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Historia de México

RESENHA

Caio Pedrosa da SilvaI; Luis Guilherme Assis KalilII

IMestre e Doutorando em História. Universidade Estadual de Campinas. caiopedrosa@gmail.com

IIMestre e Doutorando em História. Universidade Estadual de Campinas. lgkalil@yahoo.com.br

WOBESER, Gisela von (coord.). Historia de México. México: FCE, SEP, Academia Mexicana de História, 2010, 288 p.* * Resenha recebida em: 31/01/2013. Aprovada em: 23/03/2013.

As comemorações do Bicentenário da Independência do México e do Centenário da Revolução Mexicana, ambos celebrados em 2010, geraram uma série de eventos e produções culturais. A bandeira nacional e outros símbolos pátrios estiveram onipresentes nas ruas e nos meios de comunicação. Até mesmo os cantores românticos se renderam à festa e substituíram por instantes a mulher amada pela pátria como tema de canções apresentadas em programas de auditório.

As duas efemérides motivaram também o lançamento de diversas publicações, que visavam fornecer um panorama geral da história nacional mexicana. Entre elas, podemos citar a Nueva Historia General de México, organizada pelo Colegio de México,1 1 VELASQUEZ GARCIA, Erik (coord.). Nueva Historia General de México. México: El Colegio de México, 2010. e a reedição do Álbum de Historia de México, de Luis González y González, com o título alterado para Viaje por la Historia de México.2 2 GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ, Luis. Viaje por la Historia de México. México: Editorial Clio, 2009.

Como parte das comemorações oficiais, o governo federal e a Academia Mexicana de História publicaram sua Historia de México. No meio do caminho entre uma obra com conteúdo e estrutura mais acadêmica (Nueva Historia General de México) e a longa sequência de breves biografias de grandes personagens mexicanos (Viaje por la Historia de México), a obra, coordenada por Gisela von Wobeser, é composta por treze artigos escritos por membros da Academia que, de maneira cronológica, narram a história "mexicana" desde os primeiros povoamentos indígenas até o início do século XXI. Fica evidente ao longo da obra a adoção de um recorte temporal "tradicional" na divisão dos capítulos, com predileção por grandes períodos (pré-colombiano, colonial e independente) marcados por momentos cruciais, como a Conquista (artigo escrito por José María Muriá), a Independência (Virginia Guedea) e a Revolução (Álvaro Matute).

Segundo Wobeser, o livro foi pensado como uma obra de divulgação voltada para "todos os mexicanos", com o intuito de fortalecer a identidade e a unidade nacional, pois, através dele, "poderemos nos aproximar do passado, entendermos o presente e construirmos um futuro melhor" (p. 15). O caráter de divulgação e a busca por um público amplo ficam evidentes quando observamos o baixo preço, a grande distribuição, o tamanho da tiragem inicial (250.000 exemplares) e a forma em que foi escrita. Deliberadamente, decidiu-se eliminar aspectos considerados "acadêmicos", como notas, citações e análises historiográficas.

A obra se escusa de debates e problematizações, tendo preferência, ainda que haja exceções em alguns capítulos, por uma narrativa linear e unívoca da história da "nação mexicana". Esta visão fica evidente em artigos como o de Javier Garciadiego (El Porfiriato). Ao analisar o governo de Porfírio Díaz, o historiador cita a existência de interpretações e relatos favoráveis e críticos à atuação do líder mexicano. Entretanto, seu texto não apresenta os argumentos e questões que integram este debate, mas sim uma narrativa que pretende descrever, de forma "isenta" e "verdadeira", o regime de Díaz.

A intenção declarada de se publicar um grande manual que sintetizaria os principais eventos da história do México para um público não-acadêmico é, entretanto, prejudicada pela escassez quase total de diálogo entre os capítulos. As reformas bourbônicas, por exemplo, vistas como essenciais para a compreensão do processo de independência por Virginia Guedea (La Independencia), são praticamente ignoradas por Ernesto de la Torre Villar (El virreinato de Nueva España en el siglo XVIII).

México através dos séculos

A decisão de narrar o itinerário percorrido pela nação ao longo dos séculos faz com que a obra, em muitos momentos, trabalhe com a imagem de um México atemporal. Já na introdução, Wobeser aponta para os "três séculos durante os quais o México pertenceu ao império espanhol" (p. 16). Para ela, já havia um "México" com características próprias e identificáveis desde o século XVI.3 3 Jorge Alberto Manrique também reforça essa visão. Em seu artigo sobre El virreinato de Nueva España en el siglo XVII, o historiador identifica neste período a construção "de um novo país com características próprias" (p.117). Ou mesmo antes, como fica evidente no artigo de Miguel León-Portilla sobre os índios mesoamericanos (Orígenes y desarrollo de Mesoamérica). Segundo o autor, a história mexicana teria começado quando seus antigos habitantes desenvolveram criações culturais que, em muitos casos, perduram até hoje (p. 67). Ainda que haja algumas poucas exceções,4 4 Como o artigo de Manuel Ceballos Ramírez ( El espacio mexicano), onde há a problematização da noção de uma geografia "nacional" (p.21). não há no livro a visão da nação como um constructo humano e, portanto, histórico, tema este já amplamente tratado por clássicos das ciências humanas, como Comunidades Imaginadas, de Benedict Anderson, e Nações e Nacionalismo, de Eric Hobsbawm.

À nação atemporal segue-se a identificação de um mexicano atemporal, o que fica evidente no artigo final da obra, composto por Enrique Krauze (México contemporáneo). Em um trecho que faz eco aos discursos nacionalistas românticos do século XIX, o historiador exalta a "alma milenar do povo mexicano", peça-chave para o enfrentamento dos grandes problemas do México contemporâneo: crise econômica, degradação ambiental e expansão do narcotráfico.

A imagem de uma nação secular habitada por um povo com características próprias desde os seus primórdios é apresentada em vários momentos da obra como sendo motivo de orgulho para os atuais mexicanos. Já na apresentação, escrita pelo presidente Felipe Calderón, esta noção está presente,5 5 "Comemoraremos estas datas fundacionais de maneira festiva, pois nossa história de luta é motivo de orgulho para os mexicanos" (p.7). mas ela é aprofundada em outros capítulos, como o de León-Portilla. Nele, o renomado historiador enfatiza que a Mesoamérica faz parte de um seleto grupo de locais (junto com os Andes, Egito, Mesopotâmia, Vale do Indo e bacia do Rio Amarelo) que desenvolveram "civilizações originárias", ou seja, civilizações que teriam surgido sem a influência de outros povos (p. 49). Além da origem nobre e independente, há um desenvolvimento que também seria motivo de orgulho,6 6 É interessante observar que León-Portilla identifica na Mesoamérica fases de desenvolvimento semelhantes à tradicional periodização da história européia (p.45-61). com a predileção do autor por enfatizar a cooperação e a influência entre os diferentes grupos indígenas em detrimento dos conflitos e disputas.

As características atribuídas ao México e aos mexicanos apontadas acima são desenvolvidas nos artigos a partir de uma concepção extremamente tradicional de história política. Com raras exceções, como o já citado artigo da coordenadora Gisela von Wobeser, a história do México é narrada como uma longa sucessão de líderes, sejam eles chefes indígenas, vice-reis, imperadores, revolucionários ou presidentes, deixando em segundo plano as mudanças e permanências mais profundas da sociedade mexicana, bem como restringindo as "questões culturais" a subitens que pouco se relacionam com o restante do texto.

Partindo desta premissa, os eventos históricos são tratados, seguidas vezes, como derivados da vontade pessoal das personalidades políticas de maior destaque em determinado período, o que gera "julgamentos" e "sentenças" por parte dos autores sobre a atuação e a importância destes líderes. O capítulo de Ernesto de la Torre Villar é emblemático a este respeito. Nele, o historiador conclui que os vice-reis do século XVIII foram melhores do que os dos séculos anteriores, pois teriam aprimorado a administração pública e utilizado a renda do Estado para a execução de importantes obras (p. 139).

Esta interpretação da história nacional como fruto da ação de grandes homens é reforçada por outras obras publicadas na esteira das comemorações do Bicententário, como a Viaje por la Historia de México citada acima. Espécie de "obra irmã" da Historia de México7 7 Ambas foram patrocinadas pelo governo federal e possuem textos introdutórios escritos pelo presidente da República. Entretanto, a obra de González, publicada ainda na década de 1990, foi distribuída pela Secretaría de Educación Pública para os lares mexicanos, juntamente com um exemplar da bandeira nacional, totalizando cerca de 25 milhões de exemplares. , a obra de González y González apresenta uma sequência de personagens "representativos de una época o [que] tuvieron especial relevancia en algún momento de nuestra historia sin importar sus cualidades morales".8 8 GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ, Luis. Viaje por la Historia de México, p.5.

O enfoque sobre a denominada grande política gera uma leitura que encastela a história na academia e nos palácios, vinculando-a a um discurso de autoridade e distanciando o leitor comum dos métodos da história enquanto disciplina e do seu caráter interpretativo, crítico e plural – características que indicam não a limitação, mas sua riqueza e especificidade enquanto discurso que pode integrar o debate público.

A história política é hoje um campo historiográfico variado que vai muito além da grande política apresentada nestas obras. Enfocando o caráter conflituoso da política, o debate e o dissenso, a criação de símbolos e a vinculação com aspectos sociais e culturais de seus contextos específicos, essa historiografia nos ajuda a pensar a política como objeto cotidiano partilhado, mesmo que desigualmente, por muitos.9 9 Temos em vista aqui as obras de diferentes autores, como René Rémond, Rosanvallon, Quentin Skinner, John Pocock, entre outros. Nada disso, no entanto, parece fazer parte do foco central da maioria dos autores da coletânea em questão.

(Re)comemorações

Como apontado anteriormente por outros autores,10 10 FERNANDES, Luiz Estevam de O. A comemoração do centenário da independência no México. História Unisinos, São Leopoldo, RS, v.15, n.1, p.50-59, 2011. podemos identificar muitos pontos em comum entre as comemorações ocorridas em 2010 e as do primeiro centenário da independência: em ambas, trabalhou-se com a premissa de México como nação atemporal.

Premissa esta que não se limita ao campo textual e encontra no Paseo de la Reforma uma de suas principais materializações. Palco de grande parte das celebrações organizadas por Porfírio Díaz, que culminaram com a inauguração do Anjo da Independência, o Paseo, durante o Bicentenário, voltou a ser lembrado. Desta vez, com a inauguração de mais um monumento, a Estela de Luz,11 11 Inaugurada apenas em 2012, devido a atrasos em sua execução. que dá seqüência a um longo projeto de construção de uma memória "oficial" da nação mexicana. O mesmo pode ser dito em relação à Historia de México. Assim como a Estela de Luz, este livro representa a continuidade do processo de construção de uma memória e identidade nacional que remete a conceitos elaborados no final do século XIX por obras como a enciclopédia México a través de los siglos, de Vicente Riva Palacio.

Ao final da leitura, observamos que, sob argumentos como o da falta de espaço e a busca por um público não-especializado, grande parte dos autores da coletânea apresenta uma versão linear e "verdadeira" da história mexicana, produzida com a chancela do governo federal.

  • 1 VELASQUEZ GARCIA, Erik (coord.). Nueva Historia General de México. México: El Colegio de México, 2010.
  • 2 GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ, Luis. Viaje por la Historia de México. México: Editorial Clio, 2009.
  • 8 GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ, Luis. Viaje por la Historia de México, p.5.
  • 10 FERNANDES, Luiz Estevam de O. A comemoração do centenário da independência no México. História Unisinos, São Leopoldo, RS, v.15, n.1, p.50-59, 2011.
  • *
    Resenha recebida em: 31/01/2013. Aprovada em: 23/03/2013.
  • 1
    VELASQUEZ GARCIA, Erik (coord.).
    Nueva Historia General de México. México: El Colegio de México, 2010.
  • 2
    GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ, Luis.
    Viaje por la Historia de México. México: Editorial Clio, 2009.
  • 3
    Jorge Alberto Manrique também reforça essa visão. Em seu artigo sobre
    El virreinato de Nueva España en el siglo XVII, o historiador identifica neste período a construção "de um novo país com características próprias" (p.117).
  • 4
    Como o artigo de Manuel Ceballos Ramírez (
    El espacio mexicano), onde há a problematização da noção de uma geografia "nacional" (p.21).
  • 5
    "Comemoraremos estas datas fundacionais de maneira festiva, pois nossa história de luta é motivo de orgulho para os mexicanos" (p.7).
  • 6
    É interessante observar que León-Portilla identifica na Mesoamérica fases de desenvolvimento semelhantes à tradicional periodização da história européia (p.45-61).
  • 7
    Ambas foram patrocinadas pelo governo federal e possuem textos introdutórios escritos pelo presidente da República. Entretanto, a obra de González, publicada ainda na década de 1990, foi distribuída pela Secretaría de Educación Pública para os lares mexicanos, juntamente com um exemplar da bandeira nacional, totalizando cerca de 25 milhões de exemplares.
  • 8
    GONZÁLEZ Y GONZÁLEZ, Luis.
    Viaje por la Historia de México, p.5.
  • 9
    Temos em vista aqui as obras de diferentes autores, como René Rémond, Rosanvallon, Quentin Skinner, John Pocock, entre outros.
  • 10
    FERNANDES, Luiz Estevam de O. A comemoração do centenário da independência no México.
    História Unisinos, São Leopoldo, RS, v.15, n.1, p.50-59, 2011.
  • 11
    Inaugurada apenas em 2012, devido a atrasos em sua execução.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013
    Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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