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Desaprender para aprender: uma resenha de Pedagogia da desobediência, de Thiffany Odara

ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. 2020. Editora Devires

Os cenários acadêmico e editorial, nos últimos anos, têm se aberto não apenas à problematização e reflexão crítica de temas subalternizados, mas também à inclusão de vozes de grupos minorizados e dissidentes. Tal movimento, ainda que não tenha dirimido a secular opressão sofrida por pessoas negras, principalmente mulheres, e LGBTQIA+s, principalmente transexuais/travestis, revela-se não apenas necessário, mas benfazejo, uma vez que possibilita a ampliação do conhecimento e do campo de debate. Nesse âmbito, destacamos a obra Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação , da pedagoga, ialorixá e ativista Thiffany Odara, publicado pela Editora Devires, na coleção “Saberes trans”, em 20201 1 Compõem os lançamentos iniciais da editora, nessa coleção, os títulos Crianças trans ( Favero, 2020 ), Nem ao centro, nem à margem ( Oliveira, 2020a ) e O diabo em forma de gente ( Oliveira, 2020b ). Além desses, cumpre destacarmos, apenas do ano de 2020, as publicações de Homo Inc.oporated ( Bourcier, 2020 ), Pornotopia ( Preciado, 2020a ) e Um apartamento em Urano ( Preciado, 2020b ). Nesse mesmo movimento, destacamos o lançamento de Transfeminismo ( Nascimento, 2021 ) na bem sucedida Coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro. .

Publicações como a obra de Odara, objeto desta resenha, constituem em si mesmas um acontecimento , uma vez que marcam uma ruptura quanto ao silenciamento imposto à população trans e sua compulsória exclusão histórica dos espaços de produção de saber como sujeitas 2 2 Assumimos o uso o termo sujeita , considerado erro gramatical, em um movimento de produção de estranhamento, para destacar os pressupostos binaristas cis-heterossexistas da língua portuguesa. Para tanto, assumimos a reflexão de Kilomba (2019) , para quem “é importante compreender o que significa uma identidade não existir na sua própria língua, escrita ou falada, ou ser identificada como erro. Isso revela a problemática das relações de poder e violência na língua portuguesa, e a urgência de se encontrarem novas terminologias” ( Kilomba, 2019: 15). e sujeitos de suas pesquisas - e não apenas como objeto, muitas vezes desvalorizado3 3 Cabe notar que, no mesmo ano de publicação do livro aqui resenhado, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) afirmou, de acordo com o Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020 (Benevides, Nogueira, 2021), que o número de assassinatos violentos cometidos contra pessoas trans/travestis foi elevadíssimo e apresentou aumento em relação à média dos anos anteriores. Diante disso, destacamos que, ainda que a visibilidade seja instrumento fundamental de defesa e luta, não é suficiente contra a opressão sofrida por essa parcela da população. É necessário lutar por políticas públicas (educacionais e jurídicas) de efetiva defesa dos direitos de transexuais e travestis. . Corroboraram (e ainda corroboram) para esse silenciamento alguns fatores. Um deles é a psiquiatrização sofrida por essas sujeitas e sujeitos, uma vez que, apenas em 2018, o Conselho Federal de Psicologia retirou a transexualidade do rol das “psicopatologias, transtornos mentais, desvios e/ou inadequações” (Conselho, 2018). Tal psiquiatrização, em uma sociedade que historicamente relega o outro (e a outra ) da dita “racionalidade” para o silêncio, conferindo à sua fala a pecha de incoerente, sem sentido ou inválida no complexo jogo do regime de produção de verdade.

Outro desses fatores diz respeito ao alto índice de evasão de sujeitas e sujeitos LGBTQIA+s das escolas; índice que aumenta ainda mais se considerarmos a interseccionalidade dos sistemas de opressão, ou seja, se levarmos em conta o modo como a cis-heteronormatividade se atrela ao classismo, ao patriarcado e ao racismo na distribuição de bens sociais, dentre os quais o “conforto” e o “acolhimento” que a escola deveria oferecer a crianças e jovens marcadamente dissidentes em relação às normas impostas. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em nota de dezembro de 2020, “estima-se que 70% [das pessoas trans] não concluiu o ensino médio e que apenas 0,02% encontram-se no ensino superior” ( ANTRA, 2020ANTRA. Nota da Antra sobre cotas e reservas de vagas em universidades destinadas às pessoas trans. 17 dez. 2020 [https://antrabrasil.org/2020/12/17/nota-antra-cotas-universidades-pessoas-trans/ - acesso em: 10 maio 2021].
https://antrabrasil.org/2020/12/17/nota-...
).

Tal situação, candente no cenário atual, repercute no aumento do número de pesquisadoras trans no campo da educação e da pedagogia, como Letícia Nascimento, Megg Rayara Gomes de Oliveira, Marina Reidel, Jaqueline Gomes de Jesus4 4 Essa lista, obviamente, não tem um caráter fechado e sua incompletude deve ser marcada. Além disso, não contempla importantes nomes trans da contemporaneidade que têm forte impacto na educação (e nas artes, e mesmo numa perspectiva que não traça limites rígidos entre as duas áreas), como o de Ana Flor Nascimento, Bia Kalutor e Ventura Profana. – que, em seu Como eu não dancei (2020), narra tanto a violência sofrida nos espaços escolares ao longo de sua trajetória, quanto a guinada que dá como uma professora que se insurge contra essa lógica excludente. Juntamente com essas pesquisadoras, encontra-se Thiffany Odara.

Odara é uma “intelectual orgânica”, ou seja, que alia a prática teórico-acadêmica à vivência engajada politicamente, no diálogo com a comunidade da qual emerge sua voz. A autora possui uma profícua história de contribuição nos movimentos sociais e lutas em defesa da população LGBTQIA+ e negra de Salvador e região metropolitana, em espaços de diálogo e de aprendizagem não formal, no contato direto com a sua comunidade e arredores. Além disso, é ialorixá, cargo dirigente da casa de candomblé Ilê Àse Ibá Omin Ajô Ewê , em Lauro de Freitas. Essa casa é ligada à Associação Religiosa Oyá Matamba, responsável por ações educativas e de redução de danos junto à comunidade local. Odara é pedagoga com especialização em “Gênero, raça, sexualidade e etnia na formação de educadores”, realizada na Universidade do Estado da Bahia, em 2019.

Pedagogia da desobediência é produto dessa especialização. No entanto, deve-se notar que a obra não se dirige apenas a educadores ou gestores escolares, ou apenas aos grupos sociais diretamente atingidos por sua reflexão (pessoas trans e/ou negras). Escrita em uma linguagem acessível, ainda que não simplificadora dos conceitos elencados, a obra volta-se a todas as pessoas que se interessam por uma escola e, consequentemente, uma sociedade mais inclusiva.

Ao longo de seus sete capítulos, o livro promove um resgate dos saberes do movimento trans soteropolitano, com a finalidade de construir uma proposta de travestilização dos espaços de educação, de modo a contemplar não apenas grupos minorizados, mas “todes”. É nesse sentido que se constrói a “desobediência” proposta no título – como desobediência aos padrões cis-heterossexistas e aos padrões da branquitude, formulados e reiterados como cerne do funcionamento da ideologia da colonialidade.

A obra de Odara dialoga, certamente, com a obra freireana, cujos títulos de maior relevo internacional se organizam a partir da mesma construção sintática: “Pedagogia de”… E aí temos suas Pedagogia do oprimido ( Freire, 2017FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 64.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2017 [1974]. ), Pedagogia da autonomia (Freire, 2016a), Pedagogia da tolerância (Freire, 2016b). Como “herdeira” e também problematizadora, Pedagogia da desobediência (2020), de Odara, visa contemplar questões de gênero que não constituíram um foco privilegiado da teorização do autor pernambucano.

No primeiro capítulo, Odara nos introduz ao projeto político e acadêmico que enseja sua relação com o objeto teórico sobre o qual se debruçará. Compreende assim que, para partilhar as histórias de travestis como produção de conhecimento, devemos nos situar na fronteira entre os códigos e signos que compõem seus corpos e o modo como eles são vistos (e posicionados) pela sociedade. Apresenta, portanto, a marcação de seu lugar de fala pela relação dialética entre identidade (política, subjetiva) e identificação (social, coletiva).

É nesse lugar que se situa sua escrita - já como uma “prática desobediente” - com potencial para promover uma ruptura “com as diversas opressões que acarretam a vida da população de travestis e transexuais” ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 13), uma vez que se trata de uma prática que subverte a lógica do silêncio imposta a essa população. Essa é a lógica que a autora demonstra a partir de dados sobre algo que podemos chamar de trans-necropolítica , que atinge de forma massiva transexuais femininas negras. É nesse contexto histórico de assassinato e marginalização estrutural dessas sujeitas que Odara (2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 15) vai compreender o movimento social de travestis como algo que permita a construção de “uma proposta pedagógica inclusiva no viés da transgeneridade voltada para uma educação que potencialize as diferenças, desafiando a lógica dicotômica de gêneros”.

Podemos compreender, nesse movimento da autora, uma relação entre os conceitos de necropolítica ( Mbembe, 2018MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. 3.ed. São Paulo, n-1 edições, 2018. Tradução: Renata Santini. ) e de epistemicídio ( Carneiro, 2005CARNEIRO, Sueli Aparecida. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. ), ou seja, a relação que se estabelece entre a morte (física) de “corpos transgressores”, como Odara os chama, e o silenciamento sistemático (assassinato simbólico) de suas vozes e saberes. Evoca-nos, assim, o chamamento empreendido pela poeta e teórica americana Audre Lorde – autora com que trabalha Odara em seu livro – ao abordar “A transformação do silêncio em palavra e em ação” (Lorde, 2020). Lorde compreende que o silenciamento pode ser uma estratégia de sobrevivência, uma vez que é gerado pelo medo, e que sua ruptura pode gerar uma “visibilidade que nos torna mais vulneráveis” (Lorde, 2020:54); mas também compreende que, contraditoriamente, essa ruptura representa maior força para grupos historicamente silenciados e exterminados, afinal “a máquina vai tentar nos reduzir a pó de qualquer maneira, quer falemos, quer não” ( Lorde, 2020LORDE, Audre. A transformação do silêncio em palavra e em ação. In: LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e conferências. Belo Horizonte, Autêntica, 2020, pp.51-55 [1977]. Tradução: Stephanie Borges.: 54).

Da mesma maneira, Odara visa, com sua proposta de uma Pedagogia da desobediência, evidenciar “a possibilidade de protagonismo de vidas marginalizadas”, opondo-se assim à necropolítica, e de “vozes subalternizadas historicamente” ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 16), opondo-se ao epistemicídio. Assim, torna-se possível confrontar o modelo educacional vigente, de matriz colonial, ou seja, intrinsecamente cis-heterossexista, racista e classista. Ademais, compreende que todo movimento “transgressor” de desobediência epistêmica (e por que não acrescentar de desobediência ética) constitui um mecanismo de travestilização, no sentido de des-enformar (mudar a forma) e res-significar o corpo formal da educação vigente.

Esse movimento, para se constituir, baseia-se no coletivo, de modo que a autora reclama o papel de coautoras/es para suas interlocutoras/es teóricas/os (Audre Lorde, Jaqueline de Jesus, etc.) e para as ativistas do movimento das travestis. No segundo capítulo, portanto, apresenta sua metodologia de trabalho, o viés epistemológico que vai propiciar a constituição dessa proposta de um ponto de vista coletivo e plural. Observamos, aqui, que seu conceito de “coletividade” implica o rebatimento entre experiência individual (singular) e o universo social e histórico. Com isso, Odara (2020)ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020. opta por adotar, metodologicamente, a história oral como meio de acesso às memórias pessoais e, por consequência, ao grupo social de que fazem parte suas sujeitas de pesquisa.

Como afirma a autora, a utilização da história oral se impõe como ferramenta de pesquisa, uma vez que – por motivos já expostos nesta resenha – permite o registro dos saberes e narrativas de ativistas travestis e mulheres trans, compulsoriamente invisibilizadas e silenciadas pela cis-heteronormatividade. Nesse sentido, pode-se conferir ao livro o importante papel de fornecer um repositório, ainda que quantitativamente restrito, para a preservação da memória das lutas de movimentos sociais de travestis e meio de circulação dos saberes através deles/neles engendrados. Odara é muito sensível ao reconhecer o caráter pedagógico e a validade epistemológica desses conhecimentos e dessas ações que se dão fora das instituições sociais que, grosso modo, não acolhem ou mesmo expulsam sujeitos/ sujeitas e corpos dissidentes em relação à norma hegemônica. Permite-nos, com isso

colher frutos de um passado não tão distante, e cocriar um futuro desobediente e guiado pela resistência de vida daquelas que antecederam a [sua, mas também a nossa] existência. Tudo isto faz esta pesquisa ser, mais que um trabalho acadêmico, um memorial ancestral sobre o registro de saber de quem sou eu [e, por extensão, quem somos nós] hoje ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 25).

Partilhamos, na primeira pessoal do plural, essa possibilidade de colher frutos e de cocriar um futuro, na esteira do que nos diz Odara em seu texto, ao posicionar-se como sujeita de pesquisa e agente social no âmbito das lutas pelos direitos de travestis e transexuais. Fazemos isso, uma vez que compreendemos com Odara esse chamamento para uma percepção integradora da sociedade, segundo a qual as diferenças, ao invés de gerarem divergências ou conflitos, geram “riqueza”. Não é por outro motivo que, como se verá mais adiante, a autora compreende que a pedagogia da desobediência deva ser uma prática educativa que possibilite o diálogo e a integração social, envolvendo-nos a “todes”.

A seguir, esse segundo capítulo traça uma breve, mas elucidativa teorização acerca da exclusão social e do empoderamento, para, com isso, introduzir as falas de suas “amigas / companheiras” ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 28) do ativismo travesti e transexual. Ali, temos a oportunidade de entrar em contato com a história pessoal, a história coletiva e a reflexão aguçada de pessoas cujos nomes fazemos questão de destacar aqui: Keila Simpson, Andreza Belluchi, Tiane, ou Tica, e Millena Passos. A partir de seus depoimentos, podemos entrar em contato com aspectos singulares daquilo a que, geralmente, só se tem acesso (quando se tem) por meio de estatísticas. Seus depoimentos falam-nos da luta pelos direitos das travestis e transexuais e suas conquistas, dos obstáculos sociais e da violência enfrentados com a transição… Em suma, particularizam, dão rosto e “pessoalidade” às histórias, em oposição à desumanização sofrida por essas sujeitas .

Passemos, brevemente, para os capítulos 3 (“Resistir para existir”) e 4 (“Transfeminismos”). Em um, a autora versa sobre a história do movimento de travestis e transexuais, no Brasil como um todo, mas com especial enfoque para Salvador. No outro, nos apresenta o pensamento transfeminista, em diálogo com o feminismo negro (evocado a partir de Patricia Hill Collins). Chama-nos atenção para a ordem com que os dois capítulos são apresentados na obra, dando um efeito de primazia à prática social em relação à teorização, sem, no entanto, desprezar o importante papel que a teoria tem para a prática. Poderíamos mesmo, ainda que ultrapassando as referências trazidas pela autora, lembrarmo-nos da frase de Lênin – “Sem teoria revolucionária, não pode haver movimento revolucionário” (Lênin, 2020:39) – e invertê-la, considerando que o movimento revolucionário e, antes de tudo, libertário ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020. ), também é fundamental para o desenvolvimento do pensamento transfeminista.

De fato, a ordem com que a autora nos apresenta os dois tópicos diz respeito à ênfase na ação, nos corpos inseridos em seus contextos de luta, no reconhecimento daquelas que abriram caminho e pavimentaram direitos comuns hoje não só a travestis e transexuais, mas a toda a população LGBTQIA+ e, até mesmo, a grupos cis-heterossexuais. Essa ação não é irrefletida, podendo ser considerada antes como uma práxis , em que ação e pensamento se conjugam continuamente. No entanto, por motivos históricos, essa ação não tem sua validade intelectual devidamente reconhecida. Dar primazia a essa história e a essas ações é conferir um estatuto de prestígio a essas vivências e a esses corpos (a autora, em alguns momentos, fala em corpas ) como vetores privilegiados de reflexão contra-hegemônica. Como apontam Bernardino-Costa e Grosfoguel,

a trajetória individual e coletiva dos sujeitos subalternos (...) é vista como um privilégio epistemológico de onde se elabora também um pensamento de fronteira a partir de uma perspectiva subalterna (Bernardino-Costa, Grosfoguel, 2016:20).

Já estamos, assim, nesses quatro capítulos, em diálogo constante com a pedagogia da desobediência , posto que a proposta trazida por Odara (2020)ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020. visa romper os limites que embasam dicotomias coloniais, que organizam hierarquicamente, não apenas sujeitos cisgêneros e transgêneros, brancos e negros, heterossexuais e homossexuais, mas que também se espacializa, ou melhor, se materializa no espaço pela tensão entre um pretenso dentro e um fora da educação. Já são práticas educacionais a ação de movimentos sociais, a teorização feita por pessoas subalternizadas, a apreciação da memória oral dos indivíduos… Por isso, ao chegarmos ao capítulo 5 (“A educação escolar no contexto das diferenças”), vemos apenas uma especialização, uma circunscrição daquilo que vem sendo abordado desde o início do livro.

Nesse capítulo, a autora se posiciona criticamente ao discurso preconceituoso e estereotipado que grassa nas escolas, como um funcionamento equivocado delas. Diz-nos, portanto, que “a escola precisa assumir seu real papel, que é transformar o que está imposto e exposto nesse contexto de desrespeito e desvalorização das diferenças” ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 82, grifo nosso). O papel “falso” da escola seria, então, aquele que corrobora para o que já nos foi apresentado: o silenciamento, a opressão, a violência, o genocídio. Trata-se do papel de quem não busca conhecer o aluno para melhor ensiná-lo e não se dispõe a estabelecer um vínculo afetivo por meio do qual o conhecimento possa ser construído como vivência; de quem, sobretudo, não aceita o outro em sua maneira de ser - se invertermos o que nos diz Santos (apud Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020. )5 5 Santos enumera uma série de características do educador comprometido com a valorização de todes, como: “conhecer o aluno para educá-lo; conhecer como aprende para ensiná-lo; saber quais aprendizagens estão construídas nesse sujeito” (Santos, apud Odara, 2020: 83) etc. .

Thiffany Odara, em diálogo com Paulo Freire e com diversos autores antirracistas (como Jurema Werneck e Grada Kilomba) e decoloniais (como Eduardo Restrepo, Axel Rojas e María Lugones), defende que

[a] educação deve se caracterizar como instrumento fundamental nos processos de socialização e valorização das diferenças, pois é de grande importância trabalhar as pluralidades existentes no âmbito social. Porém, por questões políticas e ideológicas, na maioria das vezes, fecha-se para o diálogo com as diversas formas de existência na sociedade, formatando, excluindo e marginalizando sujeitos e consecutivamente os corpos que estão fora da lógica dita dos “padrões dominantes”, entendidos aqui como “padrões de exclusão social”, baseados na estrutura do racismo sexismo/machismo, heteronormatividade e cisgeneridade ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 86).

Esses padrões carregam, como nos alerta Odara (2020)ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020. , as marcas do colonialismo que se mantêm a partir dos modelos dominantes da colonialidade. Por conseguinte, se os processos educativos se fundamentam nesses modelos, é necessário um trabalho ativo e consciente em prol de uma educação que os reverta, uma educação decolonial, por definição antirracista e anticis-heterossexista: uma educação que se paute por um processo sistemático e engajado de desobediência. Com engajado , pretendemos dizer que haja uma tomada de posição e uma criticidade na ação de – deliberadamente – não obedecer às normas que, mesmo não sendo formais e explícitas, enformam o espaço escolar como segregador de diferenças em relação a um tanto mais pernicioso quanto mais silencioso “padrão normativo” (branco, cisgênero, heterossexual, masculino, cristão, de classe média etc.).

Além disso, essa desobediência se origina do movimento das travestis – ainda que não só nele, uma vez que o foco dado a esse grupo social pela autora não oculta a interseccionalidade como sistema imbricado de opressões. Diz-nos, assim, que

a Pedagogia da Desobediência nasce pelas entranhas do movimento de travestis, como uma perspectiva de educação cuja intenção é confrontar toda marginalização de corpos dissidentes nos espaços educacionais. Uma perspectiva nascida da negação social, o que faz dessa negação o fio condutor para uma perspectiva educacional desobediente e travestilizada. A Pedagogia da Desobediência nasce mergulhada em perspectiva da pedagogia feminista decolonial, uma vez que partilha do mesmo objetivo ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 90).

E se dá pela compreensão das trajetórias de lutas como processos de aprendizagem. Dessa forma, podemos ler o conceito de educação construído pela autora: um projeto político, ético e epistêmico. Trata-se de uma educação que se fundamenta sobre a perspectiva do político como espaço de diálogo e de busca pela organicidade. Opõe-se assim a essas propostas que vêm assombrando o cenário educativo brasileiro, baseadas em uma dicotomização entre ideologia na escola e escola sem ideologia (“sem partido”), ao compreender a inseparabilidade constitutiva do pedagógico e do político-ideológico em sua matriz histórica de opressão colonial. É porque há política na escola (política de exclusão, de separação, de marginalização) que se deve intervir politicamente nela.

A produção de conhecimentos, tomada pelo mesmo discurso da necessidade de “desideologização” do ensino como o fundamento primeiro da escola, é elencada por Odara (2020)ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020. como consequência necessária de sua Pedagogia da Desobediência. Aproximando-se do trabalho fulcral de Nilma Lino Gomes (2017)GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, Vozes, 2017. , que compreende os saberes construídos nas lutas dos movimentos de libertação antirracistas, Odara (2020)ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020. afirma que a Pedagogia da Desobediência reeduca a sociedade e a emancipa, produzindo novos conhecimentos.

Enfeixando o trabalho, Odara apresenta-nos no sexto capítulo – “Desobedecendo o ‘cis’tema’: debatendo saberes” – como sua reflexão se articula às contribuições trazidas por suas coautoras acerca das políticas públicas e o que o ambiente escolar representou em suas histórias: negação de direitos, violência, exclusão, bullying (Odara, 2020). Propondo modos de reverter essa situação, Keila Simpson destaca a importância de contemplar a população trans em todo o processo formativo, não apenas pela regulamentação de cotas; Tiane, ou Tica, aborda um currículo que valorize toda existência social; Andreza Belluchi propõe uma educação das diferenças, “uma educação de valorização cultural respeitando a corporeidade” ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 100).

Odara compreende que a escola excludente, que serve como mantenedora das desigualdades, é condicionada pela relação de poder colonial, ainda vigente, e que, portanto, para superar essa relação a escola deve desobedecer sua lógica.

A pedagogia desobediente surge como uma proposta [de] educação que busca confrontar e subverter todo cis’tema de negação que recaia sobre os corpos dissidentes, em específico das travestis. Então, travestilizar a educação se torna uma prática cotidiana através do contraponto aos modelos engessados da educação, onde a busca é de descolonizar o pensamento ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 102).

Para tanto, Odara parte do legado deixado e continuamente reelaborado pela insubmissão e a insurgência dos movimentos sociais de travestis e transexuais, como uma das possibilidades de desconstrução das políticas segregadoras e reinvenção da escola. Com isso, porém, não deixa de levar em conta a inclusão de “todes”, pela valorização da pluralidade de existências que habitam a escola. Travestilizar a educação recobre-se, assim, do sentido de transformação e reconstrução da escola, de modo a adequar o corpo de educandos e educandas à sua verdade – retomando a distinção feita pela autora entre a “falsa” escola e seu real papel na sociedade.

Para tanto, é preciso “deseducar a educação” ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 105). Com isso, ela finaliza o texto, no capítulo 7, reafirmando o caráter antirracista, antimachista, anti-cisheteropatriarcal da pedagogia da desobediência como um mecanismo de transformação social relevante. Chama-nos atenção, nesse sentido, como o livro revela a educação como um espaço constitutivo das mudanças sociais, a despeito de seu histórico amplamente atrelado aos mecanismos de classificação e hierarquização social ( Quijano, 2009QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra, Almedina, 2009, pp.73-117. ) coloniais.

Compreendendo, a partir da contribuição de suas coautoras, que travestis e transexuais não perdem de vista “a caneta e o papel na mão” (como símbolos da educação formal, tantas vezes negada a elas) “para rascunhar e rabiscar, e o mundo transformar” ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 102), Thiffany Odara reitera a necessidade de haver uma disputa pelo espaço escolar. Tal pensamento se coaduna com sua reiterada contribuição nas redes sociais, ao tratar não de uma rejeição das instituições em si, mas da necessidade de ocupação de todos os espaços por aqueles grupos sociais deles apartados.

Sua obra reveste-se, assim, de um caráter programático, ainda por desenvolver, mas calcado na esperança que se fundamenta no que Paulo Freire afirmou: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (Freire, 2000:67). A despeito de ter se tornado uma espécie de chavão, tal frase ainda não parece ter recebido a devida atenção. O que Odara propõe, com sua Pedagogia da Desobediência , confere novo vigor à asserção freireana e estabelece um norteamento relevante para educadores dos mais diversos níveis de educação.

Sentimos falta, durante a leitura, de orientações mais concretas e práticas, que nos permitissem elencar estratégias educacionais para a implementação de uma pedagogia da desobediência. Acreditamos que a obra ganharia muito com o desenvolvimento de princípios mais concretos acerca do que se deveria fazer. No entanto, reconhecemos o risco implicado de uma proposta de ação local adquirir traços de totalização.

Odara nos convoca a olhar para o passado, para o que foi produzido nos movimentos insurrecionais de travestis, como forma de articularmos possibilidades de futuro a serem ainda escritas. Possui um posicionamento conciliatório, no sentido de não desprezar os instrumentos que servem e serviram à lógica capitalista, mas em concebê-los como espaços que devam ser reelaborados a partir de seu interior e pelas margens. Em certa medida, desobedecer ainda compreende uma parcela de diálogo, ouvir o que o outro (cis, branco, heterossexual, masculino) insiste em dizer, ainda que para rechaçá-lo, contrariá-lo, transformá-lo.

Trata-se de importante contribuição para os estudos de gênero e sexualidade, bem como para o campo da educação. Essa contribuição se dá não tanto de um ponto de vista teórico abstrato. Odara não tem a pretensão de tomar partido ante as disputas de conceituação e teorias de gênero e sexualidade, mas nos apresenta sujeitos e sujeitas em suas ações concretas de mobilização social. Contribui, portanto, para os estudos de gênero e sexualidade por nos apresentar as ações e reflexões de ativistas dos movimentos das travestis e por compreendê-las sob uma perspectiva pedagógica.

Lamentamos, contudo, a ausência de uma revisão gramatical mais detalhada do texto, que incorre em problemas de pontuação e alguns comuns desvios de concordância e regência, muito afeitos à fala cotidiana. Compreendemos, porém, que esses desvios não acarretam em perda da clareza, muito menos em demérito para a autora. Pelo contrário, colocam em evidência o modo como a escola (e a língua culta normatizada que prescreve) encontra-se ainda tão distante das reivindicações não só políticas e éticas de determinados grupos sociais, como também de suas reivindicações e realidades linguísticas.

Acreditamos, assim, que Pedagogia da Desobediência ( Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020. ) nos oferece a possibilidade de refletir sobre nossas práticas, a partir da escuta/leitura de múltiplas vozes travestis e transexuais que são resgatadas pela escrita da autora. É um primeiro passo, não finalizado, em direção a uma sociedade transformada, e a autora apresenta assim um convite à escuta para a construção de uma escola diferente. Se não o faz ao molde das cartilhas de orientações pedagógicas de fácil consumo, normas e diretrizes para o que deve ser feito, nos sensibiliza para a nossa prática cotidiana de modo a construirmos múltiplas saídas para os impasses e adequações relacionadas a cada individualidade.

Referências bibliográficas

  • ANTRA. Nota da Antra sobre cotas e reservas de vagas em universidades destinadas às pessoas trans. 17 dez. 2020 [https://antrabrasil.org/2020/12/17/nota-antra-cotas-universidades-pessoas-trans/ - acesso em: 10 maio 2021].
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  • BENEVIDES, Bruna; NOGUEIRA, Sayonara N.B. (org.). Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo, Expressão Popular; ANTRA; IBTE, 2021 [https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf - acesso em: 17 maio 2021].
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  • BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e perspectiva negra. Revista Sociedade e Estado, [S.l.], v. 31, n. 1, jan./abr. 2016, pp.15-24, [https://www.scielo.br/j/se/a/wKkj6xkzPZHGcFCf8K4BqCr/?lang=pt&format=pdf - acesso em: 1 jul. 2021].
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  • BOURCIER, Sam. Homo Inc.orporated: o triângulo e o unicórnio que peida. São Paulo, n-1 edições; Crocodilo Edições, 2020. Tradução: Marcia Bechara.
  • CARNEIRO, Sueli Aparecida. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
  • CONSELHO Federal de Psicologia. Resolução nº 1, de 19 de janeiro de 2018 [https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-01-2018.pdf - acesso em: 10 maio 2021].
    » https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-01-2018.pdf
  • FAVERO, Sofia. Crianças trans: infâncias possíveis. Salvador, Devires, 2020.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 64.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2017 [1974].
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 54.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2016a [1996].
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da tolerância. 5.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2016b [1995].
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo, Editora UNESP, 2000. Organização: Ana Maria Araújo Freire.
  • GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, Vozes, 2017.
  • JESUS, Jaqueline Gomes de. Como eu não dancei. São Paulo, n-1 edições, 2018.
  • KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios do racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019. Tradução: Jess Oliveira.
  • LÊNIN, Vladímir Ilitch. O que fazer?: questões candentes de nosso tempo. Trad. Edições Avante! São Paulo, Boitempo, 2020 [1902].
  • LORDE, Audre. A transformação do silêncio em palavra e em ação. In: LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e conferências. Belo Horizonte, Autêntica, 2020, pp.51-55 [1977]. Tradução: Stephanie Borges.
  • MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. 3.ed. São Paulo, n-1 edições, 2018. Tradução: Renata Santini.
  • NASCIMENTO, Letícia. Transfeminismo. São Paulo, Editora Jandaíra, 2021.
  • ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.
  • OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. Nem ao centro, nem à margem: corpos que escapam às normas de raça e de gênero. Salvador, Devires, 2020a.
  • OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. O diabo em forma de gente: (r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação. Salvador, Devires, 2020b.
  • PRECIADO, Paul B. Pornotopia: Playboy e a invenção da sexualidade multimídia. São Paulo, n-1 edições, 2020a. Tradução: Maria Paula Gurgel Ribeiro.
  • PRECIADO, Paul B. Um apartamento em Urano: crônicas da travessia. Rio de Janeiro, Zahar, 2020b. Tradução: Eliana Aguiar.
  • QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.). Epistemologias do Sul. Coimbra, Almedina, 2009, pp.73-117.
  • Resenha do livro: ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação . Editora Devires, 2020.
  • 1
    Compõem os lançamentos iniciais da editora, nessa coleção, os títulos Crianças trans ( Favero, 2020FAVERO, Sofia. Crianças trans: infâncias possíveis. Salvador, Devires, 2020. ), Nem ao centro, nem à margem ( Oliveira, 2020aOLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. Nem ao centro, nem à margem: corpos que escapam às normas de raça e de gênero. Salvador, Devires, 2020a. ) e O diabo em forma de gente ( Oliveira, 2020bOLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. O diabo em forma de gente: (r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação. Salvador, Devires, 2020b. ). Além desses, cumpre destacarmos, apenas do ano de 2020, as publicações de Homo Inc.oporated ( Bourcier, 2020BOURCIER, Sam. Homo Inc.orporated: o triângulo e o unicórnio que peida. São Paulo, n-1 edições; Crocodilo Edições, 2020. Tradução: Marcia Bechara. ), Pornotopia ( Preciado, 2020aPRECIADO, Paul B. Pornotopia: Playboy e a invenção da sexualidade multimídia. São Paulo, n-1 edições, 2020a. Tradução: Maria Paula Gurgel Ribeiro. ) e Um apartamento em Urano ( Preciado, 2020bPRECIADO, Paul B. Um apartamento em Urano: crônicas da travessia. Rio de Janeiro, Zahar, 2020b. Tradução: Eliana Aguiar. ). Nesse mesmo movimento, destacamos o lançamento de Transfeminismo ( Nascimento, 2021NASCIMENTO, Letícia. Transfeminismo. São Paulo, Editora Jandaíra, 2021. ) na bem sucedida Coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro.
  • 2
    Assumimos o uso o termo sujeita , considerado erro gramatical, em um movimento de produção de estranhamento, para destacar os pressupostos binaristas cis-heterossexistas da língua portuguesa. Para tanto, assumimos a reflexão de Kilomba (2019)KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios do racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019. Tradução: Jess Oliveira. , para quem “é importante compreender o que significa uma identidade não existir na sua própria língua, escrita ou falada, ou ser identificada como erro. Isso revela a problemática das relações de poder e violência na língua portuguesa, e a urgência de se encontrarem novas terminologias” ( Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios do racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019. Tradução: Jess Oliveira.: 15).
  • 3
    Cabe notar que, no mesmo ano de publicação do livro aqui resenhado, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) afirmou, de acordo com o Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020 (Benevides, Nogueira, 2021), que o número de assassinatos violentos cometidos contra pessoas trans/travestis foi elevadíssimo e apresentou aumento em relação à média dos anos anteriores. Diante disso, destacamos que, ainda que a visibilidade seja instrumento fundamental de defesa e luta, não é suficiente contra a opressão sofrida por essa parcela da população. É necessário lutar por políticas públicas (educacionais e jurídicas) de efetiva defesa dos direitos de transexuais e travestis.
  • 4
    Essa lista, obviamente, não tem um caráter fechado e sua incompletude deve ser marcada. Além disso, não contempla importantes nomes trans da contemporaneidade que têm forte impacto na educação (e nas artes, e mesmo numa perspectiva que não traça limites rígidos entre as duas áreas), como o de Ana Flor Nascimento, Bia Kalutor e Ventura Profana.
  • 5
    Santos enumera uma série de características do educador comprometido com a valorização de todes, como: “conhecer o aluno para educá-lo; conhecer como aprende para ensiná-lo; saber quais aprendizagens estão construídas nesse sujeito” (Santos, apud Odara, 2020ODARA, Thiffany. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação. Salvador, Devires, 2020.: 83) etc.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2021
  • Aceito
    01 Set 2021
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