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“Por acaso eu não sou uma mulher?” Interseccionalidade em Luedji Luna e na cena musical de Salvador* * Esta pesquisa conta com o apoio do Edital Universal Edital MCTIC/CNPq nº 28/2018 – Universal/Faixa A. Partes deste artigo foram apresentadas no XXX Encontro Anual da Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação).

And Ain’t I a Woman? Intersectional Issues in Luedji Luna’s Work and The Music Scene in Salvador

Resumo

Neste artigo, trazemos o estudo de caso do álbum visual da cantora e compositora Luedji Luna, Bom mesmo é estar debaixo d'água (2020), com o objetivo de avaliar a contribuição das mulheres negras feministas para a atual cena musical de Salvador. Ao fazer parte da rede de música diaspórica do Atlântico Negro, essa cena, que vem se renovando desde 2009, é por nós chamada de cena afrolatina. Mobilizando noções como interseccionalidade, racismo genderizado e cenas musicais, este trabalho busca pensar o conceito de cena musical a partir de um diálogo com questões de raça e gênero em uma perspectiva decolonial, o que nos permite compreender as visibilidades e invisibilidades de fenômenos culturais urbanos e contemporâneos em cidades negras e latinas como Salvador.

Cenas musicais; Interseccionalidade; Racismo genderizado

Abstract

In this article we present the case study of the visual album of the singer and composer Luedji Luna, Bom Mesmo é Estar Debaixo d'Água (2020) with the objective of evaluating the contribution of black feminist women to the current music scene in Salvador. As part of the Black Atlantic diasporic music network, this scene, which has been renewing itself since 2009, is what we call the Afro-Latin scene. Mobilizing notions such as intersectionality, gendered racism and music scenes, this work seeks to think about the concept of music scene from a dialogue with race and gender issues in a decolonial perspective, which allows us to understand the visibilities and invisibilities of urban cultural phenomena and contemporaries in black and Latino cities like Salvador.

Music scenes; Interseccionality; Gendered racism

Introdução

Em setembro de 2020, a cantora baiana Luedji Luna lançou seu segundo álbum, Bom mesmo é estar debaixo d'água. Menos percussivo, mais jazzístico, com produção dela e do queniano Kato Change, o disco traz um diálogo acentuado com uma África contemporânea, alguns encontros sonoros asiáticos, mas, ao mesmo tempo, apresenta-se como um manifesto pessoal e afetivo ligado ao combate ao sexismo e ao racismo. Essa imersão conta com diversas referências a mulheres negras, que vão da poetisa Conceição Evaristo à compositora Tatiana Nascimento, passando por Nina Simone e pela abolicionista e ativista de direitos humanos estadunidense Sojourner Truth. “É um álbum que fala sobre mim, que é sobre mim”, “mas também trago outras vozes e imagens de mulheres negras. Porque é um ‘eu’ que também é ‘nós’, que é coletivo” (Philips, 2020, oPHILIPS, Dom. Brazil is a racist country, statistically’: Luedji Luna, the bold voice of Bahia. The Guardian. 7 dez. 2020 [https://www.theguardian.com/music/2020/dec/07/brazil-is-a-racist-country-statistically-luedji-luna-the-bold-voice-of-bahia – acesso em: 22 ago. 2022].
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, online).

Essa declaração aparece na crítica ao seu último disco, publicada no jornal inglês The Guardian em dezembro de 2020. Assinada por Dom Phillips (2020), a resenha chama a atenção para as referências ao feminismo negro e à religião de matriz africana em um álbum que trata de “amor, vingança e celebração” em meio ao contexto político atual, fermento que deu origem a um trabalho “elegantemente percussivo” e “jazzístico”. “A voz ousada da Bahia”, designação encontrada já no título da reportagem junto à fala da artista – “O Brasil é um país racista” –, sintetiza a maneira pela qual a recepção da crítica ajuda a forjar a identidade de Luedji, que, de forma recorrente, em suas entrevistas se define como “mulher, nordestina, preta”1 1 Entrevista Sam Santos (Potências Negras) [https://youtu.be/zO_5NyrFrLY - acesso em: 16 mar. 2021]. ou “cantora e compositora baiana”2 2 Diálogos Ausentes – Itaú Cultural [https://youtu.be/agVPrvyacxI - acesso em: 16 mar. 2021]. . Evocar a Bahia nos remete à ideia de localismo e ancestralidade, além de apontar para uma sonoridade, ao mesmo tempo, “contemporânea e imersa na cultura brasileira” (Philips, 2020PHILIPS, Dom. Brazil is a racist country, statistically’: Luedji Luna, the bold voice of Bahia. The Guardian. 7 dez. 2020 [https://www.theguardian.com/music/2020/dec/07/brazil-is-a-racist-country-statistically-luedji-luna-the-bold-voice-of-bahia – acesso em: 22 ago. 2022].
https://www.theguardian.com/music/2020/d...
, online). Essa face se completa ao sabermos que o disco foi gravado entre Nairóbi (Quênia), Salvador e São Paulo.

A intenção deste artigo é apresentar um estudo de caso3 3 A metodologia empregada neste trabalho recorre à análise da trajetória artística de Luedji Luna que busca equacionar as tomadas de decisão da cantora frente aos determinantes de classe, raça, gênero e territorialidade que foram incorporados e traduzidos em seu fazer artístico. Esses mesmos determinantes orientam o estudo das representações (Hall, 1981, 2016) contidas em seu álbum visual, cuja linguagem foi analisada a partir de obras voltadas ao estudo das narrativas em videoclipes (Sá; Dalla Vechia, 2020; Harrison, 2014). A atenção às representações também se voltou para a análise das postagens da cantora, e dos comentários a elas associados, no facebook e no twitter. Este trabalho também recorreu a entrevistas, uma delas realizada por nós e as outras acessadas pelo Youtube, bem como matérias jornalísticas. A isso se somou a observação participante em shows e eventos musicais realizados na cidade de Salvador entre os anos 2018, 2019 e os meses de janeiro e fevereiro de 2020. do álbum visual de Luedji Luna, Bom mesmo é estar debaixo d'água4 4 Disponível em: https://youtu.be/Z7lPX61UdJ4. Último acesso: 21 mar. 2021. , na tentativa de compreender como a música da cantora e compositora baiana, ao mesmo tempo que se apropria de noções como “ancestralidade”, “africanidade”, “negritude” – o que remete à busca por uma “essência”, termo por ela mesma mobilizado –, recorre a uma multiplicidade de referências de épocas e locais distintos, imprimindo dinamicidade à sua obra. Com isso, realiza um percurso transcultural que a conecta à atual cena de música pop de Salvador. Música, gênero e raça tornam-se chaves de leitura para compreender como Luedji, ao reivindicar a filiação a uma cultura afro-baiana, participa da nova cena musical de Salvador que se desenha desde 2009 com o surgimento de artistas e bandas como o BaianaSystem.

Essa cena articula diversas camadas históricas da música baiana (samba-reggae, axé music, guitarra baiana, ijexá), mas se atualiza ao conectar-se a um discurso racial genderizado (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019.) e a um jogo estético entre local/global e passado/presente/futuro. Dela fazem parte outras cantoras como Larissa Luz, Xênia França, Josyara e Nara Couto, corroborando a ideia de que uma cena faz ninho em outra cena (Straw, 2014STRAW, Will. Some things a scene might be. Postface. Cultural Studies, v. 29, n. 3, 2014, pp.476-485.). Dessa forma, nossa tentativa é compreender o papel da cena como mediadora de visibilidades e invisibilidades dos fenômenos culturais contemporâneos que atravessam as territorialidades do Sul Global5 5 Termo usado por Boaventura de Souza Santos (2009:10) como uma metáfora para “regiões do mundo que foram submetidas à colonização europeia e não atingiram níveis de desenvolvimento econômico similar ao Norte Global”. Para entender melhor esse conceito do Sul, indo além de Boaventura Souza, neste artigo trazemos a forma como Mehita Iqani e Fernando Resende (2019) traduzem o Sul Global: um lugar expandido, que é melhor entendido como uma nova “estrutura de pensamento” em que, necessariamente, as fronteiras não são apenas geográficas, mas de exclusão e opressão. , pensado aqui não apenas no sentido geográfico, mas em termos de “fluxos transversais” (Iqani, 2016) e não homogeneizantes, um “espaço narrado” (Iqani; Resende, 2019IQANI, Mehita; RESENDE Fernando. Theorizing Media in and Across the Global South: Narrative as territory, culture as flow. In: IQANI, Mehita.; RESENDE Fernando (org.). Media and the Global South: narrative territorialities and cross-cultural currents. Nova Iorque, Routledge., v. 1, 2019, pp.05-17.). Nosso objetivo é compreender esses artistas como parte de um fenômeno cultural que resulta da articulação de uma série de práticas que dão visibilidade a uma luta política em que se compartilha uma intensa e sensível experiência estética (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo, Editora 34, 2005.).

Para o melhor entendimento do que chamamos de cena de música pop afrolatina, temos que voltar ao surgimento do projeto BaianaSystem, em Salvador (BA), em 2009, tendo como protagonista a guitarra baiana apoiada em um soundsystem. O BaianaSystem propõe a ressignificação da guitarra baiana, do pagode baiano e do carnaval com letras engajadas sobre a cidade de Salvador. Disso resulta uma sonoridade com base no grave e em gêneros transnacionais como dancehall, dub, trap, rap, cumbia, rumba, reggae, kuduro, e locais como pagode, arrocha, frevo, lambada, samba duro, samba-reggae. Em 2010, o projeto BaianaSystem saiu no carnaval de Salvador pela primeira vez. Em 2016, tornou-se o sinônimo do novo som de Salvador: um soundsystem que funciona em cima de um trio elétrico, sem cordas, com solos de guitarra baiana, bases eletrônicas e uma imersão em sonoridades transglobais.

A construção do público do BaianaSystem começa no Pelourinho (Centro Histórico de Salvador), local dos ensaios do Olodum6 6 Bloco afro fundado em Salvador, em 1979, e criador do gênero samba-reggae. , depois ocupado por grupos e artistas de samba-reggae como Banda Didá, Cortejo Afro, o cantor Gerônimo; espaço famoso também por abrigar bares de reggae. Aos poucos, com a frequência de shows no local, o grupo estabelece uma rede que dialoga com vários artistas da nova geração da música popular de rua7 7 Chamamos de música de rua sonoridades como pagode, samba de roda, samba junino, cabula e outros ritmos de acento percussivo que permeiam as festas que ocorrem nas ruas de Salvador, como a Festa de Iemanjá ou a Lavagem do Bonfim. da Bahia. Como resultado, temos o incremento na produção de shows e, consequentemente, na rede de fãs, produtores, músicos e críticos, criando uma cena musical que chamaremos de cena musical afrolatina de Salvador. Esse novo “idioma estético” (Regev, 2013REGEV, Moti. Pop-rock music: aesthetic cosmopolitanism in late modernity. Cambridge, Polity Press, 2013.) inspira artistas da música pop afrolatina de Salvador e representa uma espécie de resistência simbólica ao lugar periférico a que essas práticas estariam submetidas no campo da produção cultural. Dessa forma, negociam seu espaço observando nesse fenômeno o que Bhabha (1998) chama de o direito de expressão da “periferia do poder”.

“O que me formou foi essa cidade”

Nascida no bairro do Cabula, Luedji Gomes Santa Rita foi criada em Brotas, em uma família de classe média soteropolitana. Filha de um pai historiador e uma mãe economista que se conheceram no movimento negro, ela forjou a consciência de si nos moldes e termos da militância, cujas marcas carrega no nome, emprestado da primeira rainha africana da etnia Lunda, do início do século XVII. Isso fez de suas memórias de infância e adolescência – com ênfase especial ao racismo sofrido na escola – esboços de autoanálise acerca dos dilemas enfrentados por uma mulher negra de classe média em uma cidade segregada como Salvador8 8 A estratégia de evidenciar ostensivamente o marcador racial levada a cabo por Luedji é uma das muitas estratégias de consagração utilizadas por artistas negros em contextos sociais diversos. Em recente trabalho, Nascimento e Queiroz (2021) analisam como a invisibilização acerca da raça, presente nas obras de Pixinguinha e Caymmi, também pode representar um expediente de consagração. . Aos 25 anos, Luedji resolve se dedicar à carreira na música, um “sonho de criança", como ela mesma afirmou em entrevista para esta pesquisa9 9 Entrevista concedida por videoconferência, em 22 de fevereiro de 2021. .

Assim vieram as vivências da noite em Salvador e a aproximação, ainda como espectadora, dessa cena que, hoje, ela ajuda a fomentar como artista.

Quem é da cidade sabe que Salvador nunca foi só axé (...) e, musicalmente, o que me formou foi essa cidade, que é extremamente musical. Então, acompanhei todos os booms: quando foi o boom do rock, eu curtia Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta10 10 Banda formada nos anos 2000 que tinha como líder o cantor e compositor Ronei Jorge. , Velotroz11 11 Banda que revelou o cantor e compositor Giovani Cidreira, que hoje tem uma carreira solo. , e depois a Rebeca Matta [...] também era aficionada por Lampirônicos12 12 Banda que reunia Roberto Barreto e SekoBass, hoje guitarrista e baixista do BaianaSystem, respectivamente. . Depois, teve o boom do dancehall, do MiniStereo Público13 13 Sound System de Salvador que revelou o cantor e compositor Russo Passapusso, hoje, um dos líderes do BaianaSystem. [...]. (entrevista em 22 fev. 2021).

Percebe-se, nessa vivência da cantora e compositora, como já emergia em Salvador, há cerca de 20 anos, uma rede de artistas, fãs e espaços que foram progressivamente se organizando e que, hoje, percebemos, de forma mais nítida do que há 10 anos, como uma cena; tendo como protagonistas inclusive artistas que antes ocupavam o espaço de fãs. Esse movimento tem relação direta com o que Straw (2014STRAW, Will. Some things a scene might be. Postface. Cultural Studies, v. 29, n. 3, 2014, pp.476-485.:479) chama de “processos de aninhamento e duplicação fractal”, e se dá quando uma cena surge dentro de outra cena em uma espécie de movimento em espiral.

Aos 27 anos, Luedji se muda para São Paulo, onde tem contato com a comunidade de africanos e haitianos, com os quais compartilha a realidade da migração e da raça e se inscreve nessa “territorialidade narrada” (Iqani; Resende, 2019IQANI, Mehita; RESENDE Fernando. Theorizing Media in and Across the Global South: Narrative as territory, culture as flow. In: IQANI, Mehita.; RESENDE Fernando (org.). Media and the Global South: narrative territorialities and cross-cultural currents. Nova Iorque, Routledge., v. 1, 2019, pp.05-17.) do Sul Global. Em sua perspectiva, o que havia de comum entre ela e esses grupos era uma “saudade ancestral [...] inata a qualquer negro da diáspora”14 14 Diálogos Ausentes – Itaú Cultural [https://youtu.be/agVPrvyacxI - acesso em: 16 mar. 2021]. (grifos nossos). Ela seria Um corpo no mundo, título do seu primeiro clipe, que daria origem a um disco homônimo, lançado em 2017. Esse trabalho, pautado por uma tentativa consciente de decifrar com qual daquelas múltiplas Áfricas experimentadas em São Paulo ela se identificava, gerou ainda uma reflexão acerca da posição de uma “mulher negra da diáspora em um país no qual nós não nos vemos representados”15 15 Entrevista a Fabiane Pereira (Papo de Música) [https://youtu.be/VE1428gNoGE - acesso em: 16 mar. 2021]. . Do disco, participam um queniano, um paulista filho de congoleses, um cubano, um baiano e um sueco radicado na Bahia. O trabalho seria, assim, um produto das condições diaspóricas compartilhadas por toda a equipe, defende Luedji.

Chegando a São Paulo, Luedji afirma, sua experiência de alteridade frente à maior metrópole do Brasil fez com que se reconhecesse “mais baiana”. No entanto, essa identidade também foi acionada intencionalmente para negociar sua inserção no mercado musical: “Essa baianidade me deu régua e compasso, me deu capital político. Eu fui muito mais respeitada e tive portas abertas em função de ser baiana e essa música baiana ter muito respeito”16 16 Entrevista a Alvaro Leme [https://youtu.be/VYPlZvS8IQo - acesso em: 16 mar. 2021]. . Ao analisar os condicionantes sociais e estéticos que davam formas às expectativas e possibilidades abertas à carreira de Luedji, pode-se dizer que ela “aprendeu sua arte, ao mesmo tempo em que aprendeu seu gênero, sua raça” (Cesar, 2018CESAR, Rafael Nascimento. A Fragata Negra: Tradução e vingança em Nina Simone. MANA, v. 24, Rio de Janeiro, 2018, pp.39-70.:46) e sua territorialidade.

No lançamento de seu segundo álbum, Bom mesmo é estar debaixo d'água, Luedji novamente se vê nesse jogo entre “o eu e o nós”. Na tentativa de assumir a autoria sem deixar de lado o viés político, esmera-se em um relato intimista e afetivo, tentando escapar da ideia de que à mulher negra só caberiam imagens de luta e enfrentamento. Em suas palavras, o objetivo é trazer “à tona o tema do amor na perspectiva da mulher preta, porque há uma ausência na literatura” (Fernandes, 2020)FERNANDES, Laura. Luedji Luna: 'É importante falar do amor na perspectiva da mulher preta'. Correio 24 Horas. 14 out. 2020 [https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/luedji-luna-e-importante-falar-do-amor-na-perspectiva-da-mulher-preta/ - acesso em: 24 ago. 2022].
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. Isso explica as diversas participações, diretas ou indiretas, de outras mulheres negras no álbum.

Criada no contexto da militância, Luedji filtra suas relações pessoais e memórias afetivas pelos vocabulários e parâmetros da luta social, como já dito. Dessa forma, ao mesmo tempo que se classifica como a porta voz de um grupo subalternizado – mulher, negra e baiana –, busca escapar aos lugares sociais a ele reservados, quando nega o papel de intérprete de samba ou de black music. Em entrevista, Luedji evoca a figura da “grande Elza Soares” como uma das poucas artistas negras que transitou nesses gêneros e hoje é legitimada no panteão da MPB, um espaço dominado por cantoras brancas. A menção a Elza Soares cumpre um papel estratégico, pois trata-se de uma cantora que em seus últimos trabalhos “se desvencilhou dos epítetos de ‘embaixatriz do samba’, que a consagrou nas décadas de 1970 e 80, e de ‘diva’ da MPB e do jazz do início deste século, voltando-se agora para um público bem mais jovem e atento às pautas de movimentos sociais” (Cesar; Ferreira; Queiroz, 2020:62).

É justamente a esse público jovem e atento ao idioma da militância que Luedji se volta, no entanto reivindicando uma posição singular que não é a de intérprete, mas de compositora17 17 A reivindicação de Luedji encontra paralelo no incômodo de Nina Simone quando rotulada como cantora de jazz pelo fato de ser negra (Nascimento, 2018). : “[...] eu sou da canção, faço musiquinha [...] no banquinho e violão mesmo; mulher negra e faço ali no meu violãozinho e canto minhas próprias canções”. É significativa a imagem do banquinho e violão. Cara à bossa nova, deu ao compositor popular o status de criador consagrado, uma posição ocupada, no entanto, por homens brancos. Em tensão com as imagens de Elza Soares e da bossa nova, Luedji busca afirmar posições de gênero singulares deixando evidente como a música pop pode ser compreendida como uma tecnologia de gênero (De Lauretis, 1987DE LAURETIS, Teresa. Technologies of Gender: Essays on Theory, Film, and Fiction. Indiana, Indiana University Press, 1987.)18 18 Valendo-se do conceito de ideologia de Althusser e da noção de discurso de Foucault, Teresa de Lauretis (1987) entende o gênero como uma construção que se faz por representações cujos sentidos se inscrevem na superfície dos corpos por um conjunto de tecnologias; são essas as tecnologias de gênero. Os meios de comunicação representam algumas das tecnologias que participam da construção de identidades de gênero, já que interpelam e convocam indivíduos a se identificarem e a incorporarem posições de sujeito. Trata-se, portanto, de tecnologias genderizadas, mas que também têm o poder de (en)gendrar, ou seja, constituir indivíduos genderizados. Entender a música pop como uma tecnologia de gênero, mas também atravessada pelas dimensões da classe, raça e territorialidade, é localizar uma forma de interpelação dos sujeitos e construção de subjetividades presentes em canções e demais performances que contribuem na produção de subjetividades e novas ordens sociais possíveis. .

Ancestralidade e música pop na cena de salvador

Trinta anos se passaram desde a publicação de Systems of Articulation, Logics of Change: Scenes and Communities in Popular Music (Straw, 1991STRAW, Will. Systems of Articulation, Logics of change: Scenes and Communities in Popular Music. Cultural Studies, v. 5, n. 3, oct. 1991, pp.361-375.), texto que marcou a apropriação acadêmica do conceito de cena musical, já comum no jornalismo. O objetivo era explorar o ambiente em que o cruzamento de sonoridades e a multiplicidade de públicos constituíam um “espaço cultural no qual uma gama de práticas musicais coexistem, interagindo umas com as outras através de uma variedade de processos de diferenciação e de acordo com trajetórias amplas e variáveis de mudança e intercâmbio” (Straw, 1991STRAW, Will. Systems of Articulation, Logics of change: Scenes and Communities in Popular Music. Cultural Studies, v. 5, n. 3, oct. 1991, pp.361-375.:9).

O conceito de cena é associado à efervescência da vida urbana, já que diz respeito às sonoridades, comportamentos, referências culturais, hábitos e formas de vivenciar e ocupar a cidade. A ideia era capturar as lógicas que escapavam à noção de comunidade preocupada com manifestações construídas ao redor de uma localidade e que tem na conservação de valores e tradições sua pedra de toque. Ao atualizar o conceito de cena, Straw (2006STRAW, Will. Scenes and Sensibilities. E-Compós, v. 6, n. 11, Brasília, 2006 [http://www.ecompos.org.br/e-compos/article/view/83 - acesso em: 15 out. 2022].
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, 2014STRAW, Will. Some things a scene might be. Postface. Cultural Studies, v. 29, n. 3, 2014, pp.476-485.) passa a enfatizar aspectos espaciais, mas também afetivos, sempre levando em conta o caráter efêmero e esquivo das cenas, mas prestando atenção ao seu “papel produtivo e funcional na vida urbana” (Straw, 2017STRAW, Will. Cena Visíveis e Invisíveis. In: AMARAL, Adriana et al. Mapeando cenas da música pop: cidades, mediações e arquivos - Volume I. Paraíba, Marca de Fantasia, 2017.:13).

Segundo Sá (2011SÁ, Simone Pereira de. Will Straw: cenas musicais, sensibilidades, afetos e a cidade. In: GOMES, I. M. M.; JANOTTI JR., J. Comunicação e Estudos Culturais. Salvador, Edufba, 2011, pp.147-161.:152), as cenas apresentam-se como “espaços geográficos específicos para a articulação de múltiplas práticas musicais, destacando a importância do espaço urbano, em especial das metrópoles, para estas agregações”. A proposta é pensar as cenas como uma forma de cartografar consumos culturais em territórios, locais ou globais, o que nos ajuda a compreender como certas práticas significativas são organizadas territorialmente e reconhecidas como significantes de um determinado discurso. Assim, a noção de cena ajuda a entender como as práticas musicais criam territorialidades, ou seja, como transformam espaços em lugares, como atribuem identidade e sentido a um território (Herschmann, 2013HERSCHMANN, Micael. Cenas, circuitos e territorialidades sônico-musicais. In: JANOTTI JR., Jeder; SÁ, Simone Pereira de (org.). Cenas Musicais. Guararema, SP, Anadarco. 2013, pp.41-56.).

Em 2017, ao lado de Nathalie Casemajor, Will Straw ampliou seu debate sobre cenas trazendo a questão das visualidades. Para os autores, “explorar as dimensões visuais das cenas também nos permite situar a análise da música e outras formas culturais em relação ao que foi diagnosticado como uma ‘virada visual’ (...) dentro da análise cultural” (Casemajor; Straw, 2017CASEMAJOR, Nathalie; STRAW, Will. The Visuality of Scenes: urban cultures and visual scenescapes. Imaginations, 7:2, Montreal, 2017, pp.4-37 [https://willstraw.files.wordpress.com/2017/09/issue_7_2_ldscp_01_intro_casemajor-straw.pdf – acesso em: 09 abr. 2023].
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:5). É na circulação de sons, imagens e textos por territorialidades geográficas, afetivas e sonoras que o sentido da cena se constrói, mas esse sentido está sempre em disputa. O que está em jogo – no polo de produção, circulação e consumo – é a maneira como devemos classificar sonoridades e, por extensão, a realidade mesma em que habitamos. Ainda que a sonoridade de Luedji seja o resultado de múltiplos cruzamentos e remissões a outras tantas sonoridades e discursos – o que aciona uma dinâmica bastante própria das cenas musicais –, ela se funda em uma noção muito particular de essência (“enquanto corpos diaspóricos e sequestrados, a gente está sempre em busca dessa África; [...] quando os negros buscam a África, eles buscam sua essência19 19 “Guia negro entrevista Luedji Luna” [https://youtu.be/-Sl2JZAR_ow - acesso em: 21 mar. 2021]. (grifos nossos). No entanto, a alusão a uma essência e uma raiz – que, a princípio, indicariam a dimensão do imutável, do inequívoco e do fixo – é, de forma paradoxal, o combustível mesmo da dinamicidade dessa cena. Cabe entender melhor como essa ideia se articula à produção artística decolonial e à obra de Luedji.

Em seu trabalho, a busca por uma raiz traduz-se na tentativa de resistir à opressão do racismo e à tentativa de apagamento da história e das culturas negras. Mas esse não é um movimento constitutivo de uma arqueologia que revelaria uma materialidade escondida apta a ser recuperada. Ao invés disso, trata-se de uma disputa de narrativa que se baseia na “busca simbólica por uma África idealizada” (Munanga, 2019MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 4. ed. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2019.:13), ou seja, na valorização, no resgate histórico de uma ascendência africana e na luta contra a tentativa de apagamento de uma cultura negra baseada no espaço comunitário e na ancestralidade. Como coloca Carlos Gadea (2013)GADEA, Carlos. A. Negritude e Pós-africanidade: crítica das relações raciais contemporâneas. Porto Alegre, Sulina, 2013., a estratégia dessa construção narrativa traz uma perspectiva política e pedagógica e que, segundo Munanga (2019)MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 4. ed. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2019., tem como principal objetivo conscientizar a população negra de suas condições de opressão econômica e discriminação cultural. Esse embate discursivo, que busca construir uma revalorização histórica e cultural a partir da exaltação do legado deixado por africanos escravizados no Brasil, é uma estratégia muito presente na militância do movimento negro brasileiro, ao qual Luedji, como mostramos, teve acesso desde cedo no ambiente familiar e que acabou por determinar os rumos de sua obra.

O trabalho de Luedji tece uma relação entre negritude e africanidade que remete diretamente a esse movimento de construir o pertencimento a um coletivo a partir de uma herança ancestral africana (Gadea, 2013GADEA, Carlos. A. Negritude e Pós-africanidade: crítica das relações raciais contemporâneas. Porto Alegre, Sulina, 2013.). Entendemos a africanidade como uma territorialidade que agencia a relação que a população negra contemporânea, principalmente da América Latina, estabelece com a África idealizada e serve de parâmetro para suas diversas territorializações na vida cotidiana, como os terreiros de Candomblé, por exemplo20 20 Como Gadea (2013) chama atenção, o processo de identificação como negro, a partir do agenciamento da africanidade, não é a única possibilidade. O autor nos apresenta grupos de jovens negros que vivem fora de ambientes de valorização e atualização da herança africana e constroem outras formas de agenciamento para a identificação racial. .

A discussão de territorialidade, como proposta pelo geógrafo Rogério Haesbaert (2014)HAESBAERT, Rogério. Viver no Limite: território e multi/transterritorialidade em tempos de in-segurança e contenção. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2014., passa antes pela discussão mais ampla de território, pois a própria territorialidade nessa concepção é uma dimensão do território. O que Haesbaert propõe é a superação de uma ideia de território unifuncional estruturada, dentro de uma lógica colonial e capitalista, que reduz o território aos seus aspectos físicos e materiais; aos seus limites geográficos. Uma percepção que, segundo o autor, restringe o território à sua dimensão de poder, um espaço delimitado por fronteiras, dentro das quais há a atuação de um poder estatal.

No lugar dessa ideia redutora, Haesbaert propõe pensar um território múltiplo, composto também por aspectos sociais e culturais, capazes de formar uma identidade que permita que valores e códigos culturais ultrapassem as suas fronteiras e exerçam influência em outros tempos e espaços. Evidentemente, as relações de poder continuam presentes, porém, na percepção proposta pelo autor, há espaço para desenvolvimento de subjetividades e sensibilidades que desviem e, até mesmo, confrontem o poder estabelecido; há centralidade nas apropriações, nos usos que as populações fazem da terra ou do espaço, o que parece não ser levado em conta na ideia de território unifuncional, apontando também para abertura de brechas que permitam o desenvolvimento de processos de transformação.

Nessa discussão, a territorialidade – entendida como a forma de apropriação social do espaço – ganha relevância, pois é justamente no uso que se faz do território que diversas identidades, como a negritude que particularmente nos interessa neste trabalho, se constroem. A africanidade se apresenta como um conjunto de códigos culturais e simbólicos que agenciam a relação que se estabelece com o espaço na construção da negritude. Para Munanga – que busca pensar os aspectos históricos do desenvolvimento da negritude e defende a construção dessa identidade como uma forma de afirmação moral, física e psíquica da população negra –, a africanidade é “o conjunto de traços culturais comuns às centenas de sociedades da África subsaariana [...]. Apesar das diferenças, percebemos algo que pertence a essa fisionomia africana” (Munanga, 2019:60).

Nas definições de territorialidade e africanidade é possível perceber que há uma centralidade para os aspectos simbólicos que marcam a construção territorial da África; há uma percepção da África para além de um continente com demarcações de fronteiras, características físicas e geográficas e regimes de poder específicos. Os entendimentos propõem pensar justamente elementos que extrapolaram as fronteiras do território e agenciam a construção da identidade negra diaspórica em diferentes espaços e tempos.

A apreensão da negritude como uma essência que redundaria em uma saudade ancestral e latente, já presente no disco anterior de Luedji, é especialmente perseguida em seu último trabalho, gravado no Quênia (Nairóbi), em Salvador e em São Paulo. No entanto, é necessário perceber que as identidades não têm uma origem fixa, a qual possamos retornar por um processo de escavação; elas não são essências que possam ser reencontradas (Hall, 1996HALL, Stuart. Identidade Cultural e Diáspora. Revista do Patrimônio. Histórico e Artístico Nacional, n.24, 1996, pp.68-75.). Mas isso não torna a busca inócua, pois é nesse percurso – articulado no cinema, na literatura e também na música – que se produzem novas expressões culturais e sujeitos do discurso; uma busca que é agenciada justamente pela africanidade.

Muniz Sodré (2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.:92) chama a atenção para um traço moral de espacialidade que devemos considerar ao pensar esses fenômenos acionados a partir de uma diáspora forçada, que gera uma desterritorialização e possibilita se pensar em “um local que contrai, por metáfora espacial, o solo mítico da origem e o faz equivaler-se a uma parte do território histórico da diáspora”. Para Sodré, esse seria um espaço ritualístico, “um ‘espaço nostálgico’” (Muniz Sodré, 2017:92). Nostalgia como um lugar afetivo, um lugar vivido. As reflexões de Sodré (2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.:92) nos convocam a entender essa ancestralidade trazida por Luedji Luna como um “traço memorial da espacialidade”. Ao evocar uma África mítica, uma saudade ancestral, Luedji estaria dialogando com um “pacto simbólico em torno da restauração de poderes míticos e representações que se projetam na linguagem – atuada, proferida, cantada – do terreiro e nos modos afetivos (fé, crenças, alegria) de articulação das experiências” (Muniz Sodré, 2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.:94).

Nesse caso, portanto, pensar nas “raízes” não constitui um movimento regressivo, de retorno e conservação, mas aciona o caráter dinâmico das cenas. É no movimento entre essência/não essência, fixo/móvel, passado/presente/futuro que a cena se constrói. Isso nos permite entender a cena em seu caráter ambivalente: como, ao redor do propalado “nomadismo contemporâneo”, dos fluxos, misturas e hibridações, temos discursos e ações que falam de essência, raiz, resgate, mas que o fazem, paradoxalmente, no processo mesmo de recorrer um repertório de sonoridades e referências diversas alicerçado, portanto, no idioma estético de uma música pop transcultural. Isso reitera a observação feita por Paul Gilroy, ainda nos anos 1990, sobre as expressões da cultura negra face à diáspora: “o caráter descaradamente híbrido dessas culturas negras continuamente confunde qualquer entendimento simplista (essencialista ou antiessencialista) da relação entre identidade racial e identidade não racial, entre autenticidade cultural folclórica e a traição cultural do pop” (Gilroy, 1991GILROY, Paul. Sounds Authentic: Black Music, Ethnicity, and the Challenge of a “Changing” Same. Black Music Research Journal, v. 11, n. 2, outono, 1991, pp.111-136.:123). De forma aparentemente contraditória, o que se percebe são os múltiplos modos pelos quais o pop está disposto a premiar a autenticidade, mesmo em face dos movimentos de dispersão e transculturação.

A primeira visita de Luedji à África, logo após seu álbum de estreia, já havia dissipado quaisquer ilusões acerca de uma África mítica e intocada: “A ideia que a gente tem de África é super deturpada, [...] Quênia tem uma pegada muito Nova Iorque, Londres [...]. A capital Nairobi é muito cosmopolita, muito moderna e super desenvolvida [...], [tirando o litoral] nada a ver com Salvador”21 21 Entrevista a Alvaro Leme [https://youtu.be/VYPlZvS8IQo - acesso em: 16 mar. 2021]. . Portanto, ainda que articule a noção de essência, o último trabalho, que marca sua terceira incursão ao Quênia, está absolutamente motivado por uma vontade de dialogar com uma África contemporânea.

Essa dimensão transcultural aponta diretamente para o conceito de música pop (Sá et al., 2015) que nos remete não só a uma forma altamente mercantilizada de produção, circulação e consumo de mercadorias, mas evoca experiências, sociabilidades, formas de ver e habitar o mundo, rearticulando categorias já muito discutidas como tradição/modernidade, alta/baixa cultura e – por que não? – aparência/essência.

Thiago Soares (2015)SOARES, Thiago. Percursos para estudos sobre música pop. In: SÁ, Simone Pereira de et al. (org). Cultura Pop. Salvador, EDUFBA; Brasília, Compós, 2015, pp.19-34. propõe pensar o pop a partir da tríade: valor, performance e territorialidade. O conceito é útil para pensarmos o nosso objeto de estudo. As diversas performances de Luedji Luna, registradas em shows, canções, videoclipes, entrevistas, ensaios fotográficos, pronunciamentos públicos e interações em redes sociais, posicionam-na de uma forma singular no universo da música pop. Luedji, assim, encaixa-se em uma demanda contemporânea por artistas pop que defendem pautas ligadas às minorias, o que poderíamos chamar de “o lado pop do ativismo” (Amaral et al., 2015AMARAL, Adriana; SOUZA, Rosana Vieira; MONTEIRO, Camila. De westeros no #vemprarua à shippagem do beijo gay na TV brasileira. Ativismo de fãs: conceitos, resistências e práticas na cultura digital. Galáxia, n. 29, jun. 2015, pp.141-154 [http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542015120250 - acesso em: 18 nov. 2021].
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). Ao avaliar as performances da artista, é necessário perceber que elas se dão em um regime de representação racializado e genderizado. Seu sentido, portanto, se dá no embate com as performances e imagens de mulheres negras que lhe são antecessoras ou contemporâneas.

Pensar em suas performances é também refletir sobre o ambiente comunicacional – discos, plataformas de streaming, sites, revistas – no qual se articula o que Janotti Jr. (2020:32) denomina de “escuta conexa”: um tipo de agenciamento da música a partir de valores acoplados como “histórias de vida, posicionamentos políticos, affairs, likes/dislikes”. Esses diferentes meios não são somente locais de visibilidade e divulgação de uma obra musical, mas, antes, espaços de produção e distribuição de capital cultural, locais de conhecimento e reconhecimento de uma identidade musical em construção. Neles, os valores e sentidos necessários ao funcionamento de uma cena musical se constroem (Thornthon, 1995).

A busca de Luedji por uma “essência” resulta, afinal, em um produto que dialoga com o movimento afrofuturista, no sentido de se apropriar de artifícios e estratégias contemporâneas para produzir uma percepção de um futuro em que a compreensão do que ter sido uma mulher negra hoje será requisito para lutar contra e superar o projeto de apagamento da história e da cultura e dos corpos negros. Ao mesmo tempo, marca sua posição tanto em termos territoriais, a partir de Salvador, quanto políticos, engajando-se na defesa das mulheres negras. São elementos que se materializam no seu trabalho, a partir das escolhas estéticas e discursivas que ela convoca para se definir identitária artisticamente. É dessa forma que Luedji agencia sua relação com a cidade, com fãs e com outras artistas, como Larissa Luz, Xênia França, Josyara.

Álbum visual: autobiografia e intimismo

Em 2020, a chegada do álbum Bom mesmo é estar debaixo d'água às plataformas de streaming ocorreu em paralelo ao lançamento no YouTube do álbum visual homônimo, de 23 minutos, com direção de Joyce Prado. Antes de analisá-lo, é necessário compreender como o álbum visual, enquanto formato, carrega uma nova proposta estética frente à cultura musical contemporânea e de que maneira esse álbum, em particular, articula-se à obra da própria Luedji. Nesse esforço, temos como referência poucos trabalhos, como a análise de Cara Harrison (2014) de Beyoncé, álbum visual lançado pela cantora norte-americana em 2014, à qual se soma, no Brasil, o estudo de Sá e Dalla Vechia sobre o álbum visual Kisses, de Anitta. Beyoncé não é pioneiro nesse formato, sendo precedido por ODDSAC, da banda Animal Collective, lançado em 2010. De acordo com Harrison (2014), um álbum visual é um formato híbrido que mescla convenções da música, do videoclipe e do cinema, o que se expressa tanto em seu conteúdo, quanto na estrutura narrativa. A função tradicional dos videoclipes é subordinar-se e promover o seu equivalente sonoro. Já no caso do álbum sonoro, há uma reivindicação de autonomia: a noção de “álbum” carrega uma ideia de totalidade, de obra, o que nos leva a compreendê-lo em sua singularidade narrativa como produtos que visam “contar uma história”.

A maneira como os álbuns visuais se relacionam a seus correspondentes sonoros é variável. No álbum de Luedji, temos cinco faixas das 12 que compõem o álbum sonoro, todas elas dirigidas por Joyce Prado, diretora negra, que trabalha com uma equipe exclusivamente negra, fato recursivamente apontado por Luedji em suas entrevistas, o que reforça a noção de unidade. Tudo isso nos leva a investigar o álbum visual em sua singularidade e não como um subproduto de seu equivalente sonoro.

Um modo possível de investigação está na análise dos aspectos narrativos que conectam as partes desse todo. Na análise de Beyoncé, Harrison (2014) nos mostra como o álbum mistura dois registros narrativos: um deles, baseado na tradição cinematográfica ocidental, busca construir uma relação de causa e efeito entre eventos que se desenrolam ao longo do tempo; já o segundo, a narrativa pessoal, amplamente utilizada em videoclipes, é antes focada na história que os artistas constroem sobre si. No caso de Beyoncé, isso se dá por remissões a memórias de infância e adolescência da própria cantora, o que, no entender de Harrison, seriam formas de construção da singularidade da artista. Nesse sentido, o álbum visual permitiria desvelar um registro autobiográfico. Esse mote também nos é caro para compreender Bom mesmo é estar debaixo d'água, que busca tanto articular um registro pessoal e intimista, quanto efetivar Luedji como a porta voz de representações coletivas de gênero e raça e, assim, construí-la como uma artista singular.

Mergulho: fluxos do Atlântico Sul

O produto audiovisual, que traz cinco faixas das 12 do disco, inicia com imagens do movimento do mar. Esse elemento alude tanto a Oxum, filha de Iemanjá, a orixá mãe, o que permite a Luedji evocar sua ancestralidade e sua religiosidade de matriz africana, quanto ao Atlântico, oceano que trouxe africanos escravizados para o Brasil. Se a imagem do Atlântico apresenta um espaço de fluxos e movimento, também indica retorno. O ir e vir das ondas, presentes tanto no início como no fim do clipe, remete tanto a um lugar de partida – o que se afina à ideia de origens, essência e ancestralidade –, quanto à ideia de um tempo cíclico e marcado pela repetição – o que alude à noção de “espacialidade nostálgica” (Sodré, 2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.). É nesse jogo – entre o cíclico e o cronológico, movimento e retorno, passado e futuro – que se constroem diferentes temporalidades que coexistem no mesmo produto cultural.

As imagens em todo o álbum visual fazem referências ao sagrado, ao profano, ao machismo, ao racismo, à solidão da mulher negra e às territorialidades emblemáticas da cidade de Salvador: centro histórico, carnaval, mar e religiosidade. A faixa de abertura, a percussiva Uanga, resume-se à frase: “O amor é coisa que mói muximba22 22 Palavra em Quimbundo, língua angolana de origem Bantu, que significa coração. e depois o mesmo o que faz curar”. Os vocais são de Lande Onawale, poeta baiano, historiador e militante do movimento negro, e sintetizam as propriedades destrutivas e regeneradoras do amor, exploradas ao longo do disco. A próxima canção, Tirania, traz uma ambiência mais orquestral, construída pelo quarteto de cordas, apontando versatilidade e o desejo da artista de não seguir um caminho sonoro único. Ela trata de um corpo que é observado, descoberto e desejado. Enquanto a letra menciona os fragmentos desse corpo (“Sorriso canto de boca / Olhos rasgados”), também revela como ele é apreendido pelo desejo (“O desejo é uma coisa em meus pelos / Pelos, poros, gota a gota”). A menção às partes do corpo é acompanhada das tomadas em close, revelando detalhes da boca, cabelo, pele e costas de Luedji. A proximidade da câmera faz as vezes do contato com a superfície e a materialidade do corpo da artista: um corpo negro.

Acompanhando o álbum visual, saímos do mar, do Atlântico, e migramos para o Centro Histórico de Salvador. Luedji caminha por suas ruas e praças durante uma noite do Carnaval de 2020, dança na Praça Castro Alves e vai para o Pelourinho. O vídeo representa um itinerário muito próprio pela cidade, que perpassa uma das principais territorialidades em que circulam artistas da atual cena musical de Salvador. Espaços como os Largos Quincas Berro D’Água, Pedro Archanjo e Tereza Batista, todos no Pelourinho, são os locais onde acontecem a maior parte dos shows da cena. A ocupação do bairro se deve a três fatores: a oportunidade de ressignificar a história do lugar, a relação com as práticas musicais tradicionais do bairro e o incentivo público. Os três largos citados acima são equipamentos geridos pela Secretaria de Cultura da Bahia, que oferece uma estrutura de palco, som e luz para a ocupação dos artistas e dos equipamentos. Historicamente o Pelourinho está vinculado tanto a processos de violência contra a população negra, especialmente durante o período da escravização, quanto a processos de resistência e superação dessas violências por conta do trabalho potente desenvolvido por organizações sociais como o Olodum. Ocupar o bairro com shows e torná-lo o principal ponto de sociabilidade da cena significa tanto dialogar com as práticas musicais que já ocupam as ruas, como resultado do trabalho comunitário do bloco afro, quanto ressignificar um espaço de dor para transformá-lo em um espaço de resistência (re-existência) e prazer23 23 Para mais detalhes sobre a relação entre o Pelourinho e a cena musical aqui abordada, ver Argôlo (2021). .

É nesse centro histórico, espacialidade central para a cena afrolatina e dotada de significados para os negros e negras baianos, que Luedji captura fluxos momentâneos em uma territorialidade efêmera que é o Carnaval, um evento que é o principal fio condutor para uma série de experiências afetivas, sonoras, sociais e é parte da complexidade da cidade. A música surge como uma forma de significar o espaço urbano e ocupá-lo em seus movimentos. Straw (2014)STRAW, Will. Some things a scene might be. Postface. Cultural Studies, v. 29, n. 3, 2014, pp.476-485. aponta que a espacialidade está implícita na ideia de cena que agrega coletividades marcadas por proximidades, espaços que engajam fenômenos culturais dotados de determinadas coerências, visibilidades e invisibilidades da vida cultural urbana.

No álbum visual temos uma imagem desglamourizada do Carnaval, uma tentativa de ressignificar os modos de apropriação da cidade durante a festa, o que está diretamente aliado à cena musical da qual Luedji faz parte, que propõe uma forma de vivenciar a cidade e a música nos trios elétricos sem cordas24 24 A indústria do axé music desenvolveu-se, principalmente, pela venda de abadás para os blocos de Carnaval em Salvador. Ao redor do trio elétrico, uma corda separa os pagantes dos não pagantes, estabelecendo uma hierarquia social e também racial na ocupação do espaço público. O movimento de desfilar com o trio elétrico sem cordas caracteriza a cena de música contemporânea de Salvador, marcando uma posição oposta a do axé music, assim, contribuindo para o enfraquecimento da estratificação que se estabelece na folia com as cordas. , fora dos camarotes e abadás que caracterizaram a festa em Salvador por muitos anos, estimulada pela indústria do axé music e estrelas nacionais como Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Chiclete com Banana, entre outros. Há, aqui, mais uma vez, o desejo de um retorno a uma “tradição”, a uma “essência”, a um Carnaval sem cordas, “mais popular”, em contraposição à “mercantilização” da festa ao longo dos últimos 30 anos. Ocupar os circuitos do Carnaval de Salvador com uma performance que valoriza o legado do Ilê Aiyê, Olodum, Muzenza, entre outros blocos afro, é uma forma de Luedji e de outras bandas e artistas da cena afrolatina marcarem posição contrária ao modelo de negócio estabelecido pela axé music, que se apropriou desse legado sem a valorização e o reconhecimento da cultura negra25 25 Além da cena aqui observada, outras práticas musicais que fazem oposição (em maior ou menor grau) à indústria do axé music são as cenas de reggae e de pagode baiano. Para mais detalhes sobre elas, ver, respectivamente, Mota (2008) e Lima (2016). A cena de música pop de que Luedji faz parte se relaciona com essas duas também por traços da musicalidade de matriz afro-baiana, contudo construiu sua trajetória por outros caminhos. O embate contra a ideia de Salvador como terra da alegria, a revalorização do legado e importância dos blocos afros para o Carnaval da cidade e a disputa pelos trios sem cordas na festa fizeram essa cena afrolatina se posicionar de forma distintamente dentro da música baiana. .

Do ponto de vista sonoro, o álbum traz um tom jazzístico construído com uma instrumentação típica da música pop: baixo, bateria, violão/guitarra e piano/teclado. Diferentemente do que foi construído em Um corpo no mundo, no qual ela explorou samba, reggae e outras claves rítmicas muito presentes na música baiana, no segundo trabalho, a percussão aparece pontualmente. Isso ajuda a pensar outras possibilidades de trabalhar um imaginário sonoro made in Africa, que costuma explorar o lugar comum da percussividade. Ao mesmo tempo que mostra uma sensibilidade na condução estética do trabalho, Luedji demonstra uma conexão com a produção musical contemporânea de artistas africanos e um desejo de incorporar essas referências no seu trabalho, o que só reforça a nossa percepção de uma construção pop transcultural, marca da atual cena musical de Salvador.

Além dessa conexão com a África contemporânea, percebemos, no trabalho, uma tentativa de construir um lugar seguro, mesmo que simbólico, para outras mulheres, principalmente mulheres negras. Isso mostra como o álbum visual é um novo formato que está intimamente associado à cultura digital, na medida em que é pensado para ser consumido, compartilhado e comentado em plataformas (como o YouTube) que reivindicam, ou ao menos emulam, uma conexão mais “direta” entre artistas e audiência, e entre membros da própria audiência, que, por meio dos comentários, têm a possibilidade de reivindicar a partilha de afetos e sentimentos.

Nesse jogo tensivo entre ser e não ser ativista, percebemos que o investimento de Luedji no intimismo é uma tentativa de escapar à heteronomia. Ela subordina o político ao pessoal, buscando inverter o esquema de uma arte que ela julga panfletária e meramente utilitária, na qual bandeiras políticas ou estilos musicais lhe dariam as coordenadas: “[Mesmo minha música] não sendo panfletária, eu não deixo de ser política, porque meu corpo é político” (Serra, 2021SERRA, Amanda. Luedji Luna sobre não exibir o filho na internet: “Ele não é o filho do Bruno Gagliasso”. Yahoo! Vida e Estilo. 4 jan. 2021. [https://esportes.yahoo.com/noticias/luedji-luna-cantora-maternidade134248088.html - acesso em: 24 ago. 2022].
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). Assim, seu trabalho mostra a “relação entre a indústria do entretenimento, participação política, cultura pop e mobilização social” (Amaral et al., 2015AMARAL, Adriana; SOUZA, Rosana Vieira; MONTEIRO, Camila. De westeros no #vemprarua à shippagem do beijo gay na TV brasileira. Ativismo de fãs: conceitos, resistências e práticas na cultura digital. Galáxia, n. 29, jun. 2015, pp.141-154 [http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542015120250 - acesso em: 18 nov. 2021].
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:152), e seus pronunciamentos são uma forma de negociar as fronteiras entre “o eu e o nós”, de afirmar o foco em sua subjetividade sem perder a filiação a um discurso coletivo (“a expressão do meu eu acaba falando por outros eus”26 26 Entrevista ao SIM São Paulo [https://youtu.be/WSaQHPn5KCw - acesso em: 21 mar. 2021]. ). É a partir dessa tensão entre classificar – a si e a sua obra – e ser classificada, que o trabalho de Luedji parece cavar sua identidade na atual cena de música pop de Salvador.

Mulher, nordestina, negra

A análise do álbum visual de Luedji Luna nos permite compreender não apenas como ela articula e atualiza questões de gênero, racismo, classe e territorialidade, mas a maneira como insere as mulheres negras em uma disputa por representação que marca a atual cena de música pop da capital baiana. Quando o Ilê Aiyê surgiu nos anos 1970, e, em seguida, o Olodum, criando um novo som, o samba-reggae, e dando visibilidade aos negros e negras que viviam nos guetos de Salvador, havia uma sensação de uma nova representatividade negra, que foi chamada pelo antropólogo Antônio Risério (1981) de “reafricanização”.

Uma ocupação de outro espaço social, econômico e político pelos negros brasileiros, especificamente os baianos, foi importante, mas não suficiente, para diminuir a exclusão e a opressão, especialmente para as mulheres negras. Homi Bhabha (1998), ao pensar a modernidade como um tempo de deslocamentos e desterritorializações, chama a atenção para entendermos a cultura para além dos binarismos e essencialismos, ou seja, como um lugar fluido, heterogêneo e cheio de tensões; um “entre-lugar”.

As representações das mulheres negras trazidas por Luedji Luna possibilitam perceber que ela tenta dar conta desse sujeito, objeto de dominação colonial: um sujeito que se forma nesses “entre-lugares”, um lugar de estranhamentos, opressões e de resistências. Há, como coloca Hall (1981)HALL, Stuart. The Whites of Their Eyes: Racist Ideologies and the Media. In: BRIDGES, G; BRUNT, R. (org.). Silver Linings: Some Strategies for the Eighties. Londres, Lawrence and Wishart, 1981, pp.28-52., um regime de representação, de significados acumulados em uma imagem, mas que pode ser contestado e desafiado, e é exatamente esse contraponto que Luedji se propõe a estabelecer com seu público a partir das suas músicas, videoclipes e falas.

A presença de mulheres negras atravessa o novo álbum de ponta a ponta. Conceição Evaristo declama o poema A noite não adormece nos olhos das mulheres, de sua própria autoria, permeado por uma improvisação jazzy. A poeta e compositora Tatiana Nascimento recita o poema Quase, em meio à canção Lençóis, uma composição de Luedji e da escritora mineira Cidinha da Silva. Luedji ainda interpreta o clássico Ain’t Got No, eternizado por Nina Simone. Há ainda a faixa chamada Ain't I a Woman?, título do discurso proferido pela ativista Sojourner Truth nos Estados Unidos, em 1851, que virou ainda o nome de um dos livros de bell hooks.

Conectar essas personagens, de épocas e locais distintos, é defender a ideia de que há algo em comum no modo de experimentar o amor que seria particular às mulheres negras, fruto de uma situação de racismo, preterimento e solidão, para além de qualquer contexto particular. Isso fica evidente em uma sequência na qual a composição de Luedji, Chororô, fala de uma situação de falta total de posses materiais e afetivas (“Eu não tenho chão / Nem um teto que me queira / Nem parentes que me saibam / Nem família que me seja”), seguida da primeira parte de Ain’t Got No que trata do mesmo tema (“Ain't got no money, no place to stay / Ain't got no father, ain't got no mother”).

Há, portanto, em Luedji Luna uma tentativa de criar uma rede de engajamentos para superar uma “colonialidade do gênero” (Lugones, 2014LUGONES, Maria. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 22, v.3, setembro-dezembro/2014. pp. 935-952.), uma espécie de resposta a uma opressão ao racismo genderizado (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019.). Para Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019.:94), a questão da “subestimação” deve ser vista tanto na “diferença racial quanto na de gênero”. Ao trazer o termo racismo genderizado, a autora enfatiza a necessidade de não dissociar raça e gênero, o que é fundamental para se pensar a experiência do racismo que envolve a mulher negra, o que aponta para a necessidade de reflexão sobre essas questões a partir da lente metodológica da interseccionalidade, que possibilita pensar em diversas camadas de desigualdades. Para Collins e Bilge (2021)COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo, Boitempo, 2021., a interseccionalidade é uma abordagem análitica que nos ajuda a pensar as relações de poder levando em consideração categorias como raça, classe, orientação sexual e gênero, entre outras, que não devem ser vistas de forma distinta, mas pensadas e analisadas como categorias que “se sobrepõem e funcionam de maneira unificada. Além disso, apesar de geralmente invisíveis, essas relações interseccionais de poder afetam todos os aspectos do convívio social” (Collins; Bilge, 2021COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo, Boitempo, 2021.:15).

Kilomba percebe raça e gênero entrelaçados, mas pontua a raça como mais preponderante do que o gênero nas relações de poder. Para a autora, esse apagamento se dá inclusive no campo da teoria social crítica, no qual a mulher negra não tem espaço. Nesse sentido, traz a argumentação de Heidi Safia que coloca as mulheres negras em “um espaço vazio, um espaço que se sobrepõe às margens da raça e do gênero, o chamado terceiro espaço” (Kilomba, 2019:97). É preciso atenção a essa opressão racial e de gênero, como faz Luedji Luna no seu álbum visual, trazendo questões, dores e amores permeados por “uma percepção racista dos papéis de gênero” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019.:99).

No álbum visual, essa resistência se manifesta na reconstrução de uma memória ancestral que se vê na tentativa de criar laços e linhagens afirmando, mais uma vez, o espaço da autoria na perspectiva da mulher negra, propondo quebrar o regime racializado da representação (Hall, 2016HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro, Apicuri, 2016.), pautado nas características simplificadas da estereotipagem. A expressão visual dessa tentativa está nos minutos finais do clipe, quando uma série de mulheres negras de diferentes idades se encontram. Todas elas vestem branco e seguram uma fita de cetim que as conecta. A ideia de rede, conexão e ancestralidade fica evidente, pois há uma relação com o sagrado, que não tem a ver, necessariamente, com religião, mas com uma “atualização da origem” (Sodré, 2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.); o corpo aqui é percebido como “uma experiência de apreensão das raízes da existência e da sua contínua renovação (...)” (Sodré, 2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.:116).

Outro momento importante do álbum visual se dá quando Luedji aparece vestida com uma roupa vermelha, andando pelas ruas do Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador, com uma garrafa de bebida nas mãos e envolta em uma névoa. Trata-se de uma alusão à pomba-gira, uma espécie de exu feminina que abre os caminhos, segundo o Candomblé. A territorialidade é o Carnaval e, enquanto canta versos como “Você vai me pagar / Oh se vai / Vou lhe rogar uma praga / Vou lhe fazer um feitiço”, ela dança no meio das pessoas, dá risadas, atira as pétalas de um buquê de rosas vermelhas no chão e mostra uma força que se posiciona entre a ancestralidade da entidade feminina, a pomba-gira, e a da mulher negra ligada à ideia de luta e enfrentamento. Essa imagem contrasta com a que lhe antecede, na qual Luedji entra em um banheiro, retira uma máscara de carnaval e se põe a chorar frente ao espelho. A sequência de imagens explora as ideias de sofrimento e superação amorosa do ponto de vista de uma mulher negra.

A tentativa de expressar esse intimismo, em termos narrativos, é reforçada quando Luedji olha diretamente para a câmera, recurso que utiliza diversas vezes ao longo do álbum visual. O movimento vai na contramão das convenções clássico-narrativas que posicionam a audiência como observadora externa e distanciada da trama que se desenvolve na tela (Harrison, 2014:20). Com isso, a cantora afirma-se não somente como a personagem de uma narrativa encenada, mas como uma artista que, conscientemente, dirige-se à plateia e fala em primeira pessoa. No entanto, Luedji não fala só de si, fala também das mulheres negras que ela visa representar. Nesse sentido, ela também alude a uma noção de ancestralidade, o que, nas palavras de Muniz Sodré (2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.:109), pode ser pensada como uma temporalidade:

[...] diferente do tempo histórico, a temporalidade em que se inscreve o destino é própria da ancestralidade, isto é, da vigência ética do discurso de fundação do grupo, em que se enlaçam origem e fim. Pode-se conceber aí um nível de história, relativo ao conjunto de fatos e feitos humanos, mas elaborado como uma articulação de passado, presente e futuro pelo culto ao ancestral.

As reflexões de Muniz Sodré em Pensar Nagô nos possibilitam entender, a partir da obra de Luedji, uma reinterpretação brasileira do legado simbólico africano que apresenta ideias de um mundo comum, uma luta pela inclusão, entidades sagradas, ancestrais ilustres, e perceber o tempo como três dimensões convergentes, inseparáveis, em contraponto a uma linearidade eurocêntrica que divide passado, presente e futuro.

A canção Lençóis, de forte acento jazzístico, começa com um longo solo de piano, seguido pela voz de Luedji, e traz a participação da poeta Tatiana Nascimento. Há ainda improvisações de trompete, que fazem referência ao músico estadunidense Miles Davis, tanto pela construção melódica do solo, quanto pelo timbre de surdina27 27 Peça que encaixa no trompete e altera o timbre do instrumento, o que possibilita maior expressividade na performance do músico. do instrumento. Essas presenças, diretas e indiretas, de uma série de figuras negras ajudam a construir o universo simbólico do trabalho. No álbum visual, as imagens mostram Luedji deixando o Carnaval e as ruas do Centro Histórico e voltando seu olhar para o oceano Atlântico enquanto canta: “Eu não me sinto só / Na imensidão do céu”, em que se percebe mais uma referência a essa ancestralidade pensada como temporalidade (Sodré, 2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.). Luedji está nas ruínas do Castelo Dias D’Ávila, na Praia do Forte28 28 Praia do município Mata de São João, a 80 km de Salvador. , vestida de branco, com joias douradas, acompanhada de outras mulheres, vários outros corpos femininos negros de diversas idades. Ao fundo, a voz de Tatiana Nascimento recita os versos de Quase: “Me dá um pedaço do seu amor? Só um pedaço mesmo / Não te quero inteira, não, nem te quero toda, nem demais / Só aquele pedaço tosco, lascado, quebrado, fodido, moído / Caído no chão, joelho ralado, doído”. Luedji volta a convocar a sua ancestralidade nas imagens, mas, ao mesmo tempo, a sonoridade nos leva a uma África moderna, e o amor que declama Tatiana é contemporâneo, rápido e superficial. O tempo está imbricado dialogando com passado, presente e futuro.

Como reflete a filósofa argentina María Lugones (2014LUGONES, Maria. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 22, v.3, setembro-dezembro/2014. pp. 935-952.:949), uma resposta para o que ela nomeia de “colonialidade de gênero” está na possibilidade de “avançar a lógica da diferença, da multiplicidade e da coalizão no ponto da diferença”. Luedji se posiciona em um lugar de contestação, de coalizão. Ao cantar, em Ain’t I a Woman?, os versos “Eu sou a preta que tu come e não assume” e “Por acaso eu não sou uma mulher?”, Luedji, ao mesmo tempo que canta a invisibilidade das mulheres negras, propõe novos sentidos para essas mulheres negras vistas como “o outro do outro” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, Cobogó, 2019.). Suas músicas e seu álbum visual possibilitam perceber o surgimento de uma nova sujeita, dentro do que Lugones chama de uma nova geopolítica feminista, um feminismo do sul, que resultaria na tentativa de uma “decolonialidade de gênero”.

Luedji traz em seu álbum visual uma resistência à diferença colonial, um enfrentamento comunitário na lógica da colonialidade, a partir de uma perspectiva de multiplicidade de mulheres, e não de uma “mulher universal”. No momento da canção Lençóis, que tem como cenário a Praia do Forte, ela mescla a ancestralidade, representada por mulheres mais velhas em diálogo com as mais novas, promovendo a ideia de comunidade, de coletivo, tão cara aos povos amefricanos (Gonzalez, 2019GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural da Amefricanidade. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (org.). Pensamento Feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2019, pp.341-352.). Esse termo da feminista negra Lélia Gonzalez (2019GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural da Amefricanidade. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (org.). Pensamento Feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2019, pp.341-352.:135) está ligado ao seu conceito político-cultural de amefricanidade, que “incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural (adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas) que é afrocentrada (...)”. Para ela, a amefricanidade é o que dá conta de uma construção de “identidade étnica” no sentido metodológico de resgatar uma unidade específica traduzida nessa narrativa territorial de Améfrica que tem um mesmo sistema de dominação: o racismo.

Ao voltar ao álbum visual de Luedji Luna, podemos refletir sobre o conceito de amefricanidade com imagens de um castelo em ruínas, que foi moradia de uma família escravista e colonial, para falar da experiência amefricana. São imagens que trazem a percepção de um aprendizado que Lugones (2014)LUGONES, Maria. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 22, v.3, setembro-dezembro/2014. pp. 935-952. chama “pensamento feminista decolonial”: mulheres engajadas umas com as outras, criando espaços nos quais não se repetem as subalternizações, nem as hierarquias do sistema colonial, e propondo formas diversas de organizar o social, a partir de outras cosmologias nessa nova territorialidade que é a Améfrica.

Considerações finais

Este artigo é o desdobramento de uma pesquisa levada a cabo desde 2019, em que defendemos a existência de uma nova cena de música pop em Salvador. Tendo como ponto de partida o ano de 2009, essa cena se aproxima de uma prática musical transcultural, conectada por múltiplas redes que se formam a partir do tensionamento de questões étnico-raciais e de gênero e que replicam uma espécie de resistência/incorporação, criando novos idiomas estéticos (Regev, 2013REGEV, Moti. Pop-rock music: aesthetic cosmopolitanism in late modernity. Cambridge, Polity Press, 2013.). Ao trazer neste artigo o estudo de caso da cantora e compositora Luedji Luna, acreditamos ter agregado elementos importantes que nos ajudam a configurar o entendimento dessa cena atravessada por “territorialidades culturais”, locais e globais, que agregam determinadas cenas a partir “da conjunção de territórios geográficos e experiências afetivas ao redor de suas produções musicais” (Janotti Jr., 2014:74).

Em 2021, comemorou-se os 30 anos do artigo Systems of Articulation, Logics of Change: Scenes and Communication in Popular Music (1991) de Will Straw, no qual ele traz a noção de cena para o universo acadêmico. O próprio autor já havia atualizado a noção em 2006, para “dar conta de uma série de práticas sociais, econômicas, tecnológicas e estéticas ligadas aos modos como a música se faz presente nos espaços urbanos” (Janotti Jr.; Pires, 2011:11). Para marcar a data, é necessário atualizar o conceito com vistas a dialogar com problemáticas latentes no campo da ciências sociais, como a perspectiva decolonial (Queiroz, 2019QUEIROZ, Tobias. Cena Musical Decolonial: uma proposição. Mediação, v. 22, n.29, Belo Horizonte, jul./dez. 2019 [http://revista.fumec.br/index.php/mediacao/article/view/7332/pdf - acesso em: 20 out. 2022].
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), o que nos possibilitaria entender, de forma mais consistente, as práticas musicais forjadas em cidades da América Latina, que apresentam uma geografia de experiências engendradas em questões étnico-raciais de opressão, portanto, um lugar forjado nas subalternizações, mas também na resistência; uma territorialidade de um Sul que representa um outro sistema de poder, como coloca Resende (2019).

Se pensarmos nessa perspectiva, a música de Luedji Luna apresenta tensões relevantes às comunidades étnicas transnacionais dispersas pelo mundo, um resultado da diáspora negra e de novos processos migratórios. São conexões e fluxos que corroboram a ideia de Sul Global como um pensamento que produz “territorialidades narrativas”. Uma territorialidade habitada por sujeitos, objetos, tecnologias que se conectam a partir de lógicas de subalternização que têm o Oceano Atlântico como local emblemático de experiências construídas a partir de uma diáspora forçada. Esses “espaços narrados” por Luedji Luna – que se classifica como mulher, preta e baiana – deixam claro de que maneira sua música se afirma como uma tecnologia de gênero atravessada pelas dimensões de classe, raça e territorialidade, e como essas marcas perpassam a atual cena de música pop de Salvador.

Quando usamos o termo cena musical decolonial (Queiroz, 2019QUEIROZ, Tobias. Cena Musical Decolonial: uma proposição. Mediação, v. 22, n.29, Belo Horizonte, jul./dez. 2019 [http://revista.fumec.br/index.php/mediacao/article/view/7332/pdf - acesso em: 20 out. 2022].
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), estamos pensando como a territorialidade afeta a performance e dialogando com a ideia de Lugones de “locus fraturado”, para compreender aquele que resiste à construção colonizadora para “revelar o que se torna eclipsado” (Lugones, 2014:941). O que Lugones evidencia é que tanto os povos originários da América Latina, quanto os povos negros escravizadados são “seres culturais, política, econômica e religiosamente complexos” e que o processo de colonização os colocou em um lugar de subalternizados, primitivos, não humanos. Ao evocar a ideia de locus fraturado, ela propõe entender o processo de resistência desse ser colonizado nas suas territorialidades; um ser que habita um locus fraturado e é “construído duplamente, que percebe duplamente, relaciona-se duplamente, onde os ‘lados’ do lócus estão em tensão, e o próprio conflito informa ativamente a subjetividade do ente colonizado em relação múltipla” (Lugones, 2014:942).

A cena que observamos aqui não traz uma unidade sonora como geralmente se observa em cenas ligadas a um gênero musical específico. O que dá liga e nos permite afirmar que estamos diante de uma cena é o compartilhamento de territorialidades, perspectivas políticas e o agenciamento da cultura pop. A cena está ancorada em Salvador, ou, pelo menos, em um imaginário territorial da capital da Bahia, nessa ideia de um espaço narrado: uma Bahia popular, tradicional e contemporânea a partir de gêneros como pagode, samba-reggae, ijexá, groove arrastado, com ritmos transnacionais como rap, dub, afrobeat, funk, propondo um ativismo impulsionado por um discurso antirracista, feminista, contra a desigualdade social e nutrindo-se de artefatos, produtos, estratégias midiáticas que criam uma rede de sociabilidades ao seu redor.

Além de Luedji Luna, outras bandas e artistas baianos de uma nova geração vêm ganhando visibilidade na última década. Larissa Luz, Xênia França, Josyara, Majur, Nara Couto, Hiran, BaianaSystem, ÀTTØØXXÁ, Afrocidade, Rachel Reis são alguns dos principais representantes desse momento da música baiana. Mesmo com as particularidades sonoras, todos têm trabalhos que dialogam com as características que mencionamos acima, cada um com enfoque nas questões que lhes são mais sensíveis. Percebemos, nessa cena, uma rede de engajamentos que perpassa memórias de um passado coletivo (Sodré, 2017SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, Vozes, 2017.) e se conecta a experiências construídas por fluxos que se movimentam nessa ideia de Sul estendido. Dessa forma, nosso trabalho é um dos muitos esforços em curso no sentido de pensar como o conceito de cena se concretiza em cidades da América Latina, especificamente Salvador, sempre vista como um lugar mítico do Brasil – geralmente referenciado pela ideia de “raiz” – mas que – e esse é o ponto por nós defendido – articula um diálogo contemporâneo sul-sul, característico de ambientes forjados na diáspora forçada.

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  • 1
    Entrevista Sam Santos (Potências Negras) [https://youtu.be/zO_5NyrFrLY - acesso em: 16 mar. 2021].
  • 2
    Diálogos Ausentes – Itaú Cultural [https://youtu.be/agVPrvyacxI - acesso em: 16 mar. 2021].
  • 3
    A metodologia empregada neste trabalho recorre à análise da trajetória artística de Luedji Luna que busca equacionar as tomadas de decisão da cantora frente aos determinantes de classe, raça, gênero e territorialidade que foram incorporados e traduzidos em seu fazer artístico. Esses mesmos determinantes orientam o estudo das representações (Hall, 1981HALL, Stuart. The Whites of Their Eyes: Racist Ideologies and the Media. In: BRIDGES, G; BRUNT, R. (org.). Silver Linings: Some Strategies for the Eighties. Londres, Lawrence and Wishart, 1981, pp.28-52., 2016HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro, Apicuri, 2016.) contidas em seu álbum visual, cuja linguagem foi analisada a partir de obras voltadas ao estudo das narrativas em videoclipes (Sá; Dalla Vechia, 2020; Harrison, 2014). A atenção às representações também se voltou para a análise das postagens da cantora, e dos comentários a elas associados, no facebook e no twitter. Este trabalho também recorreu a entrevistas, uma delas realizada por nós e as outras acessadas pelo Youtube, bem como matérias jornalísticas. A isso se somou a observação participante em shows e eventos musicais realizados na cidade de Salvador entre os anos 2018, 2019 e os meses de janeiro e fevereiro de 2020.
  • 4
    Disponível em: https://youtu.be/Z7lPX61UdJ4. Último acesso: 21 mar. 2021.
  • 5
    Termo usado por Boaventura de Souza Santos (2009SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, Boaventura de Souza; MENEZES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra, Edições Almedina, 2009, pp. 23-71.:10) como uma metáfora para “regiões do mundo que foram submetidas à colonização europeia e não atingiram níveis de desenvolvimento econômico similar ao Norte Global”. Para entender melhor esse conceito do Sul, indo além de Boaventura Souza, neste artigo trazemos a forma como Mehita Iqani e Fernando Resende (2019) traduzem o Sul Global: um lugar expandido, que é melhor entendido como uma nova “estrutura de pensamento” em que, necessariamente, as fronteiras não são apenas geográficas, mas de exclusão e opressão.
  • 6
    Bloco afro fundado em Salvador, em 1979, e criador do gênero samba-reggae.
  • 7
    Chamamos de música de rua sonoridades como pagode, samba de roda, samba junino, cabula e outros ritmos de acento percussivo que permeiam as festas que ocorrem nas ruas de Salvador, como a Festa de Iemanjá ou a Lavagem do Bonfim.
  • 8
    A estratégia de evidenciar ostensivamente o marcador racial levada a cabo por Luedji é uma das muitas estratégias de consagração utilizadas por artistas negros em contextos sociais diversos. Em recente trabalho, Nascimento e Queiroz (2021) analisam como a invisibilização acerca da raça, presente nas obras de Pixinguinha e Caymmi, também pode representar um expediente de consagração.
  • 9
    Entrevista concedida por videoconferência, em 22 de fevereiro de 2021.
  • 10
    Banda formada nos anos 2000 que tinha como líder o cantor e compositor Ronei Jorge.
  • 11
    Banda que revelou o cantor e compositor Giovani Cidreira, que hoje tem uma carreira solo.
  • 12
    Banda que reunia Roberto Barreto e SekoBass, hoje guitarrista e baixista do BaianaSystem, respectivamente.
  • 13
    Sound System de Salvador que revelou o cantor e compositor Russo Passapusso, hoje, um dos líderes do BaianaSystem.
  • 14
    Diálogos Ausentes – Itaú Cultural [https://youtu.be/agVPrvyacxI - acesso em: 16 mar. 2021].
  • 15
    Entrevista a Fabiane Pereira (Papo de Música) [https://youtu.be/VE1428gNoGE - acesso em: 16 mar. 2021].
  • 16
    Entrevista a Alvaro Leme [https://youtu.be/VYPlZvS8IQo - acesso em: 16 mar. 2021].
  • 17
    A reivindicação de Luedji encontra paralelo no incômodo de Nina Simone quando rotulada como cantora de jazz pelo fato de ser negra (Nascimento, 2018).
  • 18
    Valendo-se do conceito de ideologia de Althusser e da noção de discurso de Foucault, Teresa de Lauretis (1987)DE LAURETIS, Teresa. Technologies of Gender: Essays on Theory, Film, and Fiction. Indiana, Indiana University Press, 1987. entende o gênero como uma construção que se faz por representações cujos sentidos se inscrevem na superfície dos corpos por um conjunto de tecnologias; são essas as tecnologias de gênero. Os meios de comunicação representam algumas das tecnologias que participam da construção de identidades de gênero, já que interpelam e convocam indivíduos a se identificarem e a incorporarem posições de sujeito. Trata-se, portanto, de tecnologias genderizadas, mas que também têm o poder de (en)gendrar, ou seja, constituir indivíduos genderizados. Entender a música pop como uma tecnologia de gênero, mas também atravessada pelas dimensões da classe, raça e territorialidade, é localizar uma forma de interpelação dos sujeitos e construção de subjetividades presentes em canções e demais performances que contribuem na produção de subjetividades e novas ordens sociais possíveis.
  • 19
    “Guia negro entrevista Luedji Luna” [https://youtu.be/-Sl2JZAR_ow - acesso em: 21 mar. 2021].
  • 20
    Como Gadea (2013)GADEA, Carlos. A. Negritude e Pós-africanidade: crítica das relações raciais contemporâneas. Porto Alegre, Sulina, 2013. chama atenção, o processo de identificação como negro, a partir do agenciamento da africanidade, não é a única possibilidade. O autor nos apresenta grupos de jovens negros que vivem fora de ambientes de valorização e atualização da herança africana e constroem outras formas de agenciamento para a identificação racial.
  • 21
    Entrevista a Alvaro Leme [https://youtu.be/VYPlZvS8IQo - acesso em: 16 mar. 2021].
  • 22
    Palavra em Quimbundo, língua angolana de origem Bantu, que significa coração.
  • 23
    Para mais detalhes sobre a relação entre o Pelourinho e a cena musical aqui abordada, ver Argôlo (2021)ARGÔLO, Marcelo. A Minha Pele de Ébano: música pop e ativismo negro em Salvador. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Centro de Artes, Humanidades e Letras, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, 2021..
  • 24
    A indústria do axé music desenvolveu-se, principalmente, pela venda de abadás para os blocos de Carnaval em Salvador. Ao redor do trio elétrico, uma corda separa os pagantes dos não pagantes, estabelecendo uma hierarquia social e também racial na ocupação do espaço público. O movimento de desfilar com o trio elétrico sem cordas caracteriza a cena de música contemporânea de Salvador, marcando uma posição oposta a do axé music, assim, contribuindo para o enfraquecimento da estratificação que se estabelece na folia com as cordas.
  • 25
    Além da cena aqui observada, outras práticas musicais que fazem oposição (em maior ou menor grau) à indústria do axé music são as cenas de reggae e de pagode baiano. Para mais detalhes sobre elas, ver, respectivamente, Mota (2008)MOTA, Fabricio. Guerreir@s do Terceiro Mundo: identidades negras na música Reggae da Bahia (anos 80/90). Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos), Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2008. e Lima (2016)LIMA, Ari. Uma crítica cultural sobre o pagode baiano: música que se ouve, se dança e se observa. Salvador, Pinaúna, 2016.. A cena de música pop de que Luedji faz parte se relaciona com essas duas também por traços da musicalidade de matriz afro-baiana, contudo construiu sua trajetória por outros caminhos. O embate contra a ideia de Salvador como terra da alegria, a revalorização do legado e importância dos blocos afros para o Carnaval da cidade e a disputa pelos trios sem cordas na festa fizeram essa cena afrolatina se posicionar de forma distintamente dentro da música baiana.
  • 26
    Entrevista ao SIM São Paulo [https://youtu.be/WSaQHPn5KCw - acesso em: 21 mar. 2021].
  • 27
    Peça que encaixa no trompete e altera o timbre do instrumento, o que possibilita maior expressividade na performance do músico.
  • 28
    Praia do município Mata de São João, a 80 km de Salvador.
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    Esta pesquisa conta com o apoio do Edital Universal Edital MCTIC/CNPq nº 28/2018 – Universal/Faixa A. Partes deste artigo foram apresentadas no XXX Encontro Anual da Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Maio 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2022
  • Aceito
    14 Mar 2023
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