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“Diálogos Insurgentes” Entrevista com Emilia de Oliveira Santos, autora da obra selecionada para a capa da 67ª edição da revista cadernos pagu – e primeira comemorativa dos 30 anos do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu e da revista cadernos pagu

Gabriela, Julian e Natália: Conte um pouco para nós sobre sua trajetória artística. Como você começou a desenhar? Você também atua com outras vertentes das artes visuais?

Emilia: Eu sempre gostei de pintar. Em casa, meus pais eram professores da rede pública de ensino, meu pai era professor de artes, sempre desenhamos muito. Quando estava na escola, no fundamental II, lembro-me de ter muitas encomendas de desenho, meus colegas queriam que eu fizesse retratos de artistas, logos de banda. Lembro-me de ter facilidade em copiar imagens e de dar muitos desenhos para colegas, sempre gostei dessa atenção que a prática do desenho trazia. Desenhar me ajudou a criar conexões com as pessoas. Eu sou formada em Artes Visuais pela Belas Artes e fiz mestrado em multimeios na Unicamp. Hoje, sou professora de artes dos fundamentais 1, 2 e Ensino médio, sou professora de um curso livre de desenho, dou aulas particulares de desenho e pintura, e minha prática artística é voltada para a pintura. Porém minha atuação no campo artístico é restrita, o mercado de arte é muito seletivo, e não temos incentivos necessários para nossas pesquisas. Não sou representada por nenhuma galeria e, vez ou outra, consigo passar em algum edital público em que proponho exposições e projetos culturais.

G.J.N.: Como você considera que sua trajetória se relaciona com os feminismos? Particularmente, teorias feministas e os estudos de gênero te inspiram de alguma maneira?

Emilia: Minha trajetória é forjada e tributária das conquistas propostas pelas teorias feministas. Toda mulher artista é confrontada por sua prática em relação ao seu gênero. Em 2013, eu já estava formada fazia 5 anos e não conseguia trabalhar com arte. Colegas homens que estudaram comigo já atuavam, formavam grupos e exposições, e eu não conseguia me inserir nesses espaços; não era convidada, não tinha conhecidos, não fazia parte do mesmo clube. Foi justamente naquele ano que eu pedi para colaborar como ilustradora com o editorial da Revista Geni, revista que trazia publicações sobre gênero e sexualidade, e realizei uma exposição de pinturas intitulada “Dá pra qualquer um”. A exposição trazia uma reunião de retratos de diferentes mulheres que me inspiraram, pintadas em diferentes suportes e formatos, com diferentes técnicas e dimensões. E a intenção/provocação proposta era principalmente para poder vender as obras com valores muito baixos, valores de custo. Foi dessa maneira que eu consegui vender meus primeiros trabalhos. Colaborando com a revista comecei a me aproximar de forma mais acadêmica das discussões sobre gênero e sexualidade, que até então partiam de um repertório vindo de artistas feministas que aprecio, movimentos sociais, de grupos feministas que eu frequentava, de encontros de artistas mulheres, LGBTQUIA+, de coletivos culturais de bairro. Com esse novo contato, conheci teóricas que me inspiraram muito: Sontag (2004)SONTAG, Susan. Sobre a fotografia. São Paulo, Companhia das letras, 2004., Butler (2003)BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2003., Lelia Gonzales (2020)GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, Zahar, 2020., bell hooks, Gayle Rubin (2017)RUBIN, Gayle. Políticas do sexo. São Paulo, UBU, 2017. são alguns exemplos de pensadoras que norteiam e embaralham meus processos artísticos.

G.J.N.: Você conhecia a cadernos pagu? Conhecia a revista e as capas da revista em suas edições impressas? Conte um pouco sobre a sua relação com a revista?

Emilia: Eu conheci as publicações quando fazia parte de um coletivo cultural da cidade em que eu moro, um pouco antes de ingressar no mestrado. Esse coletivo propunha ações culturais voltadas para população LGBTQUIA+ da cidade e do entorno; logo nos deparamos com as publicações da revista e desde lá acompanho as edições. Tive sorte de participar de alguns cine debates presenciais e adquiri várias edições impressas. Acho de extrema urgência essa aproximação entre os debates que acontecem na academia e os movimentos sociais, aproximar essas realidades que por vezes têm uma distância abissal entre si.

G.J.N.: Agora, gostaríamos de saber um pouco mais sobre a imagem “Diálogos insurgentes”, que ilustra o nº 67 da cadernos pagu de 2023, reinaugurando as capas da revista no ano em que o periódico celebra 30 anos de existência.

Emilia: Essa obra faz parte de uma exposição de mesmo título que foi inaugurada na pinacoteca Diógenes Duarte, em Jundiaí, em outubro do ano passado. Meu objetivo ao criar essa imagem foi proporcionar uma sensação de diálogo através dos níveis de profundidade presentes em um mergulho. A pintura revela diferentes níveis de perspectivas e pontos de vista, criando camadas que mergulham cada vez mais fundo na realidade submersa. A figura da senhora seguindo a carpa vermelha foi inspirada na jornada de Alice no País das Maravilhas, em que ela segue o coelho branco.

G.J.N.: A gente gostaria de te convidar para trazer para a revista mais três desenhos teus que você considere relevantes e em diálogo com a história da cadernos pagu. Gostaríamos que você nos contasse um pouco sobre essas ilustrações também. Agradecemos pela entrevista e por participar dessa comemoração conosco.

Emilia: Escolhi as 3 imagens a seguir, a primeira chama-se “Urutu”, 2020, 85x120 cm, acrílica sobre madeira, é uma homenagem a obra de mesmo título de Tarsila do Amaral. Na obra da Tarsila, temos a urutu envolvendo seu ovo, velando seu nascimento. Na minha versão, a urutu se enrosca em uma mulher dentro de uma banheira, envolvendo toda a figura feminina.

A segunda obra escolhida intitulada de “Mandraka”, 2022, 80x100cm, acrílica sobre tela, revela a insurgência, a rebeldia no diálogo. A protagonista tem dois cocos pegando fogo em suas mãos e posa para a imagem. Ela sente prazer em oferecer riscos.

A terceira figura chama-se “Desserviço”, 2021, 100x100 cm, acrílica sobre tela, e revela uma sensação de conforto. Essa obra tem duas perspectivas distintas: neste ângulo vemos a protagonista relaxar em sua piscina de plástico.

Contudo nesta outra perspectiva, vemos que tem um vulcão em erupção atrás dela, explodindo e se aproximando. Sinto que a realidade é um jogo entre esses dois momentos, o fogo comendo e alguns instantes de plenitude.

Referências bibliográficas

  • BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2003.
  • GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, Zahar, 2020.
  • RUBIN, Gayle. Políticas do sexo. São Paulo, UBU, 2017.
  • SONTAG, Susan. Sobre a fotografia. São Paulo, Companhia das letras, 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Maio 2023
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