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Apresentando "Terfs, movimentos críticos do gênero e feminismos pós-fascistas"

Presenting TERFs, Gender-Critical Movements, and Postfascist Feminisms

Resumo

Apresentamos a importância do artigo "Terfs, movimentos críticos do gênero e feminismos pós-fascistas", que reúne elementos teóricos importantes para contribuir no debate a respeito das alianças políticas entre movimentos antigênero e forças políticas de ultradireita. O texto traça relevante e atual panorama do contexto global dessas articulações e, com isso, joga luz em aspectos do fenômeno que também ocorre no Brasil, embora por aqui as elaborações teóricas ainda não tenham alcançado a devida relevância.

Terfs; Movimento antigênero; Transgeneridade

Abstract

We present the importance of the article "Terfs, critical gender movements and post-fascist feminisms", which brings together important theoretical elements to contribute to the debate on political alliances between anti-gender movements and ultra-right political forces. The text provides a relevant and current overview of the global context of these articulations and, thus, sheds light on aspects of the phenomenon that also occurs in Brazil, although theoretical elaborations here have not yet reached due relevance.

Terfs; Gender-critical movements; Transgender

As duas últimas décadas - as primeiras do século XXI - testemunharam um crescente domínio de forças de ultradireita na política global. Neofascismo, extrema-direita, trumpismo, bolsonarismo, neoconservadorismo - os termos são variados e tentam definir esse movimento que ecoa, em parte, a experiência nazifascista da Europa do século XX ou no integralismo brasileiro do mesmo período, mas não podem ser reduzidos a meras repetições. Enquadradas em um sistema econômico ultraliberal, em uma nova etapa do capitalismo que se configura pela combinação perversa entre extrema precarização do trabalho e aguda espoliação das subjetividades de sujeitos pulsionais, e hiperconectadas em redes de captura das formas de vida, essas forças da ultradireita global se valem e exploram um ambiente econômico no qual todas as possibilidades de emancipação parecem estar bloqueadas em prol de uma radical atomização de indivíduos empreendedores de si, cuja falta de proteção social deve ser naturalizada para se sustentar como qualidade.

É nesse contexto agudo que, também nas últimas duas décadas, cresceram e frutificaram argumentos morais em defesa das "mulheres autênticas", ancorados em tudo aquilo que os movimentos feministas haviam tratado de derrubar durante o século XX: o essencialismo da categoria mulher, definida por seus atributos anatômicos, biológicos e naturais; a reivindicação de uma diferença sexual em que os homens entram como algozes e as mulheres, como vítimas e, portanto, destituídas de qualquer capacidade de agência; a mobilização de vulnerabilidades que confirmariam essa posição de vítima; a alegação de que família e maternidade são, portanto, experiências exclusivas de "homens" e "mulheres"; e, por fim, mas não menos importante, a crescente recusa do conceito de gênero no que ele tem de potencial emancipador dos papéis naturalizados. Ficam de fora, portanto, os dissidentes de gênero, as pessoas trans, as pessoas não binárias, queers, e todes aqueles cuja forma de vida conteste o sistema hetero-patriarcal.

O que nos move aqui é a percepção de que, enquanto o fenômeno de expansão da ultradireita global é pauta política visível e amplamente debatida, uma de suas consequências subjacentes, a aliança entre essa política e um determinado campo que afirma atuar "em defesa das mulheres" tem sido, senão negligenciada, certamente pouco visível no debate político.

Os "feminismos transexcludentes", por razões que exigiram uma investigação mais precisa, tem sido muito pouco estudados ou discutidos no Brasil. As poucas análises disponíveis em dissertações e artigos têm sido elaboradas por pesquisadoras e ativistas trans, como no caso dos trabalhos de Benevides (2021)BENEVIDES, Bruna. A Epidemia Crescente de Transfobia nos Feminismos. 2021. In Bruna Benevidex.medium.com [ https://brunabenevidex.medium.com/a-epidemia-crescente-de-transfobia-nos-feminismos-bbb0a40ea8d0 = acesso em: julho 2023].
https://brunabenevidex.medium.com/a-epid...
, Benevides e York (2023)BENEVIDES, Bruna; YORK, Sara Wagner. Feminismos exclusivos ou excludentes? Notícias, Revista Docência e Cibercultura, Janeiro de 2023 [https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/re-doc/announcement/view/1571 - acesso em: julho 2023]. ISSN: 2594-9004.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, Pagliarini (2019)PAGLIARINI, Bia. Discursos transfeministas e feministas radicais: disputas pela significação da mulher no feminismo. Dissertação (Mestrado em Linguística), IEL, UNICAMP, Campinas, 2019 [ https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1090697 - acesso em: julho 2023].
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
e Wolf (2020)WOLF, Leona. As Origens Católicas do Feminismo Radical. 2020 [ https://medium.com/o-t-da-quest%C3%A3o/as-origem-cat%C3%B3licas-do-feminismo-radical-2e400de35cb - acesso em: jul. 2023].
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. Essas autoras pesquisam e escrevem a partir de lugares subjetivos e de representação política diretamente afetados pela crescente agressividade dessas correntes feministas em num ambiente em que também vêm se intensificando os ataques da ultradireita aos direitos da identidade de gênero.

No dia 8 de março, o país assistiu à cena grotesca do deputado de ultradireita Nikolas Ferreira, usando uma peruca loura em discurso na Câmara dos Deputados para vilipendiar o direito à identidade de gênero autodeclarada. No final de março, matéria da Folha de São Paulo informou que mais de 60 projetos de lei haviam sido apresentados, desde o começo do ano, em todos níveis legislativos, cuja finalidade é abolir linguagem inclusiva, punir a "doutrinação transgênero" nas escolas, impedir a participação de mulheres trans nos esportes, suspender serviços de atenção à saúde para crianças e adolescentes trans e proibir o acesso de mulheres trans a banheiros femininos.

Antes disso, em janeiro, o dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras, elaborado pela ANTRA, pela primeira vez incluiu informações sobre as crescentes violações de direitos humanos sofridas por mulheres trans ao usar banheiros femininos, forma de agressão incitada pelos feminismos transexcludentes pelo menos desde 2014 (Carta de Campinas, 2014). Essas propostas legislativas e dinâmicas políticas ecoam ou mesmo replicam tendências registradas no cenário internacional, mas com traços vernaculares que precisariam ser mais bem compreendidos.

Foi nesse contexto conturbado que nos propusemos a apresentar o artigo "Terfs, movimentos críticos do gênero e feminismos pós-fascistas". Nossa primeira motivação foi a qualidade intrínseca do texto e a sua possibilidade de suprir a lacuna teórica que descrevemos acima. De autoria de Serena Bassi e Greta Lafleur, "TERFs, Gender-Critical Movements, and Postfascist Feminisms", foi publicado na revista TSQ: Transgender Studies Quarterly, em agosto de 2022, como introdução ao dossiê "Trans-Exclusionary Feminisms and the Global New Right" [Feminismos transexcludentes e a nova direita global], do qual ambas são editoras, sistematizando de forma ao mesmo tempo ampla e suscinta o problema que queremos abordar.

Embora tenha sido concebido como uma introdução, o artigo ultrapassa em muito esse formato, ao refletir sobre consequências atuais e características históricas da associação entre neofascismo e feminismo transexcludente. Um dos méritos de Bassi e La Fleur é ter compilado um sólido conjunto de informações sobre um tema a respeito do qual ainda há poucas referências acadêmicas de qualidade. Sublinham, por exemplo, o caráter transnacional dos feminismos autodefinidos como críticos do gênero, hoje muito visíveis na Inglaterra, EUA, Alemanha ou Itália, ao mesmo tempo apontando para suas colorações locais, sendo que alguns de seus elementos são perceptíveis também no Brasil.

Por aqui, assim como nos contextos analisados no artigo, a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder foi a porta aberta para ampliação e maior visibilidade dessas correntes que o antecediam, mas cujas posições já estavam alinhadas com o repúdio que a ultradireita propaga contra o fantasma da "ideologia de gênero". Nesse sentido, é exemplar e iluminador o empenho de Bassi e Lafleur para situar essas vertentes em relação ao cenário mais amplo de expansão global das políticas de ultradireita.

Apesar de aparentemente situados em polos opostos do espectro político, as posições transfóbicas dessas vertentes feministas e o pós-fascismo convergem na defesa da essência naturalizante da categoria "mulher", concepção filosófico-política cujo esgotamento tem sido objeto do trabalho crítico persistente dos feminismos da segunda metade do século XX. No cerne desta crítica identificam-se as muitas interpretações acerca da distinção heurística entre sexo biológico e gênero culturalmente construído. Que a humanidade não seja reduzida à corporeidade anatômica é uma reivindicação feminista contemporânea por excelência, expandida e ampliada pela teoria e pelos ativismos queer. Essa proposição é considerada como sendo abominável pelas forças de ultradireita, cujo recurso violento à imutabilidade da natureza busca fixar papéis de gênero baseados nas configurações corporais do humano.

Seguimos, aqui, a argumentação das autoras no que diz respeito à percepção de que embora os objetivos dos movimentos antigênero possam ser muito variados entre si, há entre ele uma convergência que precisa ser nomeada e criticamente examinada. Essas forças, ainda que heterogêneas, empilham em um único balaio uma multiplicidade de ideologias e teorias incoerentes entre si, como forma de buscar fundamentação para suas propostas. As feministas críticas do gênero - que preferimos nomear como essencialistas - misturam proposições de origem diversas como a teologia católica, a antropologia, a etnografia colonial, o antiamericanismo da extrema-direita, o racismo científico e até mesmo o pensamento feminista pós-colonial para argumentar que diferença sexual biológica determina o que é uma mulher e deve ser a fundamentação da luta feminista. A estratégia de se valer de um blend de teorias incompatíveis entre si é recorrente nas forças de ultradireita: trata-se de mobilizar cada uma dessas fontes para alcançar um público específico, ignorando propositalmente o fato de que, juntas, as teorias não configuram uma proposta unificada.

Faz parte dessa mesma estratégia o recurso ao pânico moral em relação à infância, reforçada por denúncias contra cirurgias de designações de gênero em crianças, nas quais até mesmo a ONU, acusada pelos movimentos antigênero de ser uma defensora radical da chamada "ideologia de gênero", teria participação. Repete-se, grosso modo, nessa argumentação, o estratagema muito usado na década de 1990, em que organizações de mulheres eram acusadas de defender a descriminalização do aborto no Brasil como parte de uma política de eugenia financiada por organizações internacionais. "Salvem nossas crianças" parece um grito de guerra recorrente no debate, que reaparece a cada vez sob uma roupagem diferente.

Por essas razões - e muitas outras que leitoras e leitores certamente identificarão ao ler o texto - apresentamos "Terfs, movimentos críticos do gênero e feminismos pós-fascistas", em português, como uma inspiração para melhor qualificar o debate sobre os feminismos transexcludentes e o lugar que ocupam na ecologia política do giro à ultradireita no contexto brasileiro. Nossa expectativa é que o texto possa nutrir discussões conceituais e políticas acerca da transfobia implícitas nas posições dessas correntes, mas também dos seus danos para os direitos e a vida das pessoas trans e de seus efeitos sobre o campo feminista e as dinâmicas desdemocratizantes que hoje caracterizam nossa paisagem política. Destacamos que a tradução de Beatriz Zampieri conta com notas de apoio, com destaque especial para os resumos dos artigos mencionados pelas autoras, como parte do esforço de guiar os/as leitores/as para o conjunto da sólida argumentação de Serena Bassi e Greta Lafleur.

Boa leitura.

Terfs, movimentos críticos do gênero e feminismos pós-fascistas[1]

Em outubro de 2018, o jornal The New York Times revelou que um memorando do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (Department of Health and Human Services) procurava redefinir sexo como "condição biológica e imutável determinada pela genitália no momento do nascimento" (Hanssmann, 2018HANSSMANN, Cristoph. Trump's Anti-Trans Memo Opens Door to Escalating State Surveillance. Truthout, 27 out. 2018 [https://truthout.org/articles/trumps-anti-trans-memo-opens-door-to-escalating-state-surveillance/. - acesso em: 3 abr. 2023].
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). Para especialistas dos movimentos de direita contemporâneos, este memorando marcou mais um momento da presidência de Donald Trump, em que o governo procurou mobilizar seu eleitorado na tentativa de codificar medidas administrativas e legais por meio de uma posição antitrans - ou, nos termos de um de seus proponentes, antigênero. Essa tentativa de redefinir sexo em termos legais se mostrava, de maneira evidente, como uma reescrita burocrática do bordão "existem apenas dois gêneros!" constantemente repetido nas redes, que pode ser encontrado ao longo de toda a blogosfera conservadora, em inúmeros tipos semióticos: de comediantes de direita no YouTube e memes dos "direitos dos homens" ao nacionalismo branco no Twitter (Cole, 2018COLE, Mike. Trump, the Alt-Right and Public Pedagogies of Hate and for Fascism. Londres, Routledge, 2018.). Não há dúvida de que nem a base transfóbica conservadora nem suas atuais conquistas político-partidárias são fatos recentes e inesperados. No entanto, as variações da transfobia no século XXI parecem indicar que vale investigar o gesto de enquadramento da exclusão trans - menos nos conhecidos termos de uma guerra cultural iminente e, mais, como uma "batalha cultural de ideais" (Kuhar; Paternotte, 2017b:10) veiculada pela propaganda de políticas críticas de gênero. Em suas múltiplas manifestações, o discurso crítico do gênero põe ostensivamente em questão a ideia feminista de que sexo e gênero são construções sociais e culturais (Scott, 2016SCOTT, Joan. Gender and the Vatican. Religion and Gender, 6, n. 2, 2016, pp.300-301.:300) e que, de maneira fundamental, correspondem à visão transpolítica de um mundo onde uma multidão de vidas são imagináveis e tornadas materialmente possíveis para além do gênero binário. Mas o retrato simplista da ruptura entre feminismo progressista e ideias conservadoras antifeministas fracassa em capturar as complexidades do momento cultural contemporâneo, cuja contestação se atribui, em grande parte, ao próprio significado do feminismo.

Consideremos o exemplo do Gender Recognition Act (GRA) [Ato de Reconhecimento de Gênero] na Grã-Bretanha. Após a realização, em 2015, de uma investigação promovida pelo parlamento britânico acerca da igualdade transgênero - que conduziu a uma recomendação para reformar o GRA levando em conta a democratização do acesso de pessoas trans à transição no sistema de saúde -, o feminismo transexcludente crítico do gênero organizou propostas de alteração do GRA, suspendendo seu processo de reformas (Pearce; Erikainen; Vincent, 2020:678-9). Como bem se sabe, o foco da campanha que derrotou a tentativa do movimento trans de reformular o GRA foi o argumento - apresentado como uma posição veementemente feminista - de que o direito de autodeterminação da identidade de gênero poria em risco mulheres que, cotidianamente, se deparam com espaços unissex, como banheiros públicos (Jones; Slater, 2020JONES, Charlotte; SLATER, Jen. The Toilet Debate: Stalling Trans Possibilities and Defending "Women's Protected Spaces". Sociological Review, 68, n. 4, 2020, pp.834-51.). Este argumento, por sua vez, estava amparado na ideia de que gênero é uma ferramenta ideológica que desvia as políticas dedicadas às vidas de "verdadeiras" mulheres e das múltiplas formas de opressão que elas enfrentam, determinadas, de maneira mais ou menos exclusiva, por sua corporeidade (Lewis, 2019LEWIS, Sophie. How British Feminism Became Anti-Trans. New York Times, 7 fev. 2019 [ https://www.nytimes.com/2019/02/07/opinion/terf-trans-women-britain.html - acesso em: 3 abr. 2023].
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). Assim, o pensamento crítico do gênero se articulou, em alguns casos, como um tipo de apelo conservador para o retorno a uma nostálgica "era de ouro perdida, onde tudo era mais simples e os 'gêneros' eram o que pareciam" (Kuhar; Paternotte, 2018KUHAR, Roman; PATERNOTTE, David. "Disentangling and Locating the 'Global Right': Anti-Gender Campaigns in Europe". Politics and Governance, 6, n. 3, 2018, pp.6-19.:515) e, em outros casos, como um recorte atemporal da militância feminista fundado sobre a história essencialista de uma mulheridade2 2 [N.T.] Womanhood. O termo "mulheridade" - que não deve ser confundido com o conceito de mulherismo, womanism - é reivindicado, no léxico feminista transexcludente, como suposta identidade ontológica baseada na diferença sexual. Para o feminismo radical, a experiência da mulheridade pressupõe uma condição intrinsecamente biológica, derivada de características sexuais primárias e secundárias e determinante à cisgeneridade. Sobre o conceito de mulherismo como uma filosofia política distinta do feminismo protagonizada por mulheres negras, racializadas e periféricas, ver a nota 13. sempre ameaçada: em perigo, em risco, carente de proteção. Além disso, inúmeras ativistas conservadoras da crítica de gênero têm enfaticamente reivindicado falar como mulheres: por exemplo, personalidades populares europeias católicas, como a socióloga alemã "pró-vida" Gabriele Kuby (Kovats; Peto, 2017KOVATS, Eszter; PETO, Andrea. Anti-Gender Discourse in Hungary: A Discourse without a Movement? In: KUHAR, Roman; PATERNOTTE, David (ed.). Anti-Gender Campaigns in Europe: Mobilizing against Equality. Londres, Rowman and Littlefield, 2017, pp.117-32.:117-118), a blogueira italiana escritora de chick-lits3 3 [N.T.] Chick-lit. Gênero literário conhecido no Brasil como "literatura de mulherzinha", popularizado desde a década de 1990 pelo consumo de best-sellers como O diário de Bridget Jones, inaugural do estilo. Ainda que o uso do eufemístico do termo suponha, no interior da crítica literária e cultural, certo tom sarcástico que o relega a um subgênero de ficção, existe uma série de elementos estilísticos e estéticos que reúne nesses livros para mulheres um modo de individualização estrito da mulher moderna, isto é, uma restrição ao que se entende por "coisas de mulher": seus romances, sua vida profissional, familiar e sobretudo a dificuldade de adaptar-se às reivindicações feministas, marcando opções por roteiros heteronormativos de felicidade. A escritora católica Constanza Miriano, citada pelas autoras, teve publicado no Brasil o livro Case e seja submissa (Pius Edições, 2011). Constanza Miriano (Evolvi, 2022EVOLVI, Giulia. The Theory of Hypermediation: Anti-Gender Christian Groups and Digital Religion. Journal of Media and Religion, 21, n. 2, 2022, pp.69-88.) e a teóloga belga e pensadora Marguerite Peeters (Bracke; Dupont; Paternotte, 2017:41). Todas elas apontam o termo gênero como atalho para uma revolução antropológica em andamento que - se não for impedida o mais rápido possível - finalmente apagará todas as diferenças entre sexos, privando as mulheres, em particular, do direito de cumprir seu destino biológico e buscar a felicidade (Garbagnoli, 2017GARBAGNOLI, Sara. Italy as a Lighthouse: The Anti-Gender Protests between the “Anthropological Question” and “National Identity”. In: KUHAR, Roman; PATERNOTTE, David (ed.). Anti-Gender Campaigns in Europe: Mobilizing against Equality. Londres, Rowman and Littlefield, 2017, pp.151-74.:154).

As mobilizações assumidamente feministas e as articulações conservadoras do pensamento crítico do gênero contam, em grande parte, com a habilidade da identificação política e cultural de se endereçar a uma "mulher autêntica", o que consiste em uma identificação de gênero bastante particular. De fato, os movimentos críticos do gênero sustentam amplamente vetores de poder, mulheridade autêntica, vulnerabilidade corporificada e noções individualizantes de felicidade e empoderamento. Por essa razão, até mesmo o estrato destes movimentos que se autointitula conservador não deve ser simplesmente visto como um projeto antifeminista em meio à notória ascensão da extrema-direita em escala global, uma interpretação muito frequente no âmbito acadêmico (Corredor, 2019CORREDOR, Elizabeth. Unpacking "Gender Ideology" and the Global Right's Antigender Countermovement. Signs, 44, n. 3, 2019, pp.613-38.). O objetivo que orienta este dossiê é dar início a uma conversa coletiva sobre o movimento crítico do gênero como um todo, considerando-o uma tentativa vitoriosa de inaugurar algo que - esta é nossa proposta - deve ser indistintamente entendido por feminismo pós-fascista. Em primeiro lugar, procuramos situar aqui a tendência transexcludente de nossa conjuntura política particular, na qual os movimentos, os imaginários e as ideologias fascistas que foram declarados mortos em 1945 parecem ter obtido um tipo de sobrevivência (Eco, 1995ECO, Umberto. Ur-Fascism. New York Review of Books, 22 jun. 1995.). Neste dossiê, para enquadrar essas múltiplas tentativas, prosseguimos o rastreamento da retomada contemporânea de certo tropo transfóbico,4 4 [N.T.] Transphobic tropes. Em retórica, tropo é uma figura de linguagem para definir um termo utilizado em sentido não habitual, uma variação da metáfora que mobiliza clichês. De acordo com o argumento das autoras, a transfobia das feministas transexcludentes consiste em uma estratégia retórica de moldes fascistas que se vale do recurso a uma "mulheridade autêntica", supostamente ameaçada pelas políticas de defesa dos direitos das pessoas trans. O uso intencional desses deslocamentos de sentido, afirmam, tem o objetivo de criar um efeito de pânico moral no interior do debate feminista, afirmando um viés excludente do feminismo liberal branco. como a noção singular e biologicamente determinada de mulheridade. Fazemos isso com base no trabalho crítico desenvolvido durante décadas por mulheres feministas racializadas,5 5 [N.T.] Women of colour. A escolha de tradução por "mulheres racializadas" se deve ao fato da expressão "of colour", além de bastante controversa, ser familiar apenas ao contexto anglófono e pouco pertinente nas discussões sobre raça no Brasil. das mulheres do Terceiro Mundo e pelos feminismos negros que tratam da questão acerca do que o "feminismo" pode acumular em diferentes momentos culturais. Finalmente, nosso argumento é que, neste momento - e à medida que é urgente repensar os limites entre o que imaginamos por movimentos feministas e antifeministas - abdicar à célebre narrativa do feminismo como um bem político incontestável consiste em uma condição sine qua non para qualquer tipo de intervenção política e de crítica transfeminista antifascista.

Entendendo o Feminismo Pós-Fascista: Antigênero e Terf

Este dossiê conta a história de dois projetos políticos que simultaneamente promovem a transfobia e, em particular, a transmisoginia como parte do apelo de retorno a uma "mulheridade autêntica" melancolicamente lamentada e que, por assim dizer, teria sido perdida. O movimento feminista transexcludente (Terf) (Pearce; Erikainen; Vincent, 2020; Hines, 2020HINES, Sally. Sex Wars and (Trans) Gender Panics: Identity and Body Politics in Contemporary UK Feminism. Sociological Review 68, n. 4, 2020, pp. 699-717.) e o chamado movimento antigênero (Bracke; Paternotte, 2016BRACKE, Sarah; PATERNOTTE, David Paternotte. Unpacking the Sin of Gender. Religion and Gender, 6, n. 2, 2016, pp.143-54.; Graff; Kapur; Walters, 2019) raramente são diferenciados por meio de estatutos e objetivos diversos. No entanto, são poucas as vezes em que a abordagem de tais movimentos os põe lado a lado, mesmo que haja múltiplos paralelos entre ambos. O movimento Terf geralmente é descrito como uma mobilização originalmente periférica da cultura feminista anglófona - americana, britânica e australiana - que teve início da década de 1970 e cresceu de maneira exponencial ao longo dos últimos dez anos, em grande parte devido a sua crescente exposição midiática. Na última década, a sigla Terf viajou globalmente pelos espaços online: Terfs de alta visibilidade, como a teórica Sheyla Jeffreys, a jornalista Julie Bindel e a popular escritora J. K. Rowling articularam a marca da transfobia do movimento, alegando que a mulheridade trans consiste em uma invenção patriarcal cuja finalidade seria se infiltrar nos espaços das mulheres e minar a construção do movimento feminista a partir de dentro (Pearce; Erikainen; Vincent, 2020; Hines, 2020HINES, Sally. Sex Wars and (Trans) Gender Panics: Identity and Body Politics in Contemporary UK Feminism. Sociological Review 68, n. 4, 2020, pp. 699-717.). De acordo com esta história, todo tipo de política trans constituiria uma ameaça ao lesbianismo e à mulheridade, o que supostamente resultaria no apagamento radical de seu poder político. O movimento crítico do gênero, por outro lado, desenhou um contraponto aparentemente paranoico que ressoava, em muitos aspectos, a retórica Terf. Este movimento protestava contra a Teoria de gênero, identificada como uma ideologia estadunidense que pretensamente luta pela justiça social quando, na verdade, procura criar um Novo Humano, nem masculino, nem feminino (Bernini, 2018BERNINI, Lorenzo. The “Teoria del Gender” in Italy: A Partisan Essay on a Floating Signifier. Revista psicologia política 18, n. 43, 2018, pp.543-56.). Se essa história soa como uma teoria conspiratória da extrema-direita, isso se deve ao fato de ser uma narrativa bastante familiar, promovida por muito tempo pelos movimentos de direita e seus arautos nas plataformas de mídia, as mais antigas ou as mais recentes. Como explicam Kuhar e Paternotte (2017b), desde o fim da década de 1990 os movimentos de direita autointitulados antigênero têm se organizado, pela Europa e parte da América Latina (Careaga-Pérez, 2016CAREAGA-PÉREZ, Gloria. Moral Panic and Gender Ideology in Latin America. Religion and Gender, 6, n. 2, 2016, pp.251-55.), contra os direitos da população trans e de uma série de projetos políticos queer e feministas, incluindo - para nomear apenas alguns deles - os direitos reprodutivos, as legislações contra a violência de gênero e as iniciativas contra a discriminação LGBTQIA+.

Os movimentos críticos do gênero reempregam com alguma frequência a conhecida oposição da direita populista entre "as elites globais corruptas" e "o povo" (Wodak, 2015WODAK, Ruth. The Politics of Fear: What Right-Wing Populist Discourses Mean. Londres, Sage, 2015.:46) - imaginado, como parte da retórica populista, pelas figuras das "famílias que trabalham duro" e dos "cidadãos de bem" - modificando ligeiramente esta oposição. De acordo com o discurso antigênero, as elites globais corruptas elegeriam, como inimigos das "pessoas comuns", supostos generistas,6 6 [N.T.] Genderism, no original, sem equivalência já estabelecida em português. Optamos por "generismo" e "generistas" considerando que o objetivo do termo é desqualificar as pessoas cujo enquadramento epistemológico se dá a partir do conceito de gênero (gender) e suas ramificações nas formas de segregação entre os corpos tidos como masculinos/femininos, cis/trans, hétero/homossexuais etc. espécie de coletividade vagamente definida a que pertenceriam celebridades e atletas trans com alguma visibilidade; ativistas dos direitos reprodutivos e pelo direito ao aborto; acadêmicos/as dos estudos de mulheres, gênero e sexualidade; assim como organizações supranacionais como a União Europeia7 7 [N.E.] Embora não conste no texto original, consideramos importante destacar duas razões para referir também as Nações Unidas como mais uma instituição diretamente afetada pela política antigênero. Primeiro, porque essa arena foi palco da primeira erupção do ataque ultra conservador ao gênero, nos anos 1990 (Case, 2018; Corrêa, 2018). Mas também por que, passados trinta anos, suas instâncias de direitos humanos, são alvo prioritário das correntes feministas críticas do gênero como informa esse relatório recentemente publicado pelo site All or None <https://allornone.world/2023/05/26/rights-for-me-not-for-thee-how-anti-trans-feminists-took-their-advocacy-to-the-united-nations/>. Último acesso em: 4 jun. 2023. e fundações liberais privadas como a Open Society (Kuhar; Paternotte, 2017b:15). De fato, embora os alvos do movimento antigênero sejam bastantes diversos, a atribuição do termo transgênero a um conjunto amplo de experiências que podem oferecer alternativas aos papéis binários ao gênero e à família heteronormativa consiste, sem dúvida, na principal figuração contra a qual se organizam as coalizões antigênero. Além disso, com a entrada no que se identifica como uma batalha global de ideias, o movimento antigênero se refere e veicula uma multiplicidade de ideologias e teorias frequentemente contraditórias e incompatíveis, retiradas de fontes tão diversas quanto a teologia católica, a antropologia, a etnografia colonial, o antiamericanismo da extrema-direita e o racismo científico, bem como referências descontextualizadas ao pensamento feminista pós-colonial (Graff; Korolczuk, 2018). Neste dossiê temático, Jenny Andrine Madsen Evang8 8 [N.E.] O texto se refere ao artigo de Jenny Andrine Madsen Evang, Is "Gender Ideology" Western Colonialism?: Anti-gender Rhetoric and the Misappropriation of Postcolonial Language ("A 'ideologia de gênero' é um colonialismo ocidental? A retórica antigênero e o mau uso da linguagem pós-colonial"), cujo resumo acrescentamos: "Como é possível questionar e se opor ao recente mau uso do pensamento e da luta pós-coloniais? Atualmente, temos visto o ressurgimento de sentimentos antigênero organizados pela Europa e em todo o mundo. Uma retórica antigênero de vitimização muito específica define os chamados generistas ocidentais como inimigo comum e uma força colonizadora contra "o povo". Enfatizando algumas atuações chave na cena antigênero europeia, este artigo analisa o significado estratégico da afirmação marcadamente antigênero de que o gênero seria uma imposição neocolonial. Além de considerar de que maneira a apropriação do enquadramento pós-colonial feita pelo movimento antigênero europeu é hipócrita - à medida que teóricos antigênero se comprometem com um mito cissexista que talvez seja o mais colonial de todos - o artigo argumenta que seu mau uso revela algo central na base da retórica do imaginário da racialização. Seu argumento reproduz uma hierarquia racializada da plasticidade biológica que situa europeus brancos como, ao mesmo tempo, os salvadores supremos e as vítimas mais vulneráveis do "generismo". Ao escrutinar as políticas com as quais os agentes antigênero europeus usam o mundo "não-ocidental" como artifício teórico para a promoção da supremacia branca, o artigo também mostra o perigo que há em suspender a crítica feminista pós-colonial, no esforço de se distanciar do mau uso antigênero de tal teoria e reunir forças em torno de um front liberal em comum. Em vez disso, o artigo propõe que o pensamento pós-colonial seja mais vital do que nunca, sobretudo se quisermos nos opor aos atuais movimentos antigênero, sua islamofobia e sua transfobia." fornece algumas ferramentas para a interpretação do emaranhado retórico do movimento antigênero, insistindo no fato de que a compreensão de seu funcionamento e o conhecimento da tentativa de apropriação e redefinição das análises feministas pós-coloniais a serviço de um projeto supremacista branco é, hoje, uma tarefa crítica. Para interrogar criticamente a sobreposição entre uma grande variedade de movimentos feministas transexcludentes e o movimento antigênero mais amplo, os artigos deste dossiê expõem múltiplos casos de alianças transfóbicas recentes ou contemporâneas que permaneceram pouco estudados: entre as feministas da segunda onda e o sionismo; Terfs e ateístas grupos online; entre a teoria materialista francesa e o conservadorismo religioso europeu.

Nosso argumento é que os artigos aqui reunidos dão mostras de uma manifestação particular do que Enzo Traverso (2019)TRAVERSO, Enzo. The New Faces of Fascism: Populism and the Far Right. Londres, Verso, 2019. chama de pós-fascismo, um momento de ampla transição cultural e política, aberto e inconsistente no qual os tropos e fragmentos retóricos que ecoam os projetos pré-fascistas de 1945 interseccionam de maneira heterogênea a atual cultura política do neoliberalismo. É possível identificar o modo pelo qual o imaginário fascista e os dispositivos neoliberais interagem no emprego de argumentos cotidianos sobre os direitos trans e o suposto ataque à segurança das mulheres. Pensemos, por exemplo, no argumento transfóbico anteriormente mencionado, segundo o qual as identidades transgênero supostamente constituem um pretexto para a infiltração de "predadores" nos espaços das mulheres. Nesse caso, o discurso crítico do gênero procura sobrepor uma massa homogênea, silenciada e vulnerável de "mulheres reais", a indivíduos patologizados que não são mulheres nem homens autênticos. Importa destacar que tanto a mulheridade trans quanto a cis são aqui entendidas de maneiras altamente ideológicas: a primeira como um exemplo de comportamento individual pervertido e desviado, a segunda como um estatuto ontológico cujo caráter normativo deriva de sua suposta naturalidade. Na Itália fascista e na Alemanha nazista, como bem sabemos, as figuras emaranhadas da perversão, da degenerescência e da crise constituíram mecanismos-chave para as práticas de monitoramento, controle e restrição da dissidência política cotidiana e organizada (Mosse, 1985MOSSE, George. Nationalism and Sexuality: Middle-Class Morality and Sexual Norms in Modern Europe. Madison, University of Wisconsin Press, 1985.; Benadusi, 2012BENADUSI, Lorenzo. The Enemy of the New Man: Homosexuality in Fascist Italy. Madison, University of Wisconsin Press, 2012.). De acordo com Chang (2015)CHANG, Natasha. The Crisis-Woman: Body Politics and the Modern Woman in Fascist Italy. Toronto, University of Toronto Press, 2015., foi na Itália fascista, em especial, que emergiu, em dispositivos alarmistas, a figura coerente da mulher-crise,9 9 [N.T.] Crisis-woman. Havia outras opções de tradução, como "mulher-na-crise" ou "mulher-da-crise". A escolha por "mulher-crise", no entanto, dispensa de modo deliberado o recurso à preposição para enfatizar o surgimento de uma figura política que representa, de maneira fundamental, uma estratégia subjetiva inerente ao projeto político fascista europeu - nesse caso, em especial, referido à Itália de Mussolini, mas que era também inerente à Alemanha das décadas de 1920 e 1930. A figura da "donna-crisi", estudada por Chang no livro citado, trata da propaganda fascista da mulher moderna italiana, "caricatura política" que representa, de acordo com a tese da autora, uma espécie de crise de inteligibilidade própria ao feminismo do século XX. modo de transformação das narrativas feministas amplamente consumidas sobre "nova mulher" euro-americana; estes dispositivos tinham o objetivo de fazer com que estas mulheres se conformassem a feminilidades sancionadas por aquilo que o Estado considerava natural, sobretudo a figura fascista da mãe e da dona de casa. A mulher-crise consistia em algo como uma etapa na degeneração da sociedade moderna e, particularmente, dos seus papeis de gênero cada vez mais andróginos, representando uma ameaça ao sistema binário de gênero e ao futuro da reprodução heteronormativa.

Pode ser que, na transfobia contemporânea vigente, estejamos assistindo ao ressurgimento pós-fascista da mulher-crise em meio às representações da transmulheridade como um espaço de perigo ameaçador e de risco individualizado. Com efeito, no interior disso a que nos referimos como uma argumentação transexcludente amplamente ensaiada, a angústia pós-fascista de que a degenerescência espreita a cada esquina, sempre adjacente à normalidade de maneira desconfortável e insegura (e, portanto, sempre prestes a corromper, infectar ou sabotar essa normalidade), se associa a uma sensibilidade tipicamente neoliberal que enquadra as questões sociais - como a violência de gênero - como risco individual produzido em meio a um clima cultural de insegurança difusa. No entanto, não temos a intenção de apresentar as alianças que emergem das análises que integram este dossiê - supostos antagonistas ideológicos que formam coletivamente novos imaginários transexcludentes para o século XXI - como uma espécie de desenvolvimento histórico único que demonstraria uma tendência moderna tardia e específica na qual se modificam, hibridizam e se adaptam até mesmo as ideologias que, à maneira do fascismo, estão centradas na fixidez, uniformidade e homogeneidade. Nosso pensamento, ao contrário, está em dívida com a visão pioneira de Ernst Bloch ([1935] 1977), para quem o fascismo entrou na arena política, antes de tudo, como uma "poderosa síntese cultural" de uma variedade de formações conservadoras, liberais e até mesmo progressistas. Tratam-se das mesmas "surpresas heterogêneas" que, hoje, nos forçam a perseguir o vínculo sincrético entre a "mulher-crise" fascista e a mulher "em risco" do neoliberalismo (Banet-Weiser, 2015BANET-WEISER, Sarah. “Confidence You Can Carry!”: Girls in Crisis and the Market for Girls Empowerment Organizations. Continuum 29, n. 2, 2015, pp.182-93.) e inclusive, como argumentamos, às particulares variações do feminismo liberal.

O tipo de feminismo pós-fascista que examinamos aqui, mesmo fazendo uma série de concessões ao feminismo liberal (e mergulhado como ele em ambivalências e contradições), promove explicitamente a renaturalização da ordem sexual heteronormativa e da divisão sexual do trabalho entre homens e mulheres (Garbagnoli, 2016GARBAGNOLI, Sara. Against the Heresy of Immanence: Vatican's "Gender" as a New Rhetorical Device against the Denaturalization of the Sexual Order. Religion and Gender, 6, n. 2, 2016, pp.187-204. [Trad. esp.: GARBAGNOLI, Sara; BRACKE, Sara; PATERNOTTE, David. Contra la herejía de la inmanencia: el "género" según el Vaticano como nuevo recurso retórico contra la desnaturalización del orden sexual. Habemus Género, p. 54-80, 2018.]:190). De maneira significativa e previsível, as formações nacionais e raciais são tecidas por meio das mesmas construções normativas de sexo e gênero que o movimento antigênero se vê defendendo. Ao lado de sua tônica antissemita, por exemplo, a principal acusação antigênero de que a ideologia de gênero consiste em mais um "programa mundial" desencadeado pelas "elites globais" sobre as "famílias normais" codifica as angústias e medos acerca do declínio demográfico e etnográfico (Kuhar; Paternotte, 2018KUHAR, Roman; PATERNOTTE, David. "Disentangling and Locating the 'Global Right': Anti-Gender Campaigns in Europe". Politics and Governance, 6, n. 3, 2018, pp.6-19.). Da mesma forma, o apelo à cidadania como resistência à tradução, para as línguas europeias, de uma teoria moral suspeita, torna particularmente implícitas as referências a um tropo colonial desgastado da Europa como "porta-estandarte da civilização" (Kuhar; Paternotte, 2017a:268).10 10 [N.T.] Judith Butler traça uma breve história do conceito de "gender", tal qual formulado nos EUA, e as resistências ao seu uso em outros contextos linguísticos. "Parte da resistência à entrada do termo 'gender' em contextos não anglófonos surge de uma resistência anterior ao inglês ou, de fato, apoiada na sintaxe de uma língua na qual as questões de gênero são resolvidas através de inflexões verbais ou de uma referência implícita", resume Butler, cujo artigo serve de guia para a compreensão de argumentos contrários a "gender" como conceito importado de uma realidade estadunidense e imperialista. IN: BUTLER, J. "Gênero em tradução: além do monolinguismo". Trad. Fernanda Miguens e Carla Rodrigues. Cadernos De Ética E Filosofia Política, 39(2), 364-387. https://doi.org/10.11606/issn.1517-0128.v39i2p364-387. Se, como sugeriu Finchelstein (2019FINCHELSTEIN, Federico. From Fascism to Populism in History. Oakland, University of California Press, 2019.:97), os atuais movimentos de ultra-direita que se inserem nos contextos nacionais democráticos estão, de fato, comprometidos com uma "tentativa pós-fascista de redefinir a teoria democrática", o movimento antigênero mostra que tal redefinição se dá por meio da transformação de uma série de termos que incluem gênero, sexualidade, nação, raça, mulher e, sobretudo, transgênero. Em suas múltiplas referências ao feminismo liberal, ao conservadorismo religioso, ao colonialismo, ao imaginário histórico fascista e até mesmo à versão reapropriada e reconfigurada da teoria feminista pós-colonial, os movimentos críticos do gênero exigem que dediquemos atenção à exclusão trans como um complexo palimpsesto, evitando sua redução à uma marca facilmente descartável do pensamento reacionário.

Um feminismo pós-fascista dos 99%?

Para afastar qualquer sombra de dúvida, à medida que apresentamos aqui os discursos antigênero e transexcludentes do século XXI como grandes palimpsestos sincréticos, embora distintamente pós-fascistas, não acreditamos que seja útil entrar numa espécie de jogo de "quem, entre Terfs e ativistas antigênero, é o fascista do momento presente?". Como lembram Bray et. al. (2020:3), o "pós" do "pós-fascismo" de Traverso não deve ser compreendido temporalmente (como uma consequência direta do fascismo histórico), nem como a negação de qualquer tipo de quadro histórico mundial, mas como esboço do potencial fascista arraigado no presente supostamente democrático. Assim, partindo dos trabalhos sobre o tempo pós-fascista em que vivemos, este dossiê questiona que aspectos da teoria e pensamento feministas podem participar ou pactuar com projetos que, em última instância, incentivam uma hegemonia cultural de direita, difundindo e reforçando o potencial fascista no interior do imaginário de gênero, mesmo quando o identificamos como feminista. De fato, a politização da crítica de gênero como uma mulheridade verdadeira, ameaçada pela política trans, não guarda apenas uma coerência genealógica com múltiplos tropos de pânico moral e resiliência fascista, mas também com as exclusões perpetradas, durante muito tempo, pelo feminismo branco, liberal e burguês em relação às hierarquias de classe e raça. Os artigos que integram este dossiê nos convidam a repensar coletivamente a distinção entre os projetos feministas antitrans e os movimentos que são antifeministas e antitrans, para que possamos redefinir a transexclusão de maneira persuasiva e qualificada.

O processo de redefinição do gênero como política pós-fascista envolve uma variedade de agentes sociais: de grupos parentais a organizações de juventude neofascistas, de intelectuais católicos a editores da extrema-direita a ativistas pró-vida, de personalidades do infoentretenimento a criadores de conteúdo da internet e lideranças políticas. Como argumenta Mickey Elster, os atuais proponentes da transexclusão são mais propensos a utilizar aquilo que chama de "preocupação insidiosa", em vez de uma acusação moral direta sobre a transgeneridade. Na verdade, a teoria antigênero não se preocupou de partida em se representar como uma reação aos avanços sociais feministas e queer; sua tentativa foi de, em vez disso, estabelecer tais avanços como uma espécie de laboratório conceitual alternativo. No fim da década de 1990, por exemplo, o padre e psicanalista francês Tony Anatrella publicou La différence interdite: Sexualité, éducation, violence trente ans après Mai 68 (1998). Nesse livro, Anatrella argumentava que as mesmas sociedades ocidentais que entusiasticamente "celebravam a diversidade" em todas as suas formas travavam uma guerra cultural contra as diferenças físicas, psicológicas e ontológicas entre homens e mulheres (Stambolis-Ruhstorfer e Tricou, 2017STAMBOLIS-RUHSTORFER, Michael; TRICOU, Josselin. Resisting “Gender Theory” in France: A Fulcrum for Religious Action in a Secular Society. In: KUHAR, Roman; PATERNOTTE, David (ed.). Anti-Gender Campaigns in Europe: Mobilizing against Equality. Londres, Rowman and Littlefield, 2017, pp.79-98.:84). De acordo com a narrativa de Anatrella - que, por acaso, é surpreendentemente semelhante aos argumentos levantados pelas criadoras de conteúdo da extrema-direita ativas em espaços online do supremacismo branco (Tebaldi, 2021) - as instituições seculares e o mercado compreendem a diferença sexual como um impedimento para o progresso econômico, e, como ele segue argumentando, as mulheres pagam o preço mais alto dessa dupla reestruturação econômica e antropológica. O que se articula, aqui, é um anticapitalismo distintivamente de direita, que define as mulheres cis-heteronormativas como perdedoras finais da modernização e, por fim, a potencial vanguarda de resistência contra esse processo.

Nas múltiplas iterações nacionais dos movimentos críticos do gênero que surgem para além do mundo anglófono, o termo gender [gênero] é mantido em inglês e apresentado como intraduzível (Kuhar e Paternotte, 2017b:14). Nossa interpretação, como explicaremos, é de que esta é mais uma estratégia distintamente pós-fascista que, ao enquadrar a teoria de gênero como um conhecimento importado, um tipo suspeito de "moda", a vincula ao afeto do medo da contaminação estrangeira. Na Alemanha, por exemplo, o slogan "Geisteskrankheit namens Gendermainstreaming" ("uma doença mental chamada 'Gendermainstreaming'"), - lançado em 2014 pelo grupo de extrema-direita declaradamente islamofóbico Patriotische Europäer gegen die Islamisierung des Abendlandes (Patriotas europeus contra a islamização do Ocidente) (Haller e Holt, 2019HALLER, André; HOLT, Kristoffer. Paradoxical Populism: How PEGIDA Relates to Mainstream and Alternative Media. Information, Communication, and Society 22, n. 12, 2019.:1677) - reapareceu em jornais, revistas e programas de televisão amplamente respeitados em decorrência da crescente circulação de chavões e discussões levantados pela mídia antigênero (von Redecker, 2016VON REDECKER, Eva. Anti-Genderismus and Right-Wing Hegemony. Radical Philosophy, n. 198, 2016, pp.2-7.). Embora os falantes não anglófonos não pudessem atribuir um significado preciso ao termo Gendermainstreaming, eles estavam suficientemente familiarizados com o inglês como idioma de uma cultura popular global, de modo que o termo suscitava uma interpretação e uma resposta emocionais. O ativismo antigênero, assim, não reproduz simplesmente palavras como gender para línguas além do inglês. Este ativismo retira a terminologia de seu contexto e procura recontextualizá-la no interior de uma proposta cultural e afetiva da direita para exercer seu poder de maneira produtiva, e não simplesmente reativa ou repressiva. De modo semelhante às montagens das figuras fascistas e neoliberais que descrevemos, a suposta intraduzibilidade de gender é um conhecido dispositivo retórico fascista: recusa a possibilidade de que um conceito em particular possa ser hibridizado e reformulado no interior das línguas nacionais para além do inglês o que, implicitamente, se articula a visão de um mundo composto de nações protecionistas, linguística e culturalmente uniformes, soberanas, que não podem se ajoelhar ou assimilar teorias "estrangeiras" imputadas sobre a experiência humana. O movimento antigênero formou para si mesmo a imagem de um combate contra o tráfico global, pelo feminismo, do significado de gênero e corpo mas, apesar disso, conseguiu traduzir, popularizar e, fundamentalmente, reenquadrar no debate público os termos sexo e gênero, estabelecidos como categorias epistemológicas há muito tempo. De fato, como buscamos demonstrar, o próprio ativismo antigênero funciona como um processo de tradução em larga escala no qual contra-teorias e conceitos particulares são formulados e postos em circulação. Esses novos conceitos, por sua vez, podem ser descritos como articulação daquilo que chamamos de "o feminismo pós-fascista dos 99%".

No início dos anos 2000, o Pontifício Conselho para a Família publicou o volume Lexicon: Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas - um dicionário que trazia à tona as "novas formas de manipulação" ocultas por trás de termos aparentemente inocentes como homofobia, saúde reprodutiva, pró-escolha, discriminação e gênero, em uma entrada intitulada "Uma Ideologia de Gênero: Perigos e Escopo" (Garbagnoli, 2017GARBAGNOLI, Sara. Italy as a Lighthouse: The Anti-Gender Protests between the “Anthropological Question” and “National Identity”. In: KUHAR, Roman; PATERNOTTE, David (ed.). Anti-Gender Campaigns in Europe: Mobilizing against Equality. Londres, Rowman and Littlefield, 2017, pp.151-74.:153). O Lexicon inaugurava oficialmente o que o Pontifício Conselho para a Família chamava de "uma batalha semântica". A metáfora de uma luta sobre o significado implicava, de maneira poderosa, que, para o Vaticano, vencer esta guerra de posicionamento poderia contribuir em especial para a redefinição de algumas das terminologias básicas que regulam a cidadania e o pertencimento em contextos democráticos, assegurando, ao mesmo tempo, o sistema binário de gênero em uma tentativa declarada de posicionar-se a favor das mulheres cis - aqui entendidas como uma população monolítica e biologicamente sobredeterminada - contra o suposto ataque a sua própria natureza contido no termo gênero (Garbagnoli, 2016GARBAGNOLI, Sara. Against the Heresy of Immanence: Vatican's "Gender" as a New Rhetorical Device against the Denaturalization of the Sexual Order. Religion and Gender, 6, n. 2, 2016, pp.187-204. [Trad. esp.: GARBAGNOLI, Sara; BRACKE, Sara; PATERNOTTE, David. Contra la herejía de la inmanencia: el "género" según el Vaticano como nuevo recurso retórico contra la desnaturalización del orden sexual. Habemus Género, p. 54-80, 2018.]; Case, 2016CASE, Mary Ann. The Role of the Popes in the Invention of Complementarity and the Vatican's Anathematization of Gender. Religion and Gender, 6, n. 2, 2016, pp.155-72. [Trad. esp.: CASE, Mary Anne. El rol de los Papas en la invención de la complementariedad y la anatematización del género desde el Vaticano. Habemus género, p. 26-53, 2018.]). Sugerimos que este posicionamento político e ideológico - quando interpretado a partir da história do pensamento crítico do gênero e de suas múltiplas e recentes manifestações - pode ser concebido como um modo de promoção do feminismo pós-fascista dos 99%, à medida que a atuação crítica de gênero invoca, de forma consistente, uma massa lesada definida por sua condição de gênero ontologicamente identificada. Mais importante, as imaginadas 99% de mulheres oprimidas pelas elites generistas corruptas estão completamente alijadas das conotações classificadas por outros tipos de feminismos de mobilização de massa - principalmente, o feminismo socialista.11 11 [N.T.] Aqui, entendemos que esses 99% se referem ao "Feminismo para os 99%: Um manifesto", de Nancy Fraser, Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya. Tradução brasileira de Heci Regina Candiani para Boitempo (2019).

Aqui, de fato, a solidariedade da classe trabalhadora feminista parece ter sido substituída pela ideia de que, na verdade, o que deveria reunir as mulheres seria uma autodefinição compartilhada de sujeitos biologicamente sobredeterminados e autenticamente generificados - em outras palavras, "mulheres reais". Esta variação pós-fascista de um feminismo dos 99% é, sem dúvida, problematicamente essencialista e altamente paternalista mas, como veremos na próxima seção, não deve, com efeito, ser entendida como menos feminista por isso, à medida que está perfeitamente alinhada a certa genealogia anglo-americana do feminismo liberal.

A natureza do feminismo

Se as políticas transexcludentes de diversos tipos - que abrange uma retórica generalizada de vozes supostamente preocupadas com o bem-estar de pessoas que podem ser referidas como "mulheres" - foram facilmente articuladas no interior de movimentos de direita, isso não figura, de toda forma, um fenômeno necessariamente novo ou recente.12 12 As feministas negras têm criticado a hegemonia de classe e raça inerente à categoria universal de mulher desde o século XIX. Para uma discussão acerca desta tradição teórica, ver Carby (1987). Para uma abordagem bastante recente da questão do feminismo branco e de suas exclusões raciais, ver Zakaria (2021). Por que, então, este fenômeno tem chamado atenção da comunidade acadêmica ao longo da última década?

Parte do problema - não todo o problema, certamente, mas parte dele - talvez tenha sido levado em conta na última década, pelo menos nos Estados Unidos, à medida que as feministas mainstream foram confrontadas por uma mudança de paradigma sobre o caráter ambivalente de sua política e seu ativismo, mesmo que este questionamento tenha sido feito desde antes sem que fosse plenamente absorvido. Isso não significa afirmar, evidentemente, que as muitas maneiras do pensamento sobre o gênero que pairaram sobre o termo feminismo nos 150 anos passados não guardem, cada uma, suas críticas. De fato, o crescimento do feminismo liberal nos Estados Unidos - talvez corporificado, de forma mais óbvia, pelo sufragismo feminino, que se estendeu dos meados do século XIX ao ano de 1919 - sem dúvida corresponde e é contemporâneo às primeiras críticas dirigidas ao movimento feminista por mulheres negras (entre outras), reconhecendo imediatamente que aquelas prerrogativas liberais não significariam nada às mulheres e homens negros que ainda viviam sob as condições da escravização e sob a constante ameaça da violência supremacista branca.13 13 Cabe observar que a convenção de 1848 se deu em uma época na qual a escravidão era legalizada na maior parte dos estados e consistia em uma condição estruturante à produção doméstica estadunidense, como também ao seu cenário econômico mais amplo. A tradição da crítica ao feminismo liberal que, à época, coincidia com aquilo que chamavam de "feminismo branco", sempre forneceu um relato evidente do valor de uso dos fins da supremacia branca, em parte devido ao que o feminismo branco compartilha com o próprio liberalismo.14 14 Os movimentos feministas de mulheres negras, racializadas e periféricas tentaram, ainda que de formas diferentes, identificar e corrigir os fundamentos de muitos feminismos estadunidenses. Algumas das pensadoras centrais a estes movimentos também identificaram o feminismo como inseparável à tradição liberal, sugerindo enquadramentos teóricos a respeito da justiça de gênero que não eram feminismos; o mulherismo, por exemplo, se diferencia para algumas pensadoras como uma filosofia política distinta do feminismo (ver Collins, 1996). Nos últimos cinco anos, foram publicados muitos artigos que questionam a relação entre mulherismo e feminismo, que interrogavam, em especial, se o mulherismo consistiria numa espécie de feminismo ou se, efetivamente, o mulherismo seria uma abordagem política da racialização de gênero distinta. A esse respeito, ver Bowen (2021). Tais críticas raramente questionam de que modo o feminismo é, nele mesmo, o problema, enfatizando, em vez disso, a questão de como fazer o feminismo melhor: mais antirracista, mais comprometido com as injustiças localizadas e menos hegemônico. Nossa preocupação é, justamente, acerca desse projeto de tornar o feminismo melhor; tal projeto obliterou uma série de perguntas sérias - mas absolutamente críticas - sobre aquilo que entendemos como o feminismo em si.

O feminismo não é, evidentemente, uma coisa. Existem infinitas variações de ativismo, teoria, política e práxis feministas. As críticas, por exemplo, ao feminismo liberal não comportam necessariamente as mesmas críticas aos muitos materialismos feministas (embora as feministas materialistas tenham, elas mesmas, feito suas próprias críticas).15 15 Para indicar apenas um exemplo de crítica do marxismo e feminismo materialista, ver MacKinnon (1989). O feminismo tem muitas histórias e, esperamos, muitos futuros. Reconhecer que o feminismo é uma palavra que se refere a uma multiplicidade de táticas políticas, enquadramentos e histórias é também um ponto de partida crítico para o desenvolvimento de uma compreensão nuançada e notadamente desromantizada do que o movimento pode significar e, de fato, significa agora. Não há qualquer sentido estável que se possa atribuir ao termo política feminista. Na medida em que isso consiste numa constatação óbvia para qualquer pessoa que tenha dispendido o menor tempo possível pensando a respeito do feminismo e de suas contendas, de algum modo a natureza autoevidente desta ideia não foi, pelo menos para nós, suficientemente absorvida no interior dos feminismos transexcludentes, dos feminismos críticos do gênero ou de outras variações do pensamento feminista que poderiam ser genericamente caracterizados pela permanente preocupação de refutar a mulheridade das mulheres trans e contestar a legitimidade da experiência trans como um todo. As críticas a respeito do modo com que o feminismo, hoje e no passado, foi mobilizado a serviço de uma ampla variedade de fins perniciosos e antiliberais não conseguiram atingir o entendimento adequado de seu caráter ambivalente e duradouro.

Recebemos muitas propostas para este dossiê cujo argumento era o seguinte: "Os feminismos transexcludentes e as teorias de crítica de gênero não são, efetivamente, feminismo. Na verdade, eles são X". Não pretendemos, com esta afirmação, desqualificar as autoras e autores desses artigos que, de alguma forma, buscam se engajar de maneira cuidadosa com os feminismos transexcludentes. Mas o número de artigos que usava esse argumento ilustra, para nós, um problema, a saber: há ainda um senso comum persistente, especialmente nos meios acadêmicos estadunidenses brancos e os demais meios acadêmicos do norte global, de que o feminismo consiste em um bem político incontestável que, mesmo precisando de alguns ajustes, precisa ser salvo dos supostos maus atores feministas que, sem legitimidade, falam em seu nome. Essa posição se baseia na crença em algo como uma política reformista a qual, por sua vez, pode ser imputada a todas as formas previsíveis de projetos de reforma em geral, e constitui, nomeadamente, uma inabilidade (ou a falta de vontade) de enxergar os problemas inerentes à estrutura em si mesma, escolhendo, em vez disso, consertar as manifestações menores de questões mais profundas.

Acreditamos na existência de situações para as quais as reformas possam ser estratégicas, e tais reformas só podem ser estratégicas se abarcarem um entendimento mais claro de problemas maiores. Dizendo de outra maneira, este dossiê se organiza em torno da noção de que os feminismos transexcludentes, os feminismos críticos do gênero e todas as demais problemáticas feministas - se ousarmos usar um tema tão inócuo, que tais teorias absolutamente não merecem - são, de fato, reiterações do feminismo. Aquilo que em 1848 a Convenção de Seneca Falls identificou como um conjunto de prioridades para as mulheres que, em sua maioria, não respondiam à condição de negras e nativas, não deixa de constituir um esforço feminista. As feministas supremacistas brancas - pense em Charlotte Perkins Gilman, Margaret Sanger e muitas feministas que se reconheciam como tais e defendiam, entre outras ideias, a eugenia racial - são feministas. Feminismos imperialistas - pense no intervencionismo global feminista, as histórias de "feministas procurando salvar... mulheres de pele escura de homens de pele escura", como Lila Abu-Lughod (1998ABU-LUGHOD, Lila. Remaking Women: Feminism and Modernity in the Middle East. Princeton, NJ, Princeton University Press, 1998.:14) disse uma vez, em referência a Gayatri Chakravarty Spivak -16 16 [N.T.] As autoras fazem, aqui, referência à menção de Abu-Lughod ao texto de Spivak "[...] homens brancos, procurando salvar mulheres de pele escura de homens de pele escura, impõem sobre essas mulheres uma constrição ideológica [...]". In: Pode o subalterno falar?, tradução brasileira de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010:115. são feministas. A sugestão de que os feminismos transexcludentes e antigênero são, de alguma forma, os primeiros movimentos que se autointitulam feministas à medida que trabalham contra os fins da libertação de gênero, mas não são feministas, paira sobre a história muito real e muito complicada do feminismo pelo mundo todo. O presente dossiê, portanto, é derivado da suposição de que os feminismos transexcludentes e antigênero são feminismos e exigem uma historicização cuidadosa, uma análise e contextualização das formações recentes (embora nada novas) do feminismo que conquistou uma força aterrorizante ao longo dos últimos cinquenta anos.

Mas por que se ater a essa questão que talvez pareça, em si, meramente semântica? Bem, existem algumas razões para isso, e porque as consideramos relevantes, vamos elaborá-las. Em primeiro lugar, insistir na ideia de que o feminismo não pode acomodar políticas opressivas quer dizer se comprometer com um tipo de revisionismo histórico e de presente recusa da realidade que sustentam uma vontade de ignorar e, até mesmo, se reconciliar com o dano feito em nome do feminismo. Se quisermos desenvolver um feminismo crítico e justo, útil para a luta contra as opressões de gênero de todo tipo, o primeiro passo para fazê-lo consiste em, necessariamente, lançar um olhar amplo e estrito sobre as muitas formas como antes os feminismos fracassaram na luta por justiça.

Em segundo lugar, e de forma correlata, o impulso de compreender o feminismo como um bem político incontestável é uma forma política da pureza que - para além do clichê, presente em nosso momento atual, no quadro da esquerda branca - se recusa a enfrentar o grave problema da ambivalência.17 17 Sobre a política da pureza, ver Shotwell (2016). No plano individual ou altamente situado, uma política da pureza compreende o dano como extensão da própria identidade - seja este dano intencional, deliberado, imprudente ou negligente, para invocar um dos princípios lógicos do código penal estadunidense, grande aliado do feminismo mainstream. Causar dano quer dizer ser mau. Isto é, evidentemente, um mal tomado como condição para viver no mundo com outras pessoas; cada um/a de nós irá ferir, cada um/a de nós será ferido/a pelo/a outro/a. Mas aquilo a que nos referimos como uma política da pureza insiste no vínculo entre identidade e ação, que, por sua vez, torna a responsabilidade praticamente impossível. Nesse enquadramento, no qual o reconhecimento de que uma pessoa causou danos significa que aquela é uma má pessoa, é difícil dar conta do dano causado pelo outro porque isso não supõe a aceitação de uma má ação, e sim de uma má identidade. O mesmo princípio, pensamos, pode ser abstraído em uma compreensão do que é a lógica da pureza em larga escala: se se entende o feminismo pela atribuição de um caráter unificado, tão amplo quanto sua positividade imperfeita, todo tipo de contenda feminista elaborada a partir dos muitos danos perpetrados em seu nome se torna um ataque ao feminismo como um todo, e não àquilo que o uso do movimento anuncia ou encena. Prestar contas, de maneira cuidadosa, das promessas e do que pode ser imputável a qualquer conjunto de políticas parece ser um meio promissor de engajar-se com a complexidade do mundo que nos cerca.

Por fim, nossa atenção se volta à real cumplicidade entre o flagrante fascismo feminista, com o intuito de estabelecer critérios históricos e contextuais para a discussão de um movimento cuja conquista de uma força intimidadora cresceu na última década. Os feminismos transexcludentes - em sua multiplicidade e reiterações intempestivas - representam uma onda crescente do conservadorismo feminista, um movimento inflacionado e promovido por suas e seus proponentes como análogo ao feminismo dos 99%, mas a partir de uma distintiva perspectiva da ultra-direita. Trata-se de um movimento - de fato, um feminismo - que aponta à existência, e mesmo à apoteose, de uma coalização duradoura no contexto do imaginário que a extrema-direita tem construído ao longo de décadas. O fato de que algumas feministas pareçam relutar em reconhecê-lo como tal aponta à necessidade de vocabulários aprimorados e mais amplamente acessíveis, mais enquadramentos e análises de como fazer a radiografia da polivalente fortuna política feminista do século XXI.

As condições econômicas estruturais sob as quais atualmente vivemos - determinadas pelo neoliberalismo - exigem, igualmente, uma incrível surdez diante da ambivalência e da complexidade. De fato, como Inderpal Grewal, Lisa Duggan, Nancy Fraser, Michelle Murphy, Rahila Gupta e muitas outras autoras argumentaram, uma das táticas mais perniciosas do processo econômico neoliberal - o esforço em converter ativismo em lucro, ideias em marcas e movimentos em mercado - foi tagarelar e, inclusive, absorver os enquadramentos feministas em meio à produção de capital.18 18 A respeito da cooptação da política de libertação como estratégia econômica neoliberal, ver, entre outros, Duggan (2004), Frase, (2009); Gupta (2012); Murphy (2017) e Rottenberg (2018). Uma das cunhagens daquilo que chamamos o estilo da economia neoliberal é, precisamente, sua ênfase na flexibilidade, que se manifesta, por vezes, em uma incrível capacidade de absorção, uma tendência a tomar a forma do conteúdo político que preenche. Esse estilo pode moldar o capitalismo no feminismo, por exemplo - pensemos no feminismo Lean In de Sheryl Sandberg e observemos, também, como bell hooks (2013)hooks, bell. Dig Deep: Beyond Lean In. Feminist Wire, 28 out 2013 [ https://thefeministwire.com/2013/10/17973/ - acesso em: 3 abr. 2023].
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argumentou que se escorar no feminismo não é feminismo, mas um "falso feminismo" - ou apresentemos uma companhia que emprega contratos independentes com o fim de minar muitas décadas de trabalho organizado por taxistas como único meio de transporte seguro para a população trans.19 19 Na ocasião do quinquagésimo aniversário da Revolta de Stonewall, a Uber promoveu uma campanha publicitária em Nova York que reuniu artistas, ativistas e personalidades trans em torno do slogan "Direito de ir e vir", descrito pela empresa nos seguintes termos: "A Uber acredita que todas as pessoas têm o direito de ir e vir de forma livre, segura e sem medo. Não só em junho, mas durante o ano inteiro, todos têm um direito para se orgulhar. Neste ano, nos comprometemos em contribuir com o empoderamento de uma experiência melhor para nossa comunidade LGBTQIA+ e, principalmente, a comunidade trans. Isso cabe a todos, e começamos por nós mesmos". A segurança e a mobilidade consistem em pautas centrais e inquestionáveis para grande parte, se não a maioria, da população trans. Contudo, no fim das contas, a Uber apenas promoveu estas pautas como meio de renovação da própria marca, capitalizando o interesse direcionado à política e à população trans no contexto da celebração da Revolta de Stonewall em Nova York como uma oportunidade para lucrar com a indústria do turismo. A empresa tem sido alvo de uma série de denúncias feitas por motoristas trans e não binários - esforçando em classificá-los como "associados independentes", e com os quais estabelece um vínculo mínimo de segurança trabalhista, impedindo sua sindicalização - que alegam que a Uber emprega práticas trabalhistas que discriminam pessoas trans e não-binárias. A respeito das críticas dirigidas à Uber por trabalhadores vinculados e candidatos da plataforma, ver Hussain (2022]0. Sobre a campanha "Direito de ir e vir", ver Uber n.d. Isso quer dizer, simplesmente, que negar o caráter ambivalente do feminismo, neste momento em particular, implica em dar voz a uma vontade bastante perigosa que ignora como o feminismo, em especial, foi tão bem-sucedido à custa do racismo, da exploração financeira, da mão-de-obra e do imperialismo, para nomear apenas alguns de seus danos - e, evidentemente, da transfobia e da transmisoginia.

Temos, portanto, a sorte de ter um texto em nosso dossiê - uma composição eclética de curtas meditações sobre o mesmo tema do dossiê como um todo - de Sophie Lewis e Asa Seresin,20 20 [N.E.] O texto se refere ao artigo de Sophie Lewis; Asa Seresin - Fascist Feminism: A Dialogue ("Feminismo fascista: um diálogo"), cujo resumo acrescentamos: "As críticas ao feminismo radical transexcludente muitas vezes tomam a forma de um apelo para tirar das Terfs o título de feministas. Frequentemente se afirma que o feminismo radical não seria um "feminismo de verdade" e, no mesmo sentido, argumenta-se que as expoentes lésbicas da transmisoginia não constituem uma parte "verdadeira" da história queer. Asa Seresin e Sophie Lewis - ambas autoras imigrantes da "terra das Terfs" [i.e., Inglaterra], vivendo nos Estados Unidos - promovem aqui uma abordagem diferente. Neste diálogo crítico, sugerem que, se há feministas patriarcais e lésbicas implicadas na branquitude, algumas feministas queer devem se sentir à vontade em situar outras feministas - inclusive queer - como suas inimigas. Por meio de referências aos arquivos das divisões minoritárias do movimento sufragista lésbico inglês do início do século XX e, igualmente, do separatismo lésbico da década de 1970 nos Estados Unidos (aos quais o movimento "crítico do gênero" contemporâneo é atribuído como herdeiro), esta discussão se direciona à temática fascista inerente ao passado e ao presente do feminismo anglófono, como a sacralização da fertilidade cisfeminina e do homoerotismo. E se, historicamente, certos feminismos não apenas pactuaram com projetos de supremacia branca, mas de fato constituíram o próprio fascismo? Como deixar de negar a possibilidade de que os feministas sejam fascistas pode neste momento, efetivamente, fortalecer o transfeminismo antifascista?" que, no artigo "Fascist Feminism: A Dialogue", fizeram exatamente o trabalho aqui pedido ao contextualizar ligações infelizes, muito embora reais, entre fascismo e feminismo, suas promessas e fracassos. Ao fazê-lo, elas promovem uma conversa particularmente frutífera, ao longo dos últimos anos, entre o valor de uso do feminismo crítico do gênero, as críticas à "ideologia de gênero", o generismo e o feminismo transexcludente em prol do fascismo. Como Judith Butler argumentou no artigo publicado em outubro de 2021 no jornal The Guardian,

Os movimentos antigênero não são apenas tendências reacionárias, mas fascistas, do tipo que cada vez mais apoiam governos autoritários. A inconsistência de seus argumentos e seu uso igualmente oportunista de estratégias retóricas a respeito da esquerda e da direita produzem um discurso bastante confuso para algumas pessoas, assim como um discurso convincente para outras. São, no entanto, movimentos tipicamente fascistas que torcem a racionalidade para que ela se adeque às reivindicações hipernacionalistas [...] O movimento antigênero não é um posicionamento conservador com um conjunto claro de princípios. Não, como tendência fascista, este movimento mobiliza uma variedade de estratégias retóricas derivadas do espectro político para maximizar o medo da infiltração e da destruição que surgiriam em um conjunto diverso de forças econômicas e sociais. O movimento antigênero não luta pela consistência, porque a incoerência é parte de seu poder.21 21 Butler continua, "Nesta célebre enumeração acerca dos elementos do fascismo, escreve Umberto Eco, 'o jogo fascista pode se manifestar de muitas formas', porque o fascismo é 'uma colagem, uma colmeia de contradições'. Essa descrição, de fato, corresponde à atual política antigênero. Trata-se de uma incitação reacionária, um apanhado incendiário de reivindicações e acusações incoerentes. Servem-se da própria instabilidade que procuram combater, de modo que seu discurso oferece como resposta um caos ainda maior. Por meio de uma série de reivindicações inconsistentes e hiperbólicas, tramam um mundo de ameaças múltiplas e iminentes, defendendo a necessidade de censura e leis autoritárias. Esta forma de fascismo manifesta instabilidade mesmo quando procura afastar a 'instabilidade' da ordem social trazida pelas políticas progressistas. Sua tática encoraja a intervenção dos poderes do Estado nos programas universitários, na censura da programação artística e televisiva, na proibição dos direitos legais da população trans, na exclusão de pessoas LGBTQI dos espaços públicos, na restrição da liberdade reprodutiva e da luta contra toda violência dirigida a mulheres, crianças e pessoas LGBTQI. Faz da violência uma ameaça contra quem, incluindo imigrantes, foi representado como força demoníaca e cuja supressão ou expulsão promete restituir, sob coerção, a ordem nacional".

Evidentemente, Butler está aqui embarcando em um projeto ligeiramente distinto daquele de Lewis e Seresin; enquanto Butler se interessa pelo potencial terrível da retórica antigênero - tanto aquela que paira quanto aquela que não paira sobre o nome do feminismo - para pôr em cena o surgimento do fascismo ou, de outro modo, da política totalitária, a discussão de Lewis e Seresin se organiza, entre outros temas, em torno da história, muitas vezes ignorada, de como a política feminista foi usada nas estruturas governamentais fascistas a serviço da conversão de mulheres. No entanto, esses textos compartilham um entendimento do potencial político instável do feminismo, e especialmente dos feminismos que compreendem a si mesmo como uma ampla política "sobre" as mulheres, em vez de esforços laterais para a construção de uma solidariedade nos movimentos organizados contra a opressão de gênero.

Uma das principais fontes da versatilidade política do feminismo no escopo dos projetos de esquerda e direita se deve ao fato de que a noção de feminismo tem ocupado, ao longo do último século e meio, um espaço quase insuportável. No entanto, um princípio comum - não universal, comum - de muitos feminismos consiste na importância de uma atenção dirigida à forma com que a experiência corporificada relata a si e, frequentemente, se hierarquiza em meio a estruturas de poder, que incluem - mas não se limitam - a epistemologias como a medicina e a lei, a organização da família, do parentesco e, de maneira mais ampla, do Estado. Em alguns contextos, essa atenção dirigida à experiência corporificada tornou-se um espaço vital de resistência contra a violência e a hegemonia racistas. Pensemos nas críticas de Ida Wells à cumplicidade das mulheres brancas na proliferação do linchamento e de outras formas de violência supremacista contra homens negros no fim do século XIX; no apelo de Sandy Stone, em 1993, por uma política "pós-transexual" que não exigisse voto sigiloso ou protocolos médicos de afirmação do gênero para que as pessoas trans fossem tratadas com dignidade e respeito; ou ainda na reivindicação de Brittney Cooper, em 2017, por uma política feminista que nem tomasse a morfologia genital como seu fundamento universal, nem ignorasse as histórias de privação da saúde reprodutiva da população negra, especialmente das pessoas cujos corpos têm vagina, útero e ovários.22 22 A respeito da campanha antilinchamento de Ida Wells, ver Feimster (2011), Wells (1892; 1895), Stone (1987; 1993) e Cooper (2017). Existem, porém, outros contextos que mobilizam a identificação do feminismo como um desenvolvimento natural de determinada política corporificada da mulheridade em si e cada vez mais hegemônica, operando distinções entre ter ou não pênis, ter ou não vagina, ser ou não capaz de gestar e coisas do tipo. Tais distinções funcionam como referências para julgar se determinada pessoa ou certo grupo de pessoas - assim como as prioridades políticas que lhes correspondem - serão contempladas pelas mulheres ou pelo feminismo. Esse tipo de abordagem também pressupõe que as mulheres sejam o sujeito do feminismo, e a mulheridade uma categoria de fácil definição que inclui a maior parte das mulheres cis e exclui pessoas trans, principalmente - ou especialmente - mulheres trans. Sem dúvida, esta é uma apresentação rápida e planificada de uma ampla gama de feminismos que, embora não pareçam explicitamente transexcludentes, tendem a sê-lo pelo simples fato de estarem amparados em uma compreensão estrita do que pode ser designado mulher.

Mais importante, esta abordagem da política feminista se encontra típica e profundamente comprometida com a presunção de que mulheridade e vulnerabilidade - e sobretudo a vulnerabilidade sexual - sejam conceitos coextensivos. Embora não queiramos, é claro, subestimar a ameaça muito real e urgente que a violência sexual representa às pessoas de todos os gêneros - e sabemos que aqueles que não correspondem às normas de gênero supremacistas e cisheterossexistas são afetados por sua ubiquidade - nosso objetivo aqui é dar ênfase à força retórica presente na reivindicação conjunta entre vulnerabilidade e violência. Butler certamente tem razão em tematizar a incoerência ideológica das reivindicações de quem critica o generismo e a existência de serviços e moradias transpositivos. No entanto, o medo envolvido pela ameaça que a diversidade de gênero oferece à ordem política e social se volta, frequentemente, à imputação de uma ameaça às "mulheres" e crianças que tais políticas amparam. Não se trata de um simples esforço de patologizar pessoas trans e, especialmente, mulheres trans e pessoas femininas, representando-as como lobos em pele de cordeiro, raposas nos galinheiros do feminismo e dos espaços das mulheres. Trata-se disso também, mas, ainda mais, de um esforço para consolidar um sentido de cismulheridade como definido ontologicamente por uma relação particular com a vitimização, sendo a incursão de políticas trans e as demais políticas afirmativas de gênero uma das mais recentes formas de perpetrá-la. Pensemos, por exemplo, no livro de Abigail Shrier, Irreversible Damage: The Transgender Craze Seducing Our Daughters (2020), ou o artigo de Tristan Fox "A Butch Eradication, Serviced with a Progressive Smile", publicado no site AfterEllen.com em 2019, cujo título original, é importante observar, não era "Uma erradicação butch", mas "Um genocídio butch" - ressoando a conspiração nacionalista do "genocídio branco". Essas duas recentes polêmicas antitrans apresentam a experiência da transgeneridade como uma ameaça às mulheres presumidamente cis (embora a designação butch seja frequentemente compreendida pelo espectro da não-binaridade ou transgeneridade pelas pessoas que com ela se identificam, assim como pesquisadores dos estudos de cultura de gênero e sexualidade), mas, igualmente, imaginam a condição de estar em perigo como fundamental à experiência da juventude cis (no caso de Shrier) e da mulher (para Fox, embora, mais uma vez, a presunção de que butch seja um termo para mulheres cis e lésbicas pareça, para muitas pessoas, bastante inapropriada).23 23 Leslie Feinberg (1992), Susan Stryker (2006), Joanne Meyerowitz (2004), entre outras, designaram "butch" como uma identidade de gênero que pode ser incluída sob a experiência transgênera ou não binária em geral.

Trazemos esses exemplos para mostrar a forma como os feminismos transexcludentes apontam os holofotes da vitimização e da ameaça como parte de um esforço contínuo de forjar e consolidar uma nova visão da cismulheridade, construída a partir das ruínas de certa teoria da vulnerabilidade social, enraizada em um entendimento de corporeidade profundamente racializado e cissexista. Como posições retóricas, acionar o alarme da suposta vitimização e do risco sobre mulheres cis esboça - pelo menos para o contexto feminista norte-americano, que tem caminhado ao lado da supremacia branca e do nativismo - uma estratégia bastante antiga. Enquadrar mulheres trans como uma ameaça às meninas e mulheres cis - uma ameaça à segurança sexual, como fazem as pessoas que advogam a criação de banheiros transexclusivos - significa insistir que mulher e mulher cis são termos intercambiáveis, ao mesmo tempo que acionam dois efeitos aparentemente inócuos. Em primeiro lugar, postular a cismulheridade como uma pretensa experiência sob ataque da população trans mobiliza aquelas pessoas autointituladas feministas que invocam abordagens antigas, paternalistas e tutelares a respeito da mulheridade. Essa abordagem se liga às reivindicações que procuram proteger as "mulheres" em meio a projetos transfóbicos e transmisóginos, o que parece muito fácil, afinal, quem é contra a proteção das mulheres? E em segundo lugar, à medida que essa postura retórica anda de mãos dadas com uma variedade de sensos-comuns feministas, inocula funcionalmente apelos transfóbicos em nome da proteção de mulheres cis. Pensemos, por exemplo, no caso Soule v. CIAC, quando duas (e, eventualmente, quatro) estudantes de ensino médio do estado de Connecticut, todas atletas, três delas brancas e todas abastadas, processaram a Conferência Atlética Interescolar do estado (Connecticut Interscholastic Athletic Conference - CIAC) nos termos do Título IX - lei estadunidense dos direitos civis que versa sobre a igualdade na educação e prática esportiva - por terem sido "obrigadas" a competir contra duas garotas trans, negras e economicamente desfavorecidas. Quando seu advogado - integrante da Alliance Defending Freedom (ADF), uma organização jurídica conservadora - não teve êxito em convencer um juiz federal, que recusou sua alegação por falta de legitimidade, uma das garotas trabalhou, junto à ADF, na publicação de uma série de artigos em primeira pessoa a respeito de sua própria experiência. A chamada de um desses textos apareceu em um outdoor na estrada Interstate-95 de Connecticut, onde a rodovia encontra outras vias de acesso próximas a Bridgeport. O cartaz mostrava Chelsea Mitchell, uma das requerentes originais - que hoje é bolsista da College of William and Mary, uma faculdade de primeira linha, dizendo: "eu era a garota mais rápida de Connecticut até ser forçada a competir com homens biológicos [sic]".

É exatamente esse tipo de apelo à vulnerabilidade que nos interessa, aqui, chamar atenção; Mitchell admite que é, de fato, uma atleta de sucesso e que havia derrotado outras competidoras transgênero na escola muitas vezes, inclusive Terry Miller, uma das meninas trans identificadas no processo Soule v. CIAC, designada por Mitchell e as demais garotas cis como a fonte de tais desvantagens. No entanto, esses fatos evidentemente não foram tão eficazes quanto a simples menção ao espectro das atletas trans como presságio da futura decadência de todo esporte feminino; o artigo de Mitchell (2021) escrito em primeira pessoa (cuidadosamente publicado no yahoo.com), intitulado "I Was the Fastest Girl in Connecticut. But Transgender Athletes Made It an Unfair Fight" ("Eu era a garota mais rápida de Connecticut. Mas as atletas trans tornaram essa luta injusta") contém um subtítulo que, simplesmente, instiga a "não eliminação do esporte feminino", como se isso estivesse em discussão nesse caso ou em qualquer outro. Aqui é possível ver o alinhamento perfeito entre os interesses das feministas radicais transexcludentes e dos ativistas conservadores envolvidos em um litígio estratégico: recorrendo à retórica da vitimização e até mesmo do risco de completa eliminação das "mulheres", essas vozes apresentam as pessoas trans - e, especialmente, mulheres trans - como uma ameaça endêmica ao feminismo e, de forma mais ampla, à mulheridade. Essas questões são abordadas em dois artigos deste dossiê: no texto da cientista política Heike Schotten24 24 [N.E.] O texto se refere ao artigo de C. Heike Schotten - "TERFism, Zionism, and Right-Wing Annihilationism: Toward an Internationalist Genealogy of Extinction Phobia" ("Terfismo, sionismo e aniquilacionismo de direita: para uma genealogia internacionalista da fobia de extinção"), cujo resumo acrescentamos: "Este artigo rastreia a emergência do que a autora chama de Terfismo predatório no desenvolvimento do feminismo judeu estadunidense e, em especial, do separatismo lésbico sionista. Essa conexão histórica se reflete nas semelhanças retóricas e ideológicas entre o Terfismo predatório e o sionismo, ambos definidos por uma "fobia de extinção" que confunde oprimido e opressor, figurando a parte subordinada como capaz de eliminar a dominante. Esta fobia de extinção se transforma em um "aniquilacionismo de direita" por meio da desumanização da parte subordinada como intrinsecamente perigosa e que exige a eliminação; daí o cunho da abjeção Terf predatória, que considera mulheres trans estupradoras de mulheres cis, e a abjeção sionista com relação aos palestinos, "selvagens" ou "terroristas". Essas conexões podem ser obscurecidas pela fragmentação do trabalho do movimento de justiça social nos Estados Unidos, onde a pauta anticolonial e anti-imperialista frequentemente se separa das pautas de gênero, justiça reprodutiva e liberdade sexual. No entanto, reconhecer as continuidades - sejam elas históricas, materiais ou ideológicas - entre o TERFismo predatório e o sionismo pode proporcionar lições úteis não apenas à compreensão do ressurgimento do movimento antitrans global contemporâneo, mas também à possibilidade de construir movimentos solidários e anticoloniais para combatê-lo." e na pesquisa em estudos religiosos de C. Libby,25 25 [N.E.] O texto se refere ao artigo de C. Libby - "Sympathy, Fear, Hate: Trans-Exclusionary Radical Feminism and Evangelical Christianity" ("Empatia, medo, ódio: o feminismo radical transexcludente e o cristianismo evangélico"), cujo resumo acrescentamos: "Recentemente, o discurso de um pastor designado a ajudar cristãos a compreender melhor "os indivíduos transgênero e o movimento ideológico como um todo" tomou um caminho aparentemente bizarro ao levar leitores/as a ter empatia com algumas preocupações de feministas radicais acerca da segurança das mulheres e a crescente ameaça à sua própria identidade. Embora a figuração do sujeito trans perigoso como uma fonte de danos em potencial não seja exatamente uma novidade, a confiança evangélica cada vez mais frequente em certa retórica afetivamente carregada que imita a escrita feminista radical transexcludente é bastante surpreendente e merece ser investigada. Este artigo analisa e responde às crescentes conexões entre o feminismo radical transexcludente, a escrita crítica de gênero e a retórica evangélica transfóbica, argumentando que sua ressonância afetiva, compreendida pelo cultivo adequado da empatia, do medo e do ódio, se torna possível por meio de um mútuo comprometimento com certa concepção dismórfica da diferença sexual e da política de danos." os quais nos lembram, como C. Libby faz de modo análogo ao trabalho de Emi Koyama (2020)KOYAMA, Emi. Whose Feminism Is It Anyway? The Unspoken Racism of the Trans Inclusion Debate. Sociological Review 68, n. 4, 2020, pp.735-44., que certa vulnerabilidade branca feminina é frequentemente usada em argumentos contra os direitos trans. Mesmo a alegação das feministas radicais transexcludentes de que o termo Terf (um acrônimo de "trans-exclusionary radical feminist" [feminista radical transexcludente]) é um "insulto" - e não a descrição de uma abordagem particular da política - conduz a certa "política de danos" que se distancia da atuação real e nociva do feminismo radical no mundo. O recurso consistente à linguagem da vulnerabilidade e da extinção - o "genocídio butch", a vulnerabilidade de mulheres cis nos banheiros, o fim do esporte feminino, a lista é infinita - "formam 'o conceito de dano' como 'central tanto à compreensão feminista da experiência feminina no patriarcado, quanto à abordagem ideal do feminismo sobre o direito'".26 26 Aqui Libby cita Halley (2005). Há também, é importante dizer, um esforço de reificar a inocência política das mulheres (bem, mulheres cis, e ainda assim, apenas algumas mulheres cis) e do feminismo, definindo seus termos por meio do enquadramento de uma vulnerabilidade fantasmática em relação às pessoas e à política trans sem prestar contas dos prejuízos que também podem ser causados por suas formas agressivas de política.

Para não deixar dúvidas, não estamos, aqui, defendendo que devemos abdicar às políticas feministas, nem que o potencial político do feminismo tenha sido esvaziado. Para nós, algumas formações políticas tradicionais do feminismo foram, de maneira muito diferente, edificantes e transformadoras. Na verdade, este dossiê procura reunir esforços para pensar a respeito da emergência da política transexcludente e, em particular, do feminismo transexcludente, remontando o modo com que ambos foram sendo cada vez mais ligados à abrangente paisagem política da direita conservadora, autoritária e totalitária em todo o mundo. Trata-se, também, de um esforço de identificar a memória da exclusão trans no interior da história do feminismo, uma história, por vezes, reduzida a narrativas fáceis que levam a uma ou outra direção clara (por exemplo, "todas as feministas da 'segunda onda' foram transexcludentes", "nenhuma feminista da 'segunda onda' foi transexcludente'); o imperativo transfóbico de enquadrar de forma consistente a transgeneridade sob as lentes da novidade reforça as alegações feministas transexcludentes de que suas crenças estão amparadas em processos de longa duração histórica.27 27 Muitas pesquisas acadêmicas da comunidade trans têm elaborado críticas à insistente tendência de escritores e pesquisadores não transgêneros em fazer enquadramentos transfóbicos ou politicamente hegemônicos que retratam a população trans como um fenômeno "novo". Para apontar apenas um trabalho que, recentemente, discutiu esta tendência, ver Gill-Peterson (2018). Como, no entanto, nos mostram os autores e autoras deste dossiê, posicionamentos transexcludentes surgiram com força precisamente nos momentos em que os movimentos feministas insistiram na centralidade da libertação trans para suas causas. Se os feminismos transexcludentes têm, nos Estados Unidos, por exemplo, pelo menos cinquenta anos, então, como mostraram Emma Heaney e Jules Gill-Peterson, a relevância das pessoas trans para a libertação feminista é ainda mais duradoura.

Além disso, se pensarmos nos feminismos transexcludentes como parte de um litígio em curso em torno do que constitui a mulheridade legítima, que tem sido constantemente recrutada à serviço das formas estruturais de poder a que deveríamos nos opor - supremacia branca, xenofobia e nativismo, capacitismo e eugenismo - podemos muito bem terminar contando uma história mais nítida e astuta da ascensão do feminismo transexcludente em nosso presente e passado recente, na tentativa de provocar um curto-circuito sobre as boas-vindas acaloradas com que ele foi recebido nos movimentos liberais e de direita nacionais e em todo o mundo. As políticas transexcludentes inerentes ao feminismo tornaram-se, também, um verdadeiro laboratório para o nosso entendimento do que o movimento é e faz, apontando, sobretudo, aos diferentes horizontes feministas que delimitam ou são tornados possíveis por meio de diferentes visões políticas. Para voltar, por exemplo, à questão do modo com que as forças conservadoras fizeram uso do Título IX em recursos que procuravam impedir garotas trans da participação nos esportes escolares e universitários, poderíamos enquadrar as questões apresentadas pelas atletas trans de duas formas diferentes. Poderíamos perguntar: o que faz de uma "menina" ou "mulher" atleta? Quais as medidas que devem ser tomadas para proteger essa categoria no âmbito do atletismo fomentado pelo Estado? Ou, poderíamos perguntar, será que a divisão da participação esportiva em supostas categorias "sexuais" é realmente a melhor forma de estabelecer parâmetros de equidade para jovens competidoras? Em que medida as compreensões altamente biologicistas acerca do que são capazes os corpos de "meninas" e "mulheres" podem ser tanto restritivas quanto protetivas? Existem outros meios de organizar atletas para competir (classificações de peso e altura, etc) que podem criar mais igualdade e oportunidade de participação? O primeiro conjunto de questões dá voz à intervenção feminista em defesa das meninas e mulheres; o segundo estabelece um parâmetro para intervenções feministas em defesa da igualdade de gênero em uma perspectiva mais ampla, perguntando se haveria uma maneira de, afastando-se da categoria de meninas e mulheres- frequentemente pressupostas como cis - oferecer benefícios a todas as pessoas que se identificam como meninas e mulheres, assim como a demais participantes de todos os gêneros.

Como todos os projetos editoriais, o presente dossiê, produto de nosso trabalho e de nossos/as colaboradores/as e resultou em uma visão bastante distinta do projeto que imaginamos a princípio. Imaginamos uma coletânea de ensaios escritos por autores de diferentes países, redigidos em muitas línguas e traduzidos como uma forma de garantir maior alcance. Imaginamos um dossiê temático que faria a conexão geográfica entre as redes dos movimentos transexcludentes: da Polônia ao Brasil, por meio do catolicismo, ou dos Estados Unidos à Nigéria e à China, por meio da força dos argumentos críticos do gênero que circulam entre os evangélicos. Os ensaios que recebemos, no entanto, tiveram a tendência de se agrupar em torno de lugares muito bem conhecidos com relação a este fenômeno, marcadamente Estados Unidos e Inglaterra, embora também haja ensaios que discutem as políticas transexcludentes no Japão e na França. À medida que isso provavelmente se deva, em parte, a uma convergência entre o público leitor anglófono e o fato de que as discussões sobre os feminismos transexcludentes se deram majoritariamente nas comunidades acadêmicas americanas e britânicas, enfatizamos que até mesmo um dossiê repleto de ensaios que figurem muitas regiões, linguagens, tradições religiosas e meios políticos nunca será, no entanto, capaz de oferecer um relato completo da crescente importância das políticas transexcludentes com relação ao vasto campo de movimentos de direita. As políticas transexcludentes consistem em um fenômeno crescente e cada vez mais complexo que contribuiu tanto para a força dos movimentos de direita quanto para o fortalecimento das culturas de transfobia. Este dossiê, assim, não oferece conclusões definitivas, mas alguma esperança de fundamentos produtivos para o desenvolvimento de futuras pesquisas, de futuros movimentos e de um pensamento diligente que busca lutar, de maneira eficaz, contra esses perigos.

Referências bibliográficas

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  • ZAKARIA, Rafia. Against White Feminism: Notes on Disruption. Nova York: Norton, 2021.
  • 1
    Tradução: Beatriz Zampieri; revisão e edição Carla Rodrigues. "TERFs, Gender-Critical Movements, and Postfascist Feminisms", de Serena Bassi e Greta Lafleur, foi publicado na revista TSQ: Transgender Studies Quarterly, em agosto de 2022, como introdução ao dossiê "Trans-Exclusionary Feminisms and the Global New Right" [Feminismos trans-excludentes e a nova direita global], do qual ambas são editoras. O termo TERF (abreviação de Trans-Exclusionary Radical Feminism) foi popularizado, traduzido e incorporado à língua portuguesa - tanto no âmbito acadêmico quanto nas redes sociais - como categoria de definição para as feministas radicais transexcludentes, feministas radicais ou, ainda, RadFem. A tradução optou por dar preferência aos termos "Terf" e "feministas transexcludentes" - assim como a variação "Terfismo" - em consonância com os argumentos desenvolvidos pelas autoras do texto. Embora a discussão a respeito dos desdobramentos do feminismo radical estadunidense entre as décadas de 1970 e 2000 seja bastante ampla, o que está em questão neste dossiê temático é a ênfase ao caráter transfóbico do movimento, definido justamente pela exclusão da população e das políticas trans. As autoras aproximam as reivindicações das feministas transexcludentes - ou representantes do feminismo crítico do gênero, modo como estas feministas descrevem o próprio posicionamento - à tendência antigênero conservadora, crescente no campo político da extrema-direita. O sintagma "movimentos críticos do gênero" está sendo mobilizado a partir da compreensão de que esses movimentos são críticos do conceito de gênero e das aberturas e possibilidades que dele decorrem.
  • 2
    [N.T.] Womanhood. O termo "mulheridade" - que não deve ser confundido com o conceito de mulherismo, womanism - é reivindicado, no léxico feminista transexcludente, como suposta identidade ontológica baseada na diferença sexual. Para o feminismo radical, a experiência da mulheridade pressupõe uma condição intrinsecamente biológica, derivada de características sexuais primárias e secundárias e determinante à cisgeneridade. Sobre o conceito de mulherismo como uma filosofia política distinta do feminismo protagonizada por mulheres negras, racializadas e periféricas, ver a nota 13.
  • 3
    [N.T.] Chick-lit. Gênero literário conhecido no Brasil como "literatura de mulherzinha", popularizado desde a década de 1990 pelo consumo de best-sellers como O diário de Bridget Jones, inaugural do estilo. Ainda que o uso do eufemístico do termo suponha, no interior da crítica literária e cultural, certo tom sarcástico que o relega a um subgênero de ficção, existe uma série de elementos estilísticos e estéticos que reúne nesses livros para mulheres um modo de individualização estrito da mulher moderna, isto é, uma restrição ao que se entende por "coisas de mulher": seus romances, sua vida profissional, familiar e sobretudo a dificuldade de adaptar-se às reivindicações feministas, marcando opções por roteiros heteronormativos de felicidade. A escritora católica Constanza Miriano, citada pelas autoras, teve publicado no Brasil o livro Case e seja submissa (Pius Edições, 2011).
  • 4
    [N.T.] Transphobic tropes. Em retórica, tropo é uma figura de linguagem para definir um termo utilizado em sentido não habitual, uma variação da metáfora que mobiliza clichês. De acordo com o argumento das autoras, a transfobia das feministas transexcludentes consiste em uma estratégia retórica de moldes fascistas que se vale do recurso a uma "mulheridade autêntica", supostamente ameaçada pelas políticas de defesa dos direitos das pessoas trans. O uso intencional desses deslocamentos de sentido, afirmam, tem o objetivo de criar um efeito de pânico moral no interior do debate feminista, afirmando um viés excludente do feminismo liberal branco.
  • 5
    [N.T.] Women of colour. A escolha de tradução por "mulheres racializadas" se deve ao fato da expressão "of colour", além de bastante controversa, ser familiar apenas ao contexto anglófono e pouco pertinente nas discussões sobre raça no Brasil.
  • 6
    [N.T.] Genderism, no original, sem equivalência já estabelecida em português. Optamos por "generismo" e "generistas" considerando que o objetivo do termo é desqualificar as pessoas cujo enquadramento epistemológico se dá a partir do conceito de gênero (gender) e suas ramificações nas formas de segregação entre os corpos tidos como masculinos/femininos, cis/trans, hétero/homossexuais etc.
  • 7
    [N.E.] Embora não conste no texto original, consideramos importante destacar duas razões para referir também as Nações Unidas como mais uma instituição diretamente afetada pela política antigênero. Primeiro, porque essa arena foi palco da primeira erupção do ataque ultra conservador ao gênero, nos anos 1990 (Case, 2018; Corrêa, 2018CORRÊA, S. A “política do gênero”: um comentário genealógico. cadernos pagu (53), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018 [ https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8653407 - acesso em: 4 jun. 2023].
    https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
    ). Mas também por que, passados trinta anos, suas instâncias de direitos humanos, são alvo prioritário das correntes feministas críticas do gênero como informa esse relatório recentemente publicado pelo site All or None <https://allornone.world/2023/05/26/rights-for-me-not-for-thee-how-anti-trans-feminists-took-their-advocacy-to-the-united-nations/>. Último acesso em: 4 jun. 2023.
  • 8
    [N.E.] O texto se refere ao artigo de Jenny Andrine Madsen Evang, Is "Gender Ideology" Western Colonialism?: Anti-gender Rhetoric and the Misappropriation of Postcolonial Language ("A 'ideologia de gênero' é um colonialismo ocidental? A retórica antigênero e o mau uso da linguagem pós-colonial"), cujo resumo acrescentamos: "Como é possível questionar e se opor ao recente mau uso do pensamento e da luta pós-coloniais? Atualmente, temos visto o ressurgimento de sentimentos antigênero organizados pela Europa e em todo o mundo. Uma retórica antigênero de vitimização muito específica define os chamados generistas ocidentais como inimigo comum e uma força colonizadora contra "o povo". Enfatizando algumas atuações chave na cena antigênero europeia, este artigo analisa o significado estratégico da afirmação marcadamente antigênero de que o gênero seria uma imposição neocolonial. Além de considerar de que maneira a apropriação do enquadramento pós-colonial feita pelo movimento antigênero europeu é hipócrita - à medida que teóricos antigênero se comprometem com um mito cissexista que talvez seja o mais colonial de todos - o artigo argumenta que seu mau uso revela algo central na base da retórica do imaginário da racialização. Seu argumento reproduz uma hierarquia racializada da plasticidade biológica que situa europeus brancos como, ao mesmo tempo, os salvadores supremos e as vítimas mais vulneráveis do "generismo". Ao escrutinar as políticas com as quais os agentes antigênero europeus usam o mundo "não-ocidental" como artifício teórico para a promoção da supremacia branca, o artigo também mostra o perigo que há em suspender a crítica feminista pós-colonial, no esforço de se distanciar do mau uso antigênero de tal teoria e reunir forças em torno de um front liberal em comum. Em vez disso, o artigo propõe que o pensamento pós-colonial seja mais vital do que nunca, sobretudo se quisermos nos opor aos atuais movimentos antigênero, sua islamofobia e sua transfobia."
  • 9
    [N.T.] Crisis-woman. Havia outras opções de tradução, como "mulher-na-crise" ou "mulher-da-crise". A escolha por "mulher-crise", no entanto, dispensa de modo deliberado o recurso à preposição para enfatizar o surgimento de uma figura política que representa, de maneira fundamental, uma estratégia subjetiva inerente ao projeto político fascista europeu - nesse caso, em especial, referido à Itália de Mussolini, mas que era também inerente à Alemanha das décadas de 1920 e 1930. A figura da "donna-crisi", estudada por Chang no livro citado, trata da propaganda fascista da mulher moderna italiana, "caricatura política" que representa, de acordo com a tese da autora, uma espécie de crise de inteligibilidade própria ao feminismo do século XX.
  • 10
    [N.T.] Judith Butler traça uma breve história do conceito de "gender", tal qual formulado nos EUA, e as resistências ao seu uso em outros contextos linguísticos. "Parte da resistência à entrada do termo 'gender' em contextos não anglófonos surge de uma resistência anterior ao inglês ou, de fato, apoiada na sintaxe de uma língua na qual as questões de gênero são resolvidas através de inflexões verbais ou de uma referência implícita", resume Butler, cujo artigo serve de guia para a compreensão de argumentos contrários a "gender" como conceito importado de uma realidade estadunidense e imperialista. IN: BUTLER, J. "Gênero em tradução: além do monolinguismo". Trad. Fernanda Miguens e Carla Rodrigues. Cadernos De Ética E Filosofia Política, 39(2), 364-387. https://doi.org/10.11606/issn.1517-0128.v39i2p364-387.
  • 11
    [N.T.] Aqui, entendemos que esses 99% se referem ao "Feminismo para os 99%: Um manifesto", de Nancy Fraser, Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya. Tradução brasileira de Heci Regina Candiani para Boitempo (2019).
  • 12
    As feministas negras têm criticado a hegemonia de classe e raça inerente à categoria universal de mulher desde o século XIX. Para uma discussão acerca desta tradição teórica, ver Carby (1987)CARBY, Hazel. Reconstructing Womanhood: The Emergence of the Afro-American Woman Novelist. Nova Iorque, Oxford University Press, 1987.. Para uma abordagem bastante recente da questão do feminismo branco e de suas exclusões raciais, ver Zakaria (2021)ZAKARIA, Rafia. Against White Feminism: Notes on Disruption. Nova York: Norton, 2021..
  • 13
    Cabe observar que a convenção de 1848 se deu em uma época na qual a escravidão era legalizada na maior parte dos estados e consistia em uma condição estruturante à produção doméstica estadunidense, como também ao seu cenário econômico mais amplo.
  • 14
    Os movimentos feministas de mulheres negras, racializadas e periféricas tentaram, ainda que de formas diferentes, identificar e corrigir os fundamentos de muitos feminismos estadunidenses. Algumas das pensadoras centrais a estes movimentos também identificaram o feminismo como inseparável à tradição liberal, sugerindo enquadramentos teóricos a respeito da justiça de gênero que não eram feminismos; o mulherismo, por exemplo, se diferencia para algumas pensadoras como uma filosofia política distinta do feminismo (ver Collins, 1996)COLLINS, Patricia H. What's in a Name? Womanism, Black Feminism, and Beyond. Black Scholar, 26, n. 1, 1996, pp.9-17.. Nos últimos cinco anos, foram publicados muitos artigos que questionam a relação entre mulherismo e feminismo, que interrogavam, em especial, se o mulherismo consistiria numa espécie de feminismo ou se, efetivamente, o mulherismo seria uma abordagem política da racialização de gênero distinta. A esse respeito, ver Bowen (2021).
  • 15
    Para indicar apenas um exemplo de crítica do marxismo e feminismo materialista, ver MacKinnon (1989)MACKINNON, Catharine. Toward a Feminist Theory of the State. Cambridge, MA, Harvard University Press, 1989..
  • 16
    [N.T.] As autoras fazem, aqui, referência à menção de Abu-Lughod ao texto de Spivak "[...] homens brancos, procurando salvar mulheres de pele escura de homens de pele escura, impõem sobre essas mulheres uma constrição ideológica [...]". In: Pode o subalterno falar?, tradução brasileira de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010:115.
  • 17
    Sobre a política da pureza, ver Shotwell (2016)SHOTWELL, Alexis. Against Purity: Living Ethically in Compromised Times. Minneapolis, University of Minnesota Press, 2016..
  • 18
    A respeito da cooptação da política de libertação como estratégia econômica neoliberal, ver, entre outros, Duggan (2004)DUGGAN, Lisa. The Twilight of Equality? Neoliberalism, Cultural Politics, and the Attack on Democracy. Boston: Beacon, 2004., Frase, (2009); Gupta (2012)GUPTA, Rahila. Has Neoliberalism Knocked Feminism Sideways? Open Democracy, 4 jan. 2012 [ https://www.opendemocracy.net/en/5050/has-neoliberalism-knocked-feminism-sideways/ - acesso em: 3 abr. 2023].
    https://www.opendemocracy.net/en/5050/ha...
    ; Murphy (2017)MURPHY, Michelle. The Economization of Life. Durham, NC, Duke University Press, 2017. e Rottenberg (2018)ROTTENBERG, Catherine. The Rise of Neoliberal Feminism. Nova Iorque, Oxford University Press, 2018..
  • 19
    Na ocasião do quinquagésimo aniversário da Revolta de Stonewall, a Uber promoveu uma campanha publicitária em Nova York que reuniu artistas, ativistas e personalidades trans em torno do slogan "Direito de ir e vir", descrito pela empresa nos seguintes termos: "A Uber acredita que todas as pessoas têm o direito de ir e vir de forma livre, segura e sem medo. Não só em junho, mas durante o ano inteiro, todos têm um direito para se orgulhar. Neste ano, nos comprometemos em contribuir com o empoderamento de uma experiência melhor para nossa comunidade LGBTQIA+ e, principalmente, a comunidade trans. Isso cabe a todos, e começamos por nós mesmos". A segurança e a mobilidade consistem em pautas centrais e inquestionáveis para grande parte, se não a maioria, da população trans. Contudo, no fim das contas, a Uber apenas promoveu estas pautas como meio de renovação da própria marca, capitalizando o interesse direcionado à política e à população trans no contexto da celebração da Revolta de Stonewall em Nova York como uma oportunidade para lucrar com a indústria do turismo. A empresa tem sido alvo de uma série de denúncias feitas por motoristas trans e não binários - esforçando em classificá-los como "associados independentes", e com os quais estabelece um vínculo mínimo de segurança trabalhista, impedindo sua sindicalização - que alegam que a Uber emprega práticas trabalhistas que discriminam pessoas trans e não-binárias. A respeito das críticas dirigidas à Uber por trabalhadores vinculados e candidatos da plataforma, ver Hussain (2022HUSSAIN, Suhauna. Uber Faces 'Serious Questions' over Transgender Drivers' Treatment after Times Report. Los Angeles Times, 2 fev. 2022 [https://www.latimes.com/business/story/2022-02-02/california-city-attorneys-uber-transgender-drivers-blocked-accounts - acesso em: 3 abr. 2023].
    https://www.latimes.com/business/story/2...
    ]0. Sobre a campanha "Direito de ir e vir", ver Uber n.d.
  • 20
    [N.E.] O texto se refere ao artigo de Sophie Lewis; Asa Seresin - Fascist Feminism: A Dialogue ("Feminismo fascista: um diálogo"), cujo resumo acrescentamos: "As críticas ao feminismo radical transexcludente muitas vezes tomam a forma de um apelo para tirar das Terfs o título de feministas. Frequentemente se afirma que o feminismo radical não seria um "feminismo de verdade" e, no mesmo sentido, argumenta-se que as expoentes lésbicas da transmisoginia não constituem uma parte "verdadeira" da história queer. Asa Seresin e Sophie Lewis - ambas autoras imigrantes da "terra das Terfs" [i.e., Inglaterra], vivendo nos Estados Unidos - promovem aqui uma abordagem diferente. Neste diálogo crítico, sugerem que, se há feministas patriarcais e lésbicas implicadas na branquitude, algumas feministas queer devem se sentir à vontade em situar outras feministas - inclusive queer - como suas inimigas. Por meio de referências aos arquivos das divisões minoritárias do movimento sufragista lésbico inglês do início do século XX e, igualmente, do separatismo lésbico da década de 1970 nos Estados Unidos (aos quais o movimento "crítico do gênero" contemporâneo é atribuído como herdeiro), esta discussão se direciona à temática fascista inerente ao passado e ao presente do feminismo anglófono, como a sacralização da fertilidade cisfeminina e do homoerotismo. E se, historicamente, certos feminismos não apenas pactuaram com projetos de supremacia branca, mas de fato constituíram o próprio fascismo? Como deixar de negar a possibilidade de que os feministas sejam fascistas pode neste momento, efetivamente, fortalecer o transfeminismo antifascista?"
  • 21
    Butler continua, "Nesta célebre enumeração acerca dos elementos do fascismo, escreve Umberto Eco, 'o jogo fascista pode se manifestar de muitas formas', porque o fascismo é 'uma colagem, uma colmeia de contradições'. Essa descrição, de fato, corresponde à atual política antigênero. Trata-se de uma incitação reacionária, um apanhado incendiário de reivindicações e acusações incoerentes. Servem-se da própria instabilidade que procuram combater, de modo que seu discurso oferece como resposta um caos ainda maior. Por meio de uma série de reivindicações inconsistentes e hiperbólicas, tramam um mundo de ameaças múltiplas e iminentes, defendendo a necessidade de censura e leis autoritárias. Esta forma de fascismo manifesta instabilidade mesmo quando procura afastar a 'instabilidade' da ordem social trazida pelas políticas progressistas. Sua tática encoraja a intervenção dos poderes do Estado nos programas universitários, na censura da programação artística e televisiva, na proibição dos direitos legais da população trans, na exclusão de pessoas LGBTQI dos espaços públicos, na restrição da liberdade reprodutiva e da luta contra toda violência dirigida a mulheres, crianças e pessoas LGBTQI. Faz da violência uma ameaça contra quem, incluindo imigrantes, foi representado como força demoníaca e cuja supressão ou expulsão promete restituir, sob coerção, a ordem nacional".
  • 22
    A respeito da campanha antilinchamento de Ida Wells, ver Feimster (2011)FEIMSTER, Crystal. Southern Horrors: Women and the Politics of Rape and Lynching. Cambridge, MA, Harvard University Press, 2011., Wells (1892WELLS, Ida B. Southern Horrors: Lynch Law in All Its Phases. Nova Iorque, New York Age Print, 1892.; 1895), Stone (1987; 1993) e Cooper (2017)COOPER, Brittney. Pussy Don't Fail Me Now: The Place of Vaginas in Black Feminist Theory and Organizing. Crunk Feminist Collective, 23 jan. 2017 [https://www.crunkfeministcollective.com/2017/01/23/pussy-dont-fail-me-now-the-place-of-vaginas-in-black-feminist-theory-organizing/ - acesso em: 3 abr. 2023].
    https://www.crunkfeministcollective.com/...
    .
  • 23
    Leslie Feinberg (1992)FEINBERG, Leslie. Transgender Liberation: A Movement Whose Time Has Come. Nova Iorque, World View Forum, 1992., Susan Stryker (2006), Joanne Meyerowitz (2004)MEYEROWITZ, Joanne. How Sex Changed: A History of Transsexuality in the United States. Cambridge, MA, Harvard University Press, 2004., entre outras, designaram "butch" como uma identidade de gênero que pode ser incluída sob a experiência transgênera ou não binária em geral.
  • 24
    [N.E.] O texto se refere ao artigo de C. Heike Schotten - "TERFism, Zionism, and Right-Wing Annihilationism: Toward an Internationalist Genealogy of Extinction Phobia" ("Terfismo, sionismo e aniquilacionismo de direita: para uma genealogia internacionalista da fobia de extinção"), cujo resumo acrescentamos: "Este artigo rastreia a emergência do que a autora chama de Terfismo predatório no desenvolvimento do feminismo judeu estadunidense e, em especial, do separatismo lésbico sionista. Essa conexão histórica se reflete nas semelhanças retóricas e ideológicas entre o Terfismo predatório e o sionismo, ambos definidos por uma "fobia de extinção" que confunde oprimido e opressor, figurando a parte subordinada como capaz de eliminar a dominante. Esta fobia de extinção se transforma em um "aniquilacionismo de direita" por meio da desumanização da parte subordinada como intrinsecamente perigosa e que exige a eliminação; daí o cunho da abjeção Terf predatória, que considera mulheres trans estupradoras de mulheres cis, e a abjeção sionista com relação aos palestinos, "selvagens" ou "terroristas". Essas conexões podem ser obscurecidas pela fragmentação do trabalho do movimento de justiça social nos Estados Unidos, onde a pauta anticolonial e anti-imperialista frequentemente se separa das pautas de gênero, justiça reprodutiva e liberdade sexual. No entanto, reconhecer as continuidades - sejam elas históricas, materiais ou ideológicas - entre o TERFismo predatório e o sionismo pode proporcionar lições úteis não apenas à compreensão do ressurgimento do movimento antitrans global contemporâneo, mas também à possibilidade de construir movimentos solidários e anticoloniais para combatê-lo."
  • 25
    [N.E.] O texto se refere ao artigo de C. Libby - "Sympathy, Fear, Hate: Trans-Exclusionary Radical Feminism and Evangelical Christianity" ("Empatia, medo, ódio: o feminismo radical transexcludente e o cristianismo evangélico"), cujo resumo acrescentamos: "Recentemente, o discurso de um pastor designado a ajudar cristãos a compreender melhor "os indivíduos transgênero e o movimento ideológico como um todo" tomou um caminho aparentemente bizarro ao levar leitores/as a ter empatia com algumas preocupações de feministas radicais acerca da segurança das mulheres e a crescente ameaça à sua própria identidade. Embora a figuração do sujeito trans perigoso como uma fonte de danos em potencial não seja exatamente uma novidade, a confiança evangélica cada vez mais frequente em certa retórica afetivamente carregada que imita a escrita feminista radical transexcludente é bastante surpreendente e merece ser investigada. Este artigo analisa e responde às crescentes conexões entre o feminismo radical transexcludente, a escrita crítica de gênero e a retórica evangélica transfóbica, argumentando que sua ressonância afetiva, compreendida pelo cultivo adequado da empatia, do medo e do ódio, se torna possível por meio de um mútuo comprometimento com certa concepção dismórfica da diferença sexual e da política de danos."
  • 26
    Aqui Libby cita Halley (2005)HALLEY, Janet. The Politics of Injury: A Review of Robin West's Caring for Justice. Unbound 1, 2005, pp. 65-92..
  • 27
    Muitas pesquisas acadêmicas da comunidade trans têm elaborado críticas à insistente tendência de escritores e pesquisadores não transgêneros em fazer enquadramentos transfóbicos ou politicamente hegemônicos que retratam a população trans como um fenômeno "novo". Para apontar apenas um trabalho que, recentemente, discutiu esta tendência, ver Gill-Peterson (2018)GILL-PETERSON, Jules. Histories of the Transgender Child. Minneapolis, University of Minnesota Press, 2018..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Set 2023
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