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Andando entre cabarés: conhecendo os saberes da putaria*

Resumo

Neste artigo, por meio das narrativas das experiências de trabalhadoras sexuais de três diferentes zonas de prostituição, localizadas no interior dos estados de São Paulo e do Espírito Santo, analisa-se as relações e saberes presentes nas políticas internas da prostituição. Objetivando contrapor-se às perspectivas que compreendem prostitutas como vítimas, passivas e incapazes de produzir saberes e práticas feministas em ambiente de trabalho, utilizou-se como método de pesquisa a política de narratividade de Walter Benjamin aliada às proposições feministas e putafeministas.

Prostituição; Putafeminismo; Narratividade

Abstract

This article uses narratives about the experiences of sex workers' in three different prostitution zones in the states of São Paulo and Espírito Santo to analyze the relationships and knowledge present in the internal politics of prostitution. To counter perspectives that understand prostitutes as passive victims incapable of producing feminist knowledge and practices in the workplace, Walter Benjamin's politics of narrativity are used as a research method, combined with feminist and “putafeminist” propositions.

Prostitution; Putafeminism; Narrativity

Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada em três diferentes campos de pesquisa localizados em zonas de prostituição, onde uma das pesquisadoras também exerceu o trabalho sexual. Os distintos locais pesquisados se diferem em condições de trabalho e ganhos financeiros. Com o objetivo de estremecer conceitos preconcebidos sobre o assunto, bem como desmistificar a figura da puta, são narradas experiências compartilhadas entre a puta pesquisadora e as diferentes prostitutas interlocutoras desse trabalho.

Ensejando mostrar as diferentes pluralidades e saberes presentes nas zonas de prostituição pesquisadas, narra-se as experiências comuns às trabalhadoras sexuais e as diferenças existentes entre os campos de pesquisa. O imperativo de desmistificar os conceitos prontos a respeito da prostituição emerge ainda junto à efervescência dos debates feministas sobre a temática. No cenário nacional, que neste trabalho é o que nos interessa pensar, os impasses e articulações feministas giram em torno dos modos que sexualidade, relações de poder e gênero são compreendidos pelas diferentes perspectivas feministas.

Atreladas a um horizonte heterogêneo de problematização, tais perspectivas partem desde a compreensão da sexualidade como potencial lócus de liberação feminina, até a acepção da sexualidade como elemento utilizado na objetificação das mulheres. Noutro ponto, há perspectivas mais cautelosas que veem o sexo como terreno de disputas, e reconhecem a existência de uma ordem sexista; o sexo sob essa ótica é apreendido como uma tática cultural. Tal embate estende-se ainda até a vinculação de mulheres com o sexo como fonte de poder, o que, nesse último caso, tornaria a figura da prostituta uma ameaça ao controle patriarcal sobre a sexualidade feminina ( Piscitelli, 2005PISCITELLI, Adriana. Apresentação: gênero no mercado do sexo. cadernos pagu (25), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2005, pp.7-23 [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332005000200001 - acesso em: 16 set. 2019].
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).

A prostituição e a pornografia nessa arena de disputa operam como divisor de águas, tendo vista que nessas discussões a prostituta pode surgir tanto como uma escrava sexual, como um agente subversivo em meio a uma gramática social sexista. Entre a vista da concepção de extrema violação sexual, objeto sexual, passivas e carentes de poder, e, no outro extremo, símbolo de autonomia sexual, estão os ideais preconcebidos e fixados que se entrelaçam às retóricas feministas ( Piscitelli, 2005PISCITELLI, Adriana. Apresentação: gênero no mercado do sexo. cadernos pagu (25), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2005, pp.7-23 [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332005000200001 - acesso em: 16 set. 2019].
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, 2013PISCITELLI, Adriana. Trânsitos: brasileiras nos mercados transnacionais do sexo. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2013. ; Chapkis, 1997CHAPIKS, Wendy. Live sex acts. Women performing erotic labour. Londres, Cassel, 1997. ).

Nesse sentido, e, em suma, veem-se posições feministas antagônicas, e entre elas está aquele feminismo que prega a abolição da prostituição, cuja intenção reside em promover a libertação e salvação das vítimas (prostitutas) dos sistemas de opressão; tal modo de compreensão está diretamente ligado às pressuposições do feminismo radical. E, em disputa, emergem produções acadêmicas que, junto às reivindicações de trabalhadores(as) do sexo, exigem sobretudo a regulamentação da prostituição, a luta contra a discriminação e preconceito, bem como o direito à cidadania e à autorrepresentação ( Caminhas, 2020CAMINHAS, Lorena. A regulamentação da prostituição é uma demanda por justiça?. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 103, 2020, pp.1-18. [https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/rcVwN7ysSw5ftTrd6THqpdQ/abstract/?lang=pt - acesso em: 22 fev 2021]. DOI: https://doi.org/10.1590/3510310/2020
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). Entre os estudos que versam sobre esta última abordagem, pode-se ver os trabalhos de Olivar (2012)OLIVAR, José Miguel Nieto. Prostituição feminina e direitos sexuais... diálogos possíveis?. Sex., Salud Soc., n. 11, Rio de Janeiro, 2012, pp.88-121 [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S198464872012000500005 - acesso em: 03 out. 2019].
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, Piscitelli (2012PISCITELLI, Adriana. Feminismos e prostituição no Brasil: Uma leitura a partir da Antropologia Feminista. Cuadernos de antropología social, n. 36, 2012, pp.11-31 [http://revistascientificas.filo.uba.ar/index.php/CAS/article/view/1349/1299 - acesso em: 10 out 2019]. DOI: https://doi.org/10.34096/cas.i36.1349
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, 2016PISCITELLI, Adriana. Conhecimento antropológico, arenas políticas, gênero e sexualidade. Revista Mundaú, n. 1, 2016, pp.73-90 [https://www.seer.ufal.br/index.php/revistamundau/article/view/2437 - acesso em: jun 2019].
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), Barreto e Mayorga (2016)BARRETO, L.C.; MAYORGA, C. Gabriela Leite – histórias de uma puta feminista. In: MESSEDER, S.; CASTRO, M.G.; MOUTINHO, L. (org.) Enlaçando sexualidades: uma tessitura interdisciplinar no reino das sexualidades e das relações de gênero [online]. Salvador, EDUFBA, 2016, pp.287-307. [https://doi.org/10.7476/9788523218669.0016 - acesso em: 10 fev. 2020].
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, Fonseca (1996)FONSECA, Claudia. A dupla carreira da mulher prostituta. Revista Estudos Feministas, v. 4 n. 1. Florianópolis, 1996, pp.7-33 [https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16650/15210 - acesso em: maio 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/%25x
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, Blanchete e Silva (2018)BLANCHETTE, Thaddeus; SILVA, Ana Paula da. Classy Whores: Intersections of Class, Gender, and Sex Work in the Ideologies of the Putafeminista Movement in Brazil. Contexto Internacional, v. 40, n. 3, 2018, pp.549-571. [https://www.scielo.br/j/cint/a/dQBZy65ckyvjhPCcmCShhvg/abstract/?lang=en - acesso em: 17 de out 2019]. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2018400300007
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, Barreto (2015)BARRETO, Letícia Cardoso et al. “Somos sujeitas políticas de nossa própria história”: prostituição e feminismos em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em Ciências Humanas), Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2015. ; Diniz e Mayorga (2018)DINIZ, André Geraldo Ribeiro; MAYORGA, Claudia. Notas sobre autonomia e desqualificação social de mulheres prostitutas. Psicol. Soc., v. 30, Belo Horizonte, 2018 [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010271822018000100221&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt - acesso em: 30 set. 2019].
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.

Quanto a relação Feminismo-Prostituição no Brasil, Correa e Olivar (2010)CORRÊA, Sonia; OLIVAR, José Miguel Nieto. The politics of prostitution in Brazil between “state neutrality” and “feminist troubles”. Mimeo, 2010. apontam que há um silêncio e distanciamento que, a princípio, poderiam nos fazer pressupor uma certa neutralidade do Estado diante de tais debates; no entanto, sobre o que rege tais disputa na arena pública, sobressaem-se a vozes abolicionistas como discurso hegemônico ( Tavares, 2015TAVARES, Aline Godois. Movimento Feminista em disputa: paradoxos entre discursos nacionais e práticas regionais acerca do tema da prostituição no Brasil. CLACSO, Buenos Aires, 2015 [http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/becas/20151225060933/Clacso_Kirkwood_Maria_Flor_final.pdf. - acesso em: 02 jan 2020].
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). Na esteira dessas disputas, acopla-se ainda o putafeminismo: como o próprio nome sugere, o feminismo das putas, que, muito antes de se apropriarem do termo, já o reivindicavam. Monique Prada (2018)PRADA, Monique. Putafeminista. São Paulo, Veneta, 2018. afirma que esse é um movimento que nasce a partir da ideia de que trabalhadoras sexuais podem combater o estigma e se afirmar feministas, lutando por direitos, sem que para isso precisem abrir mão do trabalho ou se envergonhar dele.

O putafeminismo, que se desenvolveu no Brasil como uma aliança abrangente de profissionais do sexo, acadêmicas e feministas – que, junto a outros movimentos da classe trabalhadora, lutam contra o neoliberalismo e, especialmente, contra a exclusão das vozes das trabalhadoras do sexo dos círculos feministas, compreendendo o trabalho sexual como trabalho ( Blanchete; Silva, 2018BLANCHETTE, Thaddeus; SILVA, Ana Paula da. Classy Whores: Intersections of Class, Gender, and Sex Work in the Ideologies of the Putafeminista Movement in Brazil. Contexto Internacional, v. 40, n. 3, 2018, pp.549-571. [https://www.scielo.br/j/cint/a/dQBZy65ckyvjhPCcmCShhvg/abstract/?lang=en - acesso em: 17 de out 2019]. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-8529.2018400300007
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) –, permite, assim como ainda sugere Prada (2018)PRADA, Monique. Putafeminista. São Paulo, Veneta, 2018. , repensarmos as estruturas que compõem a prostituição.

Em convergência com este insurgente movimento, no presente estudo, as narrativas das interlocutoras da pesquisa não podem ser compreendidas como um complemento às análises que seguirão; suas narrativas são aqui tratadas como um núcleo de produção de conhecimento informado a partir da percepção das próprias trabalhadoras sexuais que são, portanto, agentes produtores de saber.

Quanto à escolha metodológica, optou-se pela utilização das políticas de narratividade de Walter Benjamin (1987)BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas 1: magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. 3. ed., São Paulo, Brasiliense, 1987. Trad. Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin. como ferramenta que torna possível fazermos uma reflexão crítica sobre a historiografia vigente e, desse modo, questionar histórias universalizantes sobre prostitutas e prostituição. Por meio dessa aposta metodológica, pode-se ainda trazer em questão a versão daqueles que foram vencidos, submetendo o esquecimento a um questionamento político ( Ferreira, 2011FERREIRA, Marcelo Santana. Walter Benjamin e a questão das narratividades. Mnemosine, v. 7, n. 2, Rio de Janeiro, 2011, pp.121-133 [https://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/mnemosine/article/view/41479 - acesso em: 02 dez. 2019].
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).

Atrelar tal política de narratividade à perspectiva putafeminista surgiu ainda como um meio de interromper as versões dominantes sobre o passado e contribuir na composição de um novo “agora” sobre o assunto. Trata-se, então, de uma forma de complexificar e debater a respeito do que se sabe das prostitutas, assim como a respeito do que se entende sobre o trabalho sexual, o que viabiliza refutar conceitos prontos e traduzir ao meio acadêmico outras histórias sobre o tema. A justaposição das narrativas e do putafeminismo permite a inscrição de uma anti-história que possibilita abrir uma fenda nos saberes e perspectivas que são produzidos sobre as putas, e não com elas.

Finalmente, as experiências narradas seguem as proposições benjaminianas sobre seu caráter coletivo: elas abarcam um conhecimento que pode ser acumulado entre gerações e transmitido por meio de histórias, fábulas e provérbios, por exemplo. Dito de outro modo, as experiências só tomam caráter de experiência quando são narradas, isto é, compartilhadas ( Benjamin, 1987BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas 1: magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. 3. ed., São Paulo, Brasiliense, 1987. Trad. Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin. ).

Narramos apenas as experiências que se repetiam nos três diferentes campos de pesquisa, localizados nos estados do Espírito Santo e de São Paulo. Em vista disso, neste trabalho há ainda trânsitos textuais nos quais narrativas estão emaranhadas em análises e revisões críticas. Além disso, a fim de que seus usos não se tornem repetitivos, utilizamos as terminologias “trabalhadoras sexuais”, “prostitutas” e “putas” de maneira alternada, uma vez que, observando o campo de disputa política em que os termos se inserem, consideramos impossível capturar em apenas uma terminologia as multiplicidades que compõem as experiências na prostituição; o mesmo ocorre com os termos “prostituição” e “trabalho sexual”. Esses termos em disputa surgem aqui afirmando a prostituição como trabalho, bem como destacando a positivação da puta na luta contra o estigma.

Entre os três distintos territórios: vamos à zona.

Em movimento ainda quase introdutório, apresentamos os diferentes territórios de pesquisa. O primeiro é aquele de caráter mais luxuoso: antes que se entre na primeira boate, é necessário que seja desembolsado cerca de cento e cinquenta reais – apenas para entrar, esse custo não cobrirá a consumação. Ao passar pela portaria, olhando-se para os lados, nota-se a grama verde, pequenos prédios brancos, uma aura de riqueza; o lugar, como afirmam as garotas, inspira luxo. Mulheres estonteantes passam ao nosso lado, peles brancas e corpos musculosos. Há um murmurinho entre elas, mas mal podemos escutar, o barulho do helicóptero pousando é ensurdecedor e intimidante. Caminhando mais à frente, vê-se construções de madeira, algumas parecem mal-assombradas, e se parecem com pequenos e aconchegantes chalés. Este lugar é enorme e de uma área verde grande e vistosa, que mais parece uma chácara, um outro mundo, uma espécie de paraíso da putaria. Para adentrar este paraíso, é bom ter um passaporte – para os clientes, o passaporte é o dinheiro; já para as prostitutas, o passaporte é a beleza.

Passeando por este paraíso, pode-se ver uma boate e também um clube com piscina, além de um ponto para pouso de helicóptero e muitos homens asiáticos. A noite cai, e as garotas estão todas em suas roupas arrumadas, silicones, com bocas vermelhas e olhares que caçam a presa. Apenas o olhar pode ser usado na conquista, por aqui não se pode usar palavras para fisgar a presa da noite. Há uma espécie de fila, uma ao lado da outra, faz-se uma vitrine de olhares, corpos e exibições: balançam-se os corpos, precisamos atrair olhares. Os clientes chamam as que mais lhes interessam. Uma a uma, de duas em duas, as moças vão ocupando as mesas, bebendo e conversando. O olhar, a conversa e o corpo agora já podem agir juntos, levamos a presa para o abate.

Nós os comemos, e, para comê-los, algumas simulam passividade com ar angelical e sorriso ingênuo convidativo; outras parecem mais incisivas, olhar profundo e sorriso malicioso; e há, ainda, aquelas que fazem tudo ao mesmo tempo – um sorriso malicioso e um olhar ingênuo, por exemplo. Não há um padrão específico para se fazer comida.

Nem todos os dias dá certo. Quando no passar das horas não se consegue êxito na caça, voltamos ao alojamento. Uma amiga me chama para ir ao banheiro descansar um pouco, abrimos a porta e vemos uma colega aos prantos. Ela parece não se sentir bonita, se sente a pior das putas. Levanta então do vaso, é uma mulher alta, branca, olhos verdes e magra. Ela sente fome, não se alimentou, seus olhos claros não conseguiram hipnotizar nenhuma espécie que a satisfizesse. De bolso vazio, ela volta ao alojamento mais próximo.

É uma disputa medonha, nos estranhamos, nos fuzilamos com o olhar, preocupamo-nos com nossos bolsos. Rivalidades e corpos em disputas. Em meio a isso, esmagadas com a concorrência, um reencontro acontece: Bruna, uma amiga de longa data, com quem trabalhei em outro cabaré, aparece gritando e nos chamando de “amor” com um erre puxado, para nos informar que, neste lugar, mulheres de todas as partes do país chegam para trabalhar. A Bruna é uma mulher branca, alta e esguia, de cabelos negros e olhar profundo; ela é, também, carioca e bastante audaciosa. Essa audaciosa amiga sorri e me leva até o bar da boate onde trabalhamos, e surpreendentemente me questiona: “Você viu aquele livro lá de putafeminismo que a Cléo Pires postou? Agora fiquei curiosa, ele fala sobre o quê, mesmo?”.

Sorrindo e andando, a colega parece chocada diante da boa fama que as prostitutas estão conquistando, agora têm até feminismo. Ela caminha até o passado, cerca de três anos atrás, quando fomos obrigadas a nos conhecer, já que dividíamos a beliche. Naquele momento passado, lembro-me de uma cena na qual Bruna desceu da cama e foi ao banheiro gritando que “‘essas puta’ são todas falsas”. Os gritos de Bruna me fizeram ainda rememorar outro momento, quando ela e eu ainda mal nos conhecíamos e estávamos a esperar o nosso primeiro patrão vir nos buscar na rodoviária. Em pé e com roupas longas, andávamos disfarçadas de “putas sonsas”, como ela dizia. O patrão chegou e nós o conhecemos, ele cheio de ouro pendurado no corpo, mais parecia ter saído de um filme hollywoodiano. Com voz entusiasmada, ele nos contou sobre os cuidados que se deve tomar na zona. Alguns anos e algumas experiências adquiridas depois, esses cuidados se transformaram em uma espécie de mandamentos da putaria, que inclusive podem ser vistos sendo repetidos em conversas diárias entre as trabalhadoras que conhecemos. Nessas conversas, costuma-se dizer que:

  • Puta apaixonada é puta pobre e burra.

  • Puta não é amiga de puta.

  • Se me atravessar, eu rasgo a cara dela.

  • As loiras sempre ganham mais.

  • Cuidado garota, você pode ser multada.

“Putaria”, neste caso, e para que fique bem exposto, é uma terminologia adotada para denominar as dores, delícias e outras diversas experiências que compõem o universo da prostituição. Putaria é, então, um lócus, e também um movimento, privilegiado para pensarmos sobre os embates que podem ocorrer diante de uma zona de prostituição que pode ser habitada por mulheres que, dentre outras questões, diferenciam-se entre raça, geração, e orientação sexual. Nesse sentido, a putaria, tomando de empréstimo as proposições de Brah (2006)BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. cadernos pagu (26), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu / Unicamp, 2006, pp.329-376. [https://www.scielo.br/j/cpa/a/B33FqnvYyTPDGwK8SxCPmhy/?lang=pt - acesso em: 30 set 2020] DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332006000100014
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, pode se constituir como um espaço discursivo onde posições de sujeito e subjetividades diferentes e diferenciais são inscritas, reiteradas ou repudiadas. A putaria enquanto local de embate é, então, um espaço no qual as heterogeneidades das experiências das prostitutas formam saberes e éticas relacionais criadas por meio da articulação de diferenças. Saberes e éticas relacionais que discutiremos logo mais.

Em meio a essas políticas internas à prostituição, caminharemos a fim de se possa conhecer as três zonas pesquisadas. Nesse caminho, é ainda preciso que não se esqueça nosso mais repetido mandamento: puta não é amiga de puta, e burra é a puta que confia na outra puta. Esse mandamento era repetido por nosso primeiro patrão, meu e de Bruna, cotidianamente.

Retomando a cena, após todo trajeto até a boate escutando a repetição do maldito mandamento da putaria, desembarcamos. Neste segundo território, nada é tão grandioso quando comparado ao anterior. Trata-se de um bar simples, e tudo nele é verde. É aberto, com uma piscina formidável, e localiza-se perto da praia; as suítes que não são chalés parecem mais quartos de uma pousada em decadência, e remontam a um cheiro de maresia e muito sexo. Homens de classe média frequentam o local, e não há nada de helicópteros – são, na maioria, carros simples, e só às vezes surge algum mais chamativo. As mulheres daqui não são tão malhadas, nem de pele tão clara. Existem algumas que se destacam nas vendas: são exceções, ruivas ou loiras, brancas e de “rosto angelical. “Nessa zona”1 1 Zona pode ser entendida como lugar onde existem vários puteiros, ou apenas um. , a arma de caça não é só o olhar: pode-se fazer o canto da sereia, adoçar a voz, até conseguir degustar a presa sobre a cama.

Manuela adentra a cena, uma colega não tão próxima quanto Bruna, mas que conheci nessa mesma zona. Loira e de altura mediana, ela adentra a cena com os olhos já lacrimejando. Parece que ela perdeu o cliente, uma outra colega, a Luiza, “atravessou-a”. Atravessar significa flertar e tomar para si o cliente da outra colega, e é considerada uma traição na zona. Luiza é bem conhecida na zona por atravessar as outras colegas; é bonita, alta, tem cabelos negros e olhos azuis, e costuma-se dizer que “ela não teria necessidade disso, é bonita”. Um alto grau de traição então se anunciava, sem que se pudesse entender o motivo da reunião de cinco garotas no canto do bar. A puta mais antiga da casa atribuía a culpa à moça que, naquele momento, já estava no quarto com o cliente que a colega chorosa havia paquerado por horas. “Isso não se faz”, repetia uma delas; “Falta de ética” e “essa piranha passa fome, só pode” eram também algumas das frases que exclamavam.

Naquele clima tenso, reclamam para o patrão o acontecido. Ele costumava ficar em silêncio, afinal, já sabia o que poderia acontecer em seguida. Após nosso horário de trabalho findar, vamos dormir, e no alojamento a conversa segue até que todas caiam no sono. De súbito, ouvi gritos, levantei desesperada e, ao descer as escadas, vi Manuela com suas poderosas unhas de gel rasgando o rosto da Isa. O patrão entrou na briga a fim de separá-las, e as duas garotas, com quem eu não tinha muita proximidade, brigavam pelo mesmo motivo que as colegas anteriores: Isa atravessou Manuela. No fim, ambas foram multadas, Isa por atravessar, e Manuela por machucar Isa, que ficou uma semana sem trabalhar devido aos arranhões, o que gerou prejuízo também para o patrão. Nessas observações, aprendi a primeira lei da putaria: a falta de respeito com a colega pode custar alguns hematomas e multas que variam em valor.

Brigas, arranhões, mandamentos e Bruna nos lembrando do putafeminismo. Manuela, em contraposição, mostra como algumas regras de zona são seguidas à risca. Nessa cena de brigas e desentendimentos, questionamo-nos: como pensar em um feminismo das putas, dessas que se arranham às vezes, que disputam clientes, e que não esperam condescendência da colega ao lado?

Tudo indica que nas políticas internas da putaria não há tanto espaço para devaneios. Se todas estão a procura por uma presa que satisfaça seus bolsos, trata-se de uma corrida, e de concorrência. Emaranhadas a essa putaria ocorrem também outras possibilidades: solidariedade e afinidade, por exemplo. Disputas, concorrência e solidariedade, afinidades: todas existindo em um mesmo espaço.

Pensando em espaço, ainda há um outro lugar por onde essas experiências são comumente partilhadas: vamos ao inferninho. Neste caso, trata-se de um puteiro bem menos sofisticado e com valores de programas baratos quando comparado aos últimos locais apresentados. Nele, há uma porta estreita que nos leva até um corredor de luzes vermelhas, e por lá há ainda um forte cheiro de cigarro barato, além da música alta.

Aliás, essas luzes vermelhas estão presentes nas três zonas por onde trabalhei, e remontam àquelas zonas que, segundo Richards (1993), na idade média, lá na Europa, eram apelidadas de zonas da “luz vermelha”. É sabido que as tais zonas da luz vermelha eram os locais para onde os governantes mandavam as prostitutas, uma vez que desejavam “limpar” a cidade, confinando as prostitutas em áreas distantes daquelas vistas como nobres.

Não à toa, este inferninho da luz vermelha é cercado por vários cabarés, e fica localizado distante da cidade. Além disso, este lugar tem paredes pintadas de preto, sons de salto alto batendo no chão, e quando tudo parece que ficará mais divertido, pessoas fardadas adentram o local. Os clientes são revistados – é o famoso “baculejo” –, as mulheres que por ali trabalham são expostas, as luzes vermelhas tornam-se mais claras e a claridade expõe nossos rostos; sorte é, pelo menos, não conhecer algum dos policiais.

Ali, eles põem nossas bolsas abertas em cima da velha mesa de sinuca e procuram por drogas. Aquele inferninho é acusado de ser boca de fumo. Tati, uma colega com quem tive proximidade, e que já havia bebido até aquele momento, quebra o clima de suspense, olha para o policial mais jovem e grita: “Delícia, vem me revistar, vem”. Todos riem, o clima se ameniza, e os fardados se vão.

No inferninho jogamos açúcar no chão para chamar clientes. Pode-se caçá-los com olhar, com o canto de sereia, com a rapidez de quem se senta primeiro ao lado deles. As colegas são em sua maioria mulheres negras, e os clientes são majoritariamente pobres, homens que trabalham nas fazendas mais próximas. Atravessar por aqui? É melhor nem tentar, afinal, as investidas neste território têm o tempo mais rápido para acontecer, e fidelizar um cliente é a tática a que mais recorremos para ganhar mais dinheiro.

Nesta zona não se veem gritos e arranhões entre colegas, as falas são diretas, as conversas feitas frente a frente, sem murmurinhos. As relações se baseiam mais em olhar diretamente nos olhos da outra e questionar: “você falou algo sobre mim?”. Além disso, os olhares, por aqui, parecem ser bem educativos: um rosto que sugere mau humor e um olhar bravo, por si sós, já insinuam grande perigo. As prostitutas novatas educam-se por meio desses mesmos olhares, e entendem que na hora do trabalho o que tem mais valor é a rapidez. Quando estamos de folga ocorre justamente o contrário, o tempo passa devagar e fofocamos – dessa vez, falamos sobre a falta de esperteza da colega que se apaixonou pelo cliente que a tirou da zona e uma semana depois a devolveu. É mandamento de zona, da putaria: puta apaixonada é puta burra.

Mandamentos da putaria e éticas relacionais: notas sobre os saberes burlativos

Compreender as zonas e as narrativas das experiências das trabalhadoras sexuais como núcleo de produção de saber põe em questão as formas com que esses saberes se constroem. A priori já se pode antever que as relações estabelecidas entre as prostitutas fornecem as bases que asseguram a propagação e reificação dos saberes na zona.

Os mandamentos da putaria que surgem por meio dos embates e articulação de marcadores da diferença de mulheres de diferentes gerações e raça2 2 Trabalharemos aqui com o conceito sociológico de raça, levando em consideração as proposições de Stuart Hall que problematiza as noções essencialistas de raça, afirmando-o como um significante flutuante, deslizante, que significa diferentes coisas em diferentes épocas e lugares”. Neste sentido, a raça se aproxima mais da linguagem do que da biologia. Neste texto, raça é compreendida, portanto, no sentido relacional e não por ser essencial. , além de nortearem os rumos das narrativas, têm diante de si uma produção de saberes que costumeiramente diminui suas forças de propagação e assimilação entre as prostitutas.

Como primeira chave de análise, o imperativo de que putas não têm amigas, se porventura fosse realmente assimilado pelas interlocutoras, impossibilitaria quaisquer redes de solidariedade entre elas. Todavia, como bem exposto nas narrativas, competitividade e solidariedade se entrelaçavam às relações, de modo que outras éticas relacionais emergiam em meio às disputas.

O embate que circunda tais relações e forja, portanto, a aproximação dos antagônicos competitividade e solidariedade já foi analisado e colocado em relevância em pesquisas anteriores, como as de Olivar (2013)OLIVAR, José Miguel Nieto. Devir puta: políticas da prostituição de rua na experiência de quatro mulheres militantes. Rio de Janeiro, Ed UERJ, 2013. , Sousa (2012)SOUSA, Fabiana Rodrigues de. A noite também educa: compreensões e significados atribuídos por prostitutas à prática da prostituição. Tese (Doutorado em Ciências Humanas), Universidade Federal de São Carlos UFScar), São Carlos, 2012. e Clarindo (2020)CLARINDO, Adriely de Oliveira. Putas Narrativas: território da prostituição e putafeminismo. Dissertação (Mestrado em Psicologia Institucional), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, 2020. , os quais, a partir da percepção de suas interlocutoras, referem-se a tal relação como uma interação pautada em uma confiança contingente, ou uma “confiança desconfiada”.

Inserir tais relações, mandamentos e saberes na arena dos debates feministas sobre prostituição torna-se complexo na medida em que as relações entre prostitutas não só burlam os imperativos presentes nos mandamentos da putaria, bem como contrariam algumas das didáticas feministas sobre relações entre mulheres e noções de poder.

Dentre tais didáticas, vê-se que alguns estudos, ao notarem a existência de uma rivalidade nas relações entre mulheres, que são reificadas por uma socialização machista e sexista que nos educa a sentir medo, inveja e ódio umas das outras ( hooks, 2015HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo – Políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 2015. Trad. Ana Luisa Libânio. ), propõem uma relação outra entre essas mulheres, que force um contraponto à subordinação feminina. Em suma, para que tal contraponto ocorra, tais relações precisariam tomar os rumos de uma amizade política entre mulheres, o que possibilitaria uma traição à cultura patriarcal, independência feminina e compromotimento na luta por direitos que não se pautassem na misoginia internalizada, mas em uma confiança mútua ( Federici, 2019FEDERICI, Silvia. Mulheres e caça às bruxas. 1. Ed.-São Paulo, Boitempo Editorial, 2019. Tradução Heci Regina Candiani. ; Faderman, 1981FADERMAN, Lillian. Surpassing the love of men. London, Women's Press, 1981. ; Gaviola, 2015GAVIOLA, Edda. Notas sobre amizade política entre mulheres. Margareth Pisano: Pensamento Feminista Radical e Política, 2015 [https://www.mpisano.cl/apuntes-sobre-la-amistad-politica-entre-mujeres-por-edda-gaviola/ - acesso em: 01 de maio. 2020].
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; Moralez, 2017MORALES, Marta Fernández. Unexpected Alliances: Friendship and Agency in US Breast Cancer Theater. Atlantis, 2017, pp.153-172. ; Lamas, 2015LAMAS, Marta. ¿Mujeres juntas...? Reflexiones sobre las relaciones conflictivas entre compañeras y los retos para alcanzar acuerdos políticos. Instituto Nacional de las Mujeres INMUJERES, 2015 [http://cedoc.inmujeres.gob.mx/documentos_download/101246.pdf - acesso em: 12 jan 2018].
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).

Embaralhando tais didáticas sobre as relações entre mulheres, mas ainda assim desobecendo os imperativos que se acoplam aos mandamentos da putaria, as prostitutas, de maneira criativa, fazem valer modos de relação que hibridizam os mandamentos e as didáticas feministas. É, então, na junção de antagônicos que confiança e desconfiança andam lado a lado, assim como desentendimentos e reaproximações, seguidas de cuidados mútuos, onde nascem e se propagam os saberes burlativos .

Todos os mandamentos da putaria anunciados nas narrativas que precedem esta discussão, em algum momento, eram burlados, desobecidos, contrariados, como será denotado logo mais em algumas cenas produzidas na zona. No ato de burlar, e então junto aos saberes burlativos, viam-se as condições de possibilidade que as interlocutoras tinham de se agênciar, isto é, de agir diante da imposição de normas nas zonas de prostituição.

A fim de pensarmos sobre os saberes burlativos e as formas com que as prostitutas se agenciavam, precisamos compreender que tais saberes, apesar do nome, não se constituem por meio de uma noção de agência que se dá em termos de uma necessária subversão ou ressignificação das normas sociais. Afinal, se são as relações entre prostitutas que fornecem as bases para produção de saberes desse grupo especifico, e se elas não seguem os mandamentos, tampouco as didáticas feministas, mas os hibridizam, estamos, portanto, frente a uma noção de agência que não responde ao modelo binário da subordinação versus subversão das normas, como se vê nos debates pós-estruturalistas ( Mahmoood, 2019MAHMOOD, Saba. Teoria feminista, agência e sujeito liberatório: algumas reflexões sobre o revivalismo islâmico no Egito. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, v. 23, n. 1, 2019, pp.135-175 [https://www.redalyc.org/pdf/3723/372339147007.pdf - acesso em: 14 fev 2020].
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).

Assim como Mahmoood (2019)MAHMOOD, Saba. Teoria feminista, agência e sujeito liberatório: algumas reflexões sobre o revivalismo islâmico no Egito. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, v. 23, n. 1, 2019, pp.135-175 [https://www.redalyc.org/pdf/3723/372339147007.pdf - acesso em: 14 fev 2020].
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, nos inspiraremos na teoria pós-estruturalista da formação do sujeito, mas nos afastaremos dela à medida que formos explorando as modalidades de agência cujo significado e efeito não se encontrem na lógica binária já citada. Ademais, antes de adentrarmos outras cenas que denotem mais veementemente a composição desses saberes, é preciso explicitar o que é esse saber .

Saberes burlativos: a palavra burlar significa pregar uma peça, ludibriar, enganar por meio de artimanhas. Esses saberes pregam uma peça nas próprias palavras de ordem que circulam cabarés, construindo uma gramática própria. Não só desobedecem, como também, ora trapaceiam essas ordens, ora as obedecem. São saberes, portanto, de dissimulação e hibridização.

Na fusão de obediência e desobediência, de confiança desconfiada, solidariedade e rivalidade, retoma-se a junção instável presente no devir puta: a clara capacidade de alternar entre silêncio fundo e barulho constrangedor, entre a obediência de gueixas e o voluntarismo capitalista, na ignorância aterrada e na total esperteza, entre a vítima coitada, a predadora insaciável e todos os seus intermediários ( Olivar, 2013OLIVAR, José Miguel Nieto. Devir puta: políticas da prostituição de rua na experiência de quatro mulheres militantes. Rio de Janeiro, Ed UERJ, 2013. ).

A dissimulação presente nesse saber, rege-se, deste modo, a partir da refutação do caráter da verdade que vemos entrelaçado aos mandamentos da putaria. Ou seja, frente aos mandamentos que requerem para si o estatuto de verdade a fim de legislar sobre a vida das putas, nota-se que elas inventam novas possibilidades de interação, e modos de vidas.

Pensar nessa refutação de verdades remete, ainda, às proposições deleuzianas sobre a verdade normalmente emergir como uma espécie de deus, feito uma instância suprema. Nesse sentido, questionando a nossa vontade da verdade, Deleuze (1976)DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1976. Trad. Ruth Dias e Edmundo Fernandes Dias. sugere que, se alguém quer a verdade, não é com vistas ao mundo como ele é – isso porque, sendo a verdade dependente do valor e do sentido em que a pensamos, ela é indeterminada.

Tornando mais explícita a forma como esses saberes são produzidos, reificados e postos em prática, inserimos as cenas:

1. Cena: falando da Maria Tomba Homem

Estamos no ponto mais alto daquela zona perto da praia. Marina, uma colega não muito próxima, mas antiga da casa, começa uma fofoca sobre uma outra colega que sai com vários clientes. Parece se sentir ameaçada, anda perdendo a clientela. Ela relata que Isis, a comedora de clientes em questão, tem muitas tatuagens espalhadas pelo corpo, e a que está no peito é daquelas que só as bruxas têm. Ela só consegue clientes pelo olhar devido às suas bruxarias. A outra moça que participa da conversa arregala os olhos como quem tem medo e inicia uma história: “o conto da Maria Tomba homem”, que, segundo algumas colegas, é o caso de uma assombração, que, antes de o ser, foi uma prostituta que morreu ao brigar com uma colega por um cliente. Essa mulher foi esfaqueada e morta pelo próprio homem por quem brigara, e desde então ela vaga pela noite procurando por mulheres que desejem brigar para ter todos os homens para si.

2. Cena: Mito dos homens asiáticos

Homens asiáticos que frequentam a zona mais luxuosa tendem a preferir mulheres muito brancas, loiras e mais magras. As brasileiras que não correspondem a esse padrão não costumam ser alvo de seus olhares e seu dinheiro. Certa vez, uma colega disse para outra que não ficasse chateada por não ser escolhida, pois uma amiga a contou que uma puta engravidou de um deles e só percebeu que estava grávida no nascimento do menino; além disso, percebeu que o filho nasceu de olhinhos bem puxados. Ao procurar o pai da criança para lhe contar o ocorrido, a pobre teve o filho roubado, pois o gringo não quis deixar a criança por aqui. Diante da história, questionamentos surgem: mas como ela não percebeu que estava grávida? Logo a resposta vem: eles têm um pau pequeno e, por isso, as camisinhas acabam ficando frouxas e saindo. Em resumo: “Não fique triste amiga, vamos beber, é melhor não ser escolhida do que ter um filho roubado”.

3. Cena: Correndo das multas

Duas colegas representam algo costumeiro tanto lá no inferninho, quanto nas zonas luxuosas e naquela perto do mar. Marina comunica a Suelen que se prepare, soube pela esposa do patrão que ela levará multa. Multa por falar demais, multa por trocar contato com o cliente. Suelen finalmente decide trocar de puteiro, na verdade, dizem por aí que Suelen se casou com um velho rico que a enchia o saco, e agora vive passeando pelas praias nordestinas. Na semana passada, Marina também conseguiu trocar de zona, a gerente comenta com as outras garotas que Marina foi mandada embora porque passou o contato do coroa para Suelen. Ainda na semana passada, Marina encontrou outras colegas e disse que saiu daquela zona para viajar, parece que só agora soube que a amiga Suelen, além de sair da zona, arrumou alguém para bancá-la.

4. Cena: Amizade dá até para fazer.

Na zona luxuosa, uma novata logo senta na cadeira próxima à nossa, parecendo cabisbaixa. Uma outra mulher se aproxima, apresenta-se e oferece um suco que ganhou de cortesia por ter dançado nua. Na conversa, ela afirma que a novata deve tomar cuidado, não há amigas por ali, todas têm ego inflado. Em seguida, pergunta sobre sua vida pessoal, e os gostos da moça são colocados em questão. Entre conversas e caças por clientes, as duas andam juntas por dias e parecem manter contato. São dessas profissionais que viajam por todo país, e me contaram que volta e meia se esbarram pelos cabarés desconhecidos. Sempre há motivos para não confiarem uma na outra e, quando fuxicam seus segredos, fazem-no em voz tão baixa que eles mal podem ser ouvidos.

***

As cenas expostas representam experiências comuns nas diferentes zonas pesquisadas e constituem-se como políticas da putaria. Encontram-se nelas os embates e a hibridez necessários para a formação dos saberes burlativos , que podem ser propagados por meio de mitos, amizades incomuns e também por fofocas. As cenas, nesse sentido, rememoram-nos também o caráter partilhado da experiência na proposição de Benjamin (1987)BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas 1: magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. 3. ed., São Paulo, Brasiliense, 1987. Trad. Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin. , que, compartilhadas e passadas de geração em geração, protegem as novas gerações de ameaças e perigos já conhecidos.

As heterogeneidades que compõem essas experiências, e que se dão por meio da articulação de diferenças e dos choques subjetivos produzidos diante disso, formam também os diferentes modos pelos quais cada prostituta utilizará tais saberes. Nesse sentido, as cenas, as experiências partilhadas, não formam um grupo homogêneo por meio da junção das heterogeneidades. A propagação de saberes e os usos feitos deles diante das adversidades podem modificar-se de acordo com diferenças existentes em cada zona, em cada sujeito. Em outras palavras, como uma pessoa percebe ou concebe um evento varia segundo como “ela” é culturalmente construída ( Brah, 2006BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. cadernos pagu (26), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu / Unicamp, 2006, pp.329-376. [https://www.scielo.br/j/cpa/a/B33FqnvYyTPDGwK8SxCPmhy/?lang=pt - acesso em: 30 set 2020] DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332006000100014
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).

Por essa lógica, as experiências narradas entremeiam-se a modos de vida e relações que operam em outros registros. Em nossa opção de questionamento sobre a vontade de verdade que propôs Deleuze (1976)DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1976. Trad. Ruth Dias e Edmundo Fernandes Dias. , sobressai-se também o poder do falso como uma forma de experimentação de novas verdades, novas possibilidades, isto é,

A atividade da vida é como o poder do falso, enganar, seduzir, ofuscar e dissimular. Mas para ser efetuado esse poder do falso deve ser selecionado, reduplicado, ou repetido, portanto, elevado ao poder mais alto. O poder do falso deve ser elevado até a vontade de enganar ( Deleuze, 1976DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1976. Trad. Ruth Dias e Edmundo Fernandes Dias.: 48).

Magnificar o mundo enquanto erro, enganar verdades e santificar a mentira: esse é o alto poder do falso ( Deleuze,1976DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1976. Trad. Ruth Dias e Edmundo Fernandes Dias. ). Atrelar o compartilhamento de experiências (cenas) forjadas sobre heterogeneidades e diferenças aos saberes burlativos, em suma, diz respeito também aos usos que podem ser feitos do poder do falso na zona.

Isso porque a hibridez, realizada na instável junção entre obediência e dissimulação, rivalidade e solidariedade, torna possível a criação de modos de vida que não se inserem nem nos registros impostos na zona, e menos ainda nos feministas. O poder do falso não pode, então, ser entendido como o oposto da verdade, como algo dicotômico; não se trata de um dualismo, mentira versus verdade. Eximido da subordinação à verdade, ele é a própria verdade, uma outra verdade ( Deleuze, 1976DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1976. Trad. Ruth Dias e Edmundo Fernandes Dias. ).

Em nosso caso, ensejamos pensar que não há, portanto, um saber que se crie por meio da subversão da verdade das normas impostas nas zonas de prostituição; há a criação de modos de relação e saberes que exercem, entre a submissão e a subversão, um impacto que produz subjetividades híbridas. A partir dessas perspectivas, as cenas retratadas, bem como as experiências narradas, são compreendidas como núcleo de saber.

Desfazendo possíveis armadilhas: relações e os embates das subjetividades

As análises realizadas podem, para algumas pessoas, sugerir que os saberes inscritos nas zonas de prostituição ligam-se necessariamente a uma espécie de solidariedade política entre prostitutas – inclusive, nesse caso, àquelas que não estão próximas a organizações e movimentos políticos de prostitutas. Nesse sentido, surgiria uma espécie de fagulha que ascende o calor da esperança ao insinuar que as práticas de solidariedade podem emergir trapaceando a ideia da impossibilidade de companheirismo entre as profissionais: de que puta não é amiga de puta, de que puta não pensa, de que precisa ser salva, e, finalmente, de que prostitutas não podem agir, pensar ou ser feministas.

No entanto, fazer ranger a ideia de impossibilidade de companheirismo entre trabalhadoras sexuais pode tomar outros rumos. Donna Haraway (2009)HARAWAY, Donna J. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismosocialista no final do século XX. In: TADEU, Tomaz (org.). Antropologia do Ciborgue: as vertigens do pós-humano. 2ªed. Belo Horizonte, Autêntica, 2009, pp-35-118. , por exemplo, afirma que não existe nada no fato de ser “mulher” que naturalmente una as mulheres, uma vez que a própria ideia sobre o que é uma mulher refere-se a uma categoria complexa, construída por meio de discursos científicos sexuais e de outras práticas sociais questionáveis. Como vimos na discussão anterior, o mesmo vale para as trabalhadoras sexuais: não há algo e nem ao menos saberes que possam garantir a estabilidade e união entre prostitutas.

As práticas que envolvem solidariedade nos campos de pesquisa, bem como os saberes burlativos, tratam-se menos de um “nós” identitário homogêneo, e mais de relações baseadas em afinidades. Afinidades essas enquanto mola propulsora e propagadora de experiências que são produzidas, como sugere Sandoval (2004)SANDOVAL, Chela. Nuevas ciencias: feminismo cyborg y metodología de los oprimidos. In: Traficantes de sueños (ed.). Otras Inapropiables. Madrid,Traficantes de Sueños, 2004, pp.81-106. , por meio da atração, combinação e relacionamentos esculpidos desde e apesar das diferenças entre as pessoas que o compõem. No mar de diferenças existentes entre grupos, a capacidade de ação desses grupos que não têm como base qualquer ideia de identificação natural, as condições de possibilidade de solidariedade estão aliadas, portanto, à coalização consciente das diferenças.

Ampliando a análise das éticas relacionais por afinidade, pode-se ainda inserir o conceito de consciência mestiça, proposto por Glória Anzaldúa (2019ANZALDÚA, Gloria. La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciência. In: LORDE, Audre et al. Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2019, pp.704-719 [https://www.scielo.br/j/ref/a/fL7SmwjzjDJQ5WQZbvYzczb/?lang=pt - acesso em: 14 fev. 2021].
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: 325),

A nova mestiça enfrenta tudo isso desenvolvendo uma tolerância às contradições, uma tolerância às ambiguidades. Aprende a ser uma índia na cultura mexicana, a ser mexicana de um ponto de vista anglo-americano. Aprende a equilibrar as culturas. Tem uma personalidade plural, opera em um modo pluralístico nada é posto de lado, o bom, o ruim e o feio, nada é rejeitado, nada abandonado. Não apenas sustenta contradições como também transforma a ambivalência em uma outra coisa.

Diante de pontos de vista conflitantes, contradições, choques culturais e diferenças, entre si emergem inesperadamente as afinidades. Levando em consideração a proposta de Anzaldúa (2019)ANZALDÚA, Gloria. La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciência. In: LORDE, Audre et al. Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2019, pp.704-719 [https://www.scielo.br/j/ref/a/fL7SmwjzjDJQ5WQZbvYzczb/?lang=pt - acesso em: 14 fev. 2021].
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, na putaria, são as próprias informações e pontos de vista conflitantes que geram a flexibilidade das relações. Rigidez não é algo útil nas políticas da putaria, aliás, as próprias habilidades para interagir com clientes requerem tal flexibilidade em meio às diferenças.3 3 Aos nos referirmos a flexibilidade nas relações cliente-prostituta, não fazemos alusão à submissão de situações violentas e ofensivas. Trata-se mais de fazê-los pensar a respeito de uma flexibilidade que contribua nas transmissões de valores e saberes de um grupo para outro, onde precisa-se estabelecer uma espécie de tradução.

Flexibilidade, coalizão por meio da colisão de diferenças, requer ainda uma política de tradução de perspectivas, e, nesse sentido, nada poderia ocorrer de forma harmônica, uma vez que as dificuldades frente às diferenças de raça e geração, bem como apontado nas narrativas, emergiam sem deixar espaços para quaisquer possibilidades de romantização desses processos.

As diferenças e suas imbricações, ao formarem afinidades por meio da produção de subjetividades mestizas , também machucam, causam distanciamentos, separações. Falamos, portanto, de éticas relacionais constituídas por perspectivas não cristalizadas em identidades fixas, e que não agem na abstração idealista, mas em corpos de carne e osso; perspectivas que são corporificadas por pessoas concretas, vividas às vezes de maneira fugaz, dependendo das relações estabelecidas; finalmente, falamos de perspectivas que são a carne em confronto ( Olivar, 2013OLIVAR, José Miguel Nieto. Devir puta: políticas da prostituição de rua na experiência de quatro mulheres militantes. Rio de Janeiro, Ed UERJ, 2013. ).

Apreender os modos de relações e de saberes da zona toca, então, os modos de produção de subjetividades que operam por meio de sensibilidades especificas, ou, como sugeriria Guattari (1981)GUATTARI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo, Editora Brasiliense, 1981. , na heterogeneidade insuperável dos conjuntos sociais, em que não há uma subjetividade englobante e fixa – residem várias.

Considerações finais

Os saberes e as políticas da putaria, como vimos, emergiam e apontavam para um enredo de práticas e relações que não se adequavam às possíveis didáticas feministas sobre o assunto; inscrever tais questões no atual debate acadêmico sobre prostituição, sobretudo no que se refere às questões de gênero, noções de agência e subjetividades na arena feminista, torná-lo-ia, assim, complexo e irremediavelmente polêmico.

O questionamento que precedeu as análises e narrativas que compõem este trabalho baseou-se, então, no seguinte incômodo da puta pesquisadora: até onde uma prostituta deveria e poderia ceder a fim de se considerar uma feminista? Levando-se em consideração que os saberes burlativos podem ser considerados putafeministas, uma vez que remetem às análises sobre as estruturas da prostituição, bem como fornecem bases para aquilo que Collins (2019)COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Trad. Natália Luchini. Seminário “Teoria Feminista”, Cebrap, 2019 [http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_14165_Adriely%20Clarindo%20%2003.02%20definitiva.pdf. - acesso em: 10 mar 2020].
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chamou de conhecimento de resistência – conhecimento desenvolvido por e para a defesa e interesses de grupos oprimidos –, poderíamos questionar o que é necessário para que haja legitimidade do putafemismo nos debates sobre prostituição.

Findando nossas considerações por meio de questionamentos, enquanto este trabalho inscreveu-se como um meio de fazer coro àqueles que pesquisam e promovem saberes junto às trabalhadoras sexuais, as interlocutoras que participaram desta pesquisa pouco se importavam se os termos endereçados aos seus saberes e modos de vida seriam adjetivados e qualificados como feministas, e não o faziam por ignorância, mas por uma sábia indiferença a prescrições que não se adequam às necessidades de sua própria realidade.

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  • 1
    Zona pode ser entendida como lugar onde existem vários puteiros, ou apenas um.
  • 2
    Trabalharemos aqui com o conceito sociológico de raça, levando em consideração as proposições de Stuart Hall que problematiza as noções essencialistas de raça, afirmando-o como um significante flutuante, deslizante, que significa diferentes coisas em diferentes épocas e lugares”. Neste sentido, a raça se aproxima mais da linguagem do que da biologia. Neste texto, raça é compreendida, portanto, no sentido relacional e não por ser essencial.
  • 3
    Aos nos referirmos a flexibilidade nas relações cliente-prostituta, não fazemos alusão à submissão de situações violentas e ofensivas. Trata-se mais de fazê-los pensar a respeito de uma flexibilidade que contribua nas transmissões de valores e saberes de um grupo para outro, onde precisa-se estabelecer uma espécie de tradução.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2020
  • Aceito
    26 Ago 2021
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