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Cuidado em território vulnerabilizado e a COVID-19: interseccionalidade e dinâmica êmica na ética do cuidado

Resumo

O objetivo é compreender o cuidado antes, durante e depois da COVID-19 em território vulnerabilizado, considerando a interseccionalidade, a ética do cuidado e a dinâmica êmica. O método foi a pesquisa qualitativa com líderes comunitárias e profissionais de saúde da Atenção Primária na Unidade de Saúde da Família (USF) do Sistema Único de Saúde (SUS). Desafios e potencialidades foram identificados. O cuidado foi com, contra o e para além do Estado, de forma decolonial. A politização e a melhoria de políticas públicas do cuidado, na essência êmico-ético-política, são compreendidas como eficientes no enfrentamento à pandemia.

Cuidado; Interseccionalidade; Políticas públicas; COVID-19; SUS

Abstract

The aim of this study is to understand care, before, during and after the COVID-19 pandemic, in a vulnerabilized territory, considering intersectionality, care ethics and the emic dynamics. The method was qualitative research. The subjects were community leaders, and health professionals of Primary Health Care at the Family Health Unit (USF) of the Brazilian Unified Health System (SUS). Challenges and Potentialities in care were identified. Care went within, against and beyond the State in a decolonial way. Politicization and public policies’ improvement of care are understood as coping with the pandemic.

Care; Intersectionality; Public policies; COVID-19; SUS

Localizando o estudo

O estudo do cuidado em território1 1 Territórios socialmente vulnerabilizados, como no artigo “ Meanings of Neglected Diseases in the Global Health agenda: the place of populations and territories ” ( Oliveira, 2018 ). socialmente vulnerabilizado a partir de uma pluralidade de práticas, itinerários, subjetividades e experiências de mulheres racializadas2 2 Racializado, conforme explicado por Davis, no prefácio de Ferdinand (2022) . é o foco desta pesquisa. A justificativa sobre a atualidade do tema para os estudos feministas é que o cuidado, enquanto objeto, sob a triangulação da ética3 3 Ética envolve a sistematização de conceitos morais de certo e errado para a humanidade, como uma tentativa de universalizar ações e direitos humanos e as necessidades de uma vida digna em âmbito político, como saúde, alimentação, moradia, educação, trabalho e acesso a ele ( Maia, 2009 ; Palácios, 2019 ). do cuidado, da interseccionalidade e das dinâmicas êmicas4 4 Êmica são padrões de ações, certo e errado, que prescrevem o que as pessoas de um determinado grupo e território devem fazer, que fazem sentido para a coletividade local ( Santos, 1997 ; Akerman, 2005 ) e suas subjetividades, experiências e demandas, em nível micropolítico ( David, 2023 ; Passos, 2023 ). do território relativas à COVID-19, ainda não foi estudado. O cuidado prestado fora das USFs tem especificidades êmicas e geralmente não é remunerado, embora seja responsável pela reprodução e manutenção da própria vida. O cuidado remunerado está vinculado às USFs ou à função de empregada doméstica e/ou de cuidadora. Como podemos abordar o cuidado em comunidades racializadas, sob negligência do Estado, e a vida precária, antes, durante e após a pandemia, como a descrição a seguir?

Durante a pandemia, a Associação da Vila dos Pescadores entregou várias cestas básicas e verduras, material de higiene para as mulheres, absorventes higiênicos e livros para as crianças. Fizemos café, almoço e jantar. Conseguimos máscaras e começamos a entregá-las. Em cada poste das ruas, fixamos como usar as máscaras, o álcool em gel. Misturamos água e detergente e penduramos nos postes ao redor da Vila, para as pessoas que estão em situação de rua. (Potira)

Refletindo sobre as práticas de cuidado comunitário, precisamos verificar criticamente a relação entre as dinâmicas êmico-éticas que correspondem às realidades de cuidado e repensar as ações e políticas de cuidado. É fundamental indigenizar e enegrecer os feminismos (Carneiro, 2001, 2017) e os estudos do cuidado, para ampliar a relação do cuidado com as ciências, o Estado, o Sistema de Garantia de Direitos (SGD), as políticas públicas, especialmente no que se refere à pandemia e à necropolítica5 5 Na Necropolítica, “[...] matar ou deixar que a vida se constitua [...] é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação do poder” ( Mbembe, 2016: 123). ( Mbembe, 2016MBEMBE, A. Necropolítica. Revista do PPGAV/UFRJ, 32, dez. 2016, pp.123-151. ), nas periferias do capitalismo.

A pandemia da COVID-19 trouxe várias restrições às práticas e aos itinerários de cuidados existentes em territórios socialmente vulnerabilizados ( Cualhete et al., 2022CUALHETE, D. N. et al. Os itinerários terapêuticos de populações vulneráveis na Covid-19: uma revisão de escopo. Interface , 26, Botucatu, 2022, pp.1-18. ). A pandemia é descrita como uma das maiores crises internacionais de saúde pública das últimas décadas, tendo atingido todo o planeta (OMS, 2020). Ela aumentou os desafios nos territórios socialmente vulnerabilizados, agravados pela já existente sindemia e pelo neoliberalismo, como o contínuo desmonte da política social (o SUS), desde dezembro de 2016, com a Emenda Constitucional nº 95, que congelou os investimentos nas áreas sociais, os cortes nos direitos trabalhistas (2017) e na Previdência Social (2019) ( Araújo et al., 2020ARAÚJO, J. L. et al. Em defesa do Sistema Único de Saúde no contexto da pandemia por SARS-CoV-2. Rev. Bras. Enferm., 73 (Supl. 2), Brasília, Epub July 10, 2020. ; Dantas, 2020DANTAS, A. V. Coronavírus, o pedagogo da catástrofe: lições sobre o SUS e a relação entre público e privado. Trabalho, Educação e Saúde, 18(3), Rio de Janeiro, 2020, pp.1-8. e00281113. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00281. [https://www.scielo.br/j/tes/a/BxSvKF5cFWG7wHkQdhtBcRk/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 4 jul. 2023]
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).

O objetivo deste estudo foi compreender o cuidado em um território vulnerabilizado denominado Vila dos Pescadores, na cidade de Cubatão, Região Metropolitana da Baixada Santista, Estado de São Paulo, Brasil. Para tanto, analisamos criticamente a relação entre a dinâmica êmica e a ética do cuidado, considerando a interseccionalidade e suas idiossincrasias.

Constatamos uma carência de estudos sobre cuidados desenvolvidos em territórios socialmente vulnerabilizados que combinem “interseccionalidade” com “ética do cuidado”. Essa combinação pode promover reflexões críticas sobre gênero, raça e classe ao compreender o sentido local do cuidado em condições sociais específicas. Ela pode potencializar uma construção adequada de política pública, delineada aqui como cuidado êmico-ético-político. A ética e a política do cuidado podem ser conjugadas de tal forma que uma não pode ser pensada sem a outra ( Pintasilgo, 1998PINTASILGO, M. L. et al. Cuidar o futuro: um programa radical para viver melhor. Lisboa, Trinova Editora, 1998. ; Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150. ). No caso das favelas, a êmica pode ajudar a entender as ações dentro, contra e além do Estado, contribuir para mudanças no nível do cuidado ético-político e do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). O primeiro passo é delimitar os métodos utilizados e uma trajetória sócio-histórica.

Método e historicização do território

O método aplicado foi a pesquisa participativa qualitativa6 6 Os dados utilizados são um desdobramento de três pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Desigualdades Sociais (LEDS), no período de 2017 a 2023, aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIFESP, conforme Parecer nº 2.047.444, e financiadas respectivamente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), nº 407836/2016-0, nº 140062/2021-1 e CAPES 8882.430741/2019-01. , realizado com atividades de campo e on-line de 2017 a 2023. Foram 12 os participantes do território: 3 Líderes Comunitários (mulheres), 8 Agentes Comunitários de Saúde mulheres (ACS) e 1 médico do sexo masculino da USF. Eles foram engajados por meio de reuniões na USF. A escuta cuidadosa das narrativas e a intensa inserção dos pesquisadores no território permitiram uma melhor compreensão do objeto, do êmico e de suas transformações ( Schmidt, 2008SCHMIDT, M. L. S. Pesquisa participante e formação ética da pesquisa na área da saúde. Ciência Saúde Coletiva , 13 (2), 2008, pp.391-398. ). Foram realizadas 9 entrevistas em profundidade, 7 oficinas com observação participante e 24 diários de campo.

Pesquisar o cuidado em territórios socialmente vulnerabilizados significa ver as marcas deixadas pela racialização, pelo colonialismo, patriarcalismo, capitalismo e neoliberalismo, que se acentuaram profundamente durante a pandemia da COVID-19 ( Camilo et al., 2021CAMILO, C. et al. Cuidado em território de exclusão social: COVID-19 expõe marcas coloniais. Saúde Sociedade 30(2), São Paulo, e210023, 2021 [ https://www.scielo.br/j/sausoc/a/HhZ4VzNvQBjXHYpWHkJsFJz/ - acesso em: dez. 2021]
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). Essa “colonialidade” contínua é um processo de desumanização como estratégia de exploração, para tornar o colonizado menos que um ser humano, forçando as subjetividades a resistir no “ locus fraturado” da diferença colonial ( Lugones, 2014LUGONES, M. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas , Florianópolis, 22(3), 2014, pp.935-952. ). As mulheres racializadas resistem diariamente para humanizar as vidas na comunidade, uma resistência que constrói os feminismos favelados ( Jorge, 2023JORGE, A. Feminismos favelados . Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2023. ).

A contextualização histórico-social desse território requer um enfoque em Cubatão, uma das nove cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista. São 131.626 habitantes (Brasil, 2020b) e a emancipação política ocorreu em 9 de abril de 1949 ( Anhas; Silva, 2017ANHAS, D. de M.; SILVA, C. R. de C. Participação social e subjetividade: vivências juvenis em uma comunidade vulnerável. Psicologia: Teoria e Prática , 19(3), 2017, pp.139-148. ). O principal recurso econômico são as indústrias, especialmente as petroquímicas, instaladas na década de 1950, simultaneamente à construção da Rodovia Anchieta, em 1947 ( Anhas; Silva, 2017ANHAS, D. de M.; SILVA, C. R. de C. Participação social e subjetividade: vivências juvenis em uma comunidade vulnerável. Psicologia: Teoria e Prática , 19(3), 2017, pp.139-148. ). As primeiras vilas operárias desse período eram de famílias migrantes do Nordeste do Brasil que construíram casas em palafitas, sobre manguezais, enfrentando a urbanização e os desafios ambientais ( Anhas; Silva, 2017ANHAS, D. de M.; SILVA, C. R. de C. Participação social e subjetividade: vivências juvenis em uma comunidade vulnerável. Psicologia: Teoria e Prática , 19(3), 2017, pp.139-148. ). Há uma Unidade de Saúde da Família (USF) na Vila, com três equipes de Saúde da Família, configurando a única presença potente do Estado nesse território. Cerca de 40 mil famílias (subestimadas) vivem em palafitas, sem saneamento básico ( Anhas; Silva, 2017ANHAS, D. de M.; SILVA, C. R. de C. Participação social e subjetividade: vivências juvenis em uma comunidade vulnerável. Psicologia: Teoria e Prática , 19(3), 2017, pp.139-148. ). Os profissionais da USF mencionaram que o aumento da população se deve ao crescimento do desemprego desde 2016 ( Brasil, 2019BRASIL. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios C. – PNAD Contínua (Anual). 2019. [ https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101707_informativo.pdf - acesso em: 9 dez. 2020].
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), ampliado durante a Pandemia, entre 2020 e 2022.

Citando o IPVS7 7 O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) é uma tipologia que classifica os setores censitários dos municípios do Estado de São Paulo em grupos de vulnerabilidade social [ http://www.iprs.seade.gov.br/ipvs2010 - acesso em: jul. 2023]. ( São Paulo, 2010SÃO PAULO. Índice Paulista de Vulnerabilidade Social – IPVS. Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), Gov. do Est. de SP, 2010. [ http://catalogo.governoaberto.sp.gov.br/dataset/21-ipvs-indice-paulista-de-vulnerabilidade-social- acesso em: 9 dez. 2020].
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), Cubatão tinha 21,2% da população no grupo de alta vulnerabilidade, 21,0% no grupo de vulnerabilidade extremamente alta. Há 42,2% de sua população com baixo nível socioeconômico e chefes de família, em sua maioria mulheres racializadas e empobrecidas, com nenhuma ou baixa educação formal. A Vila dos Pescadores foi incluída na categoria de vulnerabilidade muito alta ( Moraes et al., 2017MORAES, R. C. P. et al. Pesquisa participante na estratégia saúde da família em territórios vulneráveis: a formação coletiva no diálogo pesquisador e colaborador. Trab. Educ. Saúde, 15(1), Rio de Janeiro, jan./abr. 2017, pp.205-222. ).

Mulheres racializadas e empobrecidas compõem a interseccionalidade no território

A categoria Interseccionalidade8 8 Nas décadas de 1970 e 1980, as pesquisas abordavam gênero, raça e classe no Brasil, embora não utilizassem o termo interseccionalidade ( Gonzalez, 1982 , 1984 ; Saffioti; Almeida, 1995 ). No apagamento legal das mulheres racializadas, a categoria "interseccionalidade" foi cunhada pela primeira vez nos EUA, valorizando a interseção das categorias, o que possibilitou captar o racismo institucional que estrutura os aparatos estatais e o próprio capitalismo ( Crenshaw, 1989 ). A raiz está alocada no feminismo negro ( Crenshaw, 1989 ; Piscitelli, 2008 ; Collins, 2012 ; Moutinho, 2014 ; Davis, 2016 ; Padovani, 2017 ; Akotirene, 2019) , como uma sensibilidade analítica, cujas experiências não foram observadas pelo feminismo branco, mestiço e nem pelo movimento antirracista (homens negros) ( Akotirene, 2019) . , especialmente raça, gênero e classe, ajuda a entender o cuidado no território estudado, onde a maioria dos profissionais de saúde são mulheres racializadas e empobrecidas. A interseccionalidade é o processo colonial que escravizou e desumanizou sociopoliticamente as mulheres racializadas ( Padovani, 2017PADOVANI, N. C. É possível fazer ciências sociais sem uma análise crítica das categorias de diferenciação? Uma proposição feminista. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos , 7 (12), Rio de Janeiro, Ed. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2017, pp.6-30. ). Nas sociedades capitalistas periféricas patriarcais como a América Latina, as mulheres, dependendo da classe, raça e outras imbricações, são colocadas em diferentes estruturas de poder, condições de trabalho, que definem vidas e mortes ( Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ). A PNAD Contínua 2018 mostrou que as mulheres negras realizam mais cuidados não remunerados, para suas próprias famílias e vizinhos, e trabalho de cuidado mal remunerado, para famílias, instituições e empresas brancas burguesas e de classe média ( Brasil, 2019BRASIL. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios C. – PNAD Contínua (Anual). 2019. [ https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101707_informativo.pdf - acesso em: 9 dez. 2020].
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). Os mesmos salários (ou falta de salários) são aplicados às mulheres racializadas, estrangeiras, migrantes e indígenas ( Brasil, 2019BRASIL. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios C. – PNAD Contínua (Anual). 2019. [ https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101707_informativo.pdf - acesso em: 9 dez. 2020].
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).

Não sei exatamente o número de pessoas que trabalham em casas de família como empregadas domésticas (e cuidadoras), mas você vê, pela manhã, no meio da pandemia, mulheres saindo para trabalhar. Suas patroas não as deixavam parar de trabalhar. Elas não tinham outra renda ou opção. (Potira)

As mulheres racializadas desse território não tiveram a oportunidade de seguir os protocolos sanitários para conter a curva de infectados pela pandemia da COVID-19. Essa condição influencia todos os membros da família e da comunidade. A interseccionalidade determina a vida na geopolítica, como a situação das mulheres migrantes brasileiras, e as distribuições desiguais de poder ( Piscitelli, 2008PISCITELLI, A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura , 11 (2), jul./dez. 2008, pp.263-274. ). A pandemia aumentou a importância do trabalho de cuidado das mulheres racializadas e migrantes para a economia global ( Vergès, 2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. São Paulo, Ubu Editora, 2020. ). As sobras de trabalhos precários, de cuidados, limpeza, cozinha, prostituição e outros, sem remuneração ou com baixa remuneração, são deixadas para as mulheres racializadas e empobrecidas, sem direitos ou acesso a eles. O caso das mulheres filipinas, dentro de um vasto sistema de trabalho contratual nos Emirados Árabes Unidos conhecido como “ kafala ”, explicita essa condição, na qual elas devem trabalhar exclusivamente para seu empregador, obter sua aprovação para deixar o país, destacando a ausência de direitos trabalhistas ( Parreñas, 2021PARREÑAS, R. S. Unfree: Migrant Domestic Work in Arab States. California, Stanford University Press, 2021. ). Essas condições de vida análogas à escravidão são historicamente encontradas com frequência no Brasil ( Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ). A interseccionalidade abrange também a maior população carcerária feminina ( Davis, 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo, Boitempo, 2016. ), e não apenas as mulheres do sul global, mas também as mulheres encarceradas em todo o mundo ( Padovani, 2019PADOVANI, N. C. Na caminhada: “localizações sociais” e o campo das prisões. cadernos pagu (55), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, dossiê prisões em etnografias: perspectivas de gênero, 2019, pp.1-31, e195501, ISSN1809-4449. Lic. Creative Commons, http://dx.doi.org/10.1590/18094449201900550001. [https://www.scielo.br/j/cpa/a/s65WxHpcVFTbW96Z7RKxmrM/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 1 ago. 2023].
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). Se considerarmos a cor e a classe dessas mulheres no Brasil, temos mulheres racializadas e empobrecidas ( Padovani, 2019PADOVANI, N. C. Na caminhada: “localizações sociais” e o campo das prisões. cadernos pagu (55), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, dossiê prisões em etnografias: perspectivas de gênero, 2019, pp.1-31, e195501, ISSN1809-4449. Lic. Creative Commons, http://dx.doi.org/10.1590/18094449201900550001. [https://www.scielo.br/j/cpa/a/s65WxHpcVFTbW96Z7RKxmrM/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 1 ago. 2023].
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)

Essa categoria ajudou a política pública ao destacar como a diferença influencia a política e como “os dispositivos de poder produzem a diferença” ( Moutinho, 2014MOUTINHO, L. Diferenças e desigualdades negociadas: raça, sexualidade e gênero em produções acadêmicas recentes. cadernos pagu (42), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2014, pp.201-248.: 203). No capitalismo periférico, as mulheres racializadas empobrecidas das favelas foram estruturalmente abandonadas por séculos, resistiram e cuidaram do bem da comunidade o tempo todo ( Jorge, 2023JORGE, A. Feminismos favelados . Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2023. ; Camilo et al., 2021CAMILO, C. et al. Cuidado em território de exclusão social: COVID-19 expõe marcas coloniais. Saúde Sociedade 30(2), São Paulo, e210023, 2021 [ https://www.scielo.br/j/sausoc/a/HhZ4VzNvQBjXHYpWHkJsFJz/ - acesso em: dez. 2021]
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). A interseccionalidade “instrumentaliza movimentos antirracistas, feministas e instâncias protetoras dos direitos humanos para lidar com as agendas das mulheres negras (e racializadas)” para mudanças estruturais ( Akotirene, 2019AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo, Ed. Sueli Carneiro/Pólen, 2019.: 37), emancipação e superação do sistema operacional.

Essas análises enfocam as realidades em que as mulheres racializadas foram confinadas desde o colonialismo, moldando subjetividades sob duras condições de vida, violências, fome e pobreza ( Gonzalez, 1982GONZALEZ, L. A mulher negra na sociedade brasileira. In: LUZ, Madel T. (org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1982. , 1984GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, pp.223-244. [ https://ria.ufrn.br/jspui/handle/123456789/2298 - acesso em: 15 jul. 2023].
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; Saffioti; Almeida 1995SAFFIOTI, H. I. B.; ALMEIDA, S. S. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro, Revinter, 1995. ; Padovani, 2017PADOVANI, N. C. É possível fazer ciências sociais sem uma análise crítica das categorias de diferenciação? Uma proposição feminista. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos , 7 (12), Rio de Janeiro, Ed. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2017, pp.6-30. ; Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ; Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ). Para combater isso, todos os feminismos devem ser considerados como “práticas discursivas não essencialistas e historicamente contingentes” ( Brah, 1996BRAH, A. Difference, Diversity, Differentiation. In: BRAH, A. (org.). Cartographies of Diaspora: Contesting Indentities. London/New York, Routledge, 1996, pp.95-127.: 358), trabalhando juntos para criar teorias e práticas feministas antirracistas. A interseccionalidade não implica reducionismo, mas sim reciprocidade constitutiva, dentro de cada categoria ( McClintock, 1995MCCLINTOCK, A. Imperial Leather: Race, Gender and Sexuality in the Colonial Contest . New York, London, Routledge, 1995, pp.132-180. ). Ela expõe as desigualdades, as resistências e as possibilidades de transformação política do território.

A impossibilidade de fazer Ciência Social sem uma análise das categorias de diferenciação e sua interseccionalidade é comprovada em vários estudos ( Padovani, 2017PADOVANI, N. C. É possível fazer ciências sociais sem uma análise crítica das categorias de diferenciação? Uma proposição feminista. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos , 7 (12), Rio de Janeiro, Ed. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2017, pp.6-30. ). A interseccionalidade se tornou essencial na América Latina para analisar o cuidado em territórios vulnerabilizados, onde a maioria das pessoas que prestam cuidados e os recebem, seja por meio da atenção primária à saúde do SUS, seja por meio de líderes comunitários e cuidadores, são mulheres racializadas e empobrecidas. Para superar o sistema capitalista deletério, é necessário compreender as subjetividades dentro da dinâmica êmica territorial e sua historicidade. A sociedade precisa admitir que as mulheres racializadas das favelas existem não apenas como vítimas, mas também como protagonistas de forte resistência ( Jorge, 2023JORGE, A. Feminismos favelados . Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2023. ).

Cuidados, êmica e ética em territórios vulnerabilizados

O cuidado é encontrado nesse território em várias facetas. Em um sentido dialético, o cuidado aparece de forma êmica, ou seja, aquele que faz sentido para o grupo específico e é, às vezes, compreensível por meio da universalidade ética, que nem sempre é aplicável nesse território. Ele aparece tanto com características emancipatórias quanto em situações desafiadoras. A categoria de cuidado, ligada à ética, remonta ao movimento feminista da década de 19709 9 Os estudos sobre o cuidado datam de pelo menos cinquenta anos atrás no mundo anglo-saxão ( Gilligan, 1982 ; Moller-Okin, [1989 ] 2008; Tronto, 1993, 2013, 20 , 2013 , 2021 ; Noddings, 1986 ; Parreñas, 2001, 2010, 20 , 2010, 2021 ; Keller; Kittay, 2017, e , entre outros). Pouco tempo depois, os estudos sobre cuidados despertaram um interesse crescente nas Américas Central e do Sul, com Borgeaud-Garciandia, Guimarães e Hirata (2000), Sarti (2006) , Guimarães, Hirata e Sugita (2011), Arango Gaviria e Molinier (2011) , Hirata e Guimarães (2012) , Federici (2013) , Debert e Oliveira (2015) , Kuhnen (2015) , Debert (2016) , Hirata e Debert (2016) , Araújo (2018) , Debert e Pulhez (2019) , Teixeira (2021) , Guimarães e Hirata (2021) , entre outros. . A importância dos avanços10 10 Historicamente, em um contexto patriarcal, reconheceu-se que as mulheres têm uma "voz diferente" da dos homens, tomada como moral universal, de modo que as mulheres têm uma maneira diferente de resolver dilemas morais, com base na ética do cuidado, fundamentada em experiências relacionais únicas ( Gilligan, 1982) . Assim, a agenda do cuidado propôs o debate sobre o "público" versus o "doméstico", as desigualdades que afetam as mulheres e a falsa dicotomia entre cuidado e justiça ( Moller-Okin, 1989: 69). Posteriormente, foi estudada a divisão sexual desigual do cuidado e sua desvalorização ( Tronto, 1993) , então o cuidado passou a ser um princípio de vulnerabilidade, uma teia da qual dependemos para existir, colocando o cuidado na agenda política central na Democracia, um Cuidado Democrático ( Tronto, 2013) . As teóricas do norte global, ao afirmarem que o cuidado é significativo para a sociedade, questionaram a relação entre mulheres e homens para entender a ética, o trabalho invisível e não remunerado que as mulheres vêm fazendo pela humanidade há séculos ( Gilligan, 1982 ; Noddings, 1986 ; Moller-Okin, [1989 ] 2008; Tronto, 1993 ; Molinier, 2005, , Paperman, 2005) . para a vida das mulheres é irrefutável, porém, universal, mas a ética nem sempre se relaciona com os aspectos dos cuidados locais. Críticas significativas neste sentido foram feitas por feministas racializadas11 11 hooks (2000) , Collins (1991) , Parreñas (2001) , Maia, (2009) , Tamanini et al. (2018) , Araújo (2018) , Debert; Pulhez (2019) , Guimarães; Hirata (2000, 2021), Teixeira (2021) , Passos (2023) , entre outros. . Elas trouxeram outras categorias ao refletirem sobre a ética do cuidado, tais como: classe, raça (etnia), território, história colonial, cultura, política, direitos e meio ambiente. As críticas permitiram apontar que o cuidado não remunerado ou de baixa remuneração é realizado, em sua maioria, por mulheres racializadas, enquanto as mulheres brancas são dispensadas para realizar trabalhos mais bem remunerados na hierarquia trabalhista ( Gonzalez, 1982GONZALEZ, L. A mulher negra na sociedade brasileira. In: LUZ, Madel T. (org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1982. , 1984GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, pp.223-244. [ https://ria.ufrn.br/jspui/handle/123456789/2298 - acesso em: 15 jul. 2023].
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, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150. ; Parreñas, 2001PARREÑAS, R. S. Servants of Globalization: Women, Migration, and Domestic Work. California, Stanford University Press, 2001. ; Vergès, 2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. São Paulo, Ubu Editora, 2020. ; Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ; Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ). Portanto, não é justo impor uma inter-relação normativa “ética” de responsabilidade pelo cuidado se as mulheres racializadas permanecem na base da responsabilidade do trabalho de cuidado e não são cuidadas da mesma forma ( Maia, 2009MAIA, M. S. (org.) Por uma Ética do Cuidado . Rio de Janeiro, Garamond, 2009. ; Araujo, 2018ARAÚJO, A. B. Da Ética do Cuidado à Interseccionalidade: Caminhos e Desafios para compreensão do trabalho de cuidado. Dossiê - Gênero, cuidado e famílias. Mediações, Londrina, v. 23, n. 3, set.-dez. 2018, pp.43-69. ; Vergès, 2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. São Paulo, Ubu Editora, 2020. ; Guimarães; Hirata, 2021GUIMARÃES, N. A.; HIRATA, H. S. (org.). Care and Care Workers: A Latin American Perspective. Cham, Springer N. S. AG, 2021, pp.1-24. ).

As trabalhadoras domésticas (Saffioti, 1978; Federici, 2013FEDERICI, S. Revolución en punto cero: trabajo doméstico, reproducción y luchas feministas. Madrid, Traficantes de Sueño, 2013. ; Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ) e as trabalhadoras domésticas migrantes ( Parreñas, 2001PARREÑAS, R. S. Servants of Globalization: Women, Migration, and Domestic Work. California, Stanford University Press, 2001. ; Piscitelli, 2008PISCITELLI, A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura , 11 (2), jul./dez. 2008, pp.263-274. ; Vergès, 2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. São Paulo, Ubu Editora, 2020. ), que deixam as suas famílias para cuidar de outras famílias em bairros mais ricos ou em países ao redor do mundo para atender à economia global ( Parreñas, 2001PARREÑAS, R. S. Servants of Globalization: Women, Migration, and Domestic Work. California, Stanford University Press, 2001. ; Vergès, 2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. São Paulo, Ubu Editora, 2020. ), não puderam seguir os protocolos sanitários ( Vergès, 2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. São Paulo, Ubu Editora, 2020. ; Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ; Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ). O trabalho doméstico coloca as mulheres em posições específicas de subordinação, pois uma categoria de investigação sobre gênero, raça, classe e outras relações de poder nas transformações econômicas globais também difere entre as mulheres ( Piscitelli, 2008PISCITELLI, A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura , 11 (2), jul./dez. 2008, pp.263-274. ; Parreñas; Boris, 2010PARREÑAS, R. S.; BORIS, Eileen. Intimate Labors: Cultures, Technologies, and the Politics of Care. California, Stanford Social Sciences, 2010. ; Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ).

Na pandemia, as pessoas que trabalhavam para outras famílias (cuidadores, empregadas domésticas etc.) ou em empresas acabaram indo trabalhar por medo de serem demitidas. Havia também muitos desempregados. (Potira)

Essa relação desigual entre quem dá o cuidado, quem o recebe e quem é pago para cuidar também inclui quem tem e quem não tem acesso a cuidados de qualidade. Nos países com sistema público de saúde, a “humanização” do atendimento ( Sarti, 2006SARTI, C. A. Estudo analisa cuidados em saúde a partir da análise de seus fundamentos e possibilidades. Resenha do livro Deslandes, S. F. (org.) Humanização dos cuidados em saúde: conceitos e dilemas. Revista Pesquisa FAPESP, São Paulo, 130, 2006, pp.94 [ https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2006/12/94-resenha-130.pdf - acesso em: 21 jul. 2023].
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) é discutida em termos éticos ( Palácios, 2019PALÁCIOS, M (org.). Bioética, Saúde e Sociedade. Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2019. ), contrapondo-se aos biologismos, à falácia da objetividade do paradigma biomédico da saúde e ao excesso tecnológico, argumentando que a “humanização” do atendimento tornou-se um tema central no campo da saúde coletiva ( Sarti, 2006SARTI, C. A. Estudo analisa cuidados em saúde a partir da análise de seus fundamentos e possibilidades. Resenha do livro Deslandes, S. F. (org.) Humanização dos cuidados em saúde: conceitos e dilemas. Revista Pesquisa FAPESP, São Paulo, 130, 2006, pp.94 [ https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2006/12/94-resenha-130.pdf - acesso em: 21 jul. 2023].
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). O “humano”, na equação da “humanização”, não dá conta dos corpos sem cidadania plena, deixando de fora os corpos empobrecidos racializados ( Maia, 2009MAIA, M. S. (org.) Por uma Ética do Cuidado . Rio de Janeiro, Garamond, 2009. ; Ribeiro, 2018RIBEIRO, D. Quem tem Medo do Feminismo Negro? São Paulo, Ed. Schwarcz, 2018. ; David, 2023DAVID, E. C. Aquilombamento da Saúde Mental . São Paulo, Hucitec, 2023. ; Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ).

Os corpos idosos também são deixados de fora da equação do cuidado (Debert, 2015, 2016). A preocupação com o cuidado, particularmente com o envelhecimento da população, o déficit de cuidados, o número insuficiente de cuidadores através de um acesso público e universal “para atender a uma quantidade crescente de idosos dependentes” são demandas ainda não solucionadas ( Debert; Pulhez, 2019DEBERT, G. G.; PULHEZ, M. M. (org.). Desafios do cuidado: gênero, velhice e deficiência. Campinas, SP, UNICAMP/IFCH, 2019 [ https://www.ifch.unicamp.br/publicacoes/pf-publicacoes/td-66-livro-e-book-ok.pdf - acesso em: 1 jul. 2023].
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: 5). As mulheres racializadas desse território, mães/avós solo, que foram as provedoras da família por décadas, não têm acesso a cuidados na velhice, especialmente na pandemia.

Tivemos 4 mortes até o momento (outubro de 2020). Uma era uma senhora que já estava doente, tinha pressão alta. Mais três morreram de COVID aqui. Não há ninguém para cuidar dos idosos porque os mais jovens trabalham fora e não podem pagar os cuidadores. (Iracema)

Esse cenário expõe como a desigualdade em relação aos cuidados está presente. A interseccionalidade, mais do que determinar o atendimento, também define quem pode viver e quem deve morrer. Isso ilustra o conceito de necropolítica ( Mbembe, 2016MBEMBE, A. Necropolítica. Revista do PPGAV/UFRJ, 32, dez. 2016, pp.123-151. ) e não é uma questão de opção ( Maia, 2009MAIA, M. S. (org.) Por uma Ética do Cuidado . Rio de Janeiro, Garamond, 2009. ). A relação entre cuidado, economia local e global é destacada na expansão dos cuidadores profissionais e nos impactos das políticas públicas relacionadas ao cuidado como sendo fenômenos globais ( Guimarães; Hirata, 2021GUIMARÃES, N. A.; HIRATA, H. S. (org.). Care and Care Workers: A Latin American Perspective. Cham, Springer N. S. AG, 2021, pp.1-24. ). O cuidado na América Latina se expandiu nos últimos séculos, porém “em um contexto de mercados pouco estruturados, com dependência de trabalhadores domésticos para prestar cuidados domiciliares como trabalhadores remunerados em arranjos formais e informais” ( Guimarães; Hirata, 2021GUIMARÃES, N. A.; HIRATA, H. S. (org.). Care and Care Workers: A Latin American Perspective. Cham, Springer N. S. AG, 2021, pp.1-24.: 241). As trabalhadoras do cuidado são, em sua maioria, oriundas de territórios vulnerabilizados como este, ainda longe de contar com políticas públicas adequadas ( Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ). O mercado e a sociedade global dependem das mulheres racializadas, mas elas não têm com quem contar quando envelhecem. O abandono é um imperativo.

A sociedade não pode funcionar sem o trabalho não remunerado (e mal e informalmente remunerado) dos cuidadores. Ter os dados [...] permite que as políticas públicas sejam baseadas em realidades e não em preconceitos, hábitos ou injustiças estruturais de uma época anterior sobre papéis de gênero, classe, etnia, raça, status de migrante ( Tronto, 2021TRONTO, J. C. Prólogo. In: GUIMARÃES, N. A.; HIRATA, H. (org.). Care and Care Workers: A Latin American Perspective. Cham, Springer N. S. AG, 2021, pp.vii-viii.: 17).

Embora a ética do cuidado e os estudos sobre o cuidado tenham avançado nas últimas décadas, há falta de profundidade no campo do cuidado em território vulnerabilizado. Outra deficiência é que os estudos se concentram principalmente nas fragilidades, e não nas práticas potentes. Falta também aprofundamento do papel da atenção primária à saúde como uma das poucas ofertas de cuidado disponíveis, ainda que precárias. O cuidado produzido nesse território tende a ter uma dinâmica êmica específica entre a prática do cuidado e a tradição, e pode contribuir para uma essência ético-política efetiva, para melhorar as políticas públicas em torno do cuidado prestado pelo SUS, tomando a interseccionalidade e o conhecimento local como base para a transformação estrutural.

Ficamos lá por um longo tempo sem médico, antes e durante o início da pandemia. Depois, só veio um médico. O dentista não está trabalhando por causa da COVID. (Iracema)

Nessa condição de abandono do Estado, as mulheres se mobilizaram e cuidaram da própria comunidade. O cuidado ético-político neste estudo, longe de ser uma proposta normativa, sugere a construção constante, dentro, contra e além do Estado ( Holloway, 2021HOLLOWAY, J. Foreword to the New Edition. In: COCKBURN, C. et al. (London Edinburgh Weekend Return Group), In and Against the State. Discussion Notes for Socialists . London, Pluto Press, 2021, pp.vii-x. , 2006HOLLOWAY, J. Contra y más allá del capital. Buenos Aires, Ed. Herramienta e México, Ed. da Universidad Autónoma de Puebla, 2006. ). Uma “questão ético-política” é que não se pode falar na primeira pessoa do singular de algo dolorosamente comum a milhões de mulheres que vivem na América Latina, como pardas, negras e indígenas, “mulheres ameríndias e amefricanas, subordinadas a uma latinidade que legitima sua inferioridade” e exige delas trabalho, mobilização e resistência constantes ( Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150.: 140). A êmica pode melhorar o cuidado ético-político.

Tomando a interseccionalidade nas reflexões da ética do cuidado, é importante mencionar que a valorização do cuidado como trabalho e como um direito universal se opõe aos princípios do cuidado como produto, promovidos pelas ideologias neoliberais, e à ideia de que todas as mulheres estão na mesma posição de opressão. Na vida das mulheres, especialmente das mulheres racializadas na e da América Latina, a valorização moral, financeira e política do trabalho de cuidado as tira da condição de invisibilidade e desvalorização e as encaminha para o trabalho remunerado e o real acesso aos direitos.

Desafios e fragilidades para o atendimento

Os desafios e as fragilidades dificultam práticas de cuidado, itinerários, experiências e subjetividades coletivas ( Merhy, 2006MERHY, E. E. A saúde pública como política. São Paulo, Hucitec, 2006. ; Paim; Almeida-Filho, 2014PAIM, J. S.; ALMEIDA-FILHO, N (org.). Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro, Medbook Editora Científica, 2014. , Passos; 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ) e humanizadas ( Sarti, 2006SARTI, C. A. Estudo analisa cuidados em saúde a partir da análise de seus fundamentos e possibilidades. Resenha do livro Deslandes, S. F. (org.) Humanização dos cuidados em saúde: conceitos e dilemas. Revista Pesquisa FAPESP, São Paulo, 130, 2006, pp.94 [ https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2006/12/94-resenha-130.pdf - acesso em: 21 jul. 2023].
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; Maia, 2009MAIA, M. S. (org.) Por uma Ética do Cuidado . Rio de Janeiro, Garamond, 2009. ). Observamos que vários desafios não se relacionam a um cuidado ético normativo no território, agravados desde a Emenda Constitucional nº 95 e a revogação de Programas de Atenção Básica, como o NASF-AB ( Brasil, 2012BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.124, de 28 de dezembro de 2012. Redefine os parâmetros de vinculação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). 2012 [ http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt3124_28_12_2012.html - acesso em: 9 dez. 2020].
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
, 2020cBRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Saúde da Família perde o Modelo do NASF (Núcleo Ampliado de Saúde da Família). 2020c. [ https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/noticias/saude-da-familia-perde-modelo-do-nasf#access-content - acesso em: 9 dez. 2020].
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). Os recortes da Nota Técnica nº 3/2020-DESF/SAPS/MS, de 28 de janeiro de 2020, explicam como os cidadãos deixaram de ter direito aos serviços de atenção básica especializada, segundo as declarações dos profissionais de saúde. As políticas neoliberais e necropolíticas durante a COVID-19 agravaram as fragilidades já existentes, uma vez que os cuidados prestados nas USFs, creches, escolas, organizações comunitárias e igrejas tiveram suas atividades restringidas ou encerradas.

Ele cortou todos os orçamentos (até 2022). Saúde, educação, as áreas que mais precisam. Por que não cortar deles (seus próprios contracheques)? (Joênia)

Os cortes nas áreas sociais durante os últimos governos neoliberais estão na consciência coletiva local, sobre como a situação piora para os trabalhadores, enquanto a camada governante mantém seus privilégios. A negligência do Estado aparece nesse território nesse período (2016-2022), impulsionando o enfraquecimento do atendimento, que mudou lentamente em 2023 após a mudança política e mais investimentos nas áreas sociais.

Os cuidados com a saúde mental têm muitos desafios. Os casos de doença mental aumentaram na pandemia. As declarações mostram dois tipos de reação: a vergonha das pessoas que sofrem violência ou doença mental, bem como a hostilidade das pessoas ao redor das vítimas.

Na minha região, se você tem (depressão), isso não é dito abertamente. [...] Aqui as pessoas têm vergonha de dizer isso... Muitas pessoas têm isso aqui. (Yara)

Essa situação evidenciou a importância da capilaridade do SUS, CAPS12 12 CAPS: Centros de Atenção Psicossocial; e CAPSi: Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil. e SUAS13 13 SUAS: Sistema Único de Assistência Social. . A maioria das mulheres racializadas e empobrecidas do território estudado estava desempregada durante o pico da pandemia e sobrecarregada com os cuidados das crianças, dos idosos e da casa, já que as escolas estavam fechadas, o que aumentava sua carga de trabalho e estresse. A exposição contínua ao estresse, a diversos tipos de violência, à ausência de políticas públicas eficazes e à falta de perspectivas, prolongada por anos, pode culminar no autoextermínio ( Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ). Houve vários casos durante a pandemia e poucos cuidados puderam ser tomados. Um aquilombamento14 14 Resistência coletiva nas instituições, alfabetização racial, desconstrução do racismo e de outras opressões, reparação de uma vida e de espaços dignos, onde as pessoas se sintam pertencentes e acolhidas, independentemente de sua condição. no SUS poderia ajudar a prevenir ( David, 2023DAVID, E. C. Aquilombamento da Saúde Mental . São Paulo, Hucitec, 2023. ).

Acredito que o ambiente faz com que as pessoas entrem em depressão! A pessoa não tem uma casa boa, não tem o apoio dos pais (nem do poder público), está procurando emprego e não consegue, tem um filho e não recebe pensão, acho que isso faz com que a pessoa fique doente! (Janaína)

As vítimas sentem que não têm saída. Não há liberdade de escolha, ou nem mesmo é uma questão de esforço e mérito, mas um imperativo sociopolítico ( Maia, 2009MAIA, M. S. (org.) Por uma Ética do Cuidado . Rio de Janeiro, Garamond, 2009. ; Tamanini et al., 2018TAMANINI, M. et al. (org.). O cuidado em cena. Desafios políticos, teóricos e práticos . Florianópolis, Editora UDESC, 2018. ; Passos; 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ). A chegada da COVID-19 exacerbou os problemas existentes na pré-pandemia ( Portela et al., 2020PORTELA, M. C. et al. Nota técnica 1. Limites e possibilidades dos municípios brasileiros para o enfrentamento dos casos graves de Covid-19. Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)/ Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), 2020, pp.2-19. ). As restrições, no pico, dificultaram o combate a vários sofrimentos.

O coração dói. Estamos arrasados. Imagine se Katarina ajudasse todo mundo que precisa de comida. Certa vez, fomos à casa de uma mulher. A casa não tinha porta. A moça estava sozinha. Roubam suas coisas, e ela diz: “Só posso fazer faxina, ou comemos ou”... isso dói, e não podemos fazer nada. Não temos o apoio da prefeitura para resolver esse problema! (Tainara)

A fome parece ser implantada no interesse da subordinação para manter a hierarquia de classe, raça e gênero no espectro social e a exploração por meio de salários baixos ou não remuneração das mulheres racializadas empobrecidas. As mulheres racializadas e suas famílias nesse território estão condenadas a gerações de pobreza e sujeitas a condições agravadas de violência, humilhação, sofrimento, doença e morte. O cuidado, no combate à fome durante a pandemia, reduziu-se ao assistencialismo por meio da aquisição de cestas básicas, sopões e doações, com ausência do poder público. A mobilização coletiva, “porque toda mulher negra é um quilombo”, resolveu alguns desafios ( Dealdina, 2021DEALDINA, S. S (org.). Mulheres Quilombolas. São Paulo, Ed. Jandaíra, 2021.: 20).

Durante a pandemia, a situação de desemprego entre as mulheres aumentou, assim como as doenças ( Marques et al., 2020MARQUES, E. S. et al. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad. Saúde Pública, 36(4), 30 abr. 2020, pp.1-6, e00074420 [https://www.scielo.br/j/csp/a/SCYZFVKpRGpq6sxJsX6Sftx/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 16 jul., 2023.]. DOI: 10.1590/0102-311X00074420.
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). A doença está diretamente ligada às condições de vida muito abaixo dos padrões estabelecidos como direitos humanos básicos, demonstrando mais uma vez a necropolítica da governança. A impossibilidade de seguir os protocolos sanitários se deve a essa situação de moradia. A resolubilidade restrita que o cuidado tem em determinadas condições, desafiando o cerne ético-político, é mostrada a seguir.

Por um tempo, as pessoas tentaram ficar em casa, mas é ruim quando você não tem espaço, não tem janela, não tem espaço para respirar [...]. Muitos mosquitos [...]. Nem todo mundo tem acesso à Internet, mesmo com um telefone celular. As pessoas vão para a frente do Exército da Salvação para acessar o wi-fi e se aglomeram. (Potira).

Tudo interfere na saúde, nas condições de vida. A pessoa que mora lá, nas palafitas, a maré enche o barraco onde as pessoas moram [...], os ratos entram na casa. (Ana)

Os maiores desafios para o cuidado ético-político nesse território são os diferentes tipos de violência, decorrentes da escravidão e da herança patriarcal, nas avenidas de interseccionalidade da Colonialidade, em relação a gênero, raça e classe ( Akotirene, 2019AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo, Ed. Sueli Carneiro/Pólen, 2019. ; Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150. , 1984GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, pp.223-244. [ https://ria.ufrn.br/jspui/handle/123456789/2298 - acesso em: 15 jul. 2023].
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; Davis, 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo, Boitempo, 2016. ; Padovani, 2017PADOVANI, N. C. É possível fazer ciências sociais sem uma análise crítica das categorias de diferenciação? Uma proposição feminista. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos , 7 (12), Rio de Janeiro, Ed. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2017, pp.6-30. ; Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ). Embora criminalizada pela Lei nº 7.716/1989 (Brasil, 1989), incluindo as alterações de 2010 e 2012, a violência racial persiste no território, afetando a vida cotidiana. Uma forma de violência estrutural presente é contra crianças e jovens negros, pardos e indígenas, cometida por agentes de segurança pública e milícias. Em 2019, no período de um ano, 23.327 jovens (15 a 29 anos) foram assassinados no Brasil e, nos últimos onze anos (2009-2019), 333.330 jovens foram vítimas da violência letal no país ( Brasil, 2021BRASIL. IPEA. Atlas da Violência. 2021. [ https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes/212/atlas-da-violencia-2021 - acesso em: 4 ago. 2023].
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/p...
). Neste exato momento, está ocorrendo, na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), a Operação Escudo, comandada pelo governador Tarcísio de Freitas, que já custou a vida de dezenas de jovens e de um agente de segurança, bem como encarcerou ao todo 958 pessoas, sendo a maioria destas jovens racializados e empobrecidos ( Hailer, 2023HAILER, M. PM de Tarcísio de Freitas promove massacre no Guarujá aos moldes da polícia do Rio, Folha Santista, 31 de julho de 2023 [ https://folhasantista.com.br/policia/pm-de-tarcisio-de-freitas-promove-massacre-no-guaruja-aos-moldes-da-policia-do-rio/ - acesso em: 10 jul. 2023].
https://folhasantista.com.br/policia/pm-...
).

O problema é quando a polícia chega, certo? A polícia chegou e atirou neles. As crianças correram feito loucas. (Iracema)

O racismo estrutural violento no país afeta as mães das vítimas perseguidas, encarceradas ou mortas, deixando-as em sofrimento, algumas das quais passam a fazer parte do movimento Mães de Maio15 15 O movimento Mães de Maio no Brasil é uma rede de mães, familiares e amigos de vítimas de violência do Estado localizada em São Paulo, especialmente na capital e na RMBS. – mães que perderam seus filhos para a violência do Estado, como as mães da Plaza de Mayo na Argentina ( Hailer, 2023HAILER, M. PM de Tarcísio de Freitas promove massacre no Guarujá aos moldes da polícia do Rio, Folha Santista, 31 de julho de 2023 [ https://folhasantista.com.br/policia/pm-de-tarcisio-de-freitas-promove-massacre-no-guaruja-aos-moldes-da-policia-do-rio/ - acesso em: 10 jul. 2023].
https://folhasantista.com.br/policia/pm-...
). A subjetivação de mulheres racializadas de territórios vulnerabilizados é atravessada pela violência como estratégia de colonialidade ( Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ). Estratégias de aquilombamento ( David, 2023DAVID, E. C. Aquilombamento da Saúde Mental . São Paulo, Hucitec, 2023. ), com cuidados atentos ( Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ) às mães e às famílias das vítimas, que compreendam a historicidade, a interseccionalidade e a dinâmica êmica do território podem fortalecer as subjetividades. Câmeras uniformizadas e educação antirracista dos agentes de segurança podem reduzir essa prática. A descriminalização do comércio de cannabis e a educação emancipatória dos jovens podem transformar o ciclo violência-encarceramento-morte.

Os casos de violência doméstica aumentaram repentinamente na Pandemia ( Marques et al., 2020MARQUES, E. S. et al. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad. Saúde Pública, 36(4), 30 abr. 2020, pp.1-6, e00074420 [https://www.scielo.br/j/csp/a/SCYZFVKpRGpq6sxJsX6Sftx/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 16 jul., 2023.]. DOI: 10.1590/0102-311X00074420.
https://www.scielo.br/j/csp/a/SCYZFVKpRG...
; Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ), corroborando os dados das Nações Unidas ( ONU Mulheres, 2020ONU Mulheres. Violência sexual em conflitos se aprofunda durante pandemia. ONU Mulheres, 22 jun. 2020 [ http://www.onumulheres.org.br/noticias/onu-violencia-sexual-em-conflitos-se-aprofunda-durante-pandemia/ - acesso em: ago. 2020].
http://www.onumulheres.org.br/noticias/o...
). Nesse território, o atendimento tornou-se ineficaz em situações descritas por lideranças e ACSs.

Alguns casos de violência doméstica duram muitos anos e causam um sofrimento tão insuportável que levam as mulheres, inclusive as mães, ao autoextermínio. As mulheres se cansam de ser agredidas, algumas tomam remédios, e nós dizemos: “sabemos por que você tomou remédio para se matar por causa do seu marido”. Tínhamos uma funcionária. Ela estava sendo espancada com um cinto. Ele lhe disse para tirar a roupa e ela a tirou. Ela nunca nos contou. Ela lavava a louça e chorava. (Iracema)

As vítimas de violência doméstica, em relacionamentos abusivos, são silenciadas e dependentes economicamente. Esse processo dificulta as intervenções, sendo agravado também pela moralidade patriarcal religiosa do papel subordinado da mulher. As vítimas se sentem envergonhadas e culpadas.

E dizemos: “Mãe, por que você não pediu ajuda?”, “Ah, tia, estou com vergonha, não queria me expor”. Então, há muitos, muitos casos aqui. (Iracema)

O cuidado ético-político requer atenção especializada de vários órgãos estatais, de forma intersetorial ( Paim; Almeida-Filho, 2014PAIM, J. S.; ALMEIDA-FILHO, N (org.). Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro, Medbook Editora Científica, 2014. ), o que esse território não tem, especialmente durante as restrições e a sobrecarga no pico da COVID-19. A USF priorizou os pacientes com COVID-19 e as gestantes. Não há delegacia da mulher ou casa abrigo. A violência contra crianças e a pedofilia foram um grande desafio. O fechamento das escolas durante a pandemia deixou as crianças permanentemente com seus agressores. As lideranças e os ACSs se sentiram impotentes.

Há muitos pedófilos nesse bairro! Eu vejo vários que não consigo nem imaginar. Aí eu penso: eu não vou me envolver? Mas eu não posso fazer nada! (Yara)

Nesse contexto, foi aberta uma organização comunitária que recebia crianças para que as mães pudessem trabalhar e as crianças pudessem ficar longe de seus padrastos/agressores.

Eu fui dar aula para as crianças (na pandemia), porque as mães, talvez por não se sentirem preparadas para ajudar nas atividades escolares, estavam descontando de forma violenta [...]. (Potira)

O menino chegou aqui com hematomas no corpo [...]. Um dia ele chegou aqui roxo porque estava brincando com a irmãzinha dele, aí ele pisou no pé dela, aí o padrasto dele bateu nele. Aí eu falei: “Meu Deus do céu, eu não posso deixar você...”. Mas, ao mesmo tempo, eu disse ao garoto que não contaria a ninguém. (Iracema)

O feminicídio e o homicídio aqui fazem parte da cultura patriarcal, baseada na justiça paralela do comércio de drogas. A prática “em uma briga entre marido e mulher, eu meterei a colher antes que a morte os separe”16 16 “Em briga de marido e mulher, eu vou sim meter a colher antes que a morte os separe” ( Rufino, 2019) . Isso significa intervir e separar o conflito antes que a mulher seja morta. ( Rufino, 2019RUFINO, A. Eu, Alzira Rufino, resisto. São Paulo, Futurama Editora, 2019.: 205) nem sempre funciona. O cuidado sofre com a impotência diante do feminicídio e vivenciar o assassinato de mulheres e meninas adolescentes é muito doloroso.

Jovem, ela tinha 16 anos. E então ele passou, puxando seu cabelo, e ele lhe dizia para “parar de gritar” e ela dizia “não me mate, deixe-me criar minha filha”. Eles a levaram. Quando anoiteceu, ele foi até a casa da família dela e disse: “acabou”. Ele a matou, matou o outro cara e enterrou os dois juntos. E o corpo da garota que pedimos? Não, ele não vai entregar o corpo dela. E a filha não sabe até hoje. Ele criou a menina. Ela tem 10 anos de idade e não sabe quem matou sua mãe. O que foi dito a ela é que a mãe desapareceu. [...] Foi o pai. [...] Ontem mesmo, quando eu estava indo para a escola, ela estava chegando: “Oi, tia”. E aí eu falo com Deus, “Deus, ela vai descobrir um dia, porque eles vão contar pra ela o que aconteceu”. Porque ela idolatra esse pai... Chegou o Dia dos Pais e ela disse: “Tia, eu quero fazer um presente especial para levar para o meu pai”. Ah, isso machucou. E precisamos fazer um presente para ela dar a esse pai, pois sabíamos o que ele tinha feito com a mãe dela. E temos a foto dela lá. (Iracema).

Essa eliminação de meninas e mulheres, já submetidas a condições de vida que lhes foram conferidas desde o colonialismo, demonstra topografias de patriarcalismo cruel, racismo e capitalismo nesse território. O estupro e o assassinato aparecem como naturalizados, tirando a vida de meninas racializadas empobrecidas em uma idade tão precoce. A vida parece ter muito pouco valor, certamente ligada a práticas violentas históricas ( Saffioti; Almeida, 1995SAFFIOTI, H. I. B.; ALMEIDA, S. S. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro, Revinter, 1995. ) e à negligência do Estado ( Holloway, 2021HOLLOWAY, J. Foreword to the New Edition. In: COCKBURN, C. et al. (London Edinburgh Weekend Return Group), In and Against the State. Discussion Notes for Socialists . London, Pluto Press, 2021, pp.vii-x. ). O controle do território pelo poder paralelo se dá pela ausência de equipamentos públicos e de melhores oportunidades de vida.

Desde o início da pandemia e o aumento da violência contra mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiência e LGBTQIAP+, as instituições governamentais aprovaram a Lei nº 14.022, em 8 de julho de 202017 17 A Lei nº 14.022, de 8 de julho de 2020, que altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica [ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14022.htm - acesso em: jul. 2023]. (Brasil, 2020a). Podem ser vistas como medidas de cuidado ético-político: o registro das ocorrências de violência doméstica, feito eletronicamente ou por meio de um número de telefone, os prazos processuais, o exame das questões, o atendimento às partes e a concessão de medidas protetivas. Nos casos de crimes sexuais, se houver a adoção de medidas pelo poder público que restrinjam a circulação de pessoas, os órgãos de segurança pública devem estabelecer equipes móveis para o exame de corpo de delito no local onde se encontra a vítima. Devido à dinâmica êmica do território em questão, à lei do silêncio imposta pelos líderes do comércio de drogas, que têm medo da própria violência do Estado, em especial da polícia militar, não é permitido que as vítimas contatem os órgãos de segurança pública ou que elas sejam contatadas por agentes de segurança pública. Em alguns casos, os próprios jovens fazem o ‘tribunal do tráfico’ e julgam os ‘crimes’, decidindo a ‘pena’ a ser cumprida, que pode variar entre um ‘aviso’ (ameaça), uma tortura física ou a morte do suposto infrator.

Cuidar da gravidez na adolescência é outro desafio. O aborto, realizado de forma precária, representa um grave problema para a saúde pública, com maior incidência nos países do cone sul, sendo uma das principais causas de mortalidade materna ( Coelho, 2019COELHO, J. Negritude: direitos sexuais e reprodutivos. In: MELO et al. Descolonizar o feminismo. Brasília, Editora IFB, 2019. ). As meninas/mulheres racializadas empobrecidas são as principais vítimas da mortalidade materna e do feminicídio, pois não podem pagar clínicas particulares nem encontrar abrigo público ( Ribeiro, 2018RIBEIRO, D. Quem tem Medo do Feminismo Negro? São Paulo, Ed. Schwarcz, 2018. ).

É nesses eventos que elas engravidam muito. E tem aquelas que abortam. Os adolescentes que deveriam ser ativos na conscientização são os que estão fazendo muito mais bobagens (Jacira).

Devido à criminalização do aborto, as meninas ou abortam em casa, utilizando ferramentas como agulha de tricô ou automedicação, ou são forçadas a concluir a gravidez, tornando-se mães em uma idade precoce, sendo elas próprias ainda crianças. O cuidado, nesses casos, precisa contatar um espectro maior do que a USF e ser abordado nas escolas, com educação sexual e preventiva. A descriminalização do aborto é uma medida para proteger a vida das meninas empobrecidas. Há uma alta frequência dessas ocorrências.

O tráfico inclui uma sexualidade muito avançada. Se você entrar em uma festa ( funk ), verá meninas fazendo sexo abertamente. [...] Sífilis... [...] Inês engravidou aos 13 anos. [...] Inara aos 13 anos (Iracema).

As lideranças comunitárias e os profissionais de saúde do SUS têm dificuldade em lidar com a violência, a sexualização avançada, as doenças, os estupros, a gravidez precoce e o feminicídio. No Brasil, a violência contra a mulher faz: 2 estupros por minuto, mais de 822.000 por ano (Brasil, 2023); 13 feminicídios por dia, 4.519 em 2018; e 3.737 feminicídios mais 16.648 mortes sem causa determinada em 2019; no total, 20.383 mulheres foram assassinadas ou morreram sem causa específica, ou seja, homicídio, acidente ou suicídio, sendo que as mulheres negras empobrecidas são as mais afetadas ( Brasil, 2021BRASIL. IPEA. Atlas da Violência. 2021. [ https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes/212/atlas-da-violencia-2021 - acesso em: 4 ago. 2023].
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). Houve um completo abandono dos jovens e de suas mães com as restrições ou ausência de público durante a pandemia nesse território. O estudo mostrou que há necessidade de uma ampla politização para a melhoria em todas as frentes de cuidado — saúde pública, assistência social, educação, habitação, saneamento, lazer, segurança — e construída em conjunto com o controle social, comunidade e conselhos. A COVID-19 tem destacado a importância do serviço público no cuidado com a população histórica e socialmente vulnerabilizada. As reparações devem se centralizar em um espectro completo de cuidados, considerando a inter-relação êmica-ética-política.

Potencialidades no cuidado e nas relações êmico-ético-políticas

O cuidado ético-político pressupõe direitos das pessoas para potencializar o cuidado público, efetivo e humanizado ( Sarti, 2006SARTI, C. A. Estudo analisa cuidados em saúde a partir da análise de seus fundamentos e possibilidades. Resenha do livro Deslandes, S. F. (org.) Humanização dos cuidados em saúde: conceitos e dilemas. Revista Pesquisa FAPESP, São Paulo, 130, 2006, pp.94 [ https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2006/12/94-resenha-130.pdf - acesso em: 21 jul. 2023].
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), que transforma estruturas desiguais e atende ao que preconizam os princípios do SUS e a Constituição de 1988 ( Paim; Almeida-Filho, 2014PAIM, J. S.; ALMEIDA-FILHO, N (org.). Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro, Medbook Editora Científica, 2014. ). A interseccionalidade e a dinâmica êmica devem ser levadas em conta nesses territórios, pois as mulheres racializadas resistem à negligência do Estado e criam formas eficientes de cuidado. As potencialidades observadas aqui são os laços fortes, a intersubjetividade, as articulações e ações coletivas contra, dentro e para além do Estado, as políticas públicas e os esforços para superar a vulnerabilização social. Com a chegada da crise sanitária, a situação social se agravou severamente. No entanto, o acesso a informações científicas verdadeiras sobre a saúde coletiva trouxe rápidas adaptações e proteção.

Sentimos a vigilância da própria comunidade. As pessoas perguntam: “onde está sua máscara?” [...] Principalmente quem teve ou perdeu um amigo por causa da COVID-19. As pessoas não olham mais de forma estranha para quem está de máscara. Alguns não a usam por desconforto ou ignorância. As pessoas repetem os boatos de Bolsonaro: “ah, eu já peguei, então não preciso mais usar máscara” (a suposta imunidade de rebanho). Os órgãos públicos devem educar que, mesmo quem já teve a doença, deve continuar usando a máscara. Mas há o problema de como você vai cumprir a segurança sanitária então, com esse desgoverno que nos dá tantas inverdades? (Potira).

As lideranças comunitárias destacaram a importância de conscientizar a população sobre os riscos aos quais estão expostas (não apenas à COVID-19, mas também), devido à presença de depósitos de resíduos de metais pesados por empresas, que degradam o meio ambiente, afetando a vida (Diário de campo).

[...] saber também sobre nossos direitos, [...] principalmente em saúde e educação [...] que é o que uma comunidade mais precisa (Jacira).

A COVID-19 atualiza a discussão das estratégias de poder ao propagar narrativas de negacionismo científico e pós-verdade ( fake news ), contribuindo para a disseminação da doença e o aumento de mortes em todo o Brasil ( Lima et al., 2020LIMA, C. et al. Emergência de saúde pública global por pandemia de COVID-19: desinformação, assimetria de informações e validação discursiva. Revista de biblioteconomia e ciência da informação Folha de Rosto, PPGB Universidade Federal do Cariri (UFC), v. 6, n. 2, maio/ago. 2020, pp.5-21. DOI: https://doi.org/10.46902/2020n2p5-21 [ https://periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/folhaderosto/article/view/490/460 - acesso em: 18 jul. 2023].
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). Para a saúde coletiva, a informação verdadeira baseada na ciência fornece ferramentas eficazes, como a situação mencionada acima e as campanhas de vacinação, o que potencializa o cuidado ( Teixeira et al., 2022TEIXEIRA, M. B. et al. (org.). Saberes e práticas na Atenção Primária à Saúde em tempos de Pandemia da COVID-19 . Porto Alegre, ed. Redeunida, 2022. ).

Você está sendo vacinado porque houve um grupo de pessoas que ficou doente, passou por aquele hospital, fizeram uma pesquisa, levaram ao Ministério da Saúde e desenvolveram a vacina (Jacira).

Não só o negacionismo, mas também o auxílio emergencial para uma renda básica, a falta de campanhas de saúde por parte do governo federal, estadual e municipal (2019-2022), no pico da pandemia da COVID-19, e o atraso na compra de vacinas contribuíram para a rápida disseminação da doença e o aumento de mortes nesse território, como ações necropolíticas ( Mbembe, 2016MBEMBE, A. Necropolítica. Revista do PPGAV/UFRJ, 32, dez. 2016, pp.123-151. ). Apesar dos desafios relacionados ao cuidado prestado pelos profissionais de saúde e ao desmonte neoliberal da saúde pública entre 2016 e 2022, há o reconhecimento da importância do SUS, tanto pelos líderes comunitários quanto pelos profissionais de saúde, corroborando a noção de cuidado ético-político ( Maia, 2009MAIA, M. S. (org.) Por uma Ética do Cuidado . Rio de Janeiro, Garamond, 2009. ; Palácios, 2019PALÁCIOS, M (org.). Bioética, Saúde e Sociedade. Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2019. ; Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150. ). Reforça-se a relevância pedagógica da saúde da família e a necessidade de educação permanente ( Paim; Almeida-Filho, 2014PAIM, J. S.; ALMEIDA-FILHO, N (org.). Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro, Medbook Editora Científica, 2014. ; Teixeira et al., 2022TEIXEIRA, M. B. et al. (org.). Saberes e práticas na Atenção Primária à Saúde em tempos de Pandemia da COVID-19 . Porto Alegre, ed. Redeunida, 2022. ). O cuidado universal deve contatar as pessoas em suas especificidades, diversidades, diferentes idades, considerando a interseccionalidade e a dinâmica êmica.

Ana, apresentou o eixo e destacou a importância de conscientizar a população sobre o serviço de Saúde da Família, enfatizando o fator educação em saúde e os grupos que participam do serviço. Equidade no atendimento, cada caso é um caso (Oficina DiverSUS).

A consciência do cuidado ético-político sensibiliza tanto os líderes comunitários quanto os profissionais do SUS sobre a relevância da dinâmica êmica e da interseccionalidade de classe, raça e gênero para uma emancipação decolonial, com base em Paulo Freire, Frantz Fanon e no conhecimento local ( Walsh, 2017WALSH, C. Pedagogías decoloniales. Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir e (re)vivir. Serie Pensamiento Decolonial. Equador, Editora Abya-Yala, 2017. ). A transformação política e estrutural no território, que permeia o cuidado, deve ser implementada em todo o espectro: educação, psicologia, assistência social, habitação, saneamento, lazer, meio ambiente, por meio de políticas que superem todas as desigualdades. As lideranças comunitárias e os ACSs demonstram consciência do processo ético-político do cuidado e apresentam propostas concretas.

Isso não é uma coisa simples de “plim!”. Legislação, lei, norma, o que a gente tem que [...] conversar com a prefeitura. Vamos fazer [...] uma área de lazer em frente à comunidade, tem ciclovia, pode ser uma parte esportiva [...], vamos legalizar um ponto ali com placas na rodovia dizendo: olha, o caranguejo [...] as pessoas vão parar, comprar, ver a área verde, e vão perguntar: “pode trazer outro?” Podemos fazer programa de pesca, turismo e outras atividades (Jacira).

Para realizar ações de cuidado na vida cotidiana, a mobilização de mulheres racializadas que historicamente resistiram está atenta aos eventos diários. Os esforços das mulheres negras, explicados por Gonzalez (2020)GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150. , remontam às nossas antepassadas indígenas e quilombolas,18 18 Quilombolas são habitantes de Quilombos, que são territórios afastados nas florestas, com comunidades criadas por pessoas conscientes que resistiam e fugiam da brutalidade da escravização, tanto nas casas grandes, quanto nas senzalas e nos trabalhos forçados nas plantações (monoculturas) e demais locais. Após fugirem, construíam abrigos e cultivavam sociedades pelo bem comum e uma vida mais digna. as mulheres que participaram da luta contra as expedições militares que visavam à sua destruição, resistiram, aquilombaram, aldearam, nunca deixando de educar as crianças no espírito antiescravagista, anticolonialista e antirracista.

Ontem eu estava conversando com uma mulher da nossa rua, estamos formando uma comissão para ir até os líderes do tráfico para falar com eles sobre o baile funk que eles estão fazendo aqui (Iracema).

Sexualidade, gravidez precoce, disseminação de doenças e violência são desafios observados nos bailes funk realizados mesmo durante o auge da pandemia. As meninas negras e empobrecidas estavam entre a maioria das afetadas. Durante a pandemia, as mulheres do território criaram uma rede, por meio de um grupo de WhatsApp , para trocar informações, como centros de assistência, conselhos tutelares ou delegacias da mulher, ajuda financeira emergencial e números, incentivando umas às outras a recorrer à lei/ao Estado. A consciência de seus direitos e de como acessar os equipamentos públicos ajuda na eficiência do cuidado ético-político, para si e para seus filhos em situação de violência. As nuances nem sempre são cobertas pela lei, então elas agem além dela e dentro do Estado, de acordo com a demanda êmica em determinadas circunstâncias.

Nilce ligou e disse que seu pai a está maltratando, em cárcere privado. Acionamos o Conselho Tutelar, que era a Sofia. A Sofia foi até a casa, pegou a menina, colocou no abrigo, agora a mãe entrou em contato conosco “vê se o major pode pegar ela e levar para o aeroporto para ir para Fortaleza”. Mas o major não está aqui. Nesse momento, passamos para as meninas (equipamento público) para ver o que elas podem fazer. (Iracema)

A articulação coletiva fortalece o cuidado, inclusive no combate à violência de gênero e raça. Embora a organização comunitária tenha sido utilizada durante a Pandemia, são necessários mais equipamentos públicos para as crianças, como creches diurnas e noturnas, escola o dia todo e espaços de lazer. As situações de violência se agravaram durante a Pandemia. As lideranças comunitárias e as ACSs, por viverem no território, conhecerem as mulheres, suas histórias e o contexto, podem prestar um cuidado melhor. Há necessidade de educação antipatriarcal, antiviolência e sexual em todos os percursos de cuidado, para todas as gerações, para que a conscientização de meninos e homens permita o convívio de forma respeitosa e não violenta. A ampliação dos cuidados oferecidos pelos CAPS e CAPSi, a assistência do SUAS, as delegacias da mulher e as casas abrigo devem ajudar no processo; portanto, faz-se necessária a implantação desses equipamentos no território. Essas ações podem possibilitar a emancipação das mulheres inseridas nessa condição de vida.

Depois, fomos lá e nos certificamos de que ela denunciou. Ela denunciou, ele foi retirado de casa pela polícia... Hoje ela está bem, trabalhando aqui com a gente. (Iracema)

Do ponto de vista da habitação, a articulação das mulheres racializadas e empobrecidas no passado iniciou a ocupação do território e a urbanização local, em uma essência de cuidado êmico-ético-político. Mobilizaram a participação do prefeito e utilizaram caminhos políticos, fortalecendo a consciência de seus direitos. Como herança quilombola, as mulheres negras motivaram suas comunidades “a se revoltarem, fugirem e formarem quilombos” ( Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150.: 198), remontando ao processo de aquilombamento ( David, 2023DAVID, E. C. Aquilombamento da Saúde Mental . São Paulo, Hucitec, 2023. ).

Ela disse que quando ela chegou aqui tudo [...] era área de invasão, tudo era mato! [...] Um grupo de mulheres se reuniu e fechou a pista antiga [...] e o prefeito da época começou a abastecer os carros com aterros e fez a urbanização. (Iracema)

A potencialidade das intervenções das mulheres para mudanças estruturais é multissetorial. A interação pesquisadores-colaboradores pode impulsionar transformações com raízes latinas decoloniais respeitando a dinâmica êmica e a trajetória sócio-histórica-cultural no território. A decolonialidade visa a expandir as ciências centradas apenas no conhecimento do Norte, como na Europa e nos EUA ( Quijano, 2007QUIJANO, A. Coloniality and Modernity/Rationality. Cultural Studies , 21 (2-3), 2007, pp.168-178. ). A universidade troca conhecimentos valiosos com a comunidade, aprendendo, ensinando ( Walsh, 2017WALSH, C. Pedagogías decoloniales. Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir e (re)vivir. Serie Pensamiento Decolonial. Equador, Editora Abya-Yala, 2017. ) e mediando, criticamente, com, contra e para além do Estado ( Holloway, 2021HOLLOWAY, J. Foreword to the New Edition. In: COCKBURN, C. et al. (London Edinburgh Weekend Return Group), In and Against the State. Discussion Notes for Socialists . London, Pluto Press, 2021, pp.vii-x. , 2006HOLLOWAY, J. Contra y más allá del capital. Buenos Aires, Ed. Herramienta e México, Ed. da Universidad Autónoma de Puebla, 2006. ).

Ah, eu gostei porque a gente pode expressar o nosso ponto de vista também, [...] a gente não foi compreendido e a gente pode falar e isso ajuda no nosso desempenho no trabalho, então foi bom, muito interessante [...]. A coisa é que pode vir um psicólogo aqui da universidade, a gente traz as pessoas e vocês mesmos desenvolvem essa atividade [...] a gente acaba usando vocês como apoio que a gente deveria receber da prefeitura. (Tainara)

De um ponto de vista decolonial, o conhecimento pode coexistir ( Walsh, 2017WALSH, C. Pedagogías decoloniales. Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir e (re)vivir. Serie Pensamiento Decolonial. Equador, Editora Abya-Yala, 2017. ; Gomes, 2017GOMES, N. L. O movimento negro educador. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2017. ). A USF, nesse território, apesar das dificuldades, configura um espaço propulsor do cuidado politizado, em direção a um cerne êmico-ético-político:

E agradecemos a Deus porque, mesmo com tantas dificuldades, temos uma USF aqui dentro. (Iracema)

Os profissionais de saúde valorizam profundamente a importância da capilaridade e do trabalho em equipe, realizado por todos os profissionais da Atenção Básica, na busca da integralidade do cuidado. Ao considerar os saberes e as práticas do território, amplia-se a compreensão do cuidado e abordam-se melhorias estruturais para fortalecer sua essência êmica-ética-política. O cuidado, construído coletivamente com a população, desperta a consciência dos padrões de poder colonial ainda presentes e a forma como todos estão envolvidos ( Santos, 1997SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo, Ed. Hucitec, 1997. ; Walsh, 2017WALSH, C. Pedagogías decoloniales. Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir e (re)vivir. Serie Pensamiento Decolonial. Equador, Editora Abya-Yala, 2017. ; Padovani, 2017PADOVANI, N. C. É possível fazer ciências sociais sem uma análise crítica das categorias de diferenciação? Uma proposição feminista. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos , 7 (12), Rio de Janeiro, Ed. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2017, pp.6-30. ; Akotirene, 2019AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo, Ed. Sueli Carneiro/Pólen, 2019. ). A APS deve construir um diálogo horizontal com a população ( Teixeira et al., 2022TEIXEIRA, M. B. et al. (org.). Saberes e práticas na Atenção Primária à Saúde em tempos de Pandemia da COVID-19 . Porto Alegre, ed. Redeunida, 2022. ).

O médico de família [...] reforçou a ideia de que é preciso tirar a visão médico-centrada, valorizando os demais profissionais, pois só assim será possível prestar um atendimento integral à população (Oficina DiverSUS2).

Na Ética do Cuidado, o capitalismo neoliberal pode ser visto como uma máquina de irresponsabilidade que impulsiona e reproduz o privilégio de homens brancos e ricos, com seu discurso hegemônico ( Tronto, 2013TRONTO, J. C. Caring Democracy: Markets, Equality and Justice. New York, NYU Press, 2013. ). Este estudo mostrou que a responsabilidade pelo cuidado recai sobre as mulheres racializadas e empobrecidas, diante de um aparato público que negligenciou os territórios durante a pandemia. A compreensão da ética do cuidado que emergiu desta pesquisa vai além da “responsabilidade” e avança em direção a uma construção política, ética, êmica e funcional do cuidado, construída junto com as mulheres racializadas, empobrecidas e potentes desses territórios, com base no trabalho remunerado, no acesso real aos direitos e na realidade, por vezes, para além da forma Estado.

As pessoas, conhecendo nossos direitos, [...] ajudam muito. Principalmente na saúde, na educação, que é o que a comunidade mais precisa. (Jacira)

As epistemes, decorrentes de anos de luta por esse território, se relacionam com as políticas públicas de forma desafiadora e potencializadora. Esse acúmulo de conhecimento sobre o cuidado pode ser um instrumento para avaliar os limites e criticar a eficácia das políticas públicas, especialmente durante e após os tempos de pandemia. As mulheres estão conscientes da posição interseccional a que são relegadas e estão atentas à sua história, resistência, aos direitos e às potencialidades na busca por emancipação, pelo cuidado êmico-ético-político e por mudanças estruturais. Elas conhecem as demandas e as formas de operacionalizá-las.

É preciso investir na educação popular e romper com as políticas de favorecimento (clientelismo). [...] A comunidade deve conhecer seus direitos e deveres. (Jasmin)

Precisamos ver, na legislação, o que devemos fazer por esta comunidade. Ver o que é melhor para nós. (Jacira)

O estudo demonstra que a ampla politização do cuidado é eficiente quando é coletiva, com participação social crítica, controle social, conselhos, comunidade, movimentos sociais, organizações, lideranças articuladas e órgãos estatais que abordam a interseccionalidade e a dinâmica êmica. Entender o papel das mulheres racializadas neste território é vital para romper com as forças que historicamente as colocam na base da pirâmide social, em relações de trabalho de cuidado invisíveis, não remuneradas ou precariamente remuneradas, não se beneficiando de cuidados públicos ou privados de qualidade em um espectro completo. Esse processo melhoraria se houvesse mais investimento público nos territórios vulnerabilizados ( Akerman, 2005AKERMAN, M. Saúde e desenvolvimento local. São Paulo, Ed. Hucitec, 2005. ; Merhy, 2006MERHY, E. E. A saúde pública como política. São Paulo, Hucitec, 2006. ; Teixeira et al., 2022TEIXEIRA, M. B. et al. (org.). Saberes e práticas na Atenção Primária à Saúde em tempos de Pandemia da COVID-19 . Porto Alegre, ed. Redeunida, 2022. ).

Considerações finais neste momento

O prisma da diferenciação destaca que a produção acadêmica é inevitavelmente tecida por categorias que se cruzam ( Padovani, 2016PADOVANI, N. C. Joias da família: trançando comandos entre irmãos. Revista Florestan, Revista em Ciências Sociais da Universidade de São Carlos (UFSCar) , São Carlos, SP, (3), 2016, pp.72-108. ). O objetivo de compreender o cuidado, antes, durante e após a pandemia da COVID-19 em um território socialmente vulnerabilizado, utilizando as categorias analíticas interseccionalidade, ética do cuidado e dinâmica êmica, foi elaborado neste estudo. Os resultados levantaram os desafios e as potencialidades do cuidado, bem como a importância de politizá-lo. Os desafios expõem as ineficiências decorrentes da falta de investimento em políticas públicas e equipamentos, a reprodução de várias práticas violentas, o esgotamento e a impossibilidade de cumprir o isolamento social, determinando a vida e a morte. As potencialidades destacam formas efetivas de cuidado: contra o Estado, dentro e para além dele. Lutam pelo SGD, mas conhecem seus limites e seguem emancipando, aprendendo, criticando e provocando transformações estruturais no território, de forma êmica, ética e política.

Especialmente no contexto latino-americano, em territórios vulneralizados, os debates no campo da saúde pública devem não apenas considerar a dinâmica do território, mas também reconhecer o protagonismo das mulheres racializadas na construção do cuidado. A urgência de enfrentar os legados coloniais é perceptível no Brasil, país extremamente desigual, não só socioeconomicamente, mas racialmente e em questões de gênero. A reparação é urgente. O privilégio racial é um dos pontos-chave para melhorar a ética do cuidado, pois destaca como o grupo branco tem sido o beneficiário da exploração dos grupos raciais socialmente excluídos no sistema capitalista, e foi a empregada doméstica racializada que permitiu a emancipação da empregadora branca, e a patroa, do sistema de dupla jornada, uma vez que o cuidado é essencial para a reprodução da vida ( Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150. ; Teixeira, 2021TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. ; hooks, 2022a; Jorge, 2023JORGE, A. Feminismos favelados . Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2023. ). É hora de os homens assumirem o cuidado para a manutenção da vida. Além disso, precisamos de tempo, sendo a classe trabalhadora feminina nisso sobrecarregada, para “pensar, escrever, sonhar e viver além da raça” (hooks, 2022b:302).

A interseccionalidade vinculada à ética do cuidado demonstra criticamente uma compreensão relevante do modus operandi do cuidado em territórios socialmente vulnerabilizados, considerando a pluralidade e desvelando que o cuidado humanizado-universal nem sempre contempla essas realidades. Abre possibilidades de abordar o cuidado que permite às pessoas racializadas sobreviverem em meio à negligência do Estado e contribuírem para a melhoria do SGR e das políticas públicas, por meio da expansão e politização do cuidado como “questão ético-política”, construída coletiva e localmente, potencializando a intersubjetividade ( Gonzalez, 2020GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. In: RIOS, F.; LIMA, M. (org.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, pp.139-150.: 140).

O estudo mostra uma relação difícil com o Estado, às vezes violento, outras vezes negligente, e noutras vezes o único provedor de qualquer tipo de cuidado, mesmo necessitando de melhorias. Reforça-se que o sistema capitalista é a causa original das crises na sociedade, devido à sua característica predatória e lesiva, perpetuando a opressão de classe, de gênero, racial, a vulnerabilização e a violência ( Coelho; Wolff, 2020COELHO, M.; WOLFF, C. O feminismo no cerne da crise capitalista. cadernos pagu (58), Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, Campinas, Estado de São Paulo, e205822, 2020. [ http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332020000100604&lng=en&nrm=iso - acesso em: 4 dez. 2020].
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; Gomes, 2017GOMES, N. L. O movimento negro educador. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2017. ). O mundo foi confrontado com mudanças em relação ao cuidado na Pandemia. Os projetos neoliberais de austeridade social caíram por terra. A saúde coletiva, o cuidado e os equipamentos públicos tornaram-se pilares essenciais explícitos da sociedade, com necessidade de investimentos no tripé (previdência, assistência e saúde pública) e na expansão dos equipamentos públicos, com articulação e controle eficientes por parte da população comprometida com a transformação, a politização do cuidado, a educação permanente e a presença da universidade federal. As várias instâncias do cuidado, ao serem repensadas por meio da interseccionalidade e da dinâmica êmica, podem efetivamente ampliar as políticas públicas que contatam esses territórios. As transformações estruturais do cuidado devem incluir uma historicidade dialética, que implica o compromisso com a emancipação das subjetividades potentes, porém ainda racializadas e empobrecidas neste sistema, a defesa intransigente dos direitos humanos, da democracia e da cidadania plena, relacionando abordagens êmicas e éticas.

Estudos nacionais e internacionais incentivam pesquisas que possibilitem transformações sociais a partir da realidade concreta das pessoas, destacando as metodologias participativas como uma importante ferramenta para compreender contextos, produzir conhecimento e revelar sujeitos ( Saffioti, 2015SAFFIOTI, H. I. B. Primórdios do conceito de gênero. cadernos pagu (12), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2015, pp.157-163. ). A contribuição deste estudo para a ética do cuidado também é revelar como as mulheres empobrecidas racializadas são fundamentais para melhorar a politização do cuidado, corroborando o protagonismo e a sabedoria na manutenção da sociedade em todas as frentes de cuidado, incluindo o econômico e a reprodução da vida. A valorização do trabalho e dos direitos do cuidado, como trabalhadores e usuários do SUS, deve ser prioridade na agenda das decisões políticas, e as mulheres racializadas devem compor os espaços de conhecimento, educação, poder e decisão política.

Outra contribuição é a expansão do escopo da ética do cuidado para territórios socialmente vulnerabilizados. Com toda a complexidade desses contextos, os resultados podem ajudar cientistas do cuidado a entenderem recentes circunstâncias relacionais do cuidado, propagadas nos estudos de ética do cuidado, desigualdade no cuidado, por meio da lente da interseccionalidade. Além disso, para motivar cientistas e sociedade a produzirem ciência e políticas públicas, por meio das quais as mulheres racializadas e empobrecidas sejam beneficiárias de cuidados de qualidade e ético-políticos, sejam mais bem remuneradas, recebam direitos trabalhistas decentes e direitos à aposentadoria do trabalho de cuidados. Comprometendo-se com a democracia, as mulheres trabalhadoras devem ter um interesse vital “na luta pelo socialismo. [...] Essa estratégia questiona a validade do capitalismo monopolista” ( Davis, 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo, Boitempo, 2016.: 244) e a politização do trabalho de cuidado, tanto material quanto moral. A politização do cuidado é historicamente essencial ( Merhy, 2006MERHY, E. E. A saúde pública como política. São Paulo, Hucitec, 2006. ; Paim; Almeida-Filho, 2014PAIM, J. S.; ALMEIDA-FILHO, N (org.). Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro, Medbook Editora Científica, 2014. ).

A COVID-19, associada à negligência estatal, ao neoliberalismo e à necropolítica, intensificou a sindemia, causou aumento do sofrimento, da vulnerabilização, da violência, dos casos de adoecimento mental e dos óbitos (Lole; Stampa; Gomes, 2020; Teixeira et al., 2022TEIXEIRA, M. B. et al. (org.). Saberes e práticas na Atenção Primária à Saúde em tempos de Pandemia da COVID-19 . Porto Alegre, ed. Redeunida, 2022. ). Considerando esse panorama, é essencial repensar os investimentos no SUS, no espectro integral do cuidado, no fortalecimento da atenção primária à saúde e na estratégia de saúde da família, antes, durante e depois das experiências pandêmicas. O SUS é uma reforma revolucionária em defesa da vida ( Narvai, 2022NARVAI, P. C. SUS: Uma reforma revolucionária. Belo Horizonte, Ed. Autêntica, 2022. ). Este estudo contribui para resgatar e avançar nas estratégias sobre o papel da APS na sociedade, solidificando seus princípios, como universalidade, equidade, controle social, integralidade e intersetorialidade, mas também, de forma dialética, considerando a dinâmica êmica, as diversidades e a sabedoria produzida localmente por mulheres racializadas e empobrecidas.

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  • 1
    Territórios socialmente vulnerabilizados, como no artigo “ Meanings of Neglected Diseases in the Global Health agenda: the place of populations and territories ” ( Oliveira, 2018OLIVEIRA, R. G. Meanings of Neglected Diseases in the Global Health Agenda: The Place of Populations and Territories. Revista Ciência & Saúde Coletiva, ABRASCO, 23(7), 2018, pp.2291-2302. DOI: 10.1590/1413-81232018237.09042018. [ https://www.scielo.br/j/csc/a/Zs9vNx7xqcc3XrjsmdSCRFm/?format=pdf⟨=pt - acesso em: 20 jul. 2023].
    https://www.scielo.br/j/csc/a/Zs9vNx7xqc...
    ).
  • 2
    Racializado, conforme explicado por Davis, no prefácio de Ferdinand (2022)FERDINAND, M. Uma ecologia decolonial. São Paulo, Ubu Editora, 2022. .
  • 3
    Ética envolve a sistematização de conceitos morais de certo e errado para a humanidade, como uma tentativa de universalizar ações e direitos humanos e as necessidades de uma vida digna em âmbito político, como saúde, alimentação, moradia, educação, trabalho e acesso a ele ( Maia, 2009MAIA, M. S. (org.) Por uma Ética do Cuidado . Rio de Janeiro, Garamond, 2009. ; Palácios, 2019PALÁCIOS, M (org.). Bioética, Saúde e Sociedade. Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2019. ).
  • 4
    Êmica são padrões de ações, certo e errado, que prescrevem o que as pessoas de um determinado grupo e território devem fazer, que fazem sentido para a coletividade local ( Santos, 1997SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo, Ed. Hucitec, 1997. ; Akerman, 2005AKERMAN, M. Saúde e desenvolvimento local. São Paulo, Ed. Hucitec, 2005. ) e suas subjetividades, experiências e demandas, em nível micropolítico ( David, 2023DAVID, E. C. Aquilombamento da Saúde Mental . São Paulo, Hucitec, 2023. ; Passos, 2023PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. ).
  • 5
    Na Necropolítica, “[...] matar ou deixar que a vida se constitua [...] é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação do poder” ( Mbembe, 2016MBEMBE, A. Necropolítica. Revista do PPGAV/UFRJ, 32, dez. 2016, pp.123-151.: 123).
  • 6
    Os dados utilizados são um desdobramento de três pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Desigualdades Sociais (LEDS), no período de 2017 a 2023, aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIFESP, conforme Parecer nº 2.047.444, e financiadas respectivamente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), nº 407836/2016-0, nº 140062/2021-1 e CAPES 8882.430741/2019-01.
  • 7
    O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) é uma tipologia que classifica os setores censitários dos municípios do Estado de São Paulo em grupos de vulnerabilidade social [ http://www.iprs.seade.gov.br/ipvs2010 - acesso em: jul. 2023].
  • 8
    Nas décadas de 1970 e 1980, as pesquisas abordavam gênero, raça e classe no Brasil, embora não utilizassem o termo interseccionalidade ( Gonzalez, 1982GONZALEZ, L. A mulher negra na sociedade brasileira. In: LUZ, Madel T. (org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1982. , 1984GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, pp.223-244. [ https://ria.ufrn.br/jspui/handle/123456789/2298 - acesso em: 15 jul. 2023].
    https://ria.ufrn.br/jspui/handle/1234567...
    ; Saffioti; Almeida, 1995SAFFIOTI, H. I. B.; ALMEIDA, S. S. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro, Revinter, 1995. ). No apagamento legal das mulheres racializadas, a categoria "interseccionalidade" foi cunhada pela primeira vez nos EUA, valorizando a interseção das categorias, o que possibilitou captar o racismo institucional que estrutura os aparatos estatais e o próprio capitalismo ( Crenshaw, 1989CRENSHAW, K. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum (1), 1989, pp.139-167 [ https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1052&context=uclf - accesso em: 3 abr. 2022].
    https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/...
    ). A raiz está alocada no feminismo negro ( Crenshaw, 1989CRENSHAW, K. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum (1), 1989, pp.139-167 [ https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1052&context=uclf - accesso em: 3 abr. 2022].
    https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/...
    ; Piscitelli, 2008PISCITELLI, A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura , 11 (2), jul./dez. 2008, pp.263-274. ; Collins, 2012COLLINS, P. H. Rasgos distintivos del pensamiento feminista negro. In: JABARDO, Mercedes (ed.). Feminismos negros: una ontología. Madrid, Traficantes de Sueños, 2012. ; Moutinho, 2014MOUTINHO, L. Diferenças e desigualdades negociadas: raça, sexualidade e gênero em produções acadêmicas recentes. cadernos pagu (42), Campinas, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2014, pp.201-248. ; Davis, 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo, Boitempo, 2016. ; Padovani, 2017PADOVANI, N. C. É possível fazer ciências sociais sem uma análise crítica das categorias de diferenciação? Uma proposição feminista. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos , 7 (12), Rio de Janeiro, Ed. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2017, pp.6-30. ; Akotirene, 2019)AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo, Ed. Sueli Carneiro/Pólen, 2019. , como uma sensibilidade analítica, cujas experiências não foram observadas pelo feminismo branco, mestiço e nem pelo movimento antirracista (homens negros) ( Akotirene, 2019)AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo, Ed. Sueli Carneiro/Pólen, 2019. .
  • 9
    Os estudos sobre o cuidado datam de pelo menos cinquenta anos atrás no mundo anglo-saxão ( Gilligan, 1982GILLIGAN, C. In a Different Voice, Psychological Theory and Women’s Development . Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1982. ; Moller-Okin, [1989MOLLER-OKIN, S. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas , 16 (2), Florianópolis, maio-agosto [1989] 2008, pp.440-462. ] 2008; Tronto, 1993, 2013, 20TRONTO, J. C. Moral Boundaries, a Political Argument for an Ethic of Care. New York, Routledge, 1993. , 2013TRONTO, J. C. Caring Democracy: Markets, Equality and Justice. New York, NYU Press, 2013. , 2021TRONTO, J. C. Prólogo. In: GUIMARÃES, N. A.; HIRATA, H. (org.). Care and Care Workers: A Latin American Perspective. Cham, Springer N. S. AG, 2021, pp.vii-viii. ; Noddings, 1986NODDINGS, N. Caring: A Feminine Approach to Ethics & Moral Education. California, University of California Press, 1986. ; Parreñas, 2001, 2010, 20PARREÑAS, R. S. Servants of Globalization: Women, Migration, and Domestic Work. California, Stanford University Press, 2001. , 2010, 2021PARREÑAS, R. S. Unfree: Migrant Domestic Work in Arab States. California, Stanford University Press, 2021. ; Keller; Kittay, 2017, eKELLER, J.; KITTAY, E. F. Feminist Ethics of Care. In: GARRY, A.; KHADER, S. J.; STONE, A. (org.) The Routledge Companion to Feminist Philosophy . Abingdon, Routledge, 2017, pp.152-164. Print ISBN: 9781138795921 eBook ISBN: 9781315758152 , entre outros). Pouco tempo depois, os estudos sobre cuidados despertaram um interesse crescente nas Américas Central e do Sul, com Borgeaud-Garciandia, Guimarães e Hirata (2000), Sarti (2006)SARTI, C. A. Estudo analisa cuidados em saúde a partir da análise de seus fundamentos e possibilidades. Resenha do livro Deslandes, S. F. (org.) Humanização dos cuidados em saúde: conceitos e dilemas. Revista Pesquisa FAPESP, São Paulo, 130, 2006, pp.94 [ https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2006/12/94-resenha-130.pdf - acesso em: 21 jul. 2023].
    https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-con...
    , Guimarães, Hirata e Sugita (2011), Arango Gaviria e Molinier (2011)ARANGO GAVIRIA, L.; MOLINIER, P. El cuidado como ética y como trabajo. In: ARANGO GAVIRIA, L.; MOLINIER, P. (ed.). El trabajo y la ética del cuidado. Bogotá, La Carretera Ed. e UNAL/Escuela de Estudios de Género, 2011, pp.15-21. , Hirata e Guimarães (2012)HIRATA, H. S.; GUIMARÃES, N. A. Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do Care. São Paulo, Atlas, 2012. , Federici (2013)FEDERICI, S. Revolución en punto cero: trabajo doméstico, reproducción y luchas feministas. Madrid, Traficantes de Sueño, 2013. , Debert e Oliveira (2015)DEBERT, G. G.; OLIVEIRA, A. M. A profissionalização da atividade de cuidar de idosos no Brasil. Revista Brasileira de Ciência Política , 18 , Brasília, set.-dez. 2015, pp.7-41. https://doi.org/10.1590/0103-335220151801 [ https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/xn63L5MQssvMRG4ytGHvJXM/abstract/?lang=pt - acesso em: 4 ago. 2023].
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  • 10
    Historicamente, em um contexto patriarcal, reconheceu-se que as mulheres têm uma "voz diferente" da dos homens, tomada como moral universal, de modo que as mulheres têm uma maneira diferente de resolver dilemas morais, com base na ética do cuidado, fundamentada em experiências relacionais únicas ( Gilligan, 1982)GILLIGAN, C. In a Different Voice, Psychological Theory and Women’s Development . Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1982. . Assim, a agenda do cuidado propôs o debate sobre o "público" versus o "doméstico", as desigualdades que afetam as mulheres e a falsa dicotomia entre cuidado e justiça ( Moller-Okin, 1989MOLLER-OKIN, S. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas , 16 (2), Florianópolis, maio-agosto [1989] 2008, pp.440-462.: 69). Posteriormente, foi estudada a divisão sexual desigual do cuidado e sua desvalorização ( Tronto, 1993)TRONTO, J. C. Moral Boundaries, a Political Argument for an Ethic of Care. New York, Routledge, 1993. , então o cuidado passou a ser um princípio de vulnerabilidade, uma teia da qual dependemos para existir, colocando o cuidado na agenda política central na Democracia, um Cuidado Democrático ( Tronto, 2013)TRONTO, J. C. Caring Democracy: Markets, Equality and Justice. New York, NYU Press, 2013. . As teóricas do norte global, ao afirmarem que o cuidado é significativo para a sociedade, questionaram a relação entre mulheres e homens para entender a ética, o trabalho invisível e não remunerado que as mulheres vêm fazendo pela humanidade há séculos ( Gilligan, 1982GILLIGAN, C. In a Different Voice, Psychological Theory and Women’s Development . Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1982. ; Noddings, 1986NODDINGS, N. Caring: A Feminine Approach to Ethics & Moral Education. California, University of California Press, 1986. ; Moller-Okin, [1989MOLLER-OKIN, S. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas , 16 (2), Florianópolis, maio-agosto [1989] 2008, pp.440-462. ] 2008; Tronto, 1993TRONTO, J. C. Moral Boundaries, a Political Argument for an Ethic of Care. New York, Routledge, 1993. ; Molinier, 2005,MOLINIER, P. Le care à l’épreuve du travail. Vulnérabilités croisées et savoir-faire discrets. In: PAPERMAN, P.; LAUGIER, S. (ed.). Le souci des autres. Ethique et politique du care. Paris, Ed. de l’EHESS, 2005, pp.339-357. , Paperman, 2005)PAPERMAN, P. Les gens vulnérables n’ont rien d’exceptionel. In: PAPERMAN, P.; LAUGIER, S. (ed.). Le souci des autres. Ethique et politique du care. Paris, Ed. de l’EHESS, 2005, pp.321-337. .
  • 11
    hooks (2000)hooks, b. Feminism is for Everybody . Cambridge, South End Press, 2000. , Collins (1991)COLLINS, P. H. Black feminist thought. Knowledge, consciousness, and politics empowerment . Nova Iorque, Routledge, 1991. , Parreñas (2001)PARREÑAS, R. S. Servants of Globalization: Women, Migration, and Domestic Work. California, Stanford University Press, 2001. , Maia, (2009)MAIA, M. S. (org.) Por uma Ética do Cuidado . Rio de Janeiro, Garamond, 2009. , Tamanini et al. (2018)TAMANINI, M. et al. (org.). O cuidado em cena. Desafios políticos, teóricos e práticos . Florianópolis, Editora UDESC, 2018. , Araújo (2018)ARAÚJO, A. B. Da Ética do Cuidado à Interseccionalidade: Caminhos e Desafios para compreensão do trabalho de cuidado. Dossiê - Gênero, cuidado e famílias. Mediações, Londrina, v. 23, n. 3, set.-dez. 2018, pp.43-69. , Debert; Pulhez (2019)DEBERT, G. G.; PULHEZ, M. M. (org.). Desafios do cuidado: gênero, velhice e deficiência. Campinas, SP, UNICAMP/IFCH, 2019 [ https://www.ifch.unicamp.br/publicacoes/pf-publicacoes/td-66-livro-e-book-ok.pdf - acesso em: 1 jul. 2023].
    https://www.ifch.unicamp.br/publicacoes/...
    , Guimarães; Hirata (2000, 2021), Teixeira (2021)TEIXEIRA, J. Trabalho doméstico. São Paulo, Edições Loyola, 2021. , Passos (2023)PASSOS, R. G. Na mira do fuzil. A saúde mental das mulheres negras em questão. São Paulo, Hucitec, 2023. , entre outros.
  • 12
    CAPS: Centros de Atenção Psicossocial; e CAPSi: Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil.
  • 13
    SUAS: Sistema Único de Assistência Social.
  • 14
    Resistência coletiva nas instituições, alfabetização racial, desconstrução do racismo e de outras opressões, reparação de uma vida e de espaços dignos, onde as pessoas se sintam pertencentes e acolhidas, independentemente de sua condição.
  • 15
    O movimento Mães de Maio no Brasil é uma rede de mães, familiares e amigos de vítimas de violência do Estado localizada em São Paulo, especialmente na capital e na RMBS.
  • 16
    “Em briga de marido e mulher, eu vou sim meter a colher antes que a morte os separe” ( Rufino, 2019)RUFINO, A. Eu, Alzira Rufino, resisto. São Paulo, Futurama Editora, 2019. . Isso significa intervir e separar o conflito antes que a mulher seja morta.
  • 17
    A Lei nº 14.022, de 8 de julho de 2020, que altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica [ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14022.htm - acesso em: jul. 2023].
  • 18
    Quilombolas são habitantes de Quilombos, que são territórios afastados nas florestas, com comunidades criadas por pessoas conscientes que resistiam e fugiam da brutalidade da escravização, tanto nas casas grandes, quanto nas senzalas e nos trabalhos forçados nas plantações (monoculturas) e demais locais. Após fugirem, construíam abrigos e cultivavam sociedades pelo bem comum e uma vida mais digna.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2022
  • Aceito
    03 Out 2023
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