ribeiro (PPGS/FFLCH-USP), Lina Ferreira (PPGS/FFLCH-USP) e Marcia Cunha (IEA/USP) pela leitura crítica.

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    » http://www.jstor.org/stable/829137
  • *
    Agradeço às pareceristas da cadernos pagu pelas valiosas sugestões e a Ester Ribeiro (PPGS/FFLCH-USP), Lina Ferreira (PPGS/FFLCH-USP) e Marcia Cunha (IEA/USP) pela leitura crítica.
  • 1
    Segundo mapeamento da Associação Brasileira de Startups, apenas 13% das start-ups são fundadas por mulheres (ABSTARTUPS, 2020ABSTARTUPS. Mapeamento da comunidade. Abstartups, São Paulo, 2020 [https://abstartups.com.br/comunidades – acesso em: 20 nov 2020].
    https://abstartups.com.br/comunidades...
    ).
  • 2
    Adotam-se nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas e de algumas organizações.
  • 3
    Os escritórios-escola da Google estão presentes em sete cidades do mundo.
  • 4
    Em um deles, realizou-se observação participante. Trata-se de uma oficina gratuita, aberta ao público masculino e feminino, que compôs o festival São Paulo Tech Week, promovido pela Agência São Paulo de Desenvolvimento, em cooperação com a Secretaria Municipal do Trabalho e Empreendedorismo.
  • 5
    O evento, realizado em novembro de 2017, foi aberto ao público mediante inscrição prévia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2020
  • Aceito
    12 Fev 2021
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