Acessibilidade / Reportar erro

É casa, é luta, é o dia de amanhã: as auxiliares de limpeza terceirizadas da Unicamp

Resumo

À luz do contexto de flexibilização e precarização do trabalho e de suas consequências diferenciadas segundo o gênero, este artigo apresenta estudo da trajetória social de trabalhadoras terceirizadas no setor de Limpeza da Universidade Estadual de Campinas. Constitui em objeto de estudo os modos pelos quais elas percebem, experimentam e reagem às suas situações laborais, buscando compreender as razões e estratégias que tornam "aceitáveis" a instabilidade, a insegurança e os baixos rendimentos que caracterizam este emprego.

Trabalho feminino; Terceirização; Precarização; Mobilidade social; Resistência

Abstract

Considering the context of flexibilization and precariousness of work and its consequences, differentiated according to gender, this article presents a study of the social trajectory of outsourced workers in the Cleaning sector at the State University of Campinas. The ways in which they perceive, experience and react to their work situations are the object of study, that seeks to understand the reasons and strategies that make "acceptable" the instability, insecurity and low income that characterize this job.

Female work; Outsourcing; Casualization of work; Social mobility; Resistance

Eu luto da hora que eu levanto até a hora eu me deito, todo dia. É uma guerra. Então, eu sou lutadora. Eu e todas essas mulheres que trabalham aí, né? Cada uma com seus problemas, mas a gente é lutadora. Tem que ter força de vontade pra viver do jeito que a gente tá vivendo hoje. Com o salário que a gente ganha, com as dificuldades de casa, pra criar filho. É calçar, alimentar, com esse salário... E caçar bico e trabalhar sempre. Não é fácil não. Não dá nem pra viver a vida pessoal da pessoa. Não dá nem pra você ter uma vida pessoal, sua. Sua vida é casa, é luta, é o dia de amanhã (Teresa, auxiliar de limpeza terceirizada da UNICAMP, 49 anos, mãe de quatro filhos).

Filha de trabalhadores rurais do interior do Maranhão, Teresa começou a trabalhar aos oito anos “ajudando” os pais na lavoura e com o serviço doméstico. Para manter a si e aos seus filhos, conta apenas consigo própria e com os bicos que consegue, fazendo faxinas em casas de shows e bares, aos finais de semana. Sua entrevista nos foi concedida, discretamente, nas dependências da Unicamp. Permanentemente controladas por superiores, as auxiliares de limpeza são instruídas a não conversar com estudantes e professores(as) da Universidade.

Moradora de uma cidade da região metropolitana de Campinas, Teresa chega ao trabalho diariamente às 5h30 da manhã com o ônibus fretado da empresa. Ao descrever-se como lutadora, ela se reconhece em suas colegas de trabalho – mulheres em sua maioria pretas ou pardas, como ela, com baixa escolaridade, mães e chefes de família – que precisam vencer desafios cotidianos para garantir a sobrevivência da família, “no dia de amanhã”, como ela diz. Condições de vida que dificultam imaginar o futuro para além do curto prazo, como bem notou Bourdieu em seu clássico estudo sobre os trabalhadores algerianos ( Bourdieu, 1977BOURDIEU, Pierre. Algérie 60. Structures économiques et structures temporelles. Paris, Minuit, 1977. ).

Assim como Teresa, a trajetória de muitas auxiliares de limpeza terceirizadas da Unicamp é marcada pela saída precoce da escola, pela corresponsabilização dos cuidados com a casa e com a família desde criança, e pelo início prematuro da vida laboral em trabalhos rurais e nos serviços domésticos. Conscientes de suas realidades econômicas e familiares de um lado e, de outro, dos poucos trunfos escolares de que dispõem, elas percebem o trabalho terceirizado na limpeza como uma das melhores opções ao seu alcance, embora reconheçam a precariedade que caracteriza esse serviço. A baixa escolaridade, a necessidade de cuidar e educar os filhos, tudo parece conspirar para que suas esperanças subjetivas ajustem-se, silenciosamente, às suas chances objetivas. Ou, ainda, para que suas esperanças subjetivas sejam ainda menores do que suas chances objetivas ( Bourdieu, 2007BOURDIEU, Pierre. Futuro de classe e causalidade provável. In: BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação . Petrópolis-RJ, Editora Vozes, 2007, pp.81-126. ; Bourdieu; Passeron, 2014BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis, Editora da UFSC, 2014. ).

A terceirização e a consequente precarização do trabalho são temas conhecidos entre economistas, sociólogos(as), historiadores(as) e feministas. Os estudos em sociologia do trabalho e na literatura econômica, nos últimos 30 anos, têm enfatizado a indissociabilidade entre a terceirização e a degradação das condições de vida e de trabalho, seja por meio do desrespeito aos direitos trabalhistas, do rebaixamento do padrão de remuneração, da redução de benefícios, de piora das condições de saúde, de maiores índices de acidentes no trabalho ou da fragilização da organização sindical ( Druck et al., 2018DRUCK, Graça; SENA, Jeovana; PINTO, Marina Morena; ARAÚJO, Sâmia. A Terceirização no serviço público: particularidades e implicações. In: CAMPOS, André Gambier (org.). Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília, Ipea, 2018, pp.113-141. ).

Embora o aviltamento das relações de emprego seja a condição geral dos processos de terceirização, sua análise de uma perspectiva de gênero evidencia como os perversos efeitos da subcontratação são desigualmente vivenciados por homens e mulheres. A mão-de-obra feminina, no Brasil, se encontra sobretudo nas empresas terceirizadas das pontas inferiores da cadeia produtiva, onde predominam as piores condições de trabalho e os vínculos empregatícios mais frágeis e nos quais as habilidades requeridas para a execução das tarefas são adquiridas no espaço doméstico pelo processo de socialização e formação de gênero ( Araújo; Ferreira, 2009ARAÚJO, Angela Maria Carneiro; FERREIRA, Verônica Clemente. Terceirização e relações de gênero. In: DRAU, Denise; RODRIGUES, Iram; CONCEIÇÃO, Jefferson (org.). Terceirização no Brasil: Do discurso da inovação à precarização do trabalho. São Paulo, Annablume/CUT, 2009, pp.129-150. ). Acompanhando os mesmos padrões de segmentação do mercado de trabalho, 70% das mulheres terceirizadas concentram-se nas atividades de limpeza, 68% na alimentação, 67% na confecção e 66% na educação e saúde ( FEBRAC, 2015FEBRAC – Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação. Mulheres dominam setor de asseio e conservação . Brasília, 2015 [http://www.febrac.org.br/novafebrac/index.php/noticias/sala-de-imprensa/849-mulheres-dominam-setor-de-asseio-e-conservacao – acesso em 02 de jun 2020].
http://www.febrac.org.br/novafebrac/inde...
; Krein; Castro, 2017KREIN, José Dari; CASTRO, Bárbara. As formas flexíveis de contratação e a divisão sexual do trabalho. In: LEONE, Eugenia Troncoso; KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira (org.). Mundo do trabalho das mulheres: ampliar direitos e promover a igualdade. Campinas-SP, Secretaria de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres, Unicamp IE-Cesit, jun. 2017, pp.107-124. ).

À luz do contexto de flexibilização e precarização do mercado de trabalho e de suas consequências diferenciadas segundo o gênero, este artigo pretende recuperar a trajetória social de trabalhadoras terceirizadas no setor de Asseio, Conservação e Limpeza da Universidade Estadual de Campinas e constituir em objeto de estudo os modos pelos quais elas percebem, experimentam e reagem às suas situações laborais, buscando interrogar as razões pelas quais elas são levadas a considerar aceitáveis as condições impostas por essa modalidade de contrato de trabalho caracterizada pela rotatividade, pelos baixos rendimentos e pela supressão de direitos trabalhistas.

A decisão de constituir em objeto de pesquisa a experiência de trabalho das auxiliares de limpeza, suas trajetórias e suas percepções sobre o trabalho precário teve início a partir das observações iniciadas durante um projeto de extensão nos anos de graduação em Economia na Unicamp, por uma das autoras deste artigo.1 1 O projeto de extensão comunitária, conhecido como Coletivo Festeja, desenvolve, com trabalhadoras(es) terceirizadas(os) da Unicamp, atividades educativas e culturais ancoradas na Educação Popular. À época, interessava-nos identificar as formas de resistência que teriam se desenvolvido nesse cotidiano constituído de muitas lutas.

O trabalho terceirizado, sob a ótica das trabalhadoras entrevistadas, apresenta-se como um progresso em suas trajetórias sociais. Se comparado ao desemprego, ao trabalho doméstico não remunerado e à informalidade, o exercício de um trabalho "registrado" e remunerado, ainda que precário, é uma conquista. Contudo, a formalidade não pode invisibilizar as condições impostas pela terceirização. Embora ajude a assegurar os direitos trabalhistas e a preencher os requisitos para acessar os benefícios da seguridade social, a carteira assinada não representa por si mesma a superação do trabalho precário, uma vez que prevalece, no Brasil, um alto nível de descumprimento das normas públicas e coletivas do trabalho ( Krein; Buarque, 2021KREIN, José; BUARQUE, Carolina De Prá Camporez. Apresentação. In: KREIN, et al. (org.). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017) , v. 1. São Paulo, Cesit, 2021. ).

Nossas hipóteses iniciais propunham que as auxiliares de limpeza reconheciam a precariedade do trabalho e resistiam a ela por meio de formas de organização e de resistência ainda pouco conhecidas pela literatura. E que, diante dessa precariedade, elas estariam procurando alternativas ao trabalho terceirizado, buscando dar continuidade às suas trajetórias e lutas para conquistar alguma estabilidade econômica e social para si e para suas famílias.

A metodologia empregada para o desenvolvimento da pesquisa foi o estudo de suas trajetórias sociais, realizado por meio de entrevistas e observações no cotidiano do trabalho. Por meio do recurso à micro-história (Revel, 1996) e pela sociologia desenvolvida por Pierre Bourdieu, procuramos reconhecer as estratégias desenvolvidas por cada uma delas, em função de suas posições sociais. Seus itinerários foram reconstruídos a partir de seus “percursos geográficos, profissionais, dos comportamentos demográficos e das estratégias relacionais” (Revel, 1996:22).

Contra a “ilusão biográfica”, pensada como um todo coerente e totalizante, Bourdieu propõe o estudo das trajetórias como uma série de posições ocupadas em um espaço social. Os acontecimentos biográficos são pensados como uma série de deslocamentos neste espaço, sempre em transformação seja em razão de fatores demográficos, seja por mudanças no estado dos sistemas educativos ou do mundo do trabalho.

Por meio do estudo das trajetórias familiares e ocupacionais de um grupo 18 faxineiras, procuramos identificar suas estratégias, percepções e significados atribuídos às suas experiências ao longo da vida, buscando relacionar seus percursos aos movimentos do mundo do trabalho, tais como os processos de precarização, a ausência de uma rede de proteção ao trabalhador, as possibilidades de organização e resistência e a melhora ou não, nas condições de vida de trabalhadoras de baixos rendimentos e menor nível educacional. Visou-se, também, a esmiuçar as percepções das trabalhadoras sobre suas próprias condições e sobre suas possibilidades de mudança.

A pesquisa de campo foi realizada em Campinas, nas dependências da Unicamp, entre 2017 e 2019. O material empírico foi produzido, principalmente, ao longo das dezoito entrevistas semiestruturadas2 2 As entrevistas foram feitas com base em um roteiro contendo 50 questões acerca da história familiar, infância, estudos, trabalho, lazer e planos para o futuro. Todas as entrevistas foram realizadas após a elucidação do objetivo, contexto e proposta do trabalho e autorização da concessão de informações. e por observações derivadas da participação, durante dois anos consecutivos, em oficinas de artesanato quinzenais ministradas por um grupo de auxiliares de limpeza da universidade3 3 As oficinas de artesanato faziam parte das atividades organizadas pelo Coletivo Festeja. .

O dispositivo de pesquisa elaborado propunha, ainda, o acompanhamento próximo de um dia da jornada de uma trabalhadora terceirizada4 4 O acompanhamento do trabalho desta limpadora foi devidamente autorizado por sua superior, além de ter sido propriamente comunicado à direção do local onde trabalhava. Mas, infelizmente, no dia seguinte do acompanhamento, ela foi transferida de setor e, após o ocorrido, não foi possível localizar a trabalhadora. Não é possível afirmar ao certo a razão dessa mudança, entretanto, temos motivos suficientes para desconfiar que ela está relacionada à possível suspeita de suas supervisoras e de suas colegas de trabalho de ela ter relatado acontecimentos inapropriados. Neste caso, a transferência seria uma espécie de castigo ou alerta. Em decorrência desse acontecimento, não realizamos mais esse tipo de acompanhamento da rotina das limpadoras. e de entrevistas com representantes do sindicato das trabalhadoras (SIEMACO). Adicionalmente, foram analisados 38 holerites com base nas normas e princípios aos quais a terceirização está subordinada.5 5 Cf. Convenção Coletiva do Trabalho, Consolidação das Leis Trabalhistas e CADTERC – Estudos Técnicos de Serviços Terceirizados, Volume 3, Limpeza Predial.

Vale dizer que a fragilidade implícita em suas posições tornava arriscada qualquer suspeita de envolvimento com denúncias, podendo resultar em drásticas consequências para as trabalhadoras, incluindo a demissão. Proibidas de conversar e de permanecer nos espaços com outros usuários do campus, notadamente, com professores e alunos, a aproximação de uma estudante impunha certas reservas. Sendo assim, para proteger aquelas que em nós confiaram, seus nomes foram trocados por nomes fictícios, algumas informações foram cruzadas e alguns lugares e outras indicações que pudessem permitir sua identificação foram mudados ou omitidos.

Os resultados da pesquisa, convergentes com outros estudos, sugerem que o emprego terceirizado no setor de Asseio e Conservação na Unicamp se caracteriza pela instabilidade, por baixas remunerações, por constantes desrespeitos às normas trabalhistas, pela segregação das auxiliares do restante da comunidade universitária e pela possibilidade quase inexistente de promoção das trabalhadoras. Por todas essas condições, as faxineiras desenvolvem, a partir das possibilidades oferecidas pelas circunstâncias ( Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer . 22a edição. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 1994. ), estratégias de resistência para contornar os problemas do trabalho. Essas estratégias se traduziam sobretudo em atos individuais (como a relutância, a dissimulação, a falsa submissão, a simulação de ignorância ou de incompetência) e não havia formação de base para a construção de uma queixa e luta coletiva.

Também concluímos que, mesmo diante das más condições de trabalho, a maior parte das trabalhadoras pretendia continuar indefinidamente no trabalho terceirizado (ao contrário do esperado) e não havia perspectivas de mudança nesse ou em outro emprego. Esse posicionamento decorria da percepção dos limites de ascensão econômica e social que derivam sobretudo de suas condições de classe e gênero, a dizer: a falta de escolaridade, a ausência de experiências profissionais fora do campo do trabalho doméstico e a necessidade premente de cuidar da casa e da família. Havia, entretanto, uma transmissão de aspirações e projetos para os filhos(as), e grande parte de seus esforços direcionam-se para que eles(as) possam ter maiores chances de concretizá-los.

Para analisar as trajetórias das auxiliares de limpeza terceirizadas da Unicamp, iniciaremos examinando o processo de degradação das condições laborais que acompanham a terceirização. Observaremos em que medida esse processo se verifica no caso particular estudado e utilizaremos a categoria gênero para analisar alguns dos efeitos particulares das experiências laborais na vida de mulheres que são, em sua maioria, mães e chefes de família. Depois, delinearemos os aspectos comuns entre os percursos das auxiliares entrevistadas e, por meio do retrato de duas trajetórias individuais, ilustraremos os padrões mais frequentes. Por fim, identificaremos alguns dos principais obstáculos para a organização coletiva das trabalhadoras e lançaremos luz sobre algumas práticas opositivas capazes de confrontar e resistir à exploração e à degradação do trabalho.

Terceirização, precarização e divisão sexual do trabalho

O desenvolvimento e consolidação da terceirização no Brasil, na década de 1990, insere-se em um contexto de mudanças nos padrões de organização do trabalho e de proliferação de formas mais precárias de contratação, um fenômeno internacional. Essas transformações das relações de trabalho resultam de um monumental processo de flexibilização laboral desencadeado desde os anos 1970 nos países centrais e sobretudo desde meados da década de 1980 nos países do Sul ( Antunes, 2020ANTUNES, Ricardo. A explosão do Novo Proletariado de Serviços. In: O privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital . 2a ed. São Paulo, Boitempo, 2020. ).

Embora intensificada nas últimas décadas, a precarização do trabalho não é um fenômeno novo. No caso brasileiro, o mercado de trabalho é historicamente caracterizado pelo excedente estrutural de força de trabalho, pelo elevado grau de heterogeneidade e informalidade e pela pequena proteção social – características que decorrem do processo de desenvolvimento do país, com destaque para o nosso longevo passado escravista-colonial e para a tardia transição e consolidação do modo de produção capitalista ( Krein et al., 2020KREIN, José Dari; MANZANO, Marcelo; TEIXEIRA, Marilane. Trabalho e Justiça Social. Utopias do trabalho: Desafios e perspectivas para o pós pandemia . Friedrich Ebert Stiftung, 2020 [http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/17078.pdf – acesso em 03 dez 2021].
http://library.fes.de/pdf-files/bueros/b...
). Ainda que estruturais, os problemas do trabalho, aqui, são agravados a partir dos anos 90 com as políticas de caráter neoliberal, quando o país incorpora a agenda de flexibilização das relações de trabalho.

No Brasil, constata-se uma verdadeira epidemia da terceirização nas últimas décadas. Utilizada amplamente no setor píblico e privado, na indústria, nos serviços e na agricultura, essa prática colocou-se como uma das principais estratégias de gestão para flexibilizar a utilização da força de trabalho visando à redução de custos, à externalização de conflitos trabalhistas e ao aumento da produtividade ( Antunes; Druck, 2013ANTUNES, Ricardo; DRUCK, Graça. A terceirização como regra?. Revista TST , v. 79, n.4, Brasília, out/dez 2013, pp.214-231. ; Filgueiras; Cavalcante, 2015FILGUEIRAS, Vitor Araújo; CAVALCANTE, Sávio Machado. Terceirização: Debate conceitual e conjuntura. Revista da ABET, v. 14, n. 1, Jan/Jun 2015, pp.15-36. ). Ainda que tenha sido registrada no país desde o final da década de 1960, foi nas décadas de 1980 e 1990, em meio ao movimento de abertura comercial e desregulação dos contratos de trabalho, que surge uma forte busca por parte dos empresários por ampliar e legitimar os contratos terceirizados ( Cavalcante; Marcelino; 2012CAVALCANTE, Sávio; MARCELINO, Paula. Por uma definição de terceirização. CADERNO CRH, v. 25, n. 65, Salvador, maio/ago. 2012, pp.331-346. ). De 1985 para 2010, o número dos estabelecimentos de terceirização no país saltou de 121 para 5.342 ( Pochmann, s.dPOCHMANN, Marcio. Pesquisa SINDEEPRES: A modalidade empresarial na terceirização da mão de obra, Parte 2. São Paulo, Sindeepres, s. d., pp.01-34.: 16), e, em 2014, as atividades tipicamente terceirizadas já respondiam por cerca de 1/4 dos vínculos de trabalho formal no Brasil ( Pelatieri et al., 2018PELATIERI, Patrícia; CAMARGOS, Regina Coeli; IBARRA, Antonio; MARCOLINO, Adriana. Terceirização e precarização das condições de trabalho: condições de trabalho e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. In: CAMPOS, André Gambier (org.) Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília, Ipea, 2018, pp.11-32. ).6 6 Foram consideradas atividades tipicamente terceirizadas: Atividades de apoio, manutenção e reparação; Atividades relacionadas à recuperação; Serviços de preparação; Serviços especializados; Representantes comerciais; Atividades auxiliares; Outras atividades; Suporte técnico; Outras atividades de prestação de serviços; Fornecimento e gestão de recursos humanos para terceiros; Atividades de monitoramento; Serviços combinados; Atividades de cobrança; Atividades de serviços prestados principalmente às empresas, não especificadas anteriormente, entre outras; Construção civil; Confecção de roupas; Fabricação de calçados; Coleta de resíduos; Armazenamento; Serviços de fornecimento de alimentação coletiva ( catering ); Consultoria em tecnologia da informação; Atividade de teleatendimento; e Serviços de engenharia. Todas as demais atividades econômicas foram consideradas como tipicamente contratantes, exceto a atividade da agropecuária ( Pelatieri et al., 2018 ).

De acordo com as informações disponíveis na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), nas atividades tipicamente terceirizadas, as condições de trabalho e a remuneração são, de um modo geral, significativamente inferiores às verificadas nas atividades contratantes. Em 2014, 85,9% dos vínculos nas atividades terceirizadas tinham jornada contratada entre 41 e 44 horas semanais, enquanto que, nos setores tipicamente contratantes, essa proporção caía para 61,6%. Para as primeiras, o percentual de afastamentos por acidentes de trabalho também era maior (9,6% contra 6,1%). O mesmo ocorre com a relação entre vínculos ativos e vínculos rompidos que, nos setores terceirizados, chegava a ser quase o dobro das contratantes, com oitenta vínculos rompidos a cada cem ativos. E, em média, os salários das primeiras (R$ 2.011) eram 23,4% menores do que nas segundas (R$ 2.639), com uma concentração de homens nos estratos intermediários de remuneração nas atividades terceirizadas e de mulheres nos estratos com os menores rendimentos ( Pelatieri et al., 2018PELATIERI, Patrícia; CAMARGOS, Regina Coeli; IBARRA, Antonio; MARCOLINO, Adriana. Terceirização e precarização das condições de trabalho: condições de trabalho e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. In: CAMPOS, André Gambier (org.) Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília, Ipea, 2018, pp.11-32. ).

Os setores que normalmente exercem atividades terceirizadas são aqueles tradicionalmente mais precarizados e em que se encontram as populações mais vulneráveis no mercado de trabalho – mulheres, negros, jovens, migrantes e imigrantes ( CUT, 2014CUT – Central Única dos Trabalhadores. Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha . São Paulo, CUT, Secretaria Nacional de Relações de Trabalho e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2014 [https://www.cut.org.br/system/uploads/ck/files/Dossie-Terceirizacao-e-Desenvolvimento.pdf – acesso em 03 dez 2021].
https://www.cut.org.br/system/uploads/ck...
). No entanto, a falta de dados sobre essa modalidade de contratação dificulta o dimensionamento da magnitude do fenômeno e o seu estudo de uma perspectiva de raça e gênero. Levar em consideração tais variáveis, contudo, é imprescindível, e a análise acurada, precisa e sistemática de indicadores que expressam desigualdades e sua evolução é condição necessária para a reversão desse quadro.

Em 2013, 33,3% do total das contratações terceirizadas no Brasil eram de mulheres e 66,7% de homens. Estes contratos estavam concentrados sobretudo nos setores da construção civil, onde há um forte predomínio da mão de obra masculina, e nos serviços, que apresentam 43% de participação feminina ( Krein; Castro, 2017KREIN, José Dari; CASTRO, Bárbara. As formas flexíveis de contratação e a divisão sexual do trabalho. In: LEONE, Eugenia Troncoso; KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira (org.). Mundo do trabalho das mulheres: ampliar direitos e promover a igualdade. Campinas-SP, Secretaria de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres, Unicamp IE-Cesit, jun. 2017, pp.107-124.: 120-121). As mulheres terceirizadas encontram-se mais presentes nas atividades de limpeza, em que representam 70% dos trabalhadores; na alimentação (68,5%); confecção (67,5%), e educação e saúde (66%) ( FEBRAC, 2015FEBRAC – Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação. Mulheres dominam setor de asseio e conservação . Brasília, 2015 [http://www.febrac.org.br/novafebrac/index.php/noticias/sala-de-imprensa/849-mulheres-dominam-setor-de-asseio-e-conservacao – acesso em 02 de jun 2020].
http://www.febrac.org.br/novafebrac/inde...
; Krein; Castro, 2017KREIN, José Dari; CASTRO, Bárbara. As formas flexíveis de contratação e a divisão sexual do trabalho. In: LEONE, Eugenia Troncoso; KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira (org.). Mundo do trabalho das mulheres: ampliar direitos e promover a igualdade. Campinas-SP, Secretaria de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres, Unicamp IE-Cesit, jun. 2017, pp.107-124. ). E, apesar da insuficiência de estatísticas com um recorte de raça relacionadas a essas trabalhadoras, é razoável supor que a trabalhadora terceirizada negra predomine, mais uma vez, dentre as piores ocupações e com os menores salários. Pesquisas realizadas na última década fortalecem este argumento. O estudo de Passos (2016)PASSOS, Rachel Gouveia. Trabalhadoras do Care na saúde mental: contribuições marxianas para a profissionalização do cuidado feminino. Tese (Doutorado em Serviço Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. sobre as cuidadoras dos serviços residenciais terapêuticos do município do Rio de Janeiro identifica que, das 258 trabalhadoras terceirizadas, 72% eram negras. Lima e Carvalho (2016)LIMA, Rogério Mendes de; CARVALHO, Elisa Costa de. Destinos traçados? Gênero, raça e precarização e resistência entre merendeiras no Rio de Janeiro. Revista da ABET, v.15, n.1, João Pessoa, jan/jun 2016, pp.114-126. observam que as merendeiras terceirizadas do Colégio Pedro II, em Realengo-RJ, eram em sua maioria negras e moradoras da periferia. Assunção (2013)ASSUNÇÃO, Diana. A precarização tem rosto de mulher . São Paulo, Iskra, 2013. mostra que a maioria dos terceirizados que exercem a função de limpeza na Universidade de São Paulo são mulheres e moradoras das favelas do entorno da universidade ( Passos; Nogueira, 2018PASSOS, Rachel Gouveia; NOGUEIRA, Claúdia Mazzei. O fenômeno da terceirização e a divisão sociossexual e racial do trabalho. Revista Katálalysis, v. 21, n. 3, Florianópolis, set./dez. 2018, pp.484-503. ); também na Universidade Federal da Bahia, Souza (2012)SOUZA, Elaine Silva. A “Maquiagem” do trabalho formal: Um estudo do trabalho das mulheres terceirizadas no setor de limpeza na Universidade Federal da Bahia. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012. constata que, dos 87 trabalhadores terceirizados do setor de limpeza entrevistados, 72,2% eram mulheres e 92,5% se reconheciam como pretos(as) ou pardos(as).

O setor de Asseio, Conservação e Limpeza é um dos setores em que a terceirização mais cresce e que emprega uma parcela cada vez mais significativa de mão de obra feminina. Segundo a pesquisa “A Força do Setor”, divulgada pela Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação (FEBRAC), já em 2012, calculou-se que entre 66% e 76% do mercado potencial do setor estaria terceirizado. No setor privado (que representava 40% do mercado), estimou-se que entre 45 e 55% do mercado de limpeza profissional estaria terceirizado e, no setor público (cerca de 60% do mercado), o nível de terceirização seria estável e bem maior, atingindo de 80 a 90%.7 7 Fonte: http://www.febrac.org.br/novafebrac/images/documentos/febrac_pesquisa2012.pdf Em 2018, o relatório de Admissões e desligamentos da FEBRAC, verificou que, com um estoque de 1.541.384 milhões de vínculos de trabalho no início do ano, e de 1.562.975 milhões ao final do primeiro semestre, o Setor de Prestação de Serviços de Limpeza e Conservação continuava crescendo ( FEBRAC, 2018FEBRAC – Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação. Admissões e Desligamentos no Primeiro Semestre de 2018 . Brasília, Febrac, 2018 [http://www.febrac.org.br/novafebrac/images/documentos/ADMI_DESL_1SEMESTRE_2018.pdf – acesso em 03 dez 2021].
http://www.febrac.org.br/novafebrac/imag...
).

Embora, no Brasil, as estatísticas disponíveis não permitam traçar com precisão o perfil dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas para o conjunto do país, alguns estudos buscam recortar segmentos classificados de acordo com as atividades de trabalho ( Thébaud-Mony; Druck, 2007THÉBAUD-MONY, Annie; DRUCK, Graça. Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho . São Paulo, Boitempo, 2007, pp.23-58. ). No setor de Asseio e Conservação, uma pesquisa realizada pelo DIEESE em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo (SIEMACO-SP) entre os anos de 2008 e 2010 indica que, no estado de São Paulo – estado com maior concentração de empresas de terceirização em operação ( Pochmann, s.d.POCHMANN, Marcio. Pesquisa SINDEEPRES: A modalidade empresarial na terceirização da mão de obra, Parte 2. São Paulo, Sindeepres, s. d., pp.01-34. ) – as mulheres compõem 58,8% da mão de obra. Além da forte presença feminina, a maior parte dos trabalhadores declararam-se pretos, negros, pardos, morenos, marrons ou mulatos (73%), possuíam entre 30 e 49 anos (59%) e não alcançaram o Ensino Médio (57%). Cerca de 60% deles nasceram fora do Estado de São Paulo e, entre os provenientes de outras unidades da Federação, 83% eram da região do Nordeste. A renda familiar mensal para 97,7% não passava de R$2.500,00, e mais da metade das famílias (quase 54%) apresentava rendimentos abaixo de R$1.000,00. Dentre as mulheres aí ocupadas, 53% se declararam como chefes de família, sendo que cerca de dois terços dos trabalhadores da categoria tinham filhos ou enteados que deles dependiam economicamente ( SIEMACO, 2011SIEMACO – Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de serviços e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo. Perfil dos trabalhadores em asseio e conservação e limpeza urbana de São Paulo . São Paulo, SIEMACO, 2011, pp.01-96. ).

No caso particular observado neste estudo, o perfil predominante da trabalhadora acompanhou as mesmas tendências: das 18 pessoas que participaram desta pesquisa, todas mulheres auxiliares de limpeza, 13 se autodeclararam pretas ou pardas; 9 tinham entre 30 e 49 anos; 10 não eram do estado de São Paulo e 13 não chegaram ao Ensino Médio. Além disso, 12 delas eram casadas ou "amigadas", 9 tinham um ou dois filhos e 8 tinham três ou quatro. Por fim, 10 eram a principal fonte de renda da casa, chefiando suas famílias com um salário de R$1.078,35 (valor bruto).

A terceirização dos serviços de limpeza na Unicamp

Na Universidade Estadual de Campinas, a subcontratação dos serviços de limpeza começou em 1995. Antes disso, esses serviços, ao lado dos de copa, produção e distribuição de refeições eram realizados por funcionárias públicas contratadas para realizar os "Serviços Gerais".

Entre os anos de 2015 e 2020, período no qual se insere esta pesquisa, a empresa responsável pela prestação dos serviços de Asseio, Conservação e Limpeza Predial na universidade era a Alternativa Serviços de Terceirização em Geral Ltda. O trabalho era organizado a partir da separação dos setores a serem limpos e das atividades a serem realizadas. A distribuição destas tarefas e dos locais era definida pelas encarregadas, mulheres responsáveis por uma equipe de aproximadamente 40 auxiliares (na época, havia cerca de 500 limpadoras e 12 encarregadas). As encarregadas, por sua vez, respondiam à duas supervisoras, função exercida sem contato com as faxineiras, salvo raras exceções.

As auxiliares de limpeza da universidade trabalhavam 44 horas semanais e recebiam, em retorno, um salário bruto de R$1.078,35, aproximadamente R$940,00 líquido (valores referentes ao ano de 2018). Não raro, o pagamento desses salários sofria atrasos, assim como dos benefícios e da concessão das férias. Em alguns casos, o pagamento do adicional de insalubridade pela higienização e coleta de lixo de banheiros públicos, da parcela a que têm direito pelo Programa de Participação nos Resultados (em 2017 e 2018, o valor a ser recebido era de R$ 251,04) e até mesmo dos modestos rendimentos do salário-família (R$ 32,00 a cada filho com menos de 14 anos) não chegava a acontecer. Ao lado desses desrespeitos e irregularidades trabalhistas, encontram-se também a insuficiência de materiais de limpeza e equipamentos de segurança, a falta de uniformes a serem repostos e a ausência de folguistas.8 8 Em conversa com representante do sindicato, alguns dos problemas são confirmados, como o excesso de serviço, agravado pela falta de folguistas e os atrasos nos pagamentos. Outros são negados, especialmente os maus-tratos dos superiores. Segundo o representante, ainda que reclamações fossem frequentemente dirigidas a ele, as terceirizadas não se demonstravam dispostas a enfrentar os problemas levantados. Por outro lado, afirmou que, se houvesse uma postura combativa, a empresa dizia não ter condições de cumprir com todas as obrigações e que, se o fizesse, iria à falência. Vale acrescentar que, dentre as entrevistadas, havia uma desconfiança geral em relação ao sindicato, e qualquer forma de aproximação com ele parecia ser imediatamente associada a uma posição de risco.

As faxineiras da universidade e os demais prestadores de serviços terceirizados compõem o único grupo da comunidade acadêmica que deve usar uniformes e que não tem acesso às estruturas universitárias, como o hospital, a creche, as bibliotecas, os laboratórios de informática e a rede de internet. São instruídas a não circular pelo campus, a almoçar em apenas um dos três restaurantes universitários e sempre antes das 12h. Os constrangimentos à comunicação, ao corpo, ao tempo, à circulação e ao acesso às instalações da universidade expressam uma violenta distinção e discriminação das trabalhadoras terceirizadas do restante do corpo universitário, reforçando sua inferioridade e configurando uma situação que, muitas vezes, leva ao comprometimento de suas saúdes mentais ( Antunes; Druck, 2013ANTUNES, Ricardo; DRUCK, Graça. A terceirização como regra?. Revista TST , v. 79, n.4, Brasília, out/dez 2013, pp.214-231. ), como indica o seguinte relato:

Eu acharia legal se tivesse um psicólogo, sabe? Um psiquiatra, sei lá... que se você tá [...] muito estressada e tal, você pudesse fazer um tratamento. [...] No meu caso, eu precisava falar, ou ouvir [...]. Que você vai chegando num ponto que você perde a noção da vida... É o meu ponto.9 9 Como convenção para a escrita deste artigo, adotamos o recurso gráfico do itálico para marcar os relatos das faxineiras, coletados nas entrevistas e observações.

Práticas de assédio moral e abusos de poder são também comuns entre as trabalhadoras e seus superiores. Sua submissão a humilhações públicas e particulares, combinada a ameaças de demissão e falência da empresa configuram alguns dos principais mecanismos que a empresa usa para coibir as trabalhadoras de se posicionarem frente ao conjunto de desrespeitos às normas públicas e coletivas do trabalho que marcam o trabalho terceirizado:

Toda vez que ia lá [no escritório administrativo] era tratada como cachorro. Nem cachorro é tratado desse jeito! Era uma estupidez, uma estupidez tão grande… [...] Tratavam tão mal que a gente pensava duas vezes antes de ir lá pra pedir, pra ver ou falar alguma coisa. Eu mesmo não vou. Que eu não vou ser tratada mal, se não podem responder... então não vou, já evito.

Em consonância, o desenho organizacional da terceirização opera de forma a inibir a criação de vínculos entre as próprias trabalhadoras. Por meio da alta rotatividade – tanto a espacial, entre os setores da universidade, como a contratual –, de uma política de advertências e da crescente sobrecarga de serviços, estabelece-se uma lógica de competição interna entre elas que, diante da precariedade, procuram garantir para si as atividades laborais mais leves e nos melhores locais. É comum que algumas limpadoras acusem suas colegas de práticas consideradas inadequadas. Uma das entrevistadas conta que sua colega de trabalho alegou falsamente à sua encarregada tê-la visto dormindo no horário de trabalho, e, por isso, a limpadora recebeu injustamente uma advertência – com três advertências, ela pode ser demitida por justa causa. Vale acrescentar que a posição de inimizade construída entre algumas das auxiliares pode indicar, em parte, uma violência intragênero consequente de noções culturalmente construídas, como a da competição feminina. Não raro, encontrávamos falas justificando o ambiente de intriga em decorrência do trabalho ser majoritariamente ocupado por mulheres: “O ruim é que quando você trabalha com muita mulher junta, sempre tem muita fofoquinha, isso é ruim”. Ao cultivar o mito da concorrência natural entre as mulheres, ofusca-se a atuação da empresa que desestimula, estrategicamente, a criação de vínculos entre elas.

A degradação das condições de trabalho, os baixos rendimentos e a insegurança quanto à continuidade no emprego atestam a precariedade do serviço terceirizado da limpeza na Unicamp. Não obstante, há um conjunto de mecanismos ocultos na rotina de trabalho de auxiliares de limpeza terceirizadas da universidade que contribuem para a sua exclusão do espaço e comunidade acadêmica, estabelecendo uma divisão entre os(as) “terceiros(as)” e o restante da comunidade, dilacerando a sociabilidade das trabalhadoras e gerando vivências de mal-estar permanente no campus. Os sentimentos de isolamento e inferioridade que resultam desse processo, somados ao clima de constante competição, são fatores decisivos para o enfraquecimento dos vínculos e ruptura dos laços de confiança entre as trabalhadoras e também entre elas e todo o corpo universitário, configurando-se como importantes obstáculos para a sua união e organização e para a superação da precarização da vida e do trabalho.

O quadro de precarização do trabalho impacta de forma particular mulheres que são, em sua maioria, mães e chefes de família. Impossibilitadas de exercer a maternidade em tempo integral e diante da insuficiência de direitos e de equipamentos coletivos, em especial as creches e os hospitais, algumas delas precisam acionar mecanismos alternativos de cuidado com os filhos, como a rede de parentesco e de vizinhança (Bruschini; Lombardi, 2001/02:164): “Esses dias a minha filha, eu tive que deixar […] com a minha vizinha […] A menina queimando de febre! […] Sorte que ela levou [no hospital] pra mim! Como que eu ia faltar? […] Se a gente falta, desconta a cesta, desconta no pagamento, desconta tudo.” Outras precisam buscar trabalhos informais para complementar a renda da casa, como faxinas em casas de família, serviços de manicure e trabalhos esporádicos em bares e casas de festa.

Diante dessa realidade, quais as percepções das limpadoras em relação às suas experiências laborais? Quais seus posicionamentos frente à degradação das condições e relações de trabalho? Teriam elas perspectivas para esse ou outro emprego?

Percepções e perspectivas: “Eu almejo algo que eu não vivi [...]. E eu luto por isso”

Para responder a essas perguntas, apresentaremos os principais aspectos identificados na trajetória de dezoito auxiliares de limpeza terceirizadas entrevistadas entre os anos de 2018 e 2019 no campus Barão Geraldo da Universidade Estadual de Campinas e recuperaremos duas trajetórias individuais para ilustrar os padrões mais frequentes observados na vida dessas trabalhadoras.

Pensar as trajetórias, e não as histórias de vida, como argumenta Pierre Bourdieu (2016)BOURDIEU, Pierre. Sociologie Générale , V. 2: Cours au Collège de France 1981-1983. Paris, Raisons d'agir/Seuil, 2016. , implica considerá-las no espaço (social e geográfico) que transcorrem. Significa pensar em momentos-chave como a decisão de começar a trabalhar, de sair da escola e de se casar, cujas “escolhas” não são jamais livres. Ressaltamos que o exame dessas trajetórias não implica um regresso ao indivíduo. Ao contrário, a análise mostra que é a relação (sempre social) que “determina seus termos, e não o inverso, e que cada individualidade é o lugar aonde atua uma pluralidade [...] de suas determinações relacionais” ( Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer . 22a edição. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 1994.: 37).

As trajetórias aqui analisadas apresentam em comum a participação precoce em trabalhos rurais e domésticos e a responsabilidade de cuidado da casa e da família. Via de regra, os pais dessas trabalhadoras possuíam pouca ou nenhuma escolaridade, e grande parte deles residiram na zona rural. Em todos os casos, os pais ocupavam-se de trabalhos manuais rurais ou urbanos, e, geralmente, as famílias eram grandes, com pelo menos 6 filhos(as). A condição de classe herdada pelas trabalhadoras influenciou consideravelmente seus destinos sociais, resultando quase sempre na saída precoce da escola, na corresponsabilização dos cuidados com a casa e com os irmãos(ãs) e no início prematuro da vida laboral. Apenas duas delas completaram a educação básica, e a grande maioria começou a trabalhar ainda na infância (7 delas entre sete e onze anos, e 9 entre doze e quinze anos). Se não na lavoura, o primeiro trabalho, em todos os demais casos, se deu pela via dos serviços domésticos: lavadeira, faxineira, doméstica, babá, costureira ou cozinheira.

Por uma questão de necessidades e urgências cotidianas, desde cedo o trabalho parece ter sido colocado como absoluta prioridade na vida e família das trabalhadoras. Os frutos do trabalho não só dos pais, mas de toda a família, eram imprescindíveis para se obter as condições mínimas de sobrevivência ( Linhares, 2008LINHARES, Elizabeth Ferreira. Escravos na roça, anjos na escola. Tempo social, v.20, n.1, 2008, pp.95-117 [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702008000100005&script=sci_abstract&tlng=pt – acesso em 14 jul 2019].
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
: 101). Como consequência, enquanto crianças e jovens, muito comumente elas não desenvolveram perspectivas e projetos em relação ao próprio futuro: “Na verdade eu tinha um ideal de vida muito... eu achava que eu não ia nem conseguir casar, ter filho, que não ia conseguir me sustentar, porque era tanta dificuldade que não dava pra almejar profissão, futuro...”.

Olhando retrospectivamente, vemos que as experiências de trabalho das atuais faxineiras e suas mães se dão, sobretudo, no mercado informal e em atividades culturalmente associadas à condição de mulher – sobretudo no trabalho doméstico remunerado –, caracterizadas pela ausência de direitos, pelos baixos salários e pelo alto grau de pessoalidade, uma vez que são ofícios quase sempre realizados dentro da casa de uma família, com a figura do patrão ou da patroa vigiando a realização dos serviços.

A consciência da realidade econômica, escolar e patrimonial que carregam consigo resultou em expectativas profissionais bastante moderadas. A busca por elas travada costuma ser por empregos com carteira assinada e jornada fixa, atributos que demarcam um significativo progresso frente às suas experiências anteriores. Nessas condições, a familiaridade com trabalhos domésticos parece tornar atrativas as opções de trabalhos formais nas áreas de limpeza, alimentação e confecção – campos de trabalho que, no mercado formal, são altamente terceirizados.10 10 Em segmentos tipicamente terceirizados, como o de Vigilância e o de Limpeza e Conservação, o índice de emprego formal chega a 90% (Krein, 2007).

A entrada em um trabalho formal e terceirizado representa, portanto, mudanças positivas sob a ótica das trabalhadoras e a maior parte delas (11) pretende continuar indefinidamente no trabalho terceirizado da limpeza. Quando comparadas às experiências das gerações anteriores, elas conquistaram melhores condições de vida, isto é, foram alfabetizadas, possuem um emprego formal e com salário fixo. Se comparado ao trabalho rural ou ao serviço de doméstica, o trabalho terceirizado apresenta um conjunto mínimo de benefícios (como a cesta básica e o seguro desemprego), além de conferir um grau maior de autonomia graças à impessoalidade típica desse emprego. Diante do veredito que a baixa escolaridade representa para elas no mercado de trabalho, o trabalho precário na limpeza é por elas tolerado: “Eu gosto do que eu tô fazendo, porque eu não sei fazer outra coisa, né? Se tivesse estudo, não tava aí, então tem que gostar do que tá fazendo”. A resignação em relação ao trabalho, no entanto, não significa que elas não estejam cientes dos problemas que esse serviço apresenta. Pelo contrário, é possível reconhecer em seus discursos que, apesar de todas as dificuldades envolvidas, esse trabalho é considerado uma de suas melhores opções.

Embora o emprego formal seja bastante valorizado por elas, as trabalhadoras não desejam o mesmo destino para os seus filhos: “Eu almejo algo que eu não vivi, entendeu? Algo melhor que eu passei. E eu luto por isso”. Há uma transmissão de aspirações e projetos para os filhos(as), e grande parte de seus esforços direcionam-se para que eles(as) tenham mais chances de concretizá-los. Enquanto a maior parte dessas trabalhadoras não chegou a considerar, enquanto jovem, se gostaria ou não de ter uma profissão (muito menos qual), o esforço que elas fazem é para possibilitar aos seus filhos ao menos esta escolha. Existe, portanto, a esperança de que a trajetória de seus sucessores seja mais bem sucedida que a delas próprias, e o grau de escolaridade, em seus discursos, parece ser o elemento-chave para dar o salto necessário na vida:

Devido eu não ter uma faculdade, não ter um diploma, as pessoas olham pra gente com um olhar diferente. Por ser da limpeza, nem todo mundo se aproxima, tem amizade, ou quando tá perto olha com aquele olhar 'nossa, vamos sentar do outro lado'. Então você acaba enfrentando isso também. E até em quesitos de pertences... Se você tá dentro de uma sala de aula limpando e alguém deixou alguma coisa, porque quer ficar esperando fora, aí fica toda hora: abre e fecha a porta pra poder saber se você vai roubar alguma coisa ou não. Então não gostaria dessa profissão pros meus filhos.

Como mãe, eu não [gostaria que meus filhos trabalhassem na limpeza]. Porque é um pouco... Não chato, mas é um pouco... Vamos dizer assim, discriminado, né? Porque tem coisas que você vê e que você tem que ficar quieta. E eu não quero que meus filhos passem por isso, mas eu busco que eles venham estudando pra ter outra função, a que eles quiserem.

São múltiplos os fatores que explicam a entrada e a permanência das faxineiras em um trabalho caracterizado pelos baixos rendimentos, desrespeitos trabalhistas e instabilidade. A proveniência de famílias pobres e rurais, a saída precoce da escola, a entrada no mercado de trabalho enquanto ainda crianças e o acúmulo de experiência em trabalhos domésticos são fatores que exercem forte influência em seus destinos profissionais e sociais. Ainda, a passagem e, na maior parte dos casos, a permanência em empregos precários é percebida pelas trabalhadoras como condição necessária para o objetivo maior de conquista de melhores posições sociais para seus filhos via aumento da escolaridade. Essa conquista se traduz, acima de tudo, na chegada ao ensino superior e, por consequência, na obtenção de funções mais valorizadas no mundo do trabalho. A escola parece assim representar, para as trabalhadoras, o caminho de abertura para uma trajetória diferente das suas.

O retrato de duas trajetórias individuais, de Roseli e Maria, representa os padrões mais frequentes identificados e revelam, entre outras coisas, o peso assumido pelos projetos de educação para os filhos. No caso de Roseli, a permanência no trabalho terceirizado é considerada a única alternativa possível, uma vez que, com 58 anos, ela acredita que não conseguiria outro emprego. Sua trajetória é um caso exemplar em que os esforços traçados concretizaram as expectativas de escolarização dos filhos. Aqui, a entrada no serviço terceirizado se dá após a chegada dos filhos no ensino superior, de forma que, com a proximidade da aposentadoria e com o parâmetro de suas experiências anteriores em trabalhos informais e no período noturno, ela se mantém satisfeita no atual trabalho. Maria, por outro lado, além de ter um filho ainda criança, tem o marido há anos desempregado. Assim, a continuidade no trabalho terceirizado se dá sobretudo por insegurança, já que o sustento de toda a família depende desse trabalho. Seu desejo de profissionalização permanece em um segundo plano, e sua principal preocupação é a garantia da sobrevivência da família e a escolarização dos filhos.

Roseli: “Eu faria tudo de novo”

Nascida em 1961, no interior de São Paulo, e filha de trabalhadores rurais, Roseli se autodeclara parda. Precisou parar de estudar ainda criança para cuidar da mãe enferma. Com 9 anos, já fazia pães no forno a lenha e era responsável por preparar as refeições, levá-las para seus familiares na roça e cuidar da casa e da mãe. Sua mãe era parteira, e seu pai, trabalhador rural, ambos analfabetos. Juntos tiveram mais quatro filhos, três meninas e um menino.

Um pouco mais velha, Roseli também começou a trabalhar na roça. Seu primeiro registro na carteira de trabalho foi aos 14 anos, como trabalhadora rural. Posteriormente, trabalhou como doméstica em casa de família, como faxineira em um pensionato, como mão-de-obra em uma fábrica de doces e como faxineira em hospitais, antes de se tornar auxiliar de limpeza na universidade, onde aguarda sua aposentadoria.

É casada com um armador de ferragem atualmente aposentado, com quem teve dois filhos. O mais velho, de 34 anos, mora com o casal. A mais nova, de 30 anos, está casada e tem dois filhos. Durante a infância dos filhos, Roseli tentou voltar aos estudos, porém não conseguiu conciliar o aprendizado com o trabalho remunerado e os cuidados com a família.

Atualmente, ambos os filhos têm ensino superior completo e estão trabalhando, o que a trabalhadora conta como uma conquista, com muita alegria: " Eu tenho um engenheiro já formado. E minha filha também! ". Para isso, ela precisou conciliar dois empregos, abrindo mão do seu sono e tempo de lazer. Trabalhava no período noturno (das 17h45 às 5h45) como faxineira de um hospital. Ao término de seu turno, conta que tomava um banho e um café e " fazia umas horinhas " no banheiro, para descansar. Às 7h30 começava outro serviço e nele ficava até às 15h. Trabalhava em casa de família três vezes por semana, onde realizava as tarefas de limpar a casa, além de lavar e passar as roupas:

Não era fácil, não. […] O dinheiro que ele [o marido] pegava e eu, não dava pra pagar a faculdade. Batalhei. Deu certo e se fosse pra fazer tudo de novo, eu fazia. Não queria que meus filhos ficassem limpando sala de aula, lavando banheiro. Minha mãe não teve como lutar pra estudar nós. Era muito diferente na roça. Agora o que eu lutei pra ver eles estudar e fazer faculdade… Eu quero que eles tenham um serviço bom.

Hoje, com os filhos criados e com a aposentadoria do marido, Roseli consegue permanecer em um único emprego, como faxineira terceirizada. No entanto, ainda faz grande parte das atividades domésticas. Diz que seu marido a auxilia nos serviços de casa preparando o jantar e guardando as roupas nas gavetas. Mesmo assim, gasta boa parte de seu tempo para manter a casa em ordem: lava e passa as roupas e panos de prato, limpa os quartos e arruma as camas. No fim do dia, gosta de se sentar no sofá para fazer crochê. Roseli diz não ter reclamações sobre o trabalho. Acredita que, por conta da idade avançada, não conseguiria outro emprego e, ao levar em consideração suas experiências anteriores, sobretudo no trabalho noturno, declara que gosta do atual serviço e, principalmente, do horário da jornada.

Maria: “Vou ficando aqui, porque serviço não tá fácil”

Nascida em 1973, no interior do estado de São Paulo, Maria foi criada pela mãe. Mineira, com seis filhos e ensino fundamental incompleto, sua mãe se ocupou do trabalho rural e, posteriormente, passou a trabalhar como doméstica, primeiro em uma casa de família, onde permaneceu por trinta anos, depois como empregada doméstica terceirizada.

Maria gostava de ir à escola e afirma que costumava ter um bom desempenho. No entanto, aos 10 anos começou a trabalhar como babá, o que a levou a interromper os estudos. Quando se mudou para Sumaré, onde mora até hoje, voltou a estudar e completou mais um ano. Entretanto, parou os estudos pela segunda vez, pois considerou que precisava passar mais tempo com o filho mais novo.

Com seu marido, um pedreiro há dois anos desempregado, Maria teve dois filhos. O mais velho é casado, trabalha e mora com sua esposa. O mais novo, de 11 anos, está estudando e mora com ela e o marido. Como seu salário é insuficiente para cobrir todas as despesas da família, além do serviço terceirizado na universidade, ela trabalha fazendo faxina e passando roupas em outras casas aos sábados e, eventualmente, trabalha na madrugada dos finais de semana como faxineira em casas de show.

Durante os dias da semana, Maria acorda por volta das 4h da manhã para pegar o ônibus fretado e chegar em seu local de trabalho às 5h35, onde permanece até às 16h. Seu marido, desempregado, realiza boa parte dos serviços domésticos. Segundo ela, a única coisa que ela precisa fazer depois de chegar do trabalho é a janta: “como ele tá sem trabalhar, eu chego e ele já fez tudo. E meu menino também, antes de ir pra escola ajuda a limpar a casa. Eu chego, faço janta e mais nada”.

A trabalhadora identifica algumas dificuldades do serviço, como o excesso de trabalho, os descumprimentos trabalhistas e, sobretudo, a falta de respeito por parte da empresa. Por isso, diz que, se aparecesse uma oportunidade melhor, ela aceitaria. Entretanto, não parece procurar por esta oportunidade: “Gostaria de ficar aqui, enquanto eu tiver tendo trabalho e gostando do meu serviço, eu vou ficando. A não ser que apareça alguma coisa melhor, que eu ganhe mais, aí eu mesmo procuro sair”. Reconhece a dificuldade de conquistar empregos mais valorizados, com a trajetória que carrega:

Não [gostaria que meus filhos realizassem o mesmo trabalho que eu]. Não que não seja digno… É digno. Só que, se eu tivesse condições, eu tinha estudado mais e tinha conseguido um serviço melhor. Então, não desprezando o que a gente faz, mas como eles tratam a gente. […] Eu penso em voltar a estudar e fazer um curso profissionalizante na área administrativa, mas do contrário vou ficando aqui, porque serviço não tá fácil.

A resignação a este serviço deriva não de uma indisposição para o trabalho, mas sim da consciência aguda da responsabilidade diante de sua família e da desvantagem que a baixa escolarização representa para aceder a melhores posições ocupacionais. O fato de ser a única fonte de renda da casa e a sua extenuante rotina de trabalho não contribuem para que a trabalhadora se arrisque a procurar outras oportunidades. Não que não tenha outros desejos e sonhos, mas eles estão longe de ser a prioridade, de forma que o esforço de escolarização e de profissionalização permanece concentrado nos filhos.

Depois da realização desta pesquisa, Maria foi demitida sem justa causa. A trabalhadora costumava ter uma postura combativa em relação à empresa e, nos casos em que encontrou irregularidades em seu holerite, reivindicou seus direitos no escritório administrativo. Para ela, o motivo da demissão foi uma discussão com sua superior e, segundo a supervisão, pelo fato de ela "incentivar os trabalhadores a buscar seus direitos". Depois da demissão, Maria continuou trabalhando como faxineira em casas de show e como passadeira de roupas em casas de família.

Posicionamentos: “A gente dá um jeitinho”

Se, pela necessidade, as trabalhadoras pretendem continuar prestando o serviço de limpeza terceirizado, elas o fazem da melhor forma que encontram: "sem sair do lugar onde tem que viver" e que lhes "impõe uma lei", elas usam, a seu favor e de forma hábil e criativa, o tempo, as ocasiões, os espaços e as relações a elas apresentadas ( Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer . 22a edição. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 1994.: 87). A partir dessa percepção e com base no entendimento de que é "preciso apontar tanto os entraves da dominação como as resistências a ela e as formas de contorná-la" ( Kergoat, 2014KERGOAT, Danièle. Compreender as lutas das mulheres por sua emancipação pessoal e coletiva. In: MORENO, Renata (org.). Feminismo, economia e política: debates para a construção da igualdade e autonomia das mulheres . São Paulo, SOF Sempreviva Organização Feminista, 2014, pp.11-22 [https://www.sof.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Economia-e-poli%cc%81tica-web.pdf – acesso em 03 dez 2021].
https://www.sof.org.br/wp-content/upload...
: 14), nossa última proposta, aqui, é tornar visível um outro lado do trabalho terceirizado, configurado pelas pequenas resistências desenvolvidas pelas mulheres dedicadas à limpeza da Unicamp.

Quando pensamos em resistência, não a entendemos como “o fim ou a meta da luta política, mas sim como seu começo, sua possibilidade”, como a "noção mínima de agenciamento necessária para que a relação opressão ←→ resistência seja uma relação ativa" ( Lugones, 2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas 22(3), Florianópolis, set/dez 2014, pp.935-952.: 939-940). Embora limitados a um quadro bastante restrito de possibilidades, consideramos que os sujeitos são dotados de intenções e valores que condicionam suas ações e que são capazes de criar práticas criativamente opositivas, que confrontam a ordem imposta – ainda que, muitas vezes, silenciosamente.

Entender as formas corriqueiras de resistência inventadas pelas faxineiras é, portanto, entender como fazem para defender seus interesses da melhor forma que conseguem fazê-lo. Se, por um lado, certa conformidade é necessária à sobrevivência – há uma inevitabilidade de “seguir a ordenação do mundo e de jogar de acordo com as regras impostas pelos empregadores” ( Thompson, 1998THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em Comum . São Paulo, Companhia das Letras, 1998.: 20) –, por outro, há também uma resistência teimosa, derivada das experiências de exploração.

Certamente, certo cuidado é necessário para não acabarmos em uma “poetização” da exploração. Seria um equívoco romantizar as “armas dos fracos”. É bastante improvável que as práticas aqui observadas “façam mais do que afetar marginalmente as várias formas de exploração” das trabalhadoras terceirizadas ( Scott, 2011SCOTT, James C. Exploração normal, resistência normal. Revista Brasileira de Ciência Política , n. 5, Brasília, Jan-Jul 2011, pp.217-243.: 219). Por outro lado, o que pretendemos mostrar é que elas não são triviais e podem indicar um caminho a ser percorrido.

As informações apresentadas a seguir resultam, sobretudo, da observação e análise de um dia da rotina de trabalho da auxiliar de limpeza Elisa, combinadas a outras práticas e discursos observados durante os anos de realização dessa pesquisa.

Elisa chegava de ônibus fretado todos os dias na Unicamp às 5h35. Caminhava então para o vestiário do seu setor de trabalho, onde colocava seu uniforme e tomava o café da manhã que trazia de casa. Nesse momento, quase não havia interação entre as colegas de trabalho. Às 6h, iniciava seu turno. Ela era responsável, sozinha, pela limpeza de um prédio composto por uma biblioteca, três banheiros (feminino, masculino e de funcionários) e um setor administrativo com três salas, uma copa e um depósito.

Antes dos funcionários da biblioteca chegarem, às 8h, ela deveria tirar o pó dos móveis, limpar as mesas e os carpetes e lavar o chão. Apesar das recomendações de varrer, Elisa dizia que “cada um limpa de um jeitinho” e que, como seu tempo era “muito corrido”, ela optava por varrer apenas os carpetes. Entre às 8h e às 9h, ela lavava os banheiros, higienizava os vasos sanitários e recolhia os lixos. Às sextas-feiras afirmava que não via problema em deixar de realizar algumas das suas tarefas cotidianas, como passar pano nas prateleiras dos livros, já que durante os finais de semana o movimento no prédio era menor. Por outro lado, entendia que o trabalho nos primeiros dias da semana, especialmente nas segundas-feiras, deveria ser mais “caprichado”.

Depois das 9h, horário de abertura da biblioteca, Elisa voltava para o seu vestiário para trocar a galocha pela botina de trabalho. Passava para pegar um chá em uma copa destinada aos funcionários da Unicamp. Em outra copa (agora na biblioteca, cômodo que ela higienizava), ela se sentava para tomar o chá. No dia em que a acompanhamos, a trabalhadora quase não teve interações com a comunidade, com algumas exceções. Uma delas foi com uma funcionária que guardou para ela o restante de um bolo, dos salgadinhos e do refrigerante da comemoração do aniversário de um dos funcionários da biblioteca no dia anterior. Elisa então comeu, lavou sua louça e, depois, sentou-se em uma das poltronas da biblioteca para descansar por alguns instantes. Dizia que preferia não descansar no vestiário com as outras terceirizadas, pois poderiam achar que ela estaria “enrolando” no horário de trabalho. Apesar de não poder fazer pausas para descanso ou café, Elisa tinha diabetes e administrava seu tempo e trabalho de modo a garantir uma alimentação adequada de 3 em 3 horas.

Por volta das 10h30, horário do seu almoço, Elisa se encontrava com colegas que trabalhavam em outros setores para pegar o ônibus circular gratuito da Unicamp para se locomover até o restaurante universitário. Almoçava em aproximadamente meia hora e descansava nos minutos restantes. A partir das 12h, voltava a trabalhar. Passava na biblioteca para pegar os galões dos produtos de limpeza e os levava para o depósito (fora do prédio) que armazenava o estoque de produtos para enchê-los. Retornava à biblioteca e verificava, em todo o prédio, se estava tudo em ordem. Fazia a revisão dos banheiros (passava pano no chão, colocava desinfetante nos vasos, limpava novamente os assentos e recolhia os lixos). Recolhia também os demais lixos da biblioteca e setor administrativo. Por fim, levava o lixo para a lixeira (fora do prédio) e lavava e organizava todo o material usado. Em torno das 15h30, voltava para o vestiário, trocava de roupa e caminhava até o ponto do fretado, que saía às 16h.

O retrato da rotina de Elisa ajuda a ilustrar as especificidades da lógica de fiscalização do serviço de limpeza terceirizado na universidade, uma fiscalização realizada, em grande medida, pelas próprias colegas de trabalho, que estão constantemente atentas para detectar se suas colegas estão “enrolando” no serviço ou se estão seguindo os procedimentos de limpeza indicados. Diante dessa situação, a principal reclamação da trabalhadora foi a falta de união entre suas colegas: “se fosse tudo unida era mais fácil”; “é só individual”; “não dá pra confiar em ninguém”.

Para se proteger de falsas acusações, a tática adotada pela limpadora foi a de se responsabilizar pela higiene de um prédio isolado, ainda que demasiadamente grande. Dessa forma, ela realizava seu trabalho e descansava com maior discrição: “Aqui, pelo menos, eu arranjei um jeito. Fico mais afastada, fico sossegada”. Como ela não era constantemente vigiada pelas colegas, ocupava seu espaço de trabalho de uma forma consideravelmente melhor: fazia pequenas pausas, sentava-se nas poltronas e usava a copa do próprio setor para guardar e comer suas refeições. No entanto, ela se sentia sozinha a maior parte do tempo: “Elas podem ficar lá conversando, eu tenho que ficar sozinha”. Vale ressaltar que durante todo o dia de trabalho, Elisa teve pouquíssimas interações com a comunidade acadêmica, ainda que responsável por um dos espaços de maior circulação do Instituto em que trabalha.

Ao tempo que algumas das limpadoras se esforçam para estabelecer uma boa relação com as encarregadas, visando, sobretudo, garantir para si as tarefas mais fáceis e nos melhores espaços, outras preferem se distanciar e interagir o mínimo possível. No caso observado, as trabalhadoras mais próximas da encarregada realizavam um serviço mais leve e com mais tempo para o descanso. Embora seus turnos iniciassem às 6h, elas efetivamente começavam a trabalhar às 6h40, uma vez que deveriam esperar outro funcionário chegar para desarmar o alarme do local a ser limpo.

Elisa trabalhava sozinha em um prédio e era instruída a seguir o procedimento de limpeza indicado nas Especificações Técnicas do edital de contratação do serviço de limpeza. No entanto, com o tempo reduzido para a quantidade de tarefas esperadas, ela não era capaz de efetuar todo o trabalho cobrado. No mais, alguns instrumentos e produtos utilizados não estavam em seu perfeito estado de utilização, de modo que algumas “gambiarras” eram inventadas visando à adaptação e melhor utilização dos recursos. Diante dessa realidade, Elisa fazia seu serviço da maneira que julgava mais apropriado: escolhia a frequência e a ordem de seus afazeres, intercalando-os durante o dia e no decorrer da semana, dando prioridades para algumas das tarefas exigidas. Não via, por exemplo, a necessidade de passar certos produtos ou passar aspirador de pó nos carpetes, nem considerava necessário tirar a poeira das prateleiras às sextas-feiras.

Ainda que limitada, a observação e análise de um dia de trabalho de Elisa indica pequenas transgressões que configuram, ao menos, uma recusa à “identificação com a ordem ou com a lei dos fatos” ( Certeau, 1985CERTEAU, Michel de. Teoria e Método no Estudo das práticas cotidianas. In: SZMRECSANYI, M. I. (org.) Cotidiano, cultura popular e planejamento urbano (Anais de Encontro). São Paulo, FAU/USP, 1985, pp.03-19.: 8). No geral, os pequenos desvios de Elisa e das demais trabalhadoras observados nesta pesquisa representam uma forma de autoajuda individual, não exigem nenhuma coordenação e evitam qualquer confrontação com a autoridade. Expressam-se sobretudo em atos sutis de desobediência como a relutância, a dissimulação, a falsa submissão, a simulação de ignorância ou de incompetência ( Scott, 2011SCOTT, James C. Exploração normal, resistência normal. Revista Brasileira de Ciência Política , n. 5, Brasília, Jan-Jul 2011, pp.217-243. ). Mesmo com todas as limitações, essas táticas colocam-se como maneiras de mitigar ou rejeitar as demandas e normas com as quais não estão de acordo.

Dentre as práticas observadas, podemos considerar, por exemplo, que as delongas durante as refeições configuram uma contestação ao reduzido horário de almoço; que a falsa aquiescência seja uma forma de contornar os abusos de poder; que o ritmo de trabalho propositalmente lento seja um mecanismo de recusa à sobrecarga de tarefas ou, por fim, que há uma reivindicação de pertencimento ao espaço e comunidade universitária implícita na “intromissão” dessas funcionárias em determinados lugares reservados: “Se você quer ir num lugar onde só tem um monte de pessoal da Unicamp, a gente se interessou por alguma coisa que tá ali acontecendo no meio, a gente querendo ou não querendo dá um jeitinho, entra lá e participa também!”.

A falta de representação do sindicato da categoria, a vulnerabilidade econômica e social de suas posições, a lógica de fiscalização sob a qual estão submetidas e a dinâmica rotativa do trabalho resultam em uma camisa de força para as trabalhadoras. Ainda que se percebam enquanto um grupo separado do restante da comunidade universitária – e a fala de uma limpadora “se some alguma coisa [...] eles não vão achar que foi um deles que pegou” evidencia isso –, muito raramente a luta que desenvolvem resulta em uma oposição organizada, com pauta, disciplina e liderança. Mesmo com reclamações individuais similares, como o excesso de trabalho e a falta de material, não há formação de base para a construção de uma queixa coletiva e suas práticas continuam apresentando um caráter informal, dissimulado e, em grande medida, preocupadas com ganhos imediatos ( Scott, 2011SCOTT, James C. Exploração normal, resistência normal. Revista Brasileira de Ciência Política , n. 5, Brasília, Jan-Jul 2011, pp.217-243. ).

Por não apresentar organização formal, nome, líderes ou bandeira e por terem sua segurança assegurada no anonimato, as práticas de resistência das faxineiras assumem uma invisibilidade institucional. Por um lado, o caráter oculto de suas desobediências garante que não serão descobertas e, portanto, punidas. Por outro, os problemas que essas práticas tentam contornar continuam invisibilizados, tornando sua possibilidade de resolução ainda mais distante.

Para finalizar

O estudo das trajetórias sociais das faxineiras terceirizadas da Unicamp indica como os seus percursos e posições sociais acompanham importantes movimentos sociodemográficos do mundo do trabalho. O êxodo rural e a migração para regiões periféricas de cidades grandes, a passagem pelo trabalho doméstico remunerado e o ingresso em um serviço terceirizado refletem, de um lado, aspectos estruturais de nosso mercado de trabalho – a dizer, o excedente de força de trabalho, o elevado grau de heterogeneidade e informalidade e a pequena proteção social –, e, de outro, importantes transformações da classe trabalhadora e das relações de trabalho desencadeado a partir do final dos anos 1980, com a adoção da agenda neoliberal. Esse momento inaugura a tendência de flexibilização das relações laborais, motivada pela estratégia do capital para ampliar sua liberdade em determinar as condições de contratação, uso e remuneração da força de trabalho e de retirada das proteções sociais, um processo que apresenta fortes impactos sobre o emprego e sobre a composição setorial da ocupação e no qual a terceirização e a terciarização da economia assumem um inédito protagonismo na economia brasileira. Refletem também como, a despeito das mudanças, a organização de nosso mercado de trabalho continua legando à população negra, às mulheres e aos mais pobres as ocupações mais vulneráveis, precárias e mal remuneradas ( Krein et al., 2020KREIN, José Dari; MANZANO, Marcelo; TEIXEIRA, Marilane. Trabalho e Justiça Social. Utopias do trabalho: Desafios e perspectivas para o pós pandemia . Friedrich Ebert Stiftung, 2020 [http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/17078.pdf – acesso em 03 dez 2021].
http://library.fes.de/pdf-files/bueros/b...
).

O desenvolvimento do setor de serviços se dá, cada vez mais, pelas vias da terceirização, e tem levado muitas mulheres sem qualificações educacionais a participarem do mercado de trabalho por meio de empregos relacionados ao trabalho doméstico, instáveis, mal remunerados e com uma possibilidade quase inexistente de promoção e de carreira, como é o caso das faxineiras da universidade. Com direitos sociais limitados, constantes desrespeitos às normas públicas e coletivas do trabalho, insuficiência de rendimentos e poucos equipamentos coletivos de apoio – como as creches –, a força de trabalho feminina, ainda responsável pela maior parte dos cuidados com a família e com a casa, é particularmente afetada, precisando, muitas vezes, buscar trabalhos informais para complementar a renda e encontrar artifícios alternativos de cuidado com os filhos.

Ainda que impossibilitadas de exercer a maternidade em tempo integral, os depoimentos sugerem que as decisões e escolhas das faxineiras terceirizadas visavam a garantir para os filhos um destino social superior a suas frágeis conquistas. Com esse objetivo, a constante ameaça de desemprego aliada aos baixos níveis educacionais, à parca atuação sindical e à dinâmica organizacional da terceirização na universidade, tende a conduzi-las à submissão a níveis cada vez mais alarmantes de exploração e desrespeitos trabalhistas, sem perspectivas de mudança nesse ou em outro emprego.

A noção de trajetória, desenvolvida na sociologia bourdiesiana, busca combater a “ilusão biográfica”, investindo principalmente em pensar as trajetórias como os deslocamentos dos agentes em um espaço social e geográfico, fazendo aparecer assim os fatores propriamente sociais que incidem sobre as trajetórias. Nesta perspectiva sociológica, os percursos dos agentes não podem ser compreendidos fora das relações intergeracionais e os trunfos e handicaps educacionais jamais são negligenciados. A origem social dos pais, os primeiros trabalhos, a socialização precoce com os trabalhos domésticos, a consciência das limitações de suas credenciais educacionais para enfrentar um concorrido mercado, assim como a projeção das esperanças de um “serviço melhor” para a geração dos filhos, contribuem para compreender as razões pelas quais uma ocupação marcada por humilhações e assédio moral cotidianos, desrespeitos trabalhistas recorrentes, baixos salários e instabilidade permanente tornam-se aceitável. Um dos objetivos deste estudo foi denunciar esse estado de coisas, na esperança de que as universidades públicas possam inserir em seus contratos de prestação de serviços e políticas institucionais maiores garantias às trabalhadoras que são levadas a aceitar condições de trabalho inaceitáveis.

Referências bibliográficas

  • ANTUNES, Ricardo. A explosão do Novo Proletariado de Serviços. In: O privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital . 2a ed. São Paulo, Boitempo, 2020.
  • ANTUNES, Ricardo; DRUCK, Graça. A terceirização como regra?. Revista TST , v. 79, n.4, Brasília, out/dez 2013, pp.214-231.
  • ARAÚJO, Angela Maria Carneiro; FERREIRA, Verônica Clemente. Terceirização e relações de gênero. In: DRAU, Denise; RODRIGUES, Iram; CONCEIÇÃO, Jefferson (org.). Terceirização no Brasil: Do discurso da inovação à precarização do trabalho. São Paulo, Annablume/CUT, 2009, pp.129-150.
  • ASSUNÇÃO, Diana. A precarização tem rosto de mulher . São Paulo, Iskra, 2013.
  • BOURDIEU, Pierre. Sociologie Générale , V. 2: Cours au Collège de France 1981-1983. Paris, Raisons d'agir/Seuil, 2016.
  • BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis, Editora da UFSC, 2014.
  • BOURDIEU, Pierre. Futuro de classe e causalidade provável. In: BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação . Petrópolis-RJ, Editora Vozes, 2007, pp.81-126.
  • BOURDIEU, Pierre. Algérie 60. Structures économiques et structures temporelles. Paris, Minuit, 1977.
  • BRUSCHINI, Cristina; LOMBARDI, Maria Rosa. A bipolaridade do trabalho feminino no Brasil contemporâneo. Cad. Pesqui . (110), São Paulo, 2000, pp.67-104.
  • CAVALCANTE, Sávio; MARCELINO, Paula. Por uma definição de terceirização. CADERNO CRH, v. 25, n. 65, Salvador, maio/ago. 2012, pp.331-346.
  • CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer . 22a edição. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 1994.
  • CERTEAU, Michel de. Teoria e Método no Estudo das práticas cotidianas. In: SZMRECSANYI, M. I. (org.) Cotidiano, cultura popular e planejamento urbano (Anais de Encontro). São Paulo, FAU/USP, 1985, pp.03-19.
  • CUT – Central Única dos Trabalhadores. Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha . São Paulo, CUT, Secretaria Nacional de Relações de Trabalho e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2014 [https://www.cut.org.br/system/uploads/ck/files/Dossie-Terceirizacao-e-Desenvolvimento.pdf – acesso em 03 dez 2021].
    » https://www.cut.org.br/system/uploads/ck/files/Dossie-Terceirizacao-e-Desenvolvimento.pdf
  • DRUCK, Graça; SENA, Jeovana; PINTO, Marina Morena; ARAÚJO, Sâmia. A Terceirização no serviço público: particularidades e implicações. In: CAMPOS, André Gambier (org.). Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília, Ipea, 2018, pp.113-141.
  • FEBRAC – Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação. Admissões e Desligamentos no Primeiro Semestre de 2018 . Brasília, Febrac, 2018 [http://www.febrac.org.br/novafebrac/images/documentos/ADMI_DESL_1SEMESTRE_2018.pdf – acesso em 03 dez 2021].
    » http://www.febrac.org.br/novafebrac/images/documentos/ADMI_DESL_1SEMESTRE_2018.pdf
  • FEBRAC – Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação. Mulheres dominam setor de asseio e conservação . Brasília, 2015 [http://www.febrac.org.br/novafebrac/index.php/noticias/sala-de-imprensa/849-mulheres-dominam-setor-de-asseio-e-conservacao – acesso em 02 de jun 2020].
    » http://www.febrac.org.br/novafebrac/index.php/noticias/sala-de-imprensa/849-mulheres-dominam-setor-de-asseio-e-conservacao
  • FILGUEIRAS, Vitor Araújo; CAVALCANTE, Sávio Machado. Terceirização: Debate conceitual e conjuntura. Revista da ABET, v. 14, n. 1, Jan/Jun 2015, pp.15-36.
  • KERGOAT, Danièle. Compreender as lutas das mulheres por sua emancipação pessoal e coletiva. In: MORENO, Renata (org.). Feminismo, economia e política: debates para a construção da igualdade e autonomia das mulheres . São Paulo, SOF Sempreviva Organização Feminista, 2014, pp.11-22 [https://www.sof.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Economia-e-poli%cc%81tica-web.pdf – acesso em 03 dez 2021].
    » https://www.sof.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Economia-e-poli%cc%81tica-web.pdf
  • KREIN, José; BUARQUE, Carolina De Prá Camporez. Apresentação. In: KREIN, et al. (org.). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017) , v. 1. São Paulo, Cesit, 2021.
  • KREIN, José Dari; MANZANO, Marcelo; TEIXEIRA, Marilane. Trabalho e Justiça Social. Utopias do trabalho: Desafios e perspectivas para o pós pandemia . Friedrich Ebert Stiftung, 2020 [http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/17078.pdf – acesso em 03 dez 2021].
    » http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/17078.pdf
  • KREIN, José Dari; CASTRO, Bárbara. As formas flexíveis de contratação e a divisão sexual do trabalho. In: LEONE, Eugenia Troncoso; KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira (org.). Mundo do trabalho das mulheres: ampliar direitos e promover a igualdade. Campinas-SP, Secretaria de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres, Unicamp IE-Cesit, jun. 2017, pp.107-124.
  • LIMA, Rogério Mendes de; CARVALHO, Elisa Costa de. Destinos traçados? Gênero, raça e precarização e resistência entre merendeiras no Rio de Janeiro. Revista da ABET, v.15, n.1, João Pessoa, jan/jun 2016, pp.114-126.
  • LINHARES, Elizabeth Ferreira. Escravos na roça, anjos na escola. Tempo social, v.20, n.1, 2008, pp.95-117 [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702008000100005&script=sci_abstract&tlng=pt – acesso em 14 jul 2019].
    » http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702008000100005&script=sci_abstract&tlng=pt
  • LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas 22(3), Florianópolis, set/dez 2014, pp.935-952.
  • PASSOS, Rachel Gouveia. Trabalhadoras do Care na saúde mental: contribuições marxianas para a profissionalização do cuidado feminino. Tese (Doutorado em Serviço Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.
  • PASSOS, Rachel Gouveia; NOGUEIRA, Claúdia Mazzei. O fenômeno da terceirização e a divisão sociossexual e racial do trabalho. Revista Katálalysis, v. 21, n. 3, Florianópolis, set./dez. 2018, pp.484-503.
  • PELATIERI, Patrícia; CAMARGOS, Regina Coeli; IBARRA, Antonio; MARCOLINO, Adriana. Terceirização e precarização das condições de trabalho: condições de trabalho e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. In: CAMPOS, André Gambier (org.) Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília, Ipea, 2018, pp.11-32.
  • PINHEIRO, Luana Simões; JUNIOR, Antonio Teixeira Lima; FONTOURA, Natália de Oliveira; SILVA, Rosane da. Mulheres e trabalho: breve análise do período 2004-2014 (Nota técnica, n.24). Brasília, IPEA, 2016, pp.1-28.
  • POCHMANN, Marcio. Pesquisa SINDEEPRES: A modalidade empresarial na terceirização da mão de obra, Parte 2. São Paulo, Sindeepres, s. d., pp.01-34.
  • SCOTT, James C. Exploração normal, resistência normal. Revista Brasileira de Ciência Política , n. 5, Brasília, Jan-Jul 2011, pp.217-243.
  • SIEMACO – Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de serviços e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo. Perfil dos trabalhadores em asseio e conservação e limpeza urbana de São Paulo . São Paulo, SIEMACO, 2011, pp.01-96.
  • SOUZA, Elaine Silva. A “Maquiagem” do trabalho formal: Um estudo do trabalho das mulheres terceirizadas no setor de limpeza na Universidade Federal da Bahia. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
  • THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em Comum . São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
  • REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: REVEL, Jacques (org.). Jogos de Escola: a experiência da microanálise . Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998, pp.15-38.
  • THÉBAUD-MONY, Annie; DRUCK, Graça. Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (org.). A perda da razão social do trabalho . São Paulo, Boitempo, 2007, pp.23-58.
  • 1
    O projeto de extensão comunitária, conhecido como Coletivo Festeja, desenvolve, com trabalhadoras(es) terceirizadas(os) da Unicamp, atividades educativas e culturais ancoradas na Educação Popular.
  • 2
    As entrevistas foram feitas com base em um roteiro contendo 50 questões acerca da história familiar, infância, estudos, trabalho, lazer e planos para o futuro. Todas as entrevistas foram realizadas após a elucidação do objetivo, contexto e proposta do trabalho e autorização da concessão de informações.
  • 3
    As oficinas de artesanato faziam parte das atividades organizadas pelo Coletivo Festeja.
  • 4
    O acompanhamento do trabalho desta limpadora foi devidamente autorizado por sua superior, além de ter sido propriamente comunicado à direção do local onde trabalhava. Mas, infelizmente, no dia seguinte do acompanhamento, ela foi transferida de setor e, após o ocorrido, não foi possível localizar a trabalhadora. Não é possível afirmar ao certo a razão dessa mudança, entretanto, temos motivos suficientes para desconfiar que ela está relacionada à possível suspeita de suas supervisoras e de suas colegas de trabalho de ela ter relatado acontecimentos inapropriados. Neste caso, a transferência seria uma espécie de castigo ou alerta. Em decorrência desse acontecimento, não realizamos mais esse tipo de acompanhamento da rotina das limpadoras.
  • 5
    Cf. Convenção Coletiva do Trabalho, Consolidação das Leis Trabalhistas e CADTERC – Estudos Técnicos de Serviços Terceirizados, Volume 3, Limpeza Predial.
  • 6
    Foram consideradas atividades tipicamente terceirizadas: Atividades de apoio, manutenção e reparação; Atividades relacionadas à recuperação; Serviços de preparação; Serviços especializados; Representantes comerciais; Atividades auxiliares; Outras atividades; Suporte técnico; Outras atividades de prestação de serviços; Fornecimento e gestão de recursos humanos para terceiros; Atividades de monitoramento; Serviços combinados; Atividades de cobrança; Atividades de serviços prestados principalmente às empresas, não especificadas anteriormente, entre outras; Construção civil; Confecção de roupas; Fabricação de calçados; Coleta de resíduos; Armazenamento; Serviços de fornecimento de alimentação coletiva ( catering ); Consultoria em tecnologia da informação; Atividade de teleatendimento; e Serviços de engenharia. Todas as demais atividades econômicas foram consideradas como tipicamente contratantes, exceto a atividade da agropecuária ( Pelatieri et al., 2018PELATIERI, Patrícia; CAMARGOS, Regina Coeli; IBARRA, Antonio; MARCOLINO, Adriana. Terceirização e precarização das condições de trabalho: condições de trabalho e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. In: CAMPOS, André Gambier (org.) Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília, Ipea, 2018, pp.11-32. ).
  • 7
  • 8
    Em conversa com representante do sindicato, alguns dos problemas são confirmados, como o excesso de serviço, agravado pela falta de folguistas e os atrasos nos pagamentos. Outros são negados, especialmente os maus-tratos dos superiores. Segundo o representante, ainda que reclamações fossem frequentemente dirigidas a ele, as terceirizadas não se demonstravam dispostas a enfrentar os problemas levantados. Por outro lado, afirmou que, se houvesse uma postura combativa, a empresa dizia não ter condições de cumprir com todas as obrigações e que, se o fizesse, iria à falência. Vale acrescentar que, dentre as entrevistadas, havia uma desconfiança geral em relação ao sindicato, e qualquer forma de aproximação com ele parecia ser imediatamente associada a uma posição de risco.
  • 9
    Como convenção para a escrita deste artigo, adotamos o recurso gráfico do itálico para marcar os relatos das faxineiras, coletados nas entrevistas e observações.
  • 10
    Em segmentos tipicamente terceirizados, como o de Vigilância e o de Limpeza e Conservação, o índice de emprego formal chega a 90% (Krein, 2007).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Out 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2021
  • Aceito
    31 Mar 2022
Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu Universidade Estadual de Campinas, PAGU Cidade Universitária "Zeferino Vaz", Rua Cora Coralina, 100, 13083-896, Campinas - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 19) 3521 7873, (55 19) 3521 1704 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: cadpagu@unicamp.br