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A agenda portuguesa da descriminalização do aborto à luz do backlash sob as forças políticas liberais e conservadoras

Resumo

Este artigo analisa a agenda política da descriminalização do aborto em Portugal, suas genealogias, agentes, aspetos críticos e resultados. Sublinha o papel dos movimentos de mulheres, da agência nacional para a igualdade, bem como o papel dos partidos políticos. Analisando o recente backlash de 2015, o artigo destaca os riscos de viragens para forças políticas de direita que representa para a agenda feminista e dos direitos das mulheres. Esses riscos parecem ser particularmente severos num contexto de crise financeira e societal, e sob um regime de austeridade, no qual os discursos economicistas e conservadores são bastante aceites.

Aborto; Portugal; Legados conservadores; Partidos políticos; Políticas de igualdade

Abstract

This paper analyses the political agenda behind the decriminalization of abortion in Portugal, its genealogy, agents, critical aspects and results. It highlights the role of women’s movements, the National Agency for Equality, and the role of political parties. Analyzing the 2015 backlash it highlights the risks to a feminist and women rights agenda brought by shifts to right-wing political forces. These risks seem to be particularly severe in a context of financial and societal crises, and under an austerity regime, in which economistic and conservative discourses are widely accepted.

Abortion; Portugal; Conservative legacies; Political parties; Equality policies

Introdução

Em 2007, Portugal adoptou legislação que marcou de forma decisiva a promoção da igualdade de género – trata-se da Lei n. 16/2007, que descriminalizou o aborto em certas circunstâncias, na sequência de um referendo à população. Essa lei representou um salto qualitativo nas políticas de igualdade portuguesas, mas constitui-se como um resultado político parcial e tardio de antigas reivindicações feministas, não obstante ter sido produzido devido às propostas do Partido Socialista (PS) liderado por José Sócrates (no poder entre 2005-2010) (Monteiro, 2012). Em 2015, um golpe legislativo perpetrado por movimentos conservadores e pelos partidos então no XIX Governo Constitucional - Partido Social Democrata (PSD) e Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS-PP) -, impôs restrições severas à Lei de 2007. Essas restrições motivaram a contestação dos movimentos de mulheres, que o consideraram um backlash nos direitos das mulheres, e uma iniciativa legislativa ilegítima que colocou as mulheres portuguesas

numa situação de capitis diminution generalizada e objectiva, e de humilhação afrontosa e desempoderadora face a “conselheiros/as” institucionais que podem, dado o desequilíbrio de poder, interferir no processo de decisão sem qualquer fundamento legítimo ( PPWR, 2015PPWR (Portuguese Platform of Women Rights). Comunicado sobre as alterações aprovadas à Lei 16/2007 sobre a IVG, 2015 [http://plataformamulheres.org.pt/os-direitos-humanos-das-mulheres-foram-hoje-violados-pela-assembleia-da-republica-22-de-jul/ - acesso em: 02 maio 2022].
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).1 1 Já depois da submissão deste artigo, em dezembro de 2015, a nova maioria parlamentar, composta por forças políticas de esquerda, reverteu este backlash sobre os direitos das mulheres e não discriminação. De facto, o Parlamento aprovou nova legislação afastando as emendas e eliminando o pagamento das taxas moderadoras pelas mulheres e a obrigatoriedade de aconselhamento psicológico e social às mulheres que decidam fazer uma IVG.

Para além de refletir acerca do significado desses movimentos legislativos, este artigo procura compreender a complexidade por detrás da sua produção. Os dois principais episódios legislativos demonstram alguns dos pressupostos presentes na literatura acerca da agenda feminista da descriminalização do aborto. A primeira é a da importância de um ambiente político favorável à bem-sucedida mobilização das mulheres, de acordo com a ideia de que “a natureza do ambiente político parece ser um ingrediente muito importante para o sucesso” (McBride; Mazur, 2005). Este artigo analisa a relevância de alguns factores contextuais na influência da mobilização social dos movimentos de mulheres em Portugal, designadamente os legados institucionais conservadores tais como a religião (Htun; Weldon, 2007; Valiente, 2005a), o tipo de política ou agenda relativamente ao status quo – não doutrinal ou doutrinal2 2 Htun e Weldon designam de doutrinais as políticas que provocam a ira das religiões organizadas e de não doutrinais as que não estão relacionadas com controvérsias religiosas (2007). (Htun; Weldon, 2007), a existência de contramovimentos (McBride; Mazur, 2005; McBride, 2001MCBRIDE, Dorothy. Abortion politics, women’s movements and the democratic state: a comparative study of state feminism. Oxford, Oxford University Press, 2001. ), as caraterísticas do sistema político institucional, tal como a sua abertura e a existência de práticas de consulta, e as atitudes dos principais partidos políticos. Em segundo lugar, e mais importante, demonstrar-se-á a importância das mudanças nos alinhamentos políticos e da presença de governos de esquerda na promoção das agendas feministas e da igualdade de género ( Lovenduski, 2007LOVENDUSKI, Joni. Unfinished Business: Equality Policy and the Changing Context of State Feminism in Great Britain. In: OUTSHOORN, Joyce; Kantola, Johanna (ed.). Changing state feminism. Basingstoke, Palgrave MacMillan, 2007, pp.144-189. DOI: https://doi.org/10.1057/9780230591424_8
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; McBride; Mazur, 1995MCBRIDE, Dorothy, Amy Mazur. Comparative state feminism. Thousand Oaks, Sage, 1995. ; Sawer, 2007SAWER, M. Australia: the Fall of the Femocrat. In: KANTOLA, Joanna; OUTSHOORN, Joyce (ed.). Changing state feminism. Basingstoke, Palgrave MacMillan, 2007, pp.20-40. ; Valiente, 2007b), bem como o antagonismo dos partidos de direita a essas mesmas agendas políticas.

Essa análise é importante porque Portugal é um caso pouco analisado nos estudos de género no âmbito das ciências sociais. Existe pouca investigação acerca das políticas de promoção da igualdade de género no país e seus atores (i.e. movimentos de mulheres, mecanismos oficiais para a igualdade, partidos políticos). Este artigo pretende contribuir para uma melhor compreensão da história da sociedade portuguesa, das dinâmicas dos movimentos de mulheres e da sua relação com as instituições, partidos políticos e mecanismos oficiais. É também importante porque demonstra a importância dos partidos políticos nas agendas da igualdade, particularmente nas mais doutrinais.

O artigo congrega conclusões do primeiro estudo acerca do Feminismo de Estado em Portugal e resultados de uma análise de documentos políticos relevantes (comunicados de movimentos de mulheres, propostas legislativas e deliberações). No caso do estudo acerca do Feminismo de Estado usou-se uma abordagem qualitativa, por meio de 53 entrevistas semiestruturadas (conduzidas com pessoal técnico da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género3 3 A Comissão é o organismo oficial para a igualdade, que é responsável pela implementação das políticas públicas de igualdade desde a década de 1970. , antigas presidentes e dirigentes, responsáveis políticos/as da tutela, especialistas, líderes de associações de mulheres e mulheres políticas), análise de material de arquivo, legislação, relatórios, publicações e artigos de imprensa (Monteiro, 2011a). A análise documental dos desenvolvimentos políticos mais recentes foi realizada em junho, julho e agosto de 2015.

De forma a melhor contextualizar a sociedade portuguesa e o seu sistema político, serão apresentadas, na primeira parte, algumas notas acerca da história da democracia em Portugal. Nas partes 2 e 3, apresentam-se dados e análise do percurso da agenda da descriminalização do aborto em Portugal, o seu significado e as principais razões, bem como os agentes responsáveis pelo seu progresso e pelo seu backlash .

Algumas notas acerca da história da democracia em Portugal

Antes de avançar, é importante relembrar alguns traços do Estado e da sociedade portugueses. A experiência de viver sob uma ditadura fascista durante meio século (de 1926 a 1974) teve um efeito profundo no sistema económico, político e social português. António de Oliveira Salazar chegou ao poder em 1926, depois de um período breve e turbulento de modernização, liberalização e separação entre Igreja e Estado sob o regime da República (constituída em 1910). Salazar instalou uma ditadura conhecida como Estado Novo. Um regime arcaico, isolado e puritano que rejeitava a industrialização e a modernização ( Maxwell 1997MAXWELL, Kennett. The making of portuguese democracy. New York, Cambridge University Press, 1997. ), vistas como causadoras de problemas laborais e de classes. O Estado Novo promoveu a família, assente na autoridade masculina, e concebeu o papel da mulher como devendo estar devotada ao “governo doméstico”. A pobreza, o conservadorismo religioso e o familismo definiam o modelo de vida instituído, e a legislação misógina estabelecia a subordinação da mulher na vida privada e na pública. Eram proibidos os partidos políticos e qualquer forma de associação cívica, incluindo o movimento feminista. A iliteracia e as pobres condições de vida foram umas das prescrições do regime de Salazar.

A 25 de abril de 1974, um golpe militar – conhecido como a “revolução dos cravos” – acabou com a paralisação social e económica de Portugal e deu início a um processo não sangrento, por meio do qual Portugal inaugurou a terceira vaga de democratização e pôs fim ao último império colonial ( Pinto, 2010PINTO, António Costa. Coping with the Double Legacy of Authoritarianism and Revolution in Portuguese Democracy. South European Society and Politics, v. 15, n. 3, 2010, pp.395-412. ). A nova Constituição (1976) representa um corte radical com o passado e abre novas estruturas de oportunidades políticas. Seguiram-se-lhe grandes reformas e profundas transformações legais, políticas e sociais, mais tarde intensificadas ou aceleradas pela entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, em preparação desde 1977 (e que teve lugar em 1986). Foi criado um quadro legal avançado e igualitário, constituído essencialmente pelas elites, usando métodos centralistas e legalistas como forma de mimetismo internacional ( Santos, 1998SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a democracia. Lisboa, Gradiva, 1998. ), o que explica porque as mudanças social e institucional foram mais lentas do que as reformas legais ( Ferreira, 2011FERREIRA, Virgínia. Engendering Portugal: Social Change, State Politics and Women’s Social Mobilization. In: PINTO, António C. (ed.). Contemporary Portugal, Boulder, Social Science Monographs, Columbia University Press, 2011, pp.153-192. ). Uma análise global associa a sociedade portuguesa e o seu sistema político a um modelo dominado por elites oligárquicas e com uma sociedade dualista e elitista dominada por um centro político, uma sociedade civil fraca e debilidade dos movimentos sociais e dos grupos sociais representativos ( Aguiar, 1987AGUIAR, Joaquim. Formas de dominação e sociedade: o caso do neo-patrimonialismo. Análise Social, v. XXIII, n. 96, 1987, pp.241-278 [http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223486286D3kGW6er9Of01KG3.pdf – acesso em 02 maio 2022].
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; Nicholls, 2007NICHOLLS, Kate. Europeanizing responses to labour market challenges in Greece, Ireland and Portugal: the importance of consultative and incorporative policy-making. Tese (Doutorado em Filosofia), University of Notre Dame, Notre Dame, EUA, 2007. ; Santos, 1993SANTOS, B. de S. Portugal: um retrato singular. Oporto, Afrontamento, 1993. ; Teixeira, 2009). Tem-lhe sido também diagnosticado um sistema democrático altamente centralizado e institucionalista, dominado por partidos também fortemente centralizados, composto por elites urbanas escolarizadas com reduzido enraizamento social. Os partidos têm sido mais mobilizados pela cooperação, de forma a assegurar condições de “governabilidade”, do que por políticas pluralistas abertas a novos projetos e atores sociais ( Aguiar, 1987AGUIAR, Joaquim. Formas de dominação e sociedade: o caso do neo-patrimonialismo. Análise Social, v. XXIII, n. 96, 1987, pp.241-278 [http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223486286D3kGW6er9Of01KG3.pdf – acesso em 02 maio 2022].
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; Ferreira, 2011FERREIRA, Virgínia. Engendering Portugal: Social Change, State Politics and Women’s Social Mobilization. In: PINTO, António C. (ed.). Contemporary Portugal, Boulder, Social Science Monographs, Columbia University Press, 2011, pp.153-192. ; Jalali, 2007JALALI, Carlos. Partidos e democracia em Portugal 1974-2005. Lisboa, ICS, 2007. ; Melo, 2007MELO, Daniel. As Associações Públicas Voluntárias de Cariz Sociocultural em Portugal e as Políticas Públicas. Finisterra, v. 58/59/60, 2007, pp.207-36. ). A sociedade portuguesa é também marcada por um persistente legado institucional de conservadorismo religioso que sobreviveu à revolução de 1974 ( Aguiar, 1987AGUIAR, Joaquim. Formas de dominação e sociedade: o caso do neo-patrimonialismo. Análise Social, v. XXIII, n. 96, 1987, pp.241-278 [http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223486286D3kGW6er9Of01KG3.pdf – acesso em 02 maio 2022].
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; Portugal, 2000, 2002, 2006). Tal como em outros países da Europa do Sul (Del Giorgio; Lombardo, 2009; Donà, 2009; Valiente, 2007a), uma cultura familista baseada nas doutrinas da Igreja Católica tem sido muito influente no moldar do sistema político e das políticas sociais e de igualdade ( Amâncio, 2007AMÂNCIO, Lígia. Género e Divisão do Trabalho Doméstico – o caso português em perspectiva. In: WALL, Karin; AMÂNCIO, Lígia (ed.). Família e género em Portugal e na Europa. Lisboa, ICS, 2007, pp.181-210 [https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/28234/1/ICs_KWall_LAmancio_Familia_LEN.pdf – acesso em 02 maio 2022].
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; Jiménez, 2002JIMÉNEZ, Antonia M. Mecanísmos del cambio ideológico e introducción de políticas de género en partidos conservadores: El caso de Ap-Pp En España en perspectiva comparada. Madrid, Instituto Juan March, 2002. , 2009JIMÉNEZ, Antonia M. Women and decision-making participation within rightist parties in Portugal and Spain. Análise Social, v. XLIV, n. 191, 2009, pp.235-263. ; Portugal, 2000, 2002, 2006; Tavares, 2007TAVARES, Manuela. A longa luta das mulheres pela legalização do aborto. In: OCKRENT, C. (ed.). O livro negro da condição das mulheres. Lisboa, Temas y Debates, 2007, pp.1-11 [http://prototipo.umarfeminismos.org/wp-content/uploads/2010/03/llmlegalizacaolaborto.pdf - acesso em 2 maio 2022].
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). Essa realidade tem tido influência decisiva sobre os atores que integram os partidos políticos (mesmo naqueles mais à esquerda), que representam um recurso central, embora limitado, para a alavancagem de causas de agendas políticas. Usando a tipologia de Kitschelt’s (apud Hafner-Burton; Pollack, 2002HAFNER-BURTON, Emilie; POLLACK, Mark. Mainstreaming Gender in Global Governance. European Journal of International Relations, v. 8, n. 3, 2002, pp.339-373. ), pode dizer-se que, durante mais de 30 anos de democracia, o sistema sociopolítico português forneceu estruturas de input relativamente fechadas às questões da igualdade de género e fracas estruturas de output , relegando a Comissão e as questões das mulheres a um estatuto marginal (Monteiro, 2011a).

Analisando o significado da lei portuguesa sobre a descriminalização do aborto e a sua evolução

Até 2007, Portugal era dos países europeus com legislações mais restritivas em matéria de aborto a pedido da mulher. Em 2007, um Referendo – resultado de promessa eleitoral do Governo Socialista, que ganhou as eleições em 2005 – alterou a situação. Consequentemente a Lei n. 16/2007, de 17 de Abril, despenalizou a IVG, estabelecendo que não é punível a interrupção voluntária da gravidez quando “for realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez” (artº 142 alin. e). É claro que também estabelece a obrigatoriedade de um período mínimo de reflexão de três dias, a garantia à mulher de “disponibilidade de acompanhamento psicológico durante o período de reflexão” e de “disponibilidade de acompanhamento por técnico de serviço social, durante o período de reflexão”. Assegura também ao pessoal médico o direito à objeção de consciência, entre outras ressalvas que fazem dela, na conceção de algumas ativistas, uma lei imperfeita e moralista. Ela despenaliza quando seguidos todos os parâmetros que prescreve e define um prazo considerado reduzido face a outros países.

É importante lembrar que até 1984 a prática de aborto era completamente proibida em Portugal, em qualquer situação. A Lei n. 6/84, de 11 de maio veio permitir a IVG nos casos de perigo de vida da mulher, perigo de lesão grave e duradoura para a saúde física e psíquica da mulher, em caso de malformação do feto ou quando a gravidez resultasse de uma “violação”. A Lei n. 90/97, de 30 de Julho, alargou o prazo em situações de malformação fetal e do que até então era chamado de “violação”. Foi esse o quadro legal que persistiu até 2007.

Durante o Estado Novo, o planeamento familiar e a contracepção eram completamente proibidos em nome da ideologia pró-natalista, católica e conservadora do regime. A própria Associação para o Planeamento da Família (APF), que nasceu controversamente em 1967 (impacto do Concílio Vaticano II sobre alguns católicos progressistas), teve de ter aprovação do cardeal patriarca de Lisboa e incluir um consultor eclesiástico ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ). A pílula chegara ao país em 1962 e vinha com o rótulo de “produto do demónio" – esse método contracetivo era legalmente considerado produto abortivo e prescrito como método de regulação do ciclo menstrual ( Vilar, 2009VILAR, Duarte. Contributos para a história das políticas de Saúde Sexual e Reprodutiva em Portugal. In: Santos, Ana C. et alii (ed.).Representações sobre o aborto: acção colectiva e (i)legalidade num contexto em mudançal. Coimbra, Ecadernos CES, 2009. DOI: https://doi.org/10.4000/eces.203
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). No final do regime ditatorial, o problema do planeamento da família impunha-se, portanto, como premente, sendo discutido em reuniões da primeira célula de feminismo institucional e retratado no icónico livro feminista, apreendido em 1972, “Novas Cartas Portuguesas”.

Depois da revolução, a Constituição de 1976 consagrou o direito ao planeamento familiar, e a atribuição ao Estado do “dever de divulgar o planeamento familiar e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam essa mesma paternidade consciente”. Nesse mesmo ano, o Secretário de Estado da Saúde (e membro da APF), Albino Aroso criou consultas de planeamento familiar nos Centros de Saúde. Mas ter-se-ia de esperar 10 anos, depois da revolução de 1974, por leis nesse domínio – a da Educação Sexual e Planeamento Familiar (Lei n. 3/84, 24 de março), e a já referida Exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, Lei n. 6/84. Em 1982, uma sondagem de um jornal nacional revelava que 72% das pessoas inquiridas eram favoráveis ao aborto. Na década de 1970, os valores (incertos) do aborto clandestino estimavam-se entre os 100.000 e os 200.000 por ano, 2% dos quais terminavam em morte (o aborto era a terceira causa de morte das mulheres) ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ). Em 1999, calculava-se que apenas 1 a 2% dos abortos realizados o eram ao abrigo da legislação, numa clara disjunção entre a law in books e a law in action , ou entre os códigos legais vigentes e as práticas sociais (Duarte; Barradas, 2009; Santos et al . 2010). Um inquérito realizado pela APF revelou que, em 2005, teriam sido realizados cerca de 17 mil abortos clandestinos em Portugal. Dados da Direcção-Geral da Saúde (DGS) relativos a 2008 indicavam a realização de cerca de 18 mil IVG, no país.

O problema do aborto clandestino e da saúde pública foi aquele que forneceu os mais eficazes quadros interpretativos 4 4 Tradução de Frames , que significa genericamente os modos de definição e de construção dos problemas ( Snow, 2004 ; Lombardo; Meier; Verloo, 2009). aos movimentos pró-escolha, em detrimento de uma reivindicação mais feminista do direito da mulher ao seu corpo (Abranches; Ferreira, 1986; Alves et al . 2007; Pena, 2008PENA, Cristiana. A Revolução das feministas portuguesas 1972-1975: do “processo das Três Marias” à formação do MLM - Movimento de Libertação das Mulheres. Dissertação (Mestrado em Estudos sobre as mulheres), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ; Tavares, 2003TAVARES, Manuela. Aborto e contracepção em Portugal. Lisboa, Livros Horizonte, 2003. , 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ). Episódios de judicialização e mediatização, especialmente de julgamentos de mulheres pela prática de aborto constituíram focusing events decisivos na expansão de uma certa intolerabilidade social, na década de 2000, a uma legislação tão restritiva e disléxica ( Pena, 2008PENA, Cristiana. A Revolução das feministas portuguesas 1972-1975: do “processo das Três Marias” à formação do MLM - Movimento de Libertação das Mulheres. Dissertação (Mestrado em Estudos sobre as mulheres), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ). Os julgamentos de mulheres em torno das questões do aborto conheceram, ao longo das quatro décadas que esse debate tem atravessado, intensificação e gravidade crescentes culminando, já na década de 2000, em julgamentos bastante mediatizados. Esses julgamentos demonstraram que afinal Portugal levava mulheres a tribunal por terem praticado aborto e desmontaram o argumento do contramovimento para a manutenção da lei restritiva ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ).

Apesar de genericamente podermos dizer que foram dos partidos de esquerda as principais iniciativas legislativas em matéria de aborto e de educação sexual e planeamento familiar, o facto é que mesmo os partidos de esquerda se revelaram nesse dossiê subordinados ao receio de afrontarem os sectores mais conservadores da sociedade e das instituições portuguesas. O período mais intenso da agenda da IVG em Portugal ocorreu entre 2001e 2007, na sequência de manifestações de protesto aos julgamentos por prática de aborto, da vinda do barco da organização Women on Waves , e o Referendo de 2007. Foi nesse período que se vislumbrou uma clara diferenciação na atitude de apoio dos partidos de esquerda (Bloco de Esquerda - BE, PS e Partido Comunista Português - PCP), a par da persistente oposição do Partido Social Democrata (PSD) e do Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS/PP). Antes desse período, mulheres dos sectores femininos de partidos políticos à esquerda no espectro político denunciavam contenções e mesmo traições dos líderes políticos à causa do aborto (até aos anos 1980, o PCP subordinava a questão à causa maior da luta de classes; o PS fizera um acordo com o PSD para a realização do Referendo de 1998, no qual o Não ganhou, devido à falta de apoio do líder do partido) (Amorim, 1998; Palla, 1998PALLA, Manuela. O direito a ser… simplesmente mulher: para uma sociedade paritária. In: Actas do seminário: movimento feminista em Portugal, Ed. UMAR, Lisboa, 1998. ; Seabra, 2007SEABRA, Zita. Foi assim. Lisboa, Aletheia, 2007. ).

Foi o consenso da esquerda, o reforço das alianças dos movimentos de mulheres na luta pela descriminalização e a viragem para um governo socialista que facilitaram o resultado do Referendo de 2007 e a subsequente resposta do Estado (apropriação, de acordo com McBride e Mazur, 1995MCBRIDE, Dorothy, Amy Mazur. Comparative state feminism. Thousand Oaks, Sage, 1995. , 2005). Deve enfatizar-se que os líderes socialistas não se limitaram a prometer um Referendo, mas comprometeram o partido para apoio à campanha pelo Sim.

Depois do Referendo, e consequente conquista de direitos, o debate sobre o aborto não se extinguiu na sociedade portuguesa: os contramovimentos reorganizaram-se exigindo uma revogação dos progressos legislativos alcançados; alguns movimentos feministas reclamam um alargamento do prazo de 10 semanas. De acordo com Duarte Vilar, na sequência da Lei, todas as mulheres portuguesas que necessitarem têm acesso a serviços de IVG gratuitos em serviços públicos de saúde, clínicas privadas e alguns Centros de Saúde. Inesperadamente até os hospitais se envolveram na aplicação da Lei, o que indica, na leitura do autor, que os/as profissionais careciam de enquadramento legal para uma prática que sentiam como urgente (Vilar, 2009). O número de abortos realizados desde a implementação da lei tem diminuído (16.039, em 2014, o que corresponde a menos 9,5% do que em 2013). A controvérsia continua e intensifica-se à medida que as forças conservadoras foram tomando mais espaço na política e nos media portugueses. Exemplo disso são as palavras, de um humorista de direita, também colonista num jornal nacional5 5 “Portugal não é a Espanha, e não me parece que venha por aí um movimento de direita que tome conta do governo e queira novamente penalizar o aborto. Mas as injustiças da actual situação necessitam de ser corrigidas, porque manifestamente passámos do oito para o oitenta. Há oito anos, uma mulher que abortava podia ir parar à prisão. Hoje, ela tem os mesmos privilégios de quem deu à luz. Será assim tão difícil encontrarmos um meio termo?” (“A vergonha do aborto gratuito”, João Miguel Tavares, 13.02.2014, Público). .

O movimento ou tática decisivo surgiu, de facto, em 2015, no final da legislatura do XIX Governo Constitucional, liderado por uma coligação entre o PSD e o CDS, na última sessão parlamentar antes das férias de verão, e dois meses antes das eleições legislativas. Constituiu-se, como foi designado, “um golpe legislativo de grande cobardia governativa”, depois de várias tentativas dos sectores mais conservadores de ambos os partidos da coligação, e de algumas organizações da sociedade civil dessa ala. Essas organizações reuniram-se numa autodenominada “Iniciativa Legislativa de Cidadãos pelo Direito a Nascer” (com 38.000 assinaturas válidas), constituída por grupos que lutaram contra a descriminalização da IVG no Referendo de 2007 e anteriormente. A Plataforma pelo Direito a Nascer, apresentou a proposta de iniciativa legislativa para alterar a Lei do aborto de 2007, propondo inclusivamente o visionamento e a assinatura pelas mulheres que desejavam abortar das ecografias e o consentimento obrigatório do pai. A sua argumentação baseava-se na crise demográfica.

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias do parlamento português convocou, para duas sessões separadas, defensores da iniciativa e organizações da sociedade civil, representantes da direção do Hospital Central de Lisboa e representante do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. De fora ficou a Direção Geral de Saúde que sempre acompanhou a implementação da Lei. Sabendo que essa Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) não tinha nenhuma hipótese de passar, deputados/as do PSD e CDS apresentaram estrategicamente eles/as próprios/as várias propostas que integravam a maior parte das propostas da ILC, astuciosamente retirada pelos/as propositores/as.

Nenhuma das considerações e dados apresentados como forma de contestação pelo Hospital Central de Lisboa, pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e por vários movimentos de mulheres e da sociedade civil foi integrada ou apreciada por quem propôs a ILC.

A 22 de julho de 2015, o Parlamento Português aprovou 4 normas da proposta PSD-CDS: taxas moderadoras obrigatórias; aconselhamento psicológico obrigatório por pessoal de psicologia e ou de serviço social; médicos/as objetores/as de consciência passam a poder seguir/consultar as mulheres; consulta de planeamento familiar obrigatório depois da intervenção. A discussão das propostas foi acompanhada por contestação de alguns movimentos de mulheres dentro e fora do Parlamento. O Partido Socialista prometeu reverter esta decisão se viesse a ser eleito para o Governo no mês de outubro daquele ano.

A importância dos movimentos de mulheres e das viragens políticas

Portugal tem dois mecanismos oficiais para a igualdade. Aquele que tem maior longevidade, apesar de reestruturado, é a atualmente designada de Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (Decreto-Lei 164/2007, de 3 de maio) (doravante Comissão). A Comissão sucedeu à Comissão para a Igualdade e Direitos Humanos – CIDM, Decreto-Lei 166/91 – e à Comissão da Condição Feminina – CCF, Decreto-Lei 485/77. Complementarmente, formaram-se em redor da Comissão redes de mulheres6 6 Desde a década de 1970, a Comissão tem um Conselho Consultivo, com duas secções - a Interministerial e a das ONG – que tem sido uma importante plataforma para a institucionalização política (Walker, 2005) e ligação aos frágeis movimentos e secções de mulheres dos partidos políticos. para reivindicação e implementação de políticas (Monteiro; Ferreira, 2013).

Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na agenda da paridade (Monteiro, 2011b), a Comissão retirou-se dos debates sobre aborto e não se envolveu com as associações de mulheres. Estas, por seu turno, reivindicaram e criaram plataformas autónomas em torno desse assunto desde a década de 1970. De facto, essa foi a agenda que mais mobilizou os frágeis movimentos de mulheres (Prata, 2007; Tavares, 2000, 2008) durante mais de 30 anos, envolvendo a luta mais radical e maior cobertura mediática (Alves et al, 2009; Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. , n.d, 2007). Contudo o mecanismo oficial português optou por ser um aliado retirado, preferindo deixar o ativismo aos movimentos.

Depois de desenvolver um importante trabalho no domínio do planeamento familiar no inicio da década de 1980, trabalho legitimado pela revisão da Constituição de 1976 e da criação de consultas pelo Governo de então, a Comissão abandonou a agenda da saúde sexual e da saúde reprodutiva das mulheres. Com a APF e a Direção Geral de Saúde, a Comissão desenvolveu um vasto conjunto de atividades que incluíram publicações, programas de rádio e de televisão, bem como artigos em revistas femininas de ampla divulgação. A partir de 1977-78 a sua atividade no domínio do planeamento familiar foi extremamente intensa e marcante na sociedade portuguesa. A par dos programas de televisão de divulgação do novo Direito de Família, os programas e rubricas nos meios de comunicação social sobre planeamento deram a Comissão ao conhecimento de extensos sectores sociais naquela altura (Monteiro, 2011).

Talvez porque a problemática do planeamento familiar tenha passado a estar muito associada a da educação sexual e do aborto, e por se tratar de políticas “doutrinais”, ligadas ao status quo religioso, geradoras de oposição e de contramovimentos (Htun; Weldon, 2007), foram áreas em que a Comissão parece ter optado por não intervir a partir de finais da década de 1970. Como refere Evert Ketting (1999)KETTING, Evert. Contraception and abortion. In: Guaranteeing freedom of choice in matters of reproduction, sexuality and lifestyles in Europe: Trends and developments. European Council, 1999. , o planeamento familiar na Europa ocidental tem sido a história da luta das pessoas contra as autoridades. Prova desse caráter doutrinal da política foi a forte oposição conservadora que a própria Comissão sentiu aquando dessa intervenção formativa nos finais da década de 1970, no domínio do planeamento familiar. De acordo com dados obtidos nas entrevistas realizadas a técnicas da Comissão e a responsáveis políticos da altura, a existência da Comissão esteve em risco, ameaçada pelos sectores conservadores da Aliança Democrática (AD) – uma coligação de centro direita no Governo desde 1980 – nomeadamente da Secretaria de Estado da Família (que pertencia ao Centro Democrático Social/Partido Popular - CDS). A chegada dessas forças políticas ao poder gerou um ambiente adverso à intervenção nesse domínio “doutrinal” (Htun; Weldon, 2007); os projetos da Comissão de informação para o planeamento familiar foram acusados pelas hierarquias da Igreja Católica e pelo poder local, e denunciadas ao poder central. Nos jornais, sectores do CDS e do PPD acusavam: “Com dinheiro da Unesco, esterilizam-se mulheres em aldeias portuguesas”. Como Jiménez (2002)JIMÉNEZ, Antonia M. Mecanísmos del cambio ideológico e introducción de políticas de género en partidos conservadores: El caso de Ap-Pp En España en perspectiva comparada. Madrid, Instituto Juan March, 2002. refere, nesse período, e no seio dessa coligação PPD-PSD, CDS e PPM, esses dois partidos mais conservadores tentaram legitimar a ideologia e as políticas de direita, tentando forçar o PPD-PSD a deslocar-se nesse sentido também. A autora fala mesmo de uma “direitização” das propostas do PPD-PSD entre 1980-87 (2002), reforçando o papel tradicional das mulheres e o valor da família. Contudo, apesar da sistemática oposição do sector do CDS na coligação AD, a Comissão pode confiar com o apoio de alguns homens no Governo que a protegeram e apoiaram a sua existência e intervenção no domínio do planeamento familiar. A agência nacional para a igualdade estava a intervir numa área sensível e “doutrinal” (Htun; Weldon, 2007) que desafiava os princípios religiosos e o modelo de sociedade e de mulher defendido por esses sectores. Para eles, a ameaça à moral e à família eram riscos que pareciam advir da “emancipação das mulheres”.

Os principais episódios de debate público e de luta política pela despenalização do aborto foram a apresentação de um Projeto de Lei, pelo PCP, em 1982, a discussão e a aprovação de um Projeto de Lei do PS, em 1984, as propostas de 1997 e o Referendo de 1998, o Referendo de 2007 e a proposta que o antecedeu, e a aqui analisada proposta ao Parlamento pelo PSD/CDS-PP, em 2015.

Em termos de mobilização feminista é importante sublinhar que a reivindicação do aborto foi uma agenda introduzida na discussão pública pelo movimento de mulheres, concretamente a sua facção radical logo no pós-25 de Abril de 1974 ( Magalhães, 1998MAGALHÃES, Maria José. Movimento feminista e educação, Portugal décadas de 70 e 80. Oeiras, Celta, 1998. ; Pena, 2008PENA, Cristiana. A Revolução das feministas portuguesas 1972-1975: do “processo das Três Marias” à formação do MLM - Movimento de Libertação das Mulheres. Dissertação (Mestrado em Estudos sobre as mulheres), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ; Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ). Como referiu Maria José Magalhães (1998)MAGALHÃES, Maria José. Movimento feminista e educação, Portugal décadas de 70 e 80. Oeiras, Celta, 1998. , nela ficou impressa a marca histórica das feministas radicais que, logo em 1974-75, o reclamaram como direito da mulher ao seu corpo e à escolha. Mas só no final da década se constituiu uma primeira plataforma comum autónoma – a Campanha Nacional pelo Aborto e Contracepção (CNAC), integrada por 5 grupos de mulheres. Essa foi a primeira estrutura de mobilização autónoma e distinta da plataforma comum institucional - a Secção das ONG do Conselho Consultivo, em que a natureza heterogénea de associações representadas impossibilitava tomadas de posição conjuntas nessas matérias (Bento, 1998).

Em 1982, na sequência dos distúrbios, campanhas e controvérsias causadas pelos julgamentos de uma jornalista, Maria Antónia Palla, e de uma mulher por prática de aborto (em 1979), o PCP apresentou a primeira proposta legislativa, o que marcou um afastamento de sua atitude inicial de desconsideração de uma questão que considerava “burguesa”, em anos anteriores. O debate político seguiu um tom marcadamente moralista, o que confirma a natureza “doutrinal” da política (Htun; Weldon, 2007), bem como a “moderação” que marcava a atitude das forças políticas face ao peso do contramovimento da Igreja católica. Estava no poder executivo um partido de direita, o que significava que o ambiente político era adverso e fechado. Além disso, o espaço de discussão era dominado pelos partidos políticos, que não deram voz aos movimentos de mulheres e suas representantes7 7 Um dos exemplos do criticismo e desconfiança da CNAC relativamente à proposta legislativa apresentada pelo PCP, que não proporcionou “a participação das mulheres”, e não apoiou a CNAC em 1979, durante o julgamento de Massano e Palla ( Tavares, 2008 ). . O mecanismo oficial para a igualdade demonstrou, pela primeira vez nesse debate, a não desejabilidade do tema, argumentando, em Ofício à Assembleia da República, que não tinha sido possível chegar a um consenso na plataforma de ONG do seu CC, pelo que não emitia nenhuma posição (a discussão fizera-se na reunião da Secção de ONG a pedido de algumas associações de mulheres ligadas a partidos da esquerda). Saliente-se que entre 1976 e 1979, a Comissão realizara algum trabalho interno sobre a questão do aborto, situação que se alterou devido à mudança de liderança.

Em 1984, o Partido Socialista introduziu uma proposta legislativa que previa a descriminalização em algumas condições, o que representou a primeira lei de despenalização do aborto. Os termos do debate evocados pelas diversas partes seguiram nesse caso um caminho mais “moralista e defensista” (Abranches; Ferreira, 1986), com a própria CNAC a apresentar a questão da saúde da mulher e do evitar dos problemas do aborto clandestino ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ).

As reivindicações feministas ressurgiram na década de 1990, depois de mais julgamentos, e em 1994 constituiu-se o Movimento de Opinião pela Despenalização do Aborto em Portugal (MODAP), como uma nova plataforma conjunta que juntava associações essencialmente ligadas à esquerda e departamentos de mulheres de partidos também do espectro da esquerda. O MODAP seria um dos principais catalisadores de militância pró-legalizadora e pró-escolha, com diversas dinâmicas tanto de carácter discursivo (debates) como de grupo de interesse (cartas aos partidos, conferências de imprensa, petições) ( Beckwith, 2007BECKWITH, Karen. Mapping strategic engagements: women's movements and the state. International Feminist Journal of Politics, v. 9, n. 3, 2007, pp.312-338. ). Os partidos só reagiram em 1996-97, com a apresentação de várias propostas (PCP e PS), apesar de esse ser também o ano no qual o contramovimento católico melhor se organizou, lançando campanhas contra o movimento feminista pró-escolha.

Em 1998, passou no Parlamento uma proposta da Juventude Socialista, mas um acordo entre o líder do PSD e o líder do PS e Primeiro-Ministro António Guterres ignorou a aprovação e remeteu a decisão para um Referendo. A concentração da militância pró-legalização num único movimento8 8 Movimento Sim pela Tolerância, que no próprio nome indicava um enquadramento interpretativo para a despenalização pouco assertivo, uma vez que fazia do Sim uma questão de tolerância para com um gesto que se anunciava assim errado (Alves et al, 2009), retirando combatividade ao argumentário. ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ), a maior união do campo da direita do que da esquerda, especialmente a atitude de falta de apoio e de envolvimento do Partido Socialista na campanha, e a forte campanha do contramovimento ligado à Igreja surgem, assim, como os factores por detrás da vitória do Não no Referendo. Dessa vez, o partido socialista no poder não foi uma estrutura de oportunidades políticas aberta nem aliada, dada a atitude do seu líder, baseada nas suas crenças pessoais religiosas e morais. O único sinal que veio da Comissão foi a criação de um novo grupo de trabalho na Secção das ONG, proposto pela APF – o Grupo de Trabalho para a Saúde Reprodutiva.

O movimento pró-escolha apenas depois de 2002 pode contar com o apoio de toda a esquerda para confrontar a oposição de um governo de centro-direita (PSD/CDS-PP). A proibição de entrada do barco da Women on Waves nas águas portuguesas e a sua recepção por corvetas da Marinha, a mando do Ministro da Defesa Paulo Portas (CDS-PP), intensificou o debate e desencadeou protesto e solidariedade nacionais e internacionais com a causa ( Alves et al., 2009ALVES, Magda et alii. A despenalização do aborto em Portugal ― discursos, dinâmicas e acção colectiva: Os referendos de 1998 e 2007. Oficina do CES, 320, Coimbra, 2009. ; Duarte, 2006; Peniche, 2007PENICHE, Andrea. Elas Somos Nós: O direito ao aborto como reivindicação democrática e cidadã. Porto, Afrontamento, 2007. ; Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ). Os ecos desse episódio e dos protestos pelos julgamentos de mulheres na comunicação social parecem ter sido decisivos num alerta coletivo para as contradições e disjunções entre a normatividade jurídica e a normatividade social. Esse facto não só veio fortalecer os argumentos a favor da descriminalização, mas também esgotou a argumentação do contra movimento católico (de que nenhuma mulher era julgada ao abrigo da lei vigente).

O ponto de viragem que chegou com a eleição de um Governo socialista, em 2005, e a atitude do seu novo líder, José Sócrates (que não só colocou no programa eleitoral do partido a realização de um novo Referendo, como comprometeu o partido com a campanha pelo SIM) abriram janelas de oportunidades inéditas até aqui. Tavares refere também o novo quadro interpretativo estrategicamente evocado pelos movimentos pró-despenalização, associado à saúde da mulher, e ao problema dos abortos clandestinos e não ao direito à escolha, como facilitador da sua aceitação pública em diversos sectores antes reféns da argumentação conservadora católica e antifeminista ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ).

Ainda que se tenham formado estrategicamente diversas plataformas pelo Sim no Referendo ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ), essa diversidade reforçou a convergência em torno da mesma reivindicação. Reforçou também as alianças dos movimentos feministas com outros movimentos (especialmente os LGBT), ampliou os seus repertórios de ação e estruturas de mobilização, bem como a adesão de novas gerações de militantes ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ).

Parecem ter sido, portanto, o consenso da esquerda, o reforço de alianças dos movimentos de mulheres na militância pela despenalização e a viragem governativa para um governo PS com um líder apoiante, que constituíram os fatores facilitadores para o resultado do Referendo de 2007 e a consequente Lei.

Como é possível verificar, a Comissão nunca tomou uma posição na agenda do aborto, como aliada das reivindicações dos movimentos pró-escolha ou pró-descriminalização. Mesmo nessa altura, quando o partido no Governo assumiu proativamente a questão, a Presidente da Comissão apareceu nos debates televisivos em torno do Referendo “meramente a título pessoal”.

Considerações finais

Em Portugal a questão do aborto foi uma causa dos movimentos de mulheres, apoiada, ainda que de forma inconsistente (Prata, 2007; Rodrigues, 2009; Tavares, 2003TAVARES, Manuela. Aborto e contracepção em Portugal. Lisboa, Livros Horizonte, 2003. , 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ), pelos partidos da ala esquerda em oposição aos partidos da ala direita e aos sectores conservadores da sociedade portuguesa que eles representam (Monteiro, 2012). A Comissão não teve acesso ao processo de tomada de decisão, e os partidos representaram estruturas de oportunidade política da maior importância, especialmente entre 2002-07. A natureza conservadora dos partidos e a sua subserviência eleitoral a forças conservadoras foram destacadas, por exemplo, por Jimenez (2002)JIMÉNEZ, Antonia M. Mecanísmos del cambio ideológico e introducción de políticas de género en partidos conservadores: El caso de Ap-Pp En España en perspectiva comparada. Madrid, Instituto Juan March, 2002. , em relação ao facto de que a maior parte das iniciativas acerca do aborto foram acompanhadas por propostas de proteção da maternidade, educação sexual e planeamento familiar, bem como de discussões acerca da saúde materna. Concluiu-se (Monteiro, 2012) que, no passado, os casos de julgamento e sua cobertura mediática, bem como os seus ecos internacionais, contribuíram decisivamente para um ambiente político mais favorável às reivindicações, embora em nome do direito das mulheres à saúde e não à escolha. A própria Lei de 2007 expressa uma atitude paternalista e moralista, intensificadas nas alterações de 2015, especificamente na sua prescrição de monitorização e aconselhamento psicológico no já mencionado “período de reflexão”.

Essa pode ser a razão pela qual Cristiana Pena relativiza a vitória da Lei do aborto dizendo que a mobilização em torno dessa matéria foi mais do que uma luta feminista (mas também uma batalha de concepções sobre família e planeamento familiar, entre esquerda e direita) (Pena, 2008). A autora adianta que, em 2007, muitas ativistas rejeitaram autodesignarem-se feministas, temendo o rótulo ou discordando de algumas estratégias usadas (2008). Segundo a autora, mesmo os principais eventos que levaram à abertura de estruturas de oportunidades políticas, como os julgamentos e sua mediatização, acabaram por anular a luta feminista e reduzir o impacto das suas reivindicações ( Pena, 2008PENA, Cristiana. A Revolução das feministas portuguesas 1972-1975: do “processo das Três Marias” à formação do MLM - Movimento de Libertação das Mulheres. Dissertação (Mestrado em Estudos sobre as mulheres), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ).

Como este estudo demonstra, a agenda do aborto confrontou as representantes das mulheres portuguesas com um sistema e atores, em geral, não muito abertos ou favoráveis às suas reivindicações. Os partidos políticos destacam-se a esse respeito, uma vez que as reivindicações se lhes dirigiram, dada a posição central que ocupam no debate nessa área de política. Um estudo sobre feminismo de Estado em Portugal concluiu, de facto, que os partidos e o Parlamento representaram as estruturas de oportunidade política menos receptivas às reivindicações feministas. Justifica-o o fato de eles serem dominados por elites masculinas, com secções de mulheres pouco ponderosas, e seguindo um modelo de decisão centralizada (Monteiro, 2011a).

Na ausência de vozes internas fortes (que possam ser representadas por secções de mulheres) e de pressão externa, dada a fragilidade do movimento de mulheres e a indiferença à desigualdade de género que caracteriza a sociedade portuguesa em geral ( Ferreira, 2011FERREIRA, Virgínia. Engendering Portugal: Social Change, State Politics and Women’s Social Mobilization. In: PINTO, António C. (ed.). Contemporary Portugal, Boulder, Social Science Monographs, Columbia University Press, 2011, pp.153-192. ), os partidos não têm sentido nenhuma pressão para legislar e agir com urgência ou assertividade nas questões da igualdade. Adicionalmente, em contraste com a situação de Espanha, em Portugal, os partidos não percebem a promoção da igualdade de género como um trunfo eleitoral, como destacou Jiménez (2002JIMÉNEZ, Antonia M. Mecanísmos del cambio ideológico e introducción de políticas de género en partidos conservadores: El caso de Ap-Pp En España en perspectiva comparada. Madrid, Instituto Juan March, 2002. , 2009JIMÉNEZ, Antonia M. Women and decision-making participation within rightist parties in Portugal and Spain. Análise Social, v. XLIV, n. 191, 2009, pp.235-263. ). Em vez disso, a sua reverência às forças conservadoras e os legados institucionais associados ao catolicismo fizeram-nos temer e evitar estrategicamente questões controversas como a IVG. Recentemente, essa realidade parece estar a mudar, constituindo-se a agenda do aborto como uma agenda claramente distintiva dos partidos de esquerda e de direita, como demonstrado pelo backlash que ocorreu em 2015. Ele ilustra bem os riscos que representa para a agenda feminista e dos direitos das mulheres uma viragem para forças políticas de direita, num país como Portugal. Esse risco parece particularmente severo no contexto de uma crise financeira e societal, e de um regime de austeridade, no qual os quadros interpretativos assentes em cortes nas despesas (por exemplo, no sistema de saúde) e os receios demográficos são fortemente legitimados e aceites.

A agenda aqui apresentada desafia o status quo dominante pela necessidade de sexualizar o debate em seu torno, razão pela qual ela foi tão controversa e acolheu tamanha atenção mediática. Envolve uma política doutrinal que desafia os princípios morais estabelecidos, assentes no catolicismo e no domínio da Igreja católica, gerando fortes contramovimentos contra os quais os próprios movimentos pró-escolha tiveram de construir quadros interpretativos mais “efetivos”, mas menos feministas (Abranches; Ferreira, 1986; Pena, 2008PENA, Cristiana. A Revolução das feministas portuguesas 1972-1975: do “processo das Três Marias” à formação do MLM - Movimento de Libertação das Mulheres. Dissertação (Mestrado em Estudos sobre as mulheres), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ; Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ).

Esses aspectos justificam o facto de terem sido necessários cerca de 30 anos para alcançar o primeiro resultado razoavelmente satisfatório, em 2007, e de ele ter sido ameaçado em tão curto período de tempo. Os traços conservadores das instituições portuguesas influenciaram as reivindicações de descriminalização, e o golpe de 2015 destruiu parte do conquistado por um Referendo popular. Trata-se de um tema que abre fissuras, não apenas na sociedade portuguesa, mas também nos partidos, instituições e mesmo nos movimentos sociais, cujos impactos e futuros episódios estão ainda por conhecer.

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  • WALL, Karin; Amâncio, Lígia. Família e Género em Portugal e na Europa. Oeiras, Celta, 2007.
  • 1
    Já depois da submissão deste artigo, em dezembro de 2015, a nova maioria parlamentar, composta por forças políticas de esquerda, reverteu este backlash sobre os direitos das mulheres e não discriminação. De facto, o Parlamento aprovou nova legislação afastando as emendas e eliminando o pagamento das taxas moderadoras pelas mulheres e a obrigatoriedade de aconselhamento psicológico e social às mulheres que decidam fazer uma IVG.
  • 2
    Htun e Weldon designam de doutrinais as políticas que provocam a ira das religiões organizadas e de não doutrinais as que não estão relacionadas com controvérsias religiosas (2007).
  • 3
    A Comissão é o organismo oficial para a igualdade, que é responsável pela implementação das políticas públicas de igualdade desde a década de 1970.
  • 4
    Tradução de Frames , que significa genericamente os modos de definição e de construção dos problemas ( Snow, 2004SNOW, D. A. Framing Processes, Ideology, and Discursive Fields. In: SNOW, David A.; SOULE, S. A.; KRIESI, H. (ed.). The blackwell companion to social movements. Oxford, Blackwell, 2004, pp.3-28. ; Lombardo; Meier; Verloo, 2009).
  • 5
    “Portugal não é a Espanha, e não me parece que venha por aí um movimento de direita que tome conta do governo e queira novamente penalizar o aborto. Mas as injustiças da actual situação necessitam de ser corrigidas, porque manifestamente passámos do oito para o oitenta. Há oito anos, uma mulher que abortava podia ir parar à prisão. Hoje, ela tem os mesmos privilégios de quem deu à luz. Será assim tão difícil encontrarmos um meio termo?” (“A vergonha do aborto gratuito”, João Miguel Tavares, 13.02.2014, Público).
  • 6
    Desde a década de 1970, a Comissão tem um Conselho Consultivo, com duas secções - a Interministerial e a das ONG – que tem sido uma importante plataforma para a institucionalização política (Walker, 2005) e ligação aos frágeis movimentos e secções de mulheres dos partidos políticos.
  • 7
    Um dos exemplos do criticismo e desconfiança da CNAC relativamente à proposta legislativa apresentada pelo PCP, que não proporcionou “a participação das mulheres”, e não apoiou a CNAC em 1979, durante o julgamento de Massano e Palla ( Tavares, 2008TAVARES, Manuela. Feminismos em Portugal (1947-2007). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2008. ).
  • 8
    Movimento Sim pela Tolerância, que no próprio nome indicava um enquadramento interpretativo para a despenalização pouco assertivo, uma vez que fazia do Sim uma questão de tolerância para com um gesto que se anunciava assim errado (Alves et al, 2009), retirando combatividade ao argumentário.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2015
  • Aceito
    18 Jul 2016
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