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De Romatinas a Christianitas: o Humanismo à portuguesa e as visões sobre o reinado de Dom João III, O Piedoso

From Romatinas to Christianitas: the portuguese humanism and the visions of Dom João III's kingdom

Resumos

O presente texto aponta, ainda que de forma suscinta, alguns dos aspectos que caracterizaram o reinado de D. João III (1521-1557) tendo como objetivo central possibilitar análises outras acerca daquele período. Nesse sentido, trata-se de discutir as mais tradicionais construções historiográficas sobre o reinado do Piedoso na tentativa de apreender seu governo para além do registro dicotômico liberalidade - marca dos primeiros anos de governo em que o Rei, em muita medida, teria se alinhado aos ideais humanistas - e conservadorismo - com a instalação/implantação da Inquisição em Portugal. De fato, pretende-se proporcionar a ampliação da compreensâo de um período que refletiu uma conjuntura política, social e religiosa muito mais complexa, qual seja, o período que marcou a constituição do Imperium português no século XVI.

Inquisição; dom João III; Humanismo


This text indicates, although in a briefly way, some of the aspects that characterized the reign of D. João III (1521-1557) with a main objective to make possible other analysis concerning to that period. In that sense, the most traditional constructions on the historiography about the reign of the Piedoso are brought to discussion in the attempt of apprehending his government for beyond the dichotomous liberality register - mark of the first years of government in which the King, in great measure, would have aligned to the humanists ideals -, and the conservatism - with the settlement/establishment of the Inquisition in Portugal. As a matter of fact, it intends to provide an enlarged comprehension of a complex political, social and religious period, that it is the time of the constitution of the Imperium Portuguese in the XVI century.

Inquisition; king João III; Humanism


ARTIGOS

De Romatinas a Christianitas: o Humanismo à portuguesa e as visões sobre o reinado de Dom João III, O Piedoso

From Romatinas to Christianitas: the portuguese humanism and the visions of Dom João III's kingdom

Maria Paula Dias Couto Paes

Professora do Departamento de História da PUC-MG Av. Dom José Gaspar, 500 Coração Eucarístico - Belo Horizonte - MG - 30535-901. Investigadora Convidada do Centro de História do Além Mar da Universidade Nova de Lisboa – Av. de Berna, 26-C – 1069-061- Lisboa. mariapaula@publicitybr.com.br

RESUMO

O presente texto aponta, ainda que de forma suscinta, alguns dos aspectos que caracterizaram o reinado de D. João III (1521-1557) tendo como objetivo central possibilitar análises outras acerca daquele período. Nesse sentido, trata-se de discutir as mais tradicionais construções historiográficas sobre o reinado do Piedoso na tentativa de apreender seu governo para além do registro dicotômico liberalidade - marca dos primeiros anos de governo em que o Rei, em muita medida, teria se alinhado aos ideais humanistas - e conservadorismo - com a instalação/implantação da Inquisição em Portugal. De fato, pretende-se proporcionar a ampliação da compreensâo de um período que refletiu uma conjuntura política, social e religiosa muito mais complexa, qual seja, o período que marcou a constituição do Imperium português no século XVI.

Palavras-chave Inquisição, dom João III, Humanismo

ABSTRACT

This text indicates, although in a briefly way, some of the aspects that characterized the reign of D. João III (1521-1557) with a main objective to make possible other analysis concerning to that period. In that sense, the most traditional constructions on the historiography about the reign of the Piedoso are brought to discussion in the attempt of apprehending his government for beyond the dichotomous liberality register - mark of the first years of government in which the King, in great measure, would have aligned to the humanists ideals -, and the conservatism - with the settlement/establishment of the Inquisition in Portugal. As a matter of fact, it intends to provide an enlarged comprehension of a complex political, social and religious period, that it is the time of the constitution of the Imperium Portuguese in the XVI century.

Key words Inquisition, king João III, Humanism

Algumas inferências possibilitam apontar que foi durante o reinado de D. João III que a constituição "mental” e, portanto político-social, do império português começou a ganhar importância vital. Seja através das publicações que pudessem propagar notícias sobre o Império entre as outras Cortes européias, seja a partir da (re)organização das coisas do Estado que o monarca empreendeu. Mais do que os aspectos propriamente administrativos1 1 Apenas para mencionar as atitudes administrativas mais estruturais, D. João III incrementou a política de construção de um aparelho burocrático mais eficaz. O Reino foi dividido em novas correições e foram criados novas dioceses e novos tribunais (Mesa de Consciência e Ordens e o Santo Ofício da Inquisição). Foram redefinidas as funções de chanceler-mor, de chanceler da Casa de Suplicação, de juiz da Chancelaria e o novo Regimento dos desembargadores do Paço. interessa, aqui, a caracterização de D. João III e de sua Corte como os principais "arquitetos” da construção de uma representação política, social de um império em grande expansão e cuja justificação moral e religiosa estava assentada no registro da dilatação da Fé. Afinal, foi ele – mais do que D. Manuel ainda muito absorto com o contexto interno e depois D. Sebastião empenhado na chamada viragem para a África – quem, no papel de rei, protagonizou os acontecimentos mais importantes para a consolidação do Império no século XVI.

Ao que parece, D. João III compreendia a noção de que para fazer de Portugal uma voz necessária a ser ouvidas nas grandes questões européias era preciso equiparar-se sobretudo aos grandes centros político-intelectuais contemporâneos. E, evidentemente, não se pode menosprezar a influência que a Corte de Carlos V, politicamente muito mais poderoso, sob o seu longo reinado (1521-1557). Às estratégias de se afirmar no contexto europeu dos Quinhentos, pode-se acrescentar o empenho do monarca em europeizar Portugal. É claro, que isso significou, por sua vez, cuidados especiais com a intelectualidade dos grandes do reino tanto como instrumento formador de quadros governamentais capazes de levar adiante a sua missão "imperialista”, quanto porque – como mecenas das letras – interessava-lhe da parte daqueles aos quais protegeu o elogio explícito na representação do seu reinado, da sua Corte e do seu Império. Tratava-se claramente de enaltecer a grandeza do Império.

Como protetor da Universidade, D. João III aparece nas orações de sapiência em referências elogiosas. Na Universidade de Coimbra, o elogio ao monarca tornou-se parte obrigatória da oratio pois foi ele quem restituiu os Estudos Gerais a uma cidade que se considerava o locus por excelência da intelectualidade. O Rei empreendeu consideráveis esforços para prover aquela Universidade com renomados mestres – muitos deles com reputação européia -, com novos edifícios. Seu esforço não foi em vão. Nas orações de abertura a expansão ultramarina era exaltada em meio às menções à Matemática e à Astronomia usadas como mote para abordar as navegações marítimas portuguesas.2 2 MAGALHÃES, Joaquim Romero. Os régios protagonistas do poder. In: MAGALHÃES, J. R. (coord.) No alvorecer da Modernidade (1480-1620). MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1993, v.3, p.539-540. Uma representação que, por associação, "concretizava” o império português.

De mecenas da intelectualidade, D. João III adquiriu por parte da historiografia a representação de homem intelectual. Mesmo que não sejam notáveis seus feitos neste campo e há quem o justifique em razão das muitas ocupações do monarca.3 3 RAMALHO, A. Costa. Latim renascentista em Portugal. Lisboa: FCG-JNICT, 1993, p.143. Importa, de fato, a representação. Ainda que se admita, em um acordo mais ou menos tácito, que o Rei não possa ser comparado quanto às suas habilidades literárias e científicas com alguns de seus nobres súditos.4 4 Notadamente entre outros, D, Jorge, duque de Coimbra e mestre de Santiago; D. Pedro de Meneses, 3o. marquês de Vila Real e 2o. conde de Alcoutim; D. Miguel da Silva; João Rodrigues de Sá Meneses. Não falta quem coloque a lisonja acima da prudência para fazer de D. João III o modelo de soberano perfeito, vitorioso e letrado apto a fazer inveja ao próprio Alexandre.5 5 Tal foi a representação construída por António Luís, médico e erudito, na sua Epistola Panagyrica dirigida a D. João III. Note-se que, Alexandre da Macedônia foi educado por Aristóteles e, no Renascimento, era o exemplo completo de líder ilustrado e capaz de conduzir homens. Em Os Lusíadas, Camões toma-o como modelo de D. Sebastião que poderá supera-lo como o Aquiles homérico.

Na poesia novilatina são exaltadas outras virtudes do Monarca, que era abstêmio. Manuel da Costa, jurista e notável poeta contemporâneo, personificou o elogio da sobriedade: D. João III, o "rei dos Lusíadas”, não era inferior a nenhum outro em virtude e (re)conduz Portugal a Idade do Ouro e seus súditos são um povo "glorioso na guerra, domador do Oceano”.6 6 COSTA, Manuel da. De Nuptiis Eduardi Infantis Portugaliae, atque Isabellae, illustrissimi Theodosii, Brigantiae Ducis, germanae Carmen (1552). Coimbra: Biblioteca da Universidade de Coimbra, p.104-108. O poema de Manuel da costa descreve com apurado engenho e agudeza 7 7 Com engenho e agudeza. Nesse caso, pode-se dizer com mais propriedade: com agudeza, virtude daquele que era agudo. Para uma boa compreensão acerca do conceito é preciso pensar naquele que possuía erudição, ou seja, conhecimento dos autores da Antigüidade. Dominava a tal ponto o conhecimento da retórica aristotélica, que podia compreender as representações mais herméticas, porque era capaz de reconhecer os símbolos empregados na representação alegórica e interpretar as metáforas. No mais das vezes, a agudeza era uma virtude do cortesão por excelência tal como parece ter sido o poeta Manuel da Costa. - no registro da ut pictoria poesis de Horácio – o duque de Bragança, observando as alegorias representadas nas tapeçarias que adornam o palácio de D. Theodósio, em Vila Viçosa. São descritas as representações pictórias da batalha de Cochim tendo como figura central Duarte Pacheco; D. Francisco de Almeida, como vice-rei da Índia, destruindo Quíloa e Mombaça; a vingança de D. Francisco desencadeada no ataque a Diu após a morte de seu filho Lourenço batido pelas forças inimigas. Segue-se a descrição da fuga das tropas dos turcos e indianos e a representação de D. Francisco vitorioso, coroado de louros.8 8 COSTA, Manuel da. De Nuptiis Eduardi Infantis.., p.317-339. No entanto, a parte mais significativa aparece na tapeçaria que representa os deuses do Olimpo tomando parte nos festejos das bodas principescas. Segundo Manuel da costa, só Apolo encontrava-se ausente porque conduzia em Coimbra as construções dos novos edifícios universitários como que construindo "em favor do rei Lusitano (...) uma nova Atenas”.9 9 COSTA, Manuel da. De Nuptiis Eduardi Infantis.., p.372-374. Observe-se, aqui, a mesma tópica greco-romana – em consonância com as especificidades do contexto europeu durante o passar dos séculos – que permeia os textos laudatórios e/ou literários do século XVI até, notadamente, a primeira metade do século XVIII no reinado de D. João V.

Claro é que a construção da representação de D. João III como "condutor do povo português à Idade de Ouro” é tributária da sua formação, sua ligação com os principais humanistas portugueses e a contribuição desses últimos nas reinterpretações do próprio humanismo apreendido nos grandes centros intelectuais da Europa – notadamente na Itália e em França. Entretanto, a historiografia mais ortodoxa não foi condescendente ao tratar da figura e, conseqüentemente, do reinado de D. João III.10 10 HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal. Lisboa: Bertrand, 1975, p.166.

Então, vejamos: aos quatro anos de idade, D. João teve por preceptor, segundo designação paterna, o mestre de primeiras letras Álvaro Rodrigues. Para o aprendizado da escrita esteve sob o magistério de Martim Afonso que tinha, em Lisboa, uma escola para ensinar aos moços. Depois de demonstrado bom engenho, o príncipe teve como mestre de Gramática D. Diogo Ortiz de Vilhegas, bispo de Tângere e prior de São Vicente de Fora. D. Diogo, era um pregador famoso e teólogo respeitado chegando depois a se tornar Bispo de Viseu.11 11 ANDRADA, Francisco de. Crônica de D. João III (1571). Porto: Lello & Irmão, 1976, p.5. Com o Bispo estudou os Conselhos de Catão, Terêncio, Vírgilio, Salústio, partes da Bíblia. Sobre a teoria dos planetas e um pouco de astrologia aprendeu com o médico e astrólogo Tomás de Torres. Quando da morte do Bispo D. Diogo, teve por mestre o Dr. Luís Teixeira – fidalgo que obtivera muita fama em Itália onde estivera a estudar direitos Canônico e Civil além de Humanidades com Ângelo Poliziano em Florença . Com o Dr. Teixeira aprendeu as epístolas de Ovídio, alguma coisa de Plínio e de Tito Lívio, princípios de grego e também algum conhecimento de leis – Instituta – "(...) pois c'os homens práticos nelas havia de ministrar justiça a seus vassalos (...)”.12 12 ANDRADA, Francisco de. Crônica de D. João III (1571), p.6. (grifo meu). Note-se que, para Botero, as virtudes da Justiça e da Liberalidade eram os principais meios para obter o amor dos súditos. A prudência era considerada a "virtude política” por excelência. Tal virtude podia ser adquirida pela experiência através do conhecimento da História e da realidade contemporânea. Prudência e Justiça tinham que se fundamentar principalmente na religião e na ética católicas.

Do relato de Andrada, é possível apreender que o príncipe D. João teve uma educação pautada pelos modelos mais elevados nos primórdios do humanismo em Portugal.13 13 CASTRO, Aníbal Pinto de. D João III e a literatura do Império. D João III e a literatura do Império. In: D. João III e o Império. Actas do Congresso Internacional Comemorativo de seu Nascimento. Lisboa: CHAM/UNL, 2004, p.1063. Note-se que os textos sabidamente estudados compõem um conjunto de autores latinos escolhidos em meio a poetas, oradores e historiadores que deram uma marca indelével à pedagogia que o humanismo renascentista português iria consagrar, como demonstram os programas do Colégio das Artes criado por D. João três décadas mais tarde. Mas, talvez, mais importante que a educação formal tenham sido os anos de convivência com os outros moços, a saber: Damião de Góis, D. João de Castro, Martim Afonso de Sousa, João de Barros. Homens que muito viriam a destacar-se nas Letras ou nas campanhas militares de conquista no ultramar durante o século XVI.14 14 CASTRO, Aníbal Pinto de. Damião de Góis e o seu tempo. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 2002, p.123.

Segundo Fr. Luís de Sousa, "Para tudo teve o príncepe bom natural, acompanhado de grande memória, que é ua das partes que mais se requerem nos que estudam qualquer ciência”.15 15 ANAIS de D. João III. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1951, p.10. Entretanto, de fato, empreendeu pouco esforço no conhecimento do latim o que não impediu o Monarca de alimentar seu interesse pelas letras. Pelo contrário, favoreceu aqueles que se encontravam ligados a elas e não deixou de lhes fazer honras e mercês. E, não só aos nacionais tal como comprova a Carta Em Que Erasmo Dedica a D. João III As Chrysostomi Lucubrationes:

Entretanto, a virtude do vosso coração não é despojada do louvor que lhe é devido. Na verdade, todos os que são favoráveis ao nome cristão aplaudem estes mui belos feitos, mas a nós toca-nos mais de perto o facto de, com tamanha benignidade e zelo, ter acalentado não só os que se dedicam a todas as Belas- Letras, mas sobretudo à Teologia. Pois já, em cartas vindas a lume, testemunhou piedade digna de um Rei cristão.16 16 CARTA em que Erasmo dedica a D. João III as Chrysostomi Lucubrationes (1527). Porto: Faculdade de Letras/Universitas Portucalensis, 1972, p.9.

Bastante interessante é um outro trecho da mesma carta em que Erasmo, aparentemente por motivos retóricos – afinal trata-se de uma carta laudatória – depois de uma sucinta relação dos feitos "ilustres” do Rei:

Pois, mal subiste ao trono, reorganizasse a administração judiciária um tanto viciada pela ganância dos advogados, aumentaste os salários destinados aos cultores dos estudos, tornaste segura a navegação por meio de uma frota muito bem apetrechada, limpaste os teus domínios de todo joio, que infestava a feracíssima seara da verdadeira peidade.17 17 CARTA em que Erasmo dedica a D. João III..., p.9.

Acaba por enaltecer os predicados intelectuais de D. João III para além do que se sabia verdadeiramente correspondente a realidade. Vale a pena a citação:

E não contente com teres favorecido e patrocinado tanto professores como alunos de todos os ramos de ensino, mas sobretudo de Teologia, tu próprio, em tão boa hora, aprendeste, desde tenra idade, o Grego e o Latim, sob a orientação de varões muito eruditos [...] além disso, és tão erudito em Ciências Matemáticas, em Astrologia, em Geografia e em História, que é a principal Filosofia dos Reis, que bem podes, pelo teu exemplo, levar ao amor do estudo não só os indolentes, mas também aqueles que lhe são contrários.18 18 CARTA em que Erasmo dedica a D. João III..., p.9-10. (grifo meu).

Nesse trecho, de tal forma a formação erudita de D. João III é enaltecida que nos faz pensar se à hora do agradecimento dos favores e mercês dispensados aos intelectuais já não se fazia evidente e, é claro, necessária.

Conquanto, certamente, não fosse o erudito descrito por Erasmo, o apreço do Rei pela literatura não deixa dúvidas. O gosto pelas novelas de cavalaria era patente o que se pode comprovar pelo conhecido envolvimento do rei na elaboração da Crônica do Imperador Clarimundo, de João de Barros, que "ele mesmo [o príncipe] lhe ia revendo e emendando os cadernos que compunha”.19 19 DISCURSOS Vários políticos. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1999, p.33. Segundo Fr. Luís de Sousa, não raro, João de Barros escreveu trechos daquele texto utilizando como mesa as arcas do guarda-roupas do príncipe. Ao avançar da juventude para a idade adulta, as histórias ingênuas deixam de agradar sobremaneira o futuro rei. É o que se pode notar nas palavras de um trecho do prólogo da Tragicomédia de D. Duardos de autoria de Gil Vicente:

Como quiera (...) que las comedias, farsas y moralidades que he compuesto em servicio de la reina vuestra tia (...) fueron figuras baxas, em las cuales no había conviniente retórica que pudiese satisfacer al delicado spíritu de vuestra alteza, conoscí que me cumplía meter más velas a mi pobre fusta.20 20 AS OBRAS de Gil Vicente, V. II. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Centro de Estudos de Teatro, v. I, 2002, p.595.

Tal apresentação acerca da relação de D. João III com a literatura parece necessária para que se possa compreender que, não obstante seu pouco interesse pelos estudos, ele tenha acumulado uma bagagem literária que, por sua vez, refletiu-se na proteção e no mecenato dispensado à impressão de obras, lançando os alicerces do que poderia atualmente ser designado como uma espécie de "política cultural” e definindo os rumos sócio-políticos para um longo período de tempo. Nesse sentido, pode-se pensar, para além da ação de incentivador da intelectualidade desenvolvida durante os 35 anos do reinado de D. João III, na reforma da Universidade, com a sua transferência para a cidade de Coimbra em 1537 e também na criação do Colégio das Artes cerca de dez anos depois naquela mesma cidade, como marcos fundamentais para o movimento de internacionalização de Portugal tanto em meio as Cortes européias quanto no que isso significou na afirmação do reino como metrópole de um império. Ainda que se deva considerar as influências da instalação da Inquisição em Portugal dada as especificidades relacionadas às diferenças no grau de rigor e nas intervenções preventivas que se verificaram no século XVI.21 21 Note-se os casos de Damião de Góis e também de Gil Vicente, nos quais nem o Rei nem seu irmão, o Cardeal D. Henrique, se mantiveram indiferentes.

A partir de 1551, a perseguição empreendida pela Inquisição aos professores do Colégio das Artes de Coimbra e a conseqüente entrada da Companhia de Jesus, obviamente, modificaram o futuro inicialmente planejado para aquela instituição. Entretanto, é importante destacar que, e nesse aspecto a historiografia é quase consensual, a qualidade do ensino e a preparação dos mestres não sofreram, por assim dizer, quebras acentuadas pois os professores que partiram foram substituídos por quem nada lhes ficava a dever em matéria de erudição e de preparação humanística. Tal como os que foram retirados de suas cátedras, estes últimos também tinham freqüentado os Colégios de Santa Bárbara, em Paris, ou de Guienne, em Bordeaux.22 22 MONTAIGNE, Michel. Essais, Livre I, Chap.26. In: Ouvres completes. Paris: Ed. du Seuil, 1967, p.85. Parece acertado dizer que boa parte daqueles que eram mais influentes na Corte de D. João III pretendia retirar da formação dos jovens portugueses o demasiado paganismo dos textos greco-latinos do Humanismo Renascentista. A questão perpassava pela impossibilidade de conciliar os ideais de vida – o hedonismo manifesto no Carpe Diem horaciano, os prazeres carnais preconizados na Ars Amatoria ovidiana ou o conceito de glória apenas como triunfo da humanidade – da Antigüidade com a exegese cristã. Coube aos jesuítas selar a síntese dos valores humanísticos dos Antigos com as atitudes de vida que o cristianismo exigia.

Nesta perspectiva, no reinado de D. João III não houve "retrocesso” ou "atraso” no sentido em que contemporaneamente são compreendidos tais conceitos. Ao contrário, pode-se pensar na importância do surgimento de um movimento organizador e impulsionador do conjunto de valores ético, morais e político-religiosos que possibilitou a continuidade da expansão e das conquistas no além mar. Em Portugal, sobretudo nos Quinhentos, a maior parte da atividade nacional estava orientada em função da empresa ultramarina. O rei, cabeça do corpo da Nação, cabia a tarefa de vislumbrar a totalidade de seus súditos, das terras e das gentes que viviam sob seu poder, ou seja, cabia-lhe a consciência acerca das outras partes do corpo político-social. As atenções do monarca não podiam ficar restritas a origem de seu território geográfico senão por motivos de "sobrevivência” em meio ao contexto europeu, porque os Descobrimentos lançaram uma luz ofuscante e definitiva sobre certezas até então inquestionáveis – a efemeridade da vida, a grandeza pequena do Homem, a supremacia do transcendente na relação do Homem com Deus – embora o humanismo já houvesse lançado suas novas proposições. Trata-se, aqui, do contato e do conhecimento, obrigatório e incontornável, com outras formas de vida, ainda que consideradas "inferiores” em termos civilizacionais. Tais contatos transportaram a Europa para lugares tão distantes até um ponto em que o compartilhamento de códigos acabou por gerar códigos outros que, por sua vez, refletiram-se na matriz, ou seja, no Reino. A distância, o isolamento as condições de conservação de territórios muito dispersos, com populações muito diferenciadas, propiciou uma dinâmica por demais específica a partir das relações cotidianamente vivenciadas. E, nesse sentido, não se pode desprezar a importância do texto manuscrito e impresso que difundiu/traduziu, de um lado para o outro, aquela dinâmica.

Durante a primeira metade do século XVI, sobretudo no Reino, foram os textos literários, as cartas, os relatos que possibilitaram àqueles que não conheciam os territórios ultramarinos a construção de uma "imagem” compreensível daqueles outros lugares e daquelas outras gentes. Nesse sentido, pode-se pensar nos textos, marcados por forte exaltação épica, de João de Barros sobre a Ásia depois continuados por Diogo do Couto.23 23 João de Barros inicia a escrita do texto enquanto era feitor da Casa das Índias. As três primeiras Décadas foram publicadas entre 1552 e 1563. A continuação elaborada por Diogo do Couto mostra os sinais das experiências vivenciadas in loco. Relatos mais próximos da realidade quotidiana, tal como ela era percebida pelos portugueses, surgiriam a partir da presença daqueles autores nos "locais dos acontecimentos”. Tal é o caso da obra de Fernão Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses – publicada a partir de 1561 – e de Gaspar Correia, Lendas da Índia, elaboradas até a morte do autor em 1565 conquanto só viessem a ser editadas a partir da segunda metade do século XIX. A narração historiográfica que então se praticava, ou seja a narração dos acontecimentos da história nacional ordenados de acordo com a sucessão dos reinados, acaba por propiciar, ao longo dos Descobrimentos, a inclusão cada vez mais significativa do acontecido as áreas de "prolongamento” do Reino como o Oriente e o Brasil.24 24 CASTRO, Aníbal Pinto de. D João III e a literatura do Império. D João III e a literatura do Império, p.1070-1072. Tome-se como exemplo a Crónica de D. Manuel, escrita por Góis, ou a Crónica de D João III, de Francisco de Andrada. Nestas obras pode-se observar um certo preterimento dos acontecimentos da história relativos ao Reino e das personalidades que os protagonizaram em favor das narrações das guerras do Oriente e alguns poucos extensos capítulos dedicados ao Norte da África e ao Brasil.25 25 ANDRADA, Francisco de. Crônica de D. João III (1571). Porto: Lello & Irmão, 1976. Há ainda que se destacar as obras de caráter propriamente épico como Os Lusíadas de Luís de Camões.

Era, sem dúvida, a Ásia, que atraía a atenção, a imaginação e, é claro, proporcionava à nação o vislumbre de uma riqueza imediata. O interesse pelo Brasil, seu natural exotismo para a sociedade portuguesa dos Quinhentos, só viria a concretizar-se quando se tornou patente a possibilidade de perda da conquista diante dos interesses de outros povos europeus, notadamente os franceses e suas intenções de consolidar a França Antártica na região sudeste do território, e depois, quando a necessidade de exploração econômica passou a ser imperiosa seja em função das riquezas minerais que se acreditavam existentes a partir da "proximidade” das descobertas espanholas no Potosí, seja em função das complicações inerentes à manutenção das conquistas orientais. Em outras palavras, conquanto Pedro Álvares Cabral tivesse aportado na costa brasileira no início do ano de 1500, a importância do Brasil foi "descoberta” décadas mais tarde.

Há ainda que se considerar o intenso movimento de traduções, notoriamente patrocinado pelo poder político, que funcionaram como instrumento disseminador e legitimador do próprio poder português e do seu vasto Império. Nesse movimento, a Europa culta e erudita pôde reconhecer a constituição do Império, ainda que tenha servido também para reforçar tal noção para a própria sociedade portuguesa.26 26 Destacam-se a versão francesa elaborada por Nicolau de Grouchy do primeiro tomo da História do Descobrimento e Conquista da Índia, de Lopes de Castanheda, intitulada L'Histoire des Indes de Portugalcontenant comment l'Inde a este decouverte par lê commandement du Roy Emanuel, & la guerre que lês Capitaines Portugalois ont menée pour la conqueste d'icelles, publicada pela primeira vez em Antuérpia no ano de 1533 e depois em Paris nos anos de 1554 e 1581. Os dois primeiros tomos da obra de Castanheda, foram traduzidos em italiano por Afonso Ulhoa com o título Historia delle Indie Orientali scoperte, e conquistate da'Portoghesi di commissione dell'invittissimo Re Dom manuello di gloriosa memória, publicados em Veneza no ano de 1578. Ainda outra tradução em espanhol apenas do primeiro tomo, foi publicada em Antuérpia em 1554, com o título Historia Del descubrimiento y conquista de la Índia por los Portugueses. É importante observar que a proximidade das datas de publicação espelham tanto o reflexo do interesse europeu por este tipo de narrativa, quanto a intenção deliberada de propagação dos feitos portugueses pela Coroa. Nesse sentido, pode-se lembrar que foi o próprio D. João III quem chamou, em 1548, Nicolau de Grouchy para ensinar no Colégio das Artes em Coimbra. CURTO, Diogo (dir.) O tempo de Vasco da Gama. Lisboa: Difel/CNCDP, 1988, p.369-379 Nesse caso, interessava, sobretudo, reafirmar perante a Espanha de Carlos V os direitos de domínio e exploração sobre as terras e mares conquistados pelos portugueses.

Sendo D. João III, como rei a cabeça "orgânica” do corpo do reino e do império, é possível tomar como certo que toda essa produção literária teve sua chancela e aprovação ainda mais levando-se em consideração a relativa pobreza da nobreza portuguesa e/ou sua manifesta inapetência para o mecenato. Então, mais do que aprovação, os escritores contaram com a proteção do Rei, para as pessoas e instituições, através de privilégios, tenças, moradias e outras formas de proteção moral e material. Tais constatações comprovam-se na quantidade de obras em que aparecem dedicatórias a D. João III. Para citar exemplos bastante conhecidos: João de Barros dedicou ao Monarca a primeira década de Ásia e Castanheda endereçou-lhe o Prólogo do primeiro livro do seu História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses.

Entretanto, para esta análise, o mais interessante parece ser o Prólogo que Gil Vicente escreveu para a edição de suas Obras e que seu filho, Luís, inseriu no começo do volume da Copilaçam, impresso por João Álvares entre 1562 e 1563:

Porém, querendo eu no presente preâmbulo ajudar-me do seu costumado estilo [dos escritores Antigos] em querer louvar as excelências de vossa alteza como eles fazem aos senhores a quem suas obras endereçam, que farei? Sendo certo que ainda fosse em mi só a sua oratória tam fecunda como em todos eles e me fosse traspassado o spirito de David, nam presumiria escrever de vossa alteza a mínima parte de sua magnífica bondade, de sua nobilíssima condição, de sua discreta mansidão, do perfeito zelo de sua justiça, da paz, da guerra, da sua graça,gravidade, conselho, sabedoria, liberalidade, prudência e finalmente do seu cristianíssimo firmamento (...).27 27 AS OBRAS de Gil Vicente, p.14. (grifo meu).

Observe-se que ao rei D. João III, são atribuídas pelo autor as virtudes greco-latinas com as quais o humanismo renascentista viria a abastecer as reinterpretações neotomísticas que, por sua vez, possibilitariam a constituição de uma teologia política em que o príncipe cristão garantia sua legitimidade perante a sociedade porque passava a valer como representante de Deus na Terra e condutor de seus súditos, bem como a construção de uma razão de Estado que acabou por ser adotada em Portugal marcadamente até a primeira metade do século XVIII.28 28 A razão de Estado, vinculada a uma teologia política, teve como significativa referência doutrinária o livro de Giovanni Botero, Della ragion di stato, publicado em 1588. Botero apresentava um príncipe persuadido e comprometido com as premissas do catolicismo. Natural do Piemonte, Botero nutria pelos portugueses uma notável admiração, conquanto essa admiração fosse comum ao pensamento político católico dos autores italianos dos Quinhentos. Segundo ele, nenhuma nação estava tão empenhada em servir com tanto zelo, tanta honra, a Jesus Cristo, nenhuma era tão pródiga na propaganda da fé católica quanto Portugal. Para Botero, as virtudes da Justiça, da Liberalidade (significando magnificência) e da Prudência (como sabedoria) eram as principais virtudes políticas. TORGAL, Luís Reis, Introdução, In: BOTERO, João. Da razão de Estado. Coimbra: Universidade de Coimbra-Instituto Nacional de Investigação Científica, 1992, XXV. Não cabe, evidentemente, compreender o reinado de D. João III, nem o de D. Sebastião, no registro de uma razão de Estado teológico-política funcionando como um instrumento de condução da política e da sociedade, mas as bases já estavam a ser lançadas.

D. João III personificou o orgulho nacional como desbravador dos mares, com qualidades que permitiram que fosse representado como os heróis antigos. Parece possível pensar que consciente dessa representação aproveitou para retirar lições que se refletiram pragmaticamente na sua ação governativa, apreciou o grande teatro da vida que era a Corte, contrariou-se com os empecilhos que minimizavam seus ideais de empreender uma empresa nacional voltada à dilatação do Império de Cristo e ao enriquecimento da Metrópole.

As interpretações historiográficas mais ortodoxas persistem na divisão do reinado de D. João III em dois períodos bem definidos: o primeiro, mais positivo, relaciona-se à proteção dos intelectuais e à abertura laica do humanismo. O segundo período, no mais das vezes considerado como obscurantista, foi marcado pela instituição da Inquisição o que teria determinado o "retrocesso” político, social e intelectual no Reino. Análise bastante simplista acerca de uma conjuntura muito mais complexa.29 29 XAVIER, Ângela Barreto. A invenção de Goa. Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. Florença: IUE, 2003, p.9-20. (Tese, doutoramento em História) Um conjunto de tensões vividas no Reino a partir da década de 1540, ao qual se devem incluir aquelas que se relacionam ao incremento do processo colonizador no Brasil, serviram para sedimentar a idéia de "crise” que teria marcado toda a segunda metade dos Quinhentos.

Ao que parece, podia sentir-se em Portugal a dificuldade inerente em administrar e controlar espaços territoriais tão dispersos quanto aqueles que integravam o Império. Conquanto alguns dos territórios estivessem a poucos milhares de léguas de distância, como os arquipélagos dos Açores e da Madeira, ou mesmo os da costa africana, outros como os do Oriente e do Brasil, só permitiam o estabelecimento de contatos "distorcidos” pela distância dos meses gastos nos trajetos de idas e vindas. Ao contrário das colônias gregas e romanas em permanente contato através do mar mediterrâneo, as colônias portuguesas espalhavam-se pelos mares determinando ligações tênues e contatos esparsos. Além disso, a Coroa não podia disponibilizar significativos recursos político-administrativos e a escassez das gentes foram fatores importantes na maximização das dificuldades de gerência do Império. Tudo parecia ser por demais complexo tornando o império português num "império impossível”, tal como observado por alguns historiadores.30 30 FERNANDEZ-ARMESTO, Felipe. O milênio. A história dos últimos 1000 anos. Lisboa: Presença, 1996.

Então, Lisboa, como cabeça, teria que delegar aos membros do Império partes das funções para impedir que a distância e os outros fatores citados pudessem resultar na combinação "esfriado o amor e truncada a comunicação.”31 31 CONFALONIERI, Gianbattista. Por terras de Portugal (1581). Biblioteca Nacional de Lisboa, 2003, p.13. Parece que a partir destas circunstâncias surgiram as tentativas de elaboração de respostas às novas necessidades de territórios conquistados e/ou desejados pelos portugueses para além dos acontecimentos relacionados ao contexto europeu. Notadamente, pode-se citar as alterações geopolíticas no Índico – a rotação asiática de Suleimão, os novos interesses de Ismail I, as conquistas de Babur, o império de Vijayanagar, a economia do Índico oriental e a sua articulação com os mares ocidentais – ,32 32 SUBRAHMANYAM, Sanjay. O império asiático português. Lisboa: Presença, 1995, p.337-405. o surgimento do Luteranismo e o Concílio de Trento, a eleição de Carlos de Habsburgo como Carlos V, a conquista do México por Cortés e do império inca por Pizarro, a descoberta das minas de Potosí. Além disso, acentuava-se a fragilidade do Tratado de Tordesilhas no momento em que crescia entre as nações européias a noção de que os mares eram livres33 33 GROTIUS, Hugo. Le droit de la guerre et de la paix. Traduit par P. Pradier-Fedéré. Paris: Presses Universitaires de France, 1999. e que os critérios de direito de dominação assentavam-se sobre a capacidade de estabelecimento de gente, casas e exploração da terra. Tudo isso contribuiu para que a noção de império se modificasse em meio à conjuntura político-social portuguesa.

O conjunto de alterações normativas e as atitudes empreendidas no sentido de (re)organização no reino e no império, durante o reinado de D. João III, parecem refletir um certo ordenamento, quase um "plano”, de reordenamento político, social e intelectual com vistas a possibilitar a criação das condições propícias à uma cristianização, latu senso, das sociedades de modo a proporcionar a conservação da dominação política pretendida. Segundo Ângela Xavier, tal procedimento é revelador de que estava em curso um processo de "confessionalização” da própria monarquia portuguesa.34 34 XAVIER, Ângela Barreto. A invenção de Goa, p.9.

Nesse sentido, é bem conhecida a opção adotada pela Metrópole, sobretudo porque cristianização passou a valer como civilização e através do compartilhamento de códigos de valores como dominação. O que, de fato, parece ainda complicado compreender é a existência de um "plano” preconcebido. Entretanto, também não causa menos incômodo pensar que a opção da Coroa possa ser entendida apenas como "fruto de compromissos mais do que da concretização de um plano preconcebido”.35 35 TOMAZ, Luís Felipe. A política oriental de D. Manuel I e seus concorrentes. In: De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994, p.205. Parece mais interessante trabalhar com a perspectiva de que elementos de ambas as concepções marcaram, em medidas diferenciadas, as ações da Coroa. Veja-se alguns argumentos que podem corroborar tal constatação: por um lado, é possível admitir alguma coisa de preconcebido na medida em que se coloca sob o foco de análise o fato de que nestas décadas centrais, decisórias para as empresas portuguesas, o cortesão e humanista Francisco de Holanda expunha a tese claramente neoplatônica de que a ação devia derivar da idéia ao mesmo tempo em que muitos outros neoplatônicos exaltavam a capacidade inventiva do sujeito. Por outro, pesa a construção de uma representação na qual D. João III é sempre caracterizado como pragmático, mas hesitante, um governante sem grandes planos de ação, sobretudo porque o modelo político não foi colocado em causa, qual seja, o príncipe como administrador da "coisa pública” a partir de uma realidade pré-existente, de uma ordem natural e imutável. Nesse caso, pelo menos duas observações parecem relevantes. Em primeiro lugar, "hesitação” pode expressar uma atitude de Prudência: aguardar o momento mais propício, retroceder para depois avançar quando as circunstâncias demonstrassem maior facilidade de sucesso na empresa pretendida. Em segundo lugar, preconcebido parece não significar premeditado. A medida certa, o meio termo, a sensibilidade quanto à complexidade das experiências políticas, sociais e religiosas vivenciadas nos Quinhentos parece apontar para a possibilidade da fusão entre a constituição de uma certa noção de planejamento e as constantes adaptações exigidas pelos acontecimentos cotidianos.

O reinado de D. João III, quase sempre subvalorizado pela historiografia tradicional como um período encravado entre a "fortuna” manuelina – tempo das viagens de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral – e a tragédia da batalha de Alcácer-Quibir quando morreu o Rei D. Sebastião; a imagem um tanto equivocada dos sucessores de D. Manuel como governantes manipulados pelos interesses dos nobres parece não refletir com justiça o reinado joanino.36 36 HESPANHA, António Manuel. Poder e Instituições no antigo Regime. Lisboa: Cadernos Penélope/Cosmos, 1992. Conquanto, seja possível apontar para o fato de que a constituição da Corte joanina foi ocupada por uma nobreza de linhagens pouco conhecidas à qual o Rei atribuiu importantes títulos e mercês, à qual também procurou construir uma memória e uma representação social que pudessem justificar a sua posição, bem como a construção de uma representação "erudita” do próprio monarca, são ações indicadoras de que ao mesmo tempo em que tentava minimizar alguns dos constrangimentos colocados pela tradição constitucional do Reino, procurou "reforma-lo” de acordo com outras formulações políticas e sociais.37 37 PEARSON, M. N. The portguese in Índia. In: The New Cambridge History of Índia. Cambrigde/New York/Port Chester/Melbourne/Sydeney: CUP, 1987, p.99-104.

A reforma empreendida durante o reinado de D. João III aponta para a adoção de ações de intervenção constante da Coroa, inclusive no ordenamento e na reorganização das estruturas que já existiam. Mas, sobretudo, à "construção” de um novo espaço imperial capaz de reproduzir nas áreas do ultramar, na medida em que isso foi possível, o espaço do Reino no Império. No sentido prático, a adoção de tais medidas "reformistas” significou que as instituições também deviam refletir o estado das coisas tal como acontecia no Reino, ou seja, deveriam ser tão autônomas ou tão dependentes da Coroa como eram as do Reino. Nesse sentido, pressupunha colocar fim ao tipo de autonomia que até à época tinha organizado a presença portuguesa nas áreas de domínio, entretanto, sem prejuízo da delegação de poderes, tão indispensável diante da vastidão do Império, só que então fortemente encabeçada pela Coroa. Ao mesmo tempo, significou acabar com a política de mestiçagem – no caso Brasil há que se minimizar a mestiçagem como uma ação política – a partir do estímulo dos casamentos com mulheres enviadas do Reino. Aqui, constata-se a constante tentativa de "branqueamento” dos colonos/súditos mestiços que percorre todo o período do processo colonizador, sobretudo no Brasil onde as questões de povoamento, exploração e consolidação da dominação estavam intrinsecamente relacionadas. Por fim, mas sem prejuízo de sua ação fundamental, há que se destacar a estratégia de evangelização como instrumento primordial para efetivar nas áreas imperiais a representação do poder do príncipe cristão que as governava.38 38 PAES, Maria Paula Dias Couto, Vislumbres do Sol. In: Teatro do Controle. Prudência e Persuasão nas Minas do Ouro. Belo Horizonte: UFMG, 2000, p.168-170. (Dissertação: Mestrado em História).

Mas, ainda há alguns fatores que não podem deixar de ser aqui analisados. Talvez, o mais intrigante, seja as questões que se relacionam ao que a historiografia comumente se refere como período de "atraso” que caracterizou o reinado joanino justamente porque tal discussão torna mais complexas a compreensão das ações de caráter "reformista” que vêem sendo discutidas acima.

De acordo com a idéia de que o governo de D. João III, teria sido marcado por um "atraso” de Portugal diante das outras nações européias é muito clara a perspectiva de que, no momento inicial do seu reinado, o monarca acolheu o humanismo e, nas palavras de António Castilho, "restituíra em Portugal as letras, que a ignorância de alguns e o descuido dos Príncipes tinham degradadas do Reino”.39 39 DIAS, J. S. S. A política cultural da época de D. João III. Coimbra: Instituto de Estudos Filosóficos, 1969 Coimbra: Instituto de Estudos Filosóficos, 1969, p.855. Assim, D. João III teria marcado sua diferença em relação ao reinado anterior, ainda muito influenciado pelos ideais militares medievais, ao privilegiar os comportamentos cortesãos renascentistas. Compondo um círculo de literatos que o rodeavam, o Rei tornou-se conhecido como protetor e mecenas das artes e das letras. Criou-se, ao que parece, pelo menos para os contemporâneos a representação de um governante erudito e aberto às "novidades” do mundo civilizado.

Conforme a historiografia mais tradicional, como que a inaugurar um outro ciclo de governança, D. João III, teria se esforçado para desfazer aquilo que ele mesmo havia construído, ou seja, em detrimento da proteção ao humanismo laico passaram a contar com os favores do Rei aqueles que preconizavam uma educação pautada por parâmetros religiosos que acabaria por submeter a Coroa aos pressupostos destes últimos. As "hesitações”, os compromissos assumidos diante do surgimento do luteranismo da parte de D. João III seriam responsáveis pelo fato de que o humanismo laico não pôde assentar bases sólidas em Portugal, não sendo capaz de alterar significativamente a forma mentis da sociedade. Ao contrário, a Europa protestante passou a valer como promessa de modernidade. Em Portugal, o ensino jesuítico, a Inquisição e a censura teriam aniquilado qualquer vislumbre de abertura porque fizeram triunfar o obscurantismo intelectual e científico e os mais reacionários cânones políticos.

Entretanto, a própria ordem cronológica dos acontecimentos demonstram a pouca validade da visão dicotômica acerca do reinado de D. João III. Observe-se que a instalação da Inquisição em Portugal data de 1536 e a refundação da Universidade ocorreu no ano de 1537, a criação do Colégio das Artes foi em 1547. Ajunte-se a constatação de que D. João III e D. Catarina eram os principais patronos e mecenas das artes e das letras no Reino40 40 BEATO, Agostinho Pires. Rodrigo Sanches, Epistolário Latino. Coimbra: FLUC, 1991. e que, ao mesmo tempo, celebraram a instituição do Tribunal da Inquisição em Portugal. Ao que tudo indica, pode-se concluir que a racionalidade da época estava assentava sobre parâmetros outros que não são os que regem a compreensão "racional” das interpretações tal como as analisamos a partir da atualidade. Nesse sentido, torna-se inválido propor uma dicotomia no registro de oposições do tipo laicismo-modernidade versus Reforma Católica-conservadorismo político e social.

O reinado de D. João III pode, sob alguns aspectos, ser comparado aos de Carlos V, de Francisco I e de Henrique VIII, no sentido em que a noção de disciplinamento social e/ou confessionalização marcaram ações políticas e provocaram embates entre o poder político e o poder religioso.41 41 PROSPERI, Adriano. Tribunali della coscienza, Inquisitori, confessori, missionari. Torino: Einaudi, 1996. Ou seja, a "adoção” de uma religiosidade exarcebada não foi uma característica exclusiva dos príncipes da Europa do Sul. Ao que tudo indica, ela foi compartilhada pelos príncipes de uma Europa fragmentada e ainda politicamente muito dependente da submissão de súditos que professavam opções religiosas distintas.42 42 DE WHITTE, Charles-Martial, La correspondance des premiers nonces permanents au Portugal, 1532-1553. Lisboa: Academia Portuguesa de História 1986, p.89-91. Justifica-se, assim, a constituição de uma forte aliança político-religiosa no esforço de (re) cristianização – no caso de Portugal tal esforço acabou por significar mais atenção à ortodoxia católica e o empreendimento de missionação nos territórios do ultramar – dos súditos como forma de garantir a coesão da comunidade política, da respublica.

Artigo recebido em: 05/05/2007. Aprovado em 08/09/2007.

  • 2 MAGALHĂES, Joaquim Romero. Os régios protagonistas do poder. In: MAGALHĂES, J. R. (coord.) No alvorecer da Modernidade (1480-1620).
  • MATTOSO, José (dir.). História de Portugal Lisboa: Estampa, 1993, v.3, p.539-540.
  • 3 RAMALHO, A. Costa. Latim renascentista em Portugal. Lisboa: FCG-JNICT, 1993, p.143.
  • 6 COSTA, Manuel da. De Nuptiis Eduardi Infantis Portugaliae, atque Isabellae, illustrissimi Theodosii, Brigantiae Ducis, germanae Carmen (1552). Coimbra: Biblioteca da Universidade de Coimbra, p.104-108.
  • 8 COSTA, Manuel da. De Nuptiis Eduardi Infantis.., p.317-339.
  • 9 COSTA, Manuel da. De Nuptiis Eduardi Infantis.., p.372-374.
  • 10 HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da Inquisiçăo em Portugal. Lisboa: Bertrand, 1975, p.166.
  • 11 ANDRADA, Francisco de. Crônica de D. Joăo III (1571). Porto: Lello & Irmăo, 1976, p.5.
  • 12 ANDRADA, Francisco de. Crônica de D. Joăo III (1571), p.6. (grifo meu). Note-se que, para Botero, as virtudes da Justiça e da Liberalidade eram os principais meios para obter o amor dos súditos. A prudęncia era considerada a "virtude política por excelęncia. Tal virtude podia ser adquirida pela experięncia através do conhecimento da História e da realidade contemporânea. Prudęncia e Justiça tinham que se fundamentar principalmente na religiăo e na ética católicas.
  • 13 CASTRO, Aníbal Pinto de. D Joăo III e a literatura do Império. D Joăo III e a literatura do Império. In: D. Joăo III e o Império. Actas do Congresso Internacional Comemorativo de seu Nascimento. Lisboa: CHAM/UNL, 2004, p.1063.
  • 14 CASTRO, Aníbal Pinto de. Damiăo de Góis e o seu tempo. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 2002, p.123.
  • 15ANAIS de D. João III Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1951, p.10.
  • 16CARTA em que Erasmo dedica a D. João III as Chrysostomi Lucubrationes (1527). Porto: Faculdade de Letras/Universitas Portucalensis, 1972, p.9.
  • 17CARTA em que Erasmo dedica a D. João III..., p.9.
  • 18CARTA em que Erasmo dedica a D. João III..., p.9-10. (grifo meu).
  • 19DISCURSOS Vários políticos. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1999, p.33.
  • 20AS OBRAS de Gil Vicente, V. II. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Centro de Estudos de Teatro, v. I, 2002, p.595.
  • 22 MONTAIGNE, Michel. Essais, Livre I, Chap.26. In: Ouvres completes. Paris: Ed. du Seuil, 1967, p.85.
  • 24 CASTRO, Aníbal Pinto de. D Joăo III e a literatura do Império. D Joăo III e a literatura do Império, p.1070-1072.
  • 25 ANDRADA, Francisco de. Crônica de D. Joăo III (1571). Porto: Lello & Irmăo, 1976.
  • 26 Destacam-se a versăo francesa elaborada por Nicolau de Grouchy do primeiro tomo da História do Descobrimento e Conquista da Índia, de Lopes de Castanheda, intitulada L'Histoire des Indes de Portugalcontenant comment l'Inde a este decouverte par lę commandement du Roy Emanuel, & la guerre que lęs Capitaines Portugalois ont menée pour la conqueste d'icelles, publicada pela primeira vez em Antuérpia no ano de 1533 e depois em Paris nos anos de 1554 e 1581. Os dois primeiros tomos da obra de Castanheda, foram traduzidos em italiano por Afonso Ulhoa com o título Historia delle Indie Orientali scoperte, e conquistate da'Portoghesi di commissione dell'invittissimo Re Dom manuello di gloriosa memória, publicados em Veneza no ano de 1578. Ainda outra traduçăo em espanhol apenas do primeiro tomo, foi publicada em Antuérpia em 1554, com o título Historia Del descubrimiento y conquista de la Índia por los Portugueses. É importante observar que a proximidade das datas de publicaçăo espelham tanto o reflexo do interesse europeu por este tipo de narrativa, quanto a intençăo deliberada de propagaçăo dos feitos portugueses pela Coroa. Nesse sentido, pode-se lembrar que foi o próprio D. Joăo III quem chamou, em 1548, Nicolau de Grouchy para ensinar no Colégio das Artes em Coimbra. CURTO, Diogo (dir.) O tempo de Vasco da Gama. Lisboa: Difel/CNCDP, 1988, p.369-379
  • 27AS OBRAS de Gil Vicente, p.14. (grifo meu).
  • 28 A razăo de Estado, vinculada a uma teologia política, teve como significativa referęncia doutrinária o livro de Giovanni Botero, Della ragion di stato, publicado em 1588. Botero apresentava um príncipe persuadido e comprometido com as premissas do catolicismo. Natural do Piemonte, Botero nutria pelos portugueses uma notável admiraçăo, conquanto essa admiraçăo fosse comum ao pensamento político católico dos autores italianos dos Quinhentos. Segundo ele, nenhuma naçăo estava tăo empenhada em servir com tanto zelo, tanta honra, a Jesus Cristo, nenhuma era tăo pródiga na propaganda da fé católica quanto Portugal. Para Botero, as virtudes da Justiça, da Liberalidade (significando magnificęncia) e da Prudęncia (como sabedoria) eram as principais virtudes políticas. TORGAL, Luís Reis, Introduçăo, In: BOTERO, Joăo. Da razăo de Estado. Coimbra: Universidade de Coimbra-Instituto Nacional de Investigaçăo Científica, 1992, XXV.
  • 29 XAVIER, Ângela Barreto. A invençăo de Goa. Poder imperial e conversőes culturais nos séculos XVI e XVII. Florença: IUE, 2003, p.9-20. (Tese, doutoramento em História)
  • 30 FERNANDEZ-ARMESTO, Felipe. O milęnio. A história dos últimos 1000 anos. Lisboa: Presença, 1996.
  • 31 CONFALONIERI, Gianbattista. Por terras de Portugal (1581). Biblioteca Nacional de Lisboa, 2003, p.13.
  • 32 SUBRAHMANYAM, Sanjay. O império asiático portuguęs. Lisboa: Presença, 1995, p.337-405.
  • 33 GROTIUS, Hugo. Le droit de la guerre et de la paix. Traduit par P. Pradier-Fedéré. Paris: Presses Universitaires de France, 1999.
  • 34 XAVIER, Ângela Barreto. A invençăo de Goa, p.9.
  • 35 TOMAZ, Luís Felipe. A política oriental de D. Manuel I e seus concorrentes. In: De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994, p.205.
  • 36 HESPANHA, António Manuel. Poder e Instituiçőes no antigo Regime. Lisboa: Cadernos Penélope/Cosmos, 1992.
  • 37 PEARSON, M. N. The portguese in Índia. In: The New Cambridge History of Índia. Cambrigde/New York/Port Chester/Melbourne/Sydeney: CUP, 1987, p.99-104.
  • 38 PAES, Maria Paula Dias Couto, Vislumbres do Sol. In: Teatro do Controle. Prudęncia e Persuasăo nas Minas do Ouro. Belo Horizonte: UFMG, 2000, p.168-170. (Dissertaçăo: Mestrado em História).
  • 39 DIAS, J. S. S. A política cultural da época de D. Joăo III. Coimbra: Instituto de Estudos Filosóficos, 1969 Coimbra: Instituto de Estudos Filosóficos, 1969, p.855.
  • 40 BEATO, Agostinho Pires. Rodrigo Sanches, Epistolário Latino. Coimbra: FLUC, 1991.
  • 41 PROSPERI, Adriano. Tribunali della coscienza, Inquisitori, confessori, missionari. Torino: Einaudi, 1996.
  • 42 DE WHITTE, Charles-Martial, La correspondance des premiers nonces permanents au Portugal, 1532-1553. Lisboa: Academia Portuguesa de História 1986, p.89-91.
  • 1
    Apenas para mencionar as atitudes administrativas mais estruturais, D. João III incrementou a política de construção de um aparelho burocrático mais eficaz. O Reino foi dividido em novas correições e foram criados novas dioceses e novos tribunais (Mesa de Consciência e Ordens e o Santo Ofício da Inquisição). Foram redefinidas as funções de chanceler-mor, de chanceler da Casa de Suplicação, de juiz da Chancelaria e o novo Regimento dos desembargadores do Paço.
  • 2
    MAGALHÃES, Joaquim Romero. Os régios protagonistas do poder. In: MAGALHÃES, J. R. (coord.)
    No alvorecer da Modernidade (1480-1620). MATTOSO, José (dir.).
    História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1993, v.3, p.539-540.
  • 3
    RAMALHO, A. Costa.
    Latim renascentista em Portugal. Lisboa: FCG-JNICT, 1993, p.143.
  • 4
    Notadamente entre outros, D, Jorge, duque de Coimbra e mestre de Santiago; D. Pedro de Meneses, 3o. marquês de Vila Real e 2o. conde de Alcoutim; D. Miguel da Silva; João Rodrigues de Sá Meneses.
  • 5
    Tal foi a representação construída por António Luís, médico e erudito, na sua
    Epistola Panagyrica dirigida a D. João III. Note-se que, Alexandre da Macedônia foi educado por Aristóteles e, no Renascimento, era o exemplo completo de líder ilustrado e capaz de conduzir homens. Em
    Os Lusíadas, Camões toma-o como modelo de D. Sebastião que poderá supera-lo como o Aquiles homérico.
  • 6
    COSTA, Manuel da.
    De Nuptiis Eduardi Infantis Portugaliae, atque Isabellae, illustrissimi Theodosii, Brigantiae Ducis, germanae Carmen (1552). Coimbra: Biblioteca da Universidade de Coimbra, p.104-108.
  • 7
    Com
    engenho e agudeza. Nesse caso, pode-se dizer com mais propriedade: com
    agudeza, virtude daquele que era
    agudo. Para uma boa compreensão acerca do conceito é preciso pensar naquele que possuía erudição, ou seja, conhecimento dos autores da Antigüidade. Dominava a tal ponto o conhecimento da retórica aristotélica, que podia compreender as representações mais herméticas, porque era capaz de reconhecer os símbolos empregados na representação alegórica e interpretar as metáforas. No mais das vezes, a
    agudeza era uma virtude do cortesão por excelência tal como parece ter sido o poeta Manuel da Costa.
  • 8
    COSTA, Manuel da.
    De Nuptiis Eduardi Infantis.., p.317-339.
  • 9
    COSTA, Manuel da.
    De Nuptiis Eduardi Infantis.., p.372-374.
  • 10
    HERCULANO, Alexandre.
    História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal. Lisboa: Bertrand, 1975, p.166.
  • 11
    ANDRADA, Francisco de.
    Crônica de D. João III (1571). Porto: Lello & Irmão, 1976, p.5.
  • 12
    ANDRADA, Francisco de.
    Crônica de D. João III (1571), p.6. (grifo meu). Note-se que, para Botero, as virtudes da Justiça e da Liberalidade eram os principais meios para obter o amor dos súditos. A prudência era considerada a "virtude política” por excelência. Tal virtude podia ser adquirida pela experiência através do conhecimento da História e da realidade contemporânea. Prudência e Justiça tinham que se fundamentar principalmente na religião e na ética católicas.
  • 13
    CASTRO, Aníbal Pinto de. D João III e a literatura do Império. D João III e a literatura do Império. In:
    D. João III e o Império. Actas do Congresso Internacional Comemorativo de seu Nascimento. Lisboa: CHAM/UNL, 2004, p.1063.
  • 14
    CASTRO, Aníbal Pinto de.
    Damião de Góis e o seu tempo. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 2002, p.123.
  • 15
    ANAIS de D. João III. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1951, p.10.
  • 16
    CARTA em que Erasmo dedica a D. João III as Chrysostomi Lucubrationes (1527). Porto: Faculdade de Letras/Universitas Portucalensis, 1972, p.9.
  • 17
    CARTA em que Erasmo dedica a D. João III..., p.9.
  • 18
    CARTA em que Erasmo dedica a D. João III..., p.9-10. (grifo meu).
  • 19
    DISCURSOS Vários políticos. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1999, p.33.
  • 20
    AS OBRAS de Gil Vicente, V. II. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Centro de Estudos de Teatro, v. I, 2002, p.595.
  • 21
    Note-se os casos de Damião de Góis e também de Gil Vicente, nos quais nem o Rei nem seu irmão, o Cardeal D. Henrique, se mantiveram indiferentes.
  • 22
    MONTAIGNE, Michel.
    Essais, Livre I, Chap.26. In: Ouvres completes. Paris: Ed. du Seuil, 1967, p.85.
  • 23
    João de Barros inicia a escrita do texto enquanto era feitor da Casa das Índias. As três primeiras
    Décadas foram publicadas entre 1552 e 1563. A continuação elaborada por Diogo do Couto mostra os sinais das experiências vivenciadas
    in loco.
  • 24
    CASTRO, Aníbal Pinto de. D João III e a literatura do Império. D João III e a literatura do Império, p.1070-1072.
  • 25
    ANDRADA, Francisco de.
    Crônica de D. João III (1571). Porto: Lello & Irmão, 1976.
  • 26
    Destacam-se a versão francesa elaborada por Nicolau de Grouchy do primeiro tomo da
    História do Descobrimento e Conquista da Índia, de Lopes de Castanheda, intitulada
    L'Histoire des Indes de Portugalcontenant comment l'Inde a este decouverte par lê commandement du Roy Emanuel, & la guerre que lês Capitaines Portugalois ont menée pour la conqueste d'icelles, publicada pela primeira vez em Antuérpia no ano de 1533 e depois em Paris nos anos de 1554 e 1581. Os dois primeiros tomos da obra de Castanheda, foram traduzidos em italiano por Afonso Ulhoa com o título
    Historia delle Indie Orientali scoperte, e conquistate da'Portoghesi di commissione dell'invittissimo Re Dom manuello di gloriosa memória, publicados em Veneza no ano de 1578. Ainda outra tradução em espanhol apenas do primeiro tomo, foi publicada em Antuérpia em 1554, com o título
    Historia Del descubrimiento y conquista de la Índia por los Portugueses. É importante observar que a proximidade das datas de publicação espelham tanto o reflexo do interesse europeu por este tipo de narrativa, quanto a intenção deliberada de propagação dos feitos portugueses pela Coroa. Nesse sentido, pode-se lembrar que foi o próprio D. João III quem chamou, em 1548, Nicolau de Grouchy para ensinar no Colégio das Artes em Coimbra. CURTO, Diogo (dir.)
    O tempo de Vasco da Gama. Lisboa: Difel/CNCDP, 1988, p.369-379
  • 27
    AS OBRAS de Gil Vicente, p.14. (grifo meu).
  • 28
    A razão de Estado, vinculada a uma teologia política, teve como significativa referência doutrinária o livro de Giovanni Botero,
    Della ragion di stato, publicado em 1588. Botero apresentava um príncipe persuadido e comprometido com as premissas do catolicismo. Natural do Piemonte, Botero nutria pelos portugueses uma notável admiração, conquanto essa admiração fosse comum ao pensamento político católico dos autores italianos dos Quinhentos. Segundo ele, nenhuma nação estava tão empenhada em servir com tanto zelo, tanta honra, a Jesus Cristo, nenhuma era tão pródiga na propaganda da fé católica quanto Portugal. Para Botero, as virtudes da Justiça, da Liberalidade (significando magnificência) e da Prudência (como sabedoria) eram as principais virtudes políticas. TORGAL, Luís Reis, Introdução, In: BOTERO, João.
    Da razão de Estado. Coimbra: Universidade de Coimbra-Instituto Nacional de Investigação Científica, 1992, XXV.
  • 29
    XAVIER, Ângela Barreto.
    A invenção de Goa. Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII. Florença: IUE, 2003, p.9-20. (Tese, doutoramento em História)
  • 30
    FERNANDEZ-ARMESTO, Felipe.
    O milênio. A história dos últimos 1000 anos. Lisboa: Presença, 1996.
  • 31
    CONFALONIERI, Gianbattista.
    Por terras de Portugal (1581). Biblioteca Nacional de Lisboa, 2003, p.13.
  • 32
    SUBRAHMANYAM, Sanjay. O império asiático português. Lisboa: Presença, 1995, p.337-405.
  • 33
    GROTIUS, Hugo.
    Le droit de la guerre et de la paix. Traduit par P. Pradier-Fedéré. Paris: Presses Universitaires de France, 1999.
  • 34
    XAVIER, Ângela Barreto.
    A invenção de Goa, p.9.
  • 35
    TOMAZ, Luís Felipe. A política oriental de D. Manuel I e seus concorrentes. In:
    De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994, p.205.
  • 36
    HESPANHA, António Manuel.
    Poder e Instituições no antigo Regime. Lisboa: Cadernos Penélope/Cosmos, 1992.
  • 37
    PEARSON, M. N. The portguese in Índia. In:
    The New Cambridge History of Índia. Cambrigde/New York/Port Chester/Melbourne/Sydeney: CUP, 1987, p.99-104.
  • 38
    PAES, Maria Paula Dias Couto, Vislumbres do Sol. In:
    Teatro do Controle. Prudência e Persuasão nas Minas do Ouro. Belo Horizonte: UFMG, 2000, p.168-170. (Dissertação: Mestrado em História).
  • 39
    DIAS, J. S. S.
    A política cultural da época de D. João III. Coimbra: Instituto de Estudos Filosóficos, 1969 Coimbra: Instituto de Estudos Filosóficos, 1969, p.855.
  • 40
    BEATO, Agostinho Pires.
    Rodrigo Sanches, Epistolário Latino. Coimbra: FLUC, 1991.
  • 41
    PROSPERI, Adriano.
    Tribunali della coscienza, Inquisitori, confessori, missionari. Torino: Einaudi, 1996.
  • 42
    DE WHITTE, Charles-Martial,
    La correspondance des premiers nonces permanents au Portugal, 1532-1553. Lisboa: Academia Portuguesa de História 1986, p.89-91.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      08 Set 2007
    • Recebido
      05 Maio 2007
    Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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