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O "imperscrutável vínculo": corpo e alma na medicina lusitana setecentista

The "inscrutable bond": body and soul in the lusitanian eighteenth-century medicine

Resumos

Este artigo discute a emergência do discurso médico sobre questões relativas ao comportamento transgressor no contexto intelectual lusitano do século XVIII, através das obras Dissertação sobre as paixões da alma (1753), de Antonio Ribeiro Sanches (1699-1783), e Medicina Theologica (1794), de Francisco de Melo Franco (1757-1823). Ambas escritas e publicadas durante as reformas ilustradas em Portugal, no período que se estende entre o consulado pombalino e o reinado mariano. Calcadas em referenciais filosóficos de matriz racional-empirista, os respectivos autores se utilizam de um vocabulário médico que se renovava através dos debates entre correntes vitalistas, animistas e mecanicistas, para interpelar os discursos tradicionais, sobretudo o Direito e a Teologia, e reivindicar a legitimidade do discurso médico para tratar da alma como um objeto próprio à sua jurisdição.

paixões da alma; Antonio Ribeiro Sanches; Francisco de Melo Franco


This paper discusses de emergency of the medical discourse on issues regarding the transgressor behavior in the Lusitanian intellectual context of the eighteenth century, through the works Dissertação sobre as paixões da alma (1753) by Antonio Ribeiro Sanches (1699-1783) and Medicina Theologica (1794) by Francisco de Melo Franco (1757-1823). Both written and published during the enlightened reforms in Portugal, in the period extending from the Pombal's consulate and the reign of D. Maria I. Based on rational-empiricist philosophical references, both authors have used an renewed medical vocabulary, which was being forged at that time through the intense debates between vitalists, animists and mechanicists, among others medical circles, to question the traditional discourses, especially Law and Theology, and claim for the legitimacy of the Medicine to treat the human soul as part of its own jurisdiction.

passions of the soul; Antonio Ribeiro Sanches; Francisco de Melo Franco


ARTIGOS

O "imperscrutável vínculo". Corpo e alma na medicina lusitana setecentista

The "inscrutable bond". Body and soul in the lusitanian eighteenth-century medicine

Flavio Coelho EdlerI; Ricardo Cabral de FreitasII

ICasa de Oswaldo Cruz/Fundação. Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ). Brasil. Doutor em Saúde Coletiva (IMS/UERJ). Contato: edler@fiocruz.br

IICasa de Oswaldo Cruz/Fundação. Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ). Brasil. Doutorando em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS/Fiocruz). Contato: rcabral.freitas@gmail.com

RESUMO

Este artigo discute a emergência do discurso médico sobre questões relativas ao comportamento transgressor no contexto intelectual lusitano do século XVIII, através das obras Dissertação sobre as paixões da alma (1753), de Antonio Ribeiro Sanches (1699-1783), e Medicina Theologica (1794), de Francisco de Melo Franco (1757-1823). Ambas escritas e publicadas durante as reformas ilustradas em Portugal, no período que se estende entre o consulado pombalino e o reinado mariano. Calcadas em referenciais filosóficos de matriz racional-empirista, os respectivos autores se utilizam de um vocabulário médico que se renovava através dos debates entre correntes vitalistas, animistas e mecanicistas, para interpelar os discursos tradicionais, sobretudo o Direito e a Teologia, e reivindicar a legitimidade do discurso médico para tratar da alma como um objeto próprio à sua jurisdição.

Palavras-chave: paixões da alma, Antonio Ribeiro Sanches, Francisco de Melo Franco

ABSTRACT

This paper discusses de emergency of the medical discourse on issues regarding the transgressor behavior in the Lusitanian intellectual context of the eighteenth century, through the works Dissertação sobre as paixões da alma (1753) by Antonio Ribeiro Sanches (1699-1783) and Medicina Theologica (1794) by Francisco de Melo Franco (1757-1823). Both written and published during the enlightened reforms in Portugal, in the period extending from the Pombal's consulate and the reign of D. Maria I. Based on rational-empiricist philosophical references, both authors have used an renewed medical vocabulary, which was being forged at that time through the intense debates between vitalists, animists and mechanicists, among others medical circles, to question the traditional discourses, especially Law and Theology, and claim for the legitimacy of the Medicine to treat the human soul as part of its own jurisdiction.

Keywords: passions of the soul, Antonio Ribeiro Sanches, Francisco de Melo Franco

Introdução

Desde meados do século XVIII, diversas teorias sobre a natureza humana, derivadas de amplo repertório médico-filosófico, tornaram possíveis o desenvolvimento e a larga difusão do olhar médico sobre o comportamento transgressor.1 1 RENEVILLE, Marc. The french revolution and the birth of criminology. In: BECKER, Peter; WETZELL, Richard. (eds.). The criminal and his scientists: a new history of criminology. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p.25-41. Deslocando-se da análise restrita às visões antropológicas dos philosophes,2 2 DUCHET Michèle. Anthropologie et histoire au siècle des lumières. Paris: Albin Michel, 1995. os historiadores têm valorizado a literatura médica sobre as paixões humanas nos diversos contextos iluministas. Tais idéias também empolgaram segmentos da medicina lusitana e foram vistas como uma ameaça à ortodoxia moral, religiosa e política do Antigo Regime, enfeixada sob a batuta da Inquisição, dos órgãos censores e da Intendencia Geral de Polícia. Elas foram formuladas, inicialmente, em obras médicas raras e marginais. Não possuímos evidências de que tenham alcançado algum grau de institucionalização e irradiação, mesmo no período posterior à reforma do currículo médico da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, em 1772. Seus autores também escreveram livros pedagógicos de Higiene pública e privada.

Vamos destacar aqui, duas obras matriciais do novo discurso médico-filosófico, articulado por dois médicos portugueses, que buscaram ampliar a esfera de intervenção médica, no período que começa com as reformas pombalinas e estende-se ao reinado mariano. Analisaremos os trabalhos intitulados Dissertação sobre as paixões da alma (1753) ,3 3 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2003. do médico cristão-novo Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), e Medicina Theologica (1794),4 4 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina theologica ou súplica humilde feita a todos os senhores confessores e directores sobre o modo de proceder com os seus penitentes na emenda dos peccados, principalmente da lascívia, cólera e bebedice. Lisboa: Officina Antonio Rodrigues Galhardo, 1794. do médico mineiro Francisco de Melo Franco (1757-1823).

Essas obras, que distanciam quarenta anos entre si, vieram à luz num período que se segue à contestação e crise da medicina galénica e mágico-astrológica.5 5 Sobre a medicina astrológica em Portugal setecentista, ver: ABREU, Jean Luiz Neves. Nos d omínios do corpo: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011; CAROLINO, Luís Miguel. A escrita celeste: almanaques astrológicos em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Access, 2002. Ambas se aproximavam das novas orientações fisiológicas com raízes mecanicistas, animistas e vitalistas que redefiniram o antigo problema da interação entre o corpo e a alma humana, num ambiente intelectual onde a Filosofia Natural reformada fizera triunfar os conceitos da mecânica clássica. Na tradição hipocrático-galênica, a origem física das paixões era associada aos humores presentes no corpo. Os efeitos comportamentais das paixões tinham referência com um desequilíbrio psicofísico em relação à ordem cósmica. Assim, um excesso de bile negra num órgão específico como o coração, por exemplo, caracterizaria o temperamento melancólico. Essa venerável tradição médica manteve-se presente em tratados de teologia moral aparecidos no período que estamos estudando, como nos Sermões de autoria de Dom Mateus de Encarnação Pina (1687-1751) e na Botica Preciosa do padre Ângelo de Sequeira (?-1775), onde se explicava, por exemplo, que na tristeza, "o pranto faz sair pelos olhos o mais destilado da pena e o mais apurado do sentimento".6 6 MASSIMI, Marina. História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. São Paulo: EPU, 1990, p.18-22.

Já a partir do referencial epistemológico do racionalismo empirista e analítico, afinado com a crítica ilustrada à tradição escolástica, presente na retórica de ambos os autores que vamos apresentar, almejava-se alterar a fronteira tradicional que confinava o discurso sobre a moralidade à esfera da Teologia e da Sermonística cristãs, do Direito e da Filosofia Moral. Para tanto, alguns comportamentos pecaminosos ou imorais foram redefinidos, total ou parcialmente, como doentios. A nova conceituação trazia embutida uma nova forma de explicá-los e agir sobre eles, ou, em termos mais formais, de diagnosticá-los e tratá-los. Nosso interesse está em compreender as nuances e transformações da estrutura cognitiva da concepção de natureza humana projetada pelo discurso médico, bem como verificar o modo como este interpelou o discurso jurídico e o religioso, especificamente no que se refere à agência humana e ao livre-arbítrio.

Pretendemos, aqui, não só assinalar a emergência, no campo intelectual português, de novas formulações relativas à psicofisiologia das paixões, vinculadas aos estudos neurológicos desenvolvidos a partir dos postulados mecanicistas e vitalistas, como também averiguar o modo pelo qual seus defensores procuraram intervir na esfera pública.

Neste trabalho, restringimos nosso foco à analise das estratégias de intervenção pública explicitadas pelos seus autores. Portanto, não almejamos, nem restabelecer as relações próprias ao debate intelectual da época, nem levar em conta as recepções aos textos.7 7 Sobre as redes de sociabilidade de Sanches, ver: FREITAS, Ricardo Cabral de. O físico e o moral na dissertação sobre as paixões da alma (1753) de Antonio Ribeiro Sanches (1699-1783). Rio de Janeiro: Fundação Instituto Oswaldo Cruz, 2012, p.56-72 (História das Ciências e da Saúde, Dissertação de mestrado). Apenas esboçamos os contornos do contexto científico e político, no qual, ambos os médicos procuraram ampliar as competências médicas, abarcando o comportamento moral dos indivíduos e questionando antigas jurisdições, consolidadas na paisagem intelectual portuguesa.

Paixões Iluministas

O tema das paixões e de sua relação com o comportamento imoral, pecaminoso, infrator, ou mais precisamente, criminoso inscreve-se em sucessivas linhagens do pensamento filosófico, médico e religioso nas sociedades ocidentais. Na filosofia clássica e em suas ramificações, a Razão era unida às paixões. Enquanto a Razão era a faculdade mais elevada da mente ou da alma e distinguia os humanos da bestiária, as paixões, que ligavam a alma ao corpo, eram compartilhadas por animais e humanos. Para a maioria dos filósofos cristãos, especialmente aqueles vinculados ao pensamento de Platão ou Aristóteles, a capacidade em seguir o caminho da virtude, isto é, do bem, baseava-se na habilidade em usar a razão e controlar ou temperar as paixões. No terreno da medicina, a tradição hipocrático-galênica fundou um discurso sobre os temperamentos alternativo à Ética e pleiteou, juntamente com os filósofos, um papel na orientação dos comportamentos.8 8 PELLEGRIN, Pierre. Médecine hippocratique et philosophie. In. HIPPOCRATE. Del'art médical. Paris: Le Livre Poche, 1994, p.14-40. A paixão seria um tipo de potência, a razão, outro. Para esta visão, as emoções enfraqueceriam as faculdades de discernimento e de julgamento da alma racional. As metáforas baseadas nesse modelo sugerem que os sentimentos corrompiam a soberania e a dignidade da Razão. As paixões atuariam como uma força que invadiria o espaço mental e cegaria a razão, tornando, no limite, nosso comportamento fora de controle.9 9 CHAUÍ, Marilena. Desejo, paixão e ação na ética de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.21-35.

O que unificava os diferentes discursos sobre as paixões ou emoções era sua influência sobre a conduta moral dos indivíduos e da coletividade.

A dualidade das substâncias e a hierarquia estabelecida entre o corpo e a alma, idéias presentes em várias ramificações religiosas e filosóficas na Antiguidade ocidental, alcançaram o ocidente medieval cristão, especialmente em sua síntese platônica e nas tradições do aristotelismo tomista.10 10 GILSON, Étienne. O espírito da filosofia medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.229-303. Os afetos ou paixões da alma eram tratados, pelos aristotélicos, como um dos elementos formadores do percepta, o qual, ao lado dos circunfusa, dos excretra, dos ingesta, dos aplicata e dos gesta, pertenciam ao conjunto das coisas não naturais que agiam sobre o homem. A partir do século XVIII, sob o impulso das idéias cartesianas e de outras correntes presentes no pensamento médico e filosófico, as relações entre corpo e alma tornaram-se o centro de disputas intelectuais intensas.11 11 ARIKHA, Noga. Form and function in the early Enlightenment. Perspectives on Science, v. 14, n.2, p.153-188, 2006. Disponível em: < http://www.mitpressjournals.org/doi/pdfplus/10.1162/posc.2006.14.2.153>. Acesso em: 29 jun. 2012 Como salienta Roselyne Rey, o estudo das paixões das almas, até então um território compartilhado por filósofos e teólogos, foi reivindicado pelas mais influentes correntes do pensamento médico: o Vitalismo e o Sensualismo.12 12 REY, Roseline. L'ame, le corps et le vivant. In: GRMEK, Mirko; FANTINI, Bernardino. (eds.). Histoire de la pensée médicale en occident: de la Renaissance aux Lumières. v.2, Paris: Editions du Seuil, 1996, p.117-55. Vale ressaltar que essa nova postura se opunha ao gesto que levou a medicina setecentista a emancipar-se da tutela da religião, ao circunscrever seu escopo profissional ao tratamento apenas do corpo, concebido segundo as leis gerais da mecânica. Atesta-o bem a opinião expressa por André du Laurens, médico do rei da França, Henrique IV, ao afirmar que a correção das desordens afetivas seria assunto dos filósofos morais.13 13 SILVA, Paulo José Carvalho. O tratamento das paixões da alma nos primórdios da medicina moderna: o Devictum romanorum de Alessandro Petronio. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v.1, n.1, p.64-75, 2006.

A recusa ao dualismo cartesiano, tal como entendido em meados do século XVIII, por parte do vitalistas de Montpellier, representa apenas uma dentre as diversas opiniões correntes no clima polêmico que dividia o território médico entre mecanicistas, animistas sthalianos, materialistas discípulos de Haller, sensualistas e ideólogos. No ambiente intelectual francês, a retórica que articulava o ambicioso projeto desses grupos insistia que a fisiologia - ou economia animal - e a análise das ideias e das faculdades morais eram ramificações de uma mesma ciência, que deveria chamar-se Science de l'Homme ou Medicina Antropológica. Os sistemas metafísicos e teológicos eram acusados de terem tornado obscuro o estudo da moral.14 14 WILLIAMS, Elizabeth A. The physical and the moral: anthropology, physiology, and philosophical medicine in France, 1750-1850. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. Para certo público, a autoridade médica passou a ser aceita como proeminente. Em geral, tanto a psicologia aristotélico-tomista, quanto o tratado cartesiano Les passions de l'áme (1649) eram deplorados pela fragilidade com que retrataram a mente humana em sua relação com o corpo. O desconhecimento da fisiologia humana e do elo entre esta e as paixões - tema de ampla literatura médica - explicariam a fragilidade das especulações filosóficas sem referência às observações anatômicas. Nesse discurso médico emergente é possível, segundo Moravia estabelecer três perspectivas básicas: a busca empírica pelos movimentos da alma, calcada na concepção de que ela se manifestaria através da linguagem corporal visível, de modo que, mesmo as suas funções mais impalpáveis poderiam ser decifradas pelo conhecimento científico; a tradução de termos metafísicos para termos mais palpáveis (a concepção de "alma", por exemplo, se aproxima cada vez mais do "moral" para se referir às dimensões humanas que não teriam conotação teológica e seriam empiricamente verificáveis); nas suas versões mais radicais, a completa redução da alma ao corpo. Assim, o homem moral seria essencialmente o homem físico.15 15 MORAVIA, Sergio. The capture of the invisible: for a (pre)history of psychology in eighteenth-century France. Journal of the History of the Behavioral Sciences, v.19, p.370-378, p.371-75, out. 1983.

Nesse período, o entendimento das paixões - ou das emoções ou sentimentos - tornou-se central na tentativa de definir os diferentes tipos humanos. As referidas correntes médicas procuram desvendar quais estruturas, materiais ou imateriais, seriam responsáveis pelas sensações e como elas poderiam alterar o estado geral do organismo. E este entendimento, reestruturado pelas correntes filosóficas racionalistas e empiristas, também foi central no debate acerca do modo adequado de garantir a ordem social e o governo dos homens.16 16 MARCUS, George. Emotions in politics. Annual Review in Political Science, v.3, p.221-250, 2000. Como é sabido, parte do projeto Iluminista fundava-se na tentativa de estabelecer a ordem moral sobre a ordem natural, daí as referências à autoridade moral da Natureza.17 17 DASTON, Lorraine. I. The morality of natural orders: the power of Medea. II. Nature's customs versus nature's laws. Cambridge: Harvard University, nov. 2002. Disponível em: < http://www.tannerlectures.utah.edu/lectures/documents/volume24/daston_2002.pdf> Acesso em: 19 set. 2010.

No ambiente luso-brasileiro, durante o Antigo Regime até fins a segunda metade do século XVIII, o comportamento do infrator ou, especificamente, do criminoso era objeto de reprovação moral, com conotação geralmente religiosa.18 18 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Campus, 1989; SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. Os pecados capitais do cristianismo ilustravam uma perversão da vontade, cuja causa estaria na escolha em desafiar os mandamentos divinos. A pedagogia jesuítica pregava a disciplina das paixões pela vontade.19 19 MASSIMI, Marina. Alimentos, palavras e saúde (da alma e do corpo), em sermões de pregadores brasileiros do século XVII. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v.13, n.2, p.253-70, abr./jun. 2006. No entanto, a metáfora da balança dos sentimentos que, opondo os vícios às virtudes, marcava a imagem das infrações morais, inverteu-se lentamente a partir da segunda metade do século XVIII. No lugar do pecado e do vício, impôs-se, lentamente, a noção de doença somática. Em vez de cominar o castigo ou o ascetismo, um grupo de médicos passou a almejar a normalidade pela cura. Assim, a imagem do criminoso, como a do pe- cador, foi parcialmente reconstruída como uma morbidade, por esses dois personagens do multifacetado movimento ilustrado luso.

Sentimentos lusitanos

Como já explicamos, nos limitaremos, aqui, a apresentar um esboço dos argumentos de Ribeiro Sanches e de Melo Franco, extraído das referidas obras.

Segundo nos relata Ana Cristina Araújo,20 20 ARAÚJO, Ana Cristina. Ilustração, pedagogia e ciência em Antônio Nunes Ribeiro Sanches. Revista de História das Ideias, Coimbra, v.6, p.377-395, 1984. devido a problemas com a Inquisição, o cristão novo Ribeiro Sanches, após habilitar-se como doutor em Salamanca (1724), clinicou pouco tempo em Portugal e seguiu para Londres, em 1726, onde conviveu com Jacob de Castro Sarmento, outro médico cristão-novo exilado. Após um período errante, no qual passou por França e Itália, estabeleceu-se em Leiden, na Holanda, onde estudou com Herman Boerhaave (1668-1738), entre 1730 e 1731. Em sua obra Método para aprender a medicina (1763),21 21 SANCHES, Antonio Ribeiro. Método para aprender e estudar a medicina. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2003 na qual sugeria uma reforma na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, espelhou-se no modelo de ensino prezado pelo seu mestre holandês. Indicado por Boerhaave, assumiu posto médico na corte da Rússia, onde viveu entre 1731 e 1747. Na França, onde passou a residir, desde esse ano até sua morte, em 1783, manteve contato com D'Alembert, Diderot e Buffon, dentre outros sábios e homens de letras, e discutiu, em cartas e ensaios, as idéias de Locke, Hume, Condillac e Voltaire.22 22 ARAÚJO, Ana Cristina. Ilustração, pedagogia e ciência em Antônio Nunes Ribeiro Sanches. Em suas Cartas sobre a educação da Mocidade (1759),23 23 SANCHES, Antonio Ribeiro. Cartas sobre a educação da mocidade. Edição revista e prefaciada pelo Dr. Maximiano Lemos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922. recomendou reformas pedagógicas para a juventude portuguesa, plasmadas no ideário racionalista. Apesar de apoiar a reforma universitária de 1772, Ribeiro Sanches era cético quanto ao alcance das mudanças que ele julgava difíceis de serem aceitas por uma população formada pelos preconceitos inculcados, havia séculos, pelos "padres católicos ignorantes, soberbos, presunçosos." Em comparação com a Europa civilizada, a cultura portuguesa lhe parecia, por contraste, um "Reino Cadaveroso".24 24 MAXWELL, Kenneth. Naked tropics: essays on empire and other rogues. New York: Routledge, 2003, p.277-80; ARAÚJO, Ana Cristina. Ilustração, pedagogia e ciência em Antônio Nunes Ribeiro Sanches, p.381.

Qual o escopo do ensaio sobre as paixões da alma e como ele se situa diante das distintas tradições que confluíam para esse tema?

Na introdução dessa obra, que conhece duas versões - a original, de 1753, manuscrita em português, e a publicada na Enciclopédie Méthodique,25 25 SANCHES, Antonio Ribeiro. Affections de l'âme. In: Encyclopédie méthodique. Paris: Panckoucke, 1787, p.252-284. em 1787 -, Ribeiro Sanches a justifica pela raridade com que o tema das 2003 paixões da alma, tomadas como causa de muitas enfermidades, tinha sido abordado pela medicina. Ainda mais incomuns seriam os trabalhos médicos que indagavam sobre as causas delas. Para ele, o primeiro assunto seria um campo adstrito à Patologia. No entanto, o tema relativo às causas das paixões da alma, que pertencia tradicionalmente ao teólogo e ao jurisconsulto, também seria objeto do médico prático ou terapêutico. Desse modo, num plano imediatamente político, Ribeiro Sanches apela para uma reforma do saber médico que deveria incidir diretamente na ampliação de seu alcance jurisdicional. Ao questionar as fronteiras do exercício profissional, ele interpelava tanto seus pares, quanto a esfera do Direito e da Teologia.

Ainda na introdução, o médico explica que houve, historicamente, um afastamento da medicina do cuidado relativo ao regramento do ânimo e que, ainda no tempo de Galeno, esta atividade se ligava à Higiene. Para ele, os médicos cristãos largaram esta incumbência quando os teólogos, substituindo os filósofos, tomaram à sua conta esta parte.26 26 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.01.

Em sua época, teólogos e legisladores, estes através das leis penais, mantinham sob sua alçada regrar as desordens e as enfermidades da alma, enquanto os médicos estavam confinados ao cuidado do corpo, isto é, daquela parte do homem relativa ao sentimento e ao movimento. No entanto, é numa perspectiva fisiológica que ele se propôs a explicar a eficácia das leis penais: estas atuariam sobre as paixões desordenadas, não pelo ensinamento das virtudes cristãs ou pela persuasão da consciência - ministério dos teólogos -, mas pelo temor que os castigos induziam nos ânimos desregrados. Isto é, na ação recíproca e antagônica de dois gêneros de paixões.

Cauteloso, ele adverte seu interlocutor (a dissertação, em sua versão original é uma missiva) que não entraria na discussão sobre o modo como a alma, sendo espiritual, agia para mover o corpo, nem porque razão o corpo, variamente disposto, fazia pensar, discorrer, querer ou aborrecer a alma racional. Apenas tomava como assentado, por todas as nações civilizadas, que o homem constava de corpo e alma. Provavelmente, ele queria manter-se equidistante das soluções filosóficas apresentadas pelo aristotelismo escolástico e pelo racionalismo metafísico de Descartes.

Na fisiologia sancheana, o corpo humano seria composto de dois sistemas: o homem sangüíneo, formado pelas artérias, veias e o coração, onde circula o sangue, cuja função seria animar, nutrir e conservar, e; o homem nervoso, cujo ofício (ou função), seria sentir e mover os músculos. Através dos canais ou nervos, percorreria todo o corpo, especializando-se em cada sensação e em cada sentimento, mas seu órgão central seria a medula oblongata que teria a faculdade de perceber os objetos que entram pelos cinco sentidos, além dos estímulos da fome, da sede e da geração, intermediados por outros órgãos. Na Medula residiria o sensório comum - termo criado por Aristóteles em De anima e, posteriormente, redefinido em diferentes contextos teóricos - que conservaria e ordenaria as ideias e impressões recebidas pelos diferentes órgãos dos sentidos. Outra faculdade corporal, conectada a este sistema, ligava-se aos três diferentes modos de perceber cada objeto: como uma ideia agradável, ou desagradável, ou indiferente.

Ele insiste na distinção entre movimentos voluntários, mediados pela razão, que caracterizariam os movimentos regrados e dependentes do arbítrio, e os movimentos involuntários, comandados por mecanismos exclusivamente corporais. Este pressuposto fisiológico, bem como o uso atualizado do vocabulário aristotélico-tomista relativo à alma, suas potências e as relações com os sentidos, revelavam sua filiação às ideias mecânico-humoralistas dos neurologistas Raymond Vieussens (1635-1715) e Thomas Willis (1621-1675).

Saliente-se que o recurso erudito aos exemplos extraídos de autoridades médicas antigas e modernas, ligadas aos diferentes sistemas médicos, pode ser entendido como uma estratégia retórica. Por um lado, demonstra sua observância às regras de um discurso racional, desprovido de preconceitos e estritamente informado por observações empíricas verossímeis; por outro, ao expor suas ideias como imersas na venerável linhagem médica iniciada por Hipócrates, apresentando-se, inclusive, como um compilador, ou, em suas palavras, "mero coletor de escritos",27 27 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.13. evitava vincular-se explicitamente a uma corrente teórica específica. Nesse sentido, seguia de perto o exemplo de seu mestre, Boerhaave, na identificação com o paradigma do "médico eclético", no sentido que Diderot conferiu ao termo em seu verbete na Enciclopédie28 28 Em seu artigo intitulado Écletisme, Diderot afirma que: "L'éclectique est un philosophe qui foulant aux pieds le préjugé, la tradition, l'ancienneté, le consentement universel, l'autorité, en un mot, tout ce qui subjuge la foule des esprits, ose penser de lui-même, remonter aux principes généraux les plus clairs, les examiner, les discuter, n'admettre rien que sur le témoignage de son expérience & de sa raison & de toutes les philosophies, qu'il a analysées sans égard & partialité, s'en faire une particuliere & domestique que lui apartienne"; DIDEROT, Denis. Écletisme. In. DIDEROT, Denis; D'ALEMBERT, Jean le Rond. (orgs.). Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers. Paris: Briasson/David/Le Breton, 1751.

Embora não seja possível tratar aqui de todos os aspectos relativos ao tema das paixões neste autor, destacamos, apenas, que a origem das paixões humanas se ligava ao fato de que, ao contrário dos animais, os seres humanos encontrar-se-iam, desde o início, carentes dos instintos necessários à sua conservação. No entanto, apesar de precisar de pouco para atender às suas necessidades, o homem usara de seu engenho para criar a multidão desordenada de apetites que inventou, por fraqueza ou vaidade. Assim, para além das paixões puramente materiais que concorrem para a sua preservação, o homem racional, volitivo, criou novos sentimentos, como a honra, a glória e a autoridade. Estas ideias, que são conteúdos abstratos das sensações do sensório comum, se desenvolveram tanto pela educação quando pela força das leis políticas. Assim, ao contrário dos animais, que não conhecem os conceitos abstratos, o homem estaria sujeito a mil paixões da alma, o que o faria viver uma vida contenciosa e turbulenta, capaz de "inverter ou desviar o fluxo dos espíritos vitais através dos canais nervosos, gerando toda sorte de enfermidades".29 29 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.14-15. Ao que parece, nesse trecho Sanches se refere aos espíritos animais. Essa categoria, na terminologia cartesiana, designava, genericamente, os diferentes tipos de corpúsculos materiais, cujos formatos e movimentos fisiológicos corresponderiam a cada uma das paixões. Ver: DESCARTES, René. Les passions de lâme. Paris: Librairie Phil. J. Vrin, 1994. [1649].

Essa seria a origem primeira das enfermidades do ânimo, que surtiriam efeitos também no corpo. A correlação entre alterações nesses dois domínios constitui uma das linhas argumentativas importantes de nosso personagem, já que seu efeito último seria o comprometimento da capacidade de julgar racionalmente, levando o indivíduo a agir contra a sua conservação.

Ao expor as bases de uma pedagogia esclarecida, o autor defende que o homem só poderia gozar da propriedade de julgar e discorrer sobre conceitos caso estivesse com o "ânimo pacato" e o "corpo são". Sem esse equilíbrio, quanto mais ideias e conceitos o indivíduo adquirisse, "tanto pela educação quanto pela força das leis políticas", maior seria sua sujeição às paixões da alma. Em outras palavras, elas seriam enfermidades que têm a razão como sua principal vítima:

Chamamos maníaco não aquele que não discorre mas aquele que com ferocidade discorre de um só objecto sem ordem e sem comparação do verdadeiro, do honesto, nem do útil. Este é o estado do cativo da paixão da alma violenta e este é o que chamamos doença.30 30 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.7.

Assim, as paixões teriam a capacidade de alterar os movimentos involuntários do corpo e mudar o estado geral do ânimo do indivíduo, afetando suas faculdades racionais e determinando suas ações. Alinhado com os estudos sobre os nervos no setecentos, o médico português defende que a propensão e a intensidade das paixões nos indivíduos poderia ser determinada pelo tônus natural de suas fibras. Seguindo Stephen Hales na obra Hemostaticks, o médico português explicava que sendo mais ou menos "tenras ou laxas" determinariam o ritmo da circulação sanguínea, alterando toda a fisiologia corporal.

Vemos que sua descrição naturalística da economia das paixões prescinde de qualquer referência ao modelo cristão de virtude. Assim, na cólera, por exemplo, o agastar-se com muitas queixas, comum nos supurados do bofe, nos hidrópicos e nos melancólicos, não deveria ser reprimido com os princípios teológicos. Pelo contrário, estes movimentos involuntários serviriam para aumentar a circulação do sangue. Ele explica: adquirindo o coração mais força, aumenta-se a secreção da cólera, da urina e da transpiração. "A natureza deu este movimento em muitas queixas como remédio".31 31 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.17.

Daí o uso terapêutico das paixões moderadas para curar algumas enfermidades, sendo as paixões da ira, e da esperança as mais adequadas. Ele observa que o médico prudente pode incitar no paciente o desejo de vingança para curar a paralisia e a fatuidade, ao alterar o curso dos espíritos animais. A eficácia das leis penais, que depende dos castigos impostos, revelava, como já notamos, a ação curativa do medo.32 32 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.19.

Em oposição à descrição universalista do homem, presente na iatromecânica, Ribeiro Sanches relaciona determinadas paixões da alma, tanto com disposições corporais hereditárias - base dos temperamentos -, quanto por inclinações adquiridas, pela dieta, pelo clima, pelos hábitos e pela idade, numa clara identificação com o neo-hipocratismo. O médico poderia, assim, agir sobre cada temperamento ou inclinação, mudando primeiro o corpo. Dessa forma, numa crítica indireta aos castigos corporais previstos no livro V das Ordenações Filipinas,33 33 LARA, Silvia Hunold (org). Ordenações Filipinas. Livro V. São Paulo: Companhia das Letras. 1999, p.19-44. Sanches se refere às vantagens do recurso à terapêutica médica para emendar a sociedade:

Este modo de curar e de fazer de maus naturais, bons e prudentes, e de estúpidos, espertos e inteligentes, se perdeu totalmente. Toda a cura são açoites e pancadas e o medo é o que serve a reprimir aqueles maus ímpetos, mas jamais a mudar-lhes a natureza. (...) Seria utilíssimo à Religião e à Republica que houvessem médicos que soubessem curar tão bem as enfermidades do ânimo e terem uma farmacopéia a propósito para mudarem as constituições como têm para curar as enfermidades.34 34 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.19.

Através de vários exemplos, o autor mostra como seria possível recorrer à medicina para alterar as inclinações, "os juízos e o modo de obrar e tratar na sociedade civil", operando através de dietas ou remédios nos nervos ligados não aos órgãos dos sentidos, mas às vísceras, que seriam responsáveis por levar ao sensório comum os gostos ou sentimentos.

Em sua análise naturalística da etiologia das paixões, o discípulo de Boerhaave recorreu, também, aos estudos de necropsia próprios e alheios, os quais vinculavam certas deformações na disposição e na estrutura dos órgãos às causas de alguns comportamentos desregrados. Assim, covardes, estúpidos, preguiçosos e muitos viciosos devotados à luxúria, bebedeira, jogos de azar e furtos teriam em suas respectivas organizações a causa destes defeitos morais. Todos esses vícios seriam, na verdade, enfermidades do ânimo, que não dependeriam apenas da má criação nem do costume.

Resumidamente, uma nova divisão de trabalho daria ao teólogo o ministério de "decretar a consciência e instruir como se pode alcançar a graça divina"; ao legislador "reter os viciosos pelo medo e pelo terror dos castigos públicos", mas aos médicos "pertenceria ou curar o corpo ou induzir outra enfermidade que produzisse paixões diferentes" emendando o ânimo.35 35 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.21.

O outro médico também vinculado ao reformismo ilustrado, o mineiro Francisco de Melo Franco (1757-1823), formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra em 1785 e já se tornara íntimo da Inquisição desde o tempo de estudante, quando fora encarcerado por quatro anos sob a acusação de irreligiosidade. Alguns historiadores afirmam que a obra apócrifa O Reino da estupidez (1785), poema que ridiculariza a Universidade de Coimbra no período da viradeira, seria de sua autoria. Em 1789, publicou o Tratado de educação física dos meninos para uso da nação portuguesa, impresso por ordem da Academia das Ciências. A obra intitulada Medicina Theologica ou súplica humilde feita a todos os senhores Confessores e Directores sobre o modo de proceder com os seus penitentes na emenda dos peccados, principalmente da lascívia, cólera e bebedice,36 36 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina theologica ou súplica humilde feita a todos os senhores confessores e directores sobre o modo de proceder com os seus penitentes na emenda dos peccados, principalmente da lascívia, cólera e bebedice. apareceu em 1794, inteiramente aprovada pela Real Mesa da Comissão geral sobre Exame e Censura de Livros. De acordo o historiador republicano Teófilo Braga, em sua História da Universidade de Coimbra, a obra apareceu anônima, e apesar de examinada suscitou nos poderes públicos tais apreensões, que ela foi suprimida, e a própria Real Mesa dissolvida e extinta em decreto de 17 de Dezembro de 1794. O Intendente geral de Policia, Pina Manique, pôs em campo todos os seus recursos para descobrir quem era o autor da Medicina Theologica, sem sucesso.37 37 BRAGA, Teófilo. História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrução pública portuguesa, T. III (1700- 1800). Lisboa: Typ. da Academia Real de Sciencias, 1898, p.675-697. Disponível em: < http://archive.org/stream/historiadaunive05lisbgoog#page/n680/mode/2up>. Acesso em: 29 jun. 2012.

Nela, Melo Franco afirma que após o advento bíblico da queda, ofuscada a razão e atenuado o livre-arbítrio, o homem passou a viver debaixo da rebeldia das paixões. A Igreja Católica, empenhada em construir diques à torrente de vícios e pecados com a prática da confissão, falhava por usar apenas os remédios morais nesse ministério. Ao contrário do discurso teológico vigente, de matriz tomista, Melo Franco elegeu o campo somático como a principal causa das paixões, razão pela qual a salvação da alma passaria a depender da saúde do corpo.38 38 SILVA, Paulo José Carvalho da. A psicopatologia entre a alma e os nervos: a Medicina Theologica (1784) de Francisco de Melo Franco. Filosofia e História da Biologia, v.3, p.335-345, p.336, 2008. A novidade que justificava a obra era a ampliação do escopo do ofício dos confessores, com a inclusão do conhecimento médico, já que muitas doenças, depois de infeccionar o corpo penalizariam a alma, fazendo-o desfalecer e cair em pecado.

Embora, posteriormente, tenha se aproximado da concepção estritamente mecanicista e materialista a respeito da relação entre o físico e o moral defendida do médico sensualista Georges Cabanis (1757-1808), conforme Massimi,39 39 MASSIMI, Marina. História da Psicologia Brasileira, p.25. na Medicina Theologica ocorre uma referência constante à ação recíproca entre alma e corpo. A razão para subordinar a teologia moral à medicina se devia à melhor compreensão da etiopatogenia das paixões, fornecida pelos novos modelos físicos e químicos relativos ao funcionamento dos nervos, desenvolvidos por Albrecht Von Haller (1708-1777) e Antoine Le Camus (1722-1772), anteriormente atribuídos às faculdades da alma.40 40 SILVA, Paulo José Carvalho da. A psicopatologia entre a alma e os nervos, p.339. Sobre esse aspecto, Melo Franco ironizava os teólogos que se referiam aos confessores como "médicos de espírito":

Se esta proposição se entendesse do mesmo modo, como vulgarmente entendem os Fysicos, quando chamaõ Médicos de Espirito a Antonio Le Camus, Vendriers, e outros que escrevêraõ da Medicina do Espirito, e do equilíbrio do corpo e da alma, então eu ficaria descançado, e com Medicos tão sabios passaria a expor todos os methodos de curar paixões da alma...41 41 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Theologica, p.11.

Para ele, os verdadeiros Médicos do Espírito seriam aqueles que "não dividindo no homem vivo a alma do corpo, mas considerando sempre sua união, e mútua correspondencia em todas as acções de qualquer gênero que sejaõ, julgaõ que o espírito he sempre affectado quando no corpo se produz alguma mudança".42 42 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Theologica, p.11-12.

O livro foi escrito para discorrer sobre as enfermidades que estariam na origem dos pecados da lascívia, da cólera e da bebedice. Tais males que, em si, não eram pecados e ensejavam remédios físicos, diferiam daqueles imputados à violência do demônio, à qual se aderia por livre-arbítrio. Apenas estes últimos deveriam ser combatidos com a dietética sagrada e as penitências, administradas pelos teólogos. Somente os médicos teriam os conhecimentos fisiológicos que explicavam a união do corpo à alma e sua mútua correspondência em todas as ações de qualquer gênero. Como vimos, para o médico mineiro, o espírito seria sempre afetado quando, no corpo, se produzisse alguma mudança. Remediada essa mudança do corpo curava-se a turbação do espírito. Assim, ao contrário dos teólogos, que pregavam uma resistência constante da vontade através de orações, jejuns e disciplinas, e para quem o corpo era sempre olhado como um escravo rebelde e merecedor somente de ser dilacerado com tormentos, por concorrer para a execução dos pecados, o médico esclarecido condenava os fundamentos desse moralismo "destruidor da humanidade".

Para Melo Franco, as paixões da alma seriam produto da sensibilidade e do movimento dos nervos. Esses seriam a estrutura responsável pela ligação da alma com o corpo, formando o sensório comum, responsável por transmitir as "impressões exteriores até o espírito." Os nervos são descritos como "vasos delicados, cheio de hum succo subtil, ehtereo, e elástico, e que com este succo subtil esta a alma ligada." Assim, toda mudança ocasionada em alguma dessas substancias seria retransmitida a todo o sistema.43 43 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Theologica, p.34. De forma semelhante a Ribeiro Sanches, o médico mineiro concebe dois tipos de mudanças básicas a que esse sistema estaria sujeito: as mudanças agradáveis gerariam o amor, enquanto as desagradáveis a cólera. Indivíduos movidos pelas ideias agradáveis empenhar-se-iam em possuir o objeto amado, e os acometidos de sensações desagradáveis procurariam o afastamento da fonte de tais sentimentos. Quando levadas ao extremo pelas paixões, essas mudanças poderiam gerar danos diversos ao organismo. Segundo o médico mineiro, as alterações orgânicas geradas seriam proporcionais à intensidade das paixões que as causavam, no entanto, mesmo quando pouco intensas, desordenariam as relações da alma com o corpo. Conforme o pensamento de Boerhaave, o médico afirma que elas causariam o desequilíbrio entre os sólidos e os líquidos do corpo, perturbando "todas as funções espirituais".44 44 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Theologica, p.38.

Ao longo da obra, Melo Franco dirige-se diretamente aos confessores procurando destacar as alterações orgânicas causadas pelas paixões e como essas mesmas alterações tinham efeitos nocivos sobre o juízo. O autor é enfático ao apontar a ineficácia dos remédios meramente morais para combate dessas enfermidades e insiste na necessidade de os confessores terem algum domínio de medicina para não cometerem equívocos. Em alguns casos, sugere que o confessor encaminhe o indivíduo acometido por formas mais graves de paixões para algum médico. Ao dissertar sobre a lascívia, por exemplo, o autor afasta-se do viés explicativo puramente moral do discurso teológico e se põe a descrever longamente seus sintomas, dentre eles, pulsação acelerada, respiração curta e convulsiva, inquietude, ansiedade, além de "ereções vehementes e pruritos immoderados". Todas essas manifestações turbariam a razão e teriam consequências diversas sobre a fisiologia com alterações nos sistemas "nervoso, membranoso e vasculoso". Diante de tamanhos efeitos, Melo Franco conclui:

Ora todos estes signaes indicaõ huma enfermidade aguda, huma inflamação geral. (...) Não se pode pois assignar geralmente por causa próxima desta queixa, mais que a mesma inflamação; porque no mecanismo desta, seja qual for o systema que a explique, entra o que caracteriza o estado de similhantes queixas.45 45 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Theologica, p.60.

Logo, em se tratando de uma inflamação geral, o médico aconselha os confessores a utilizarem contra essas enfermidades os mesmo remédios utilizados pelos médicos para tratar inflamações, como sangrias, banhos, purgantes, antissépticos, julepes e bebidas aciduladas. Tais medicamentos deveriam ser combinados de modo a ficarem "mais ou menos refrigerantes, medindo-se tudo pela qualidade dos temperamentos, e das idades dos sujeitos, (...), pois he certo que onde houver maior incêndio, haverá maior necessidade de água para que se apague, e evite o damno".46 46 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Theologica, p.60.

O uso correto de medicamentos é um ponto fundamental da obra de Melo Franco. Para o combate da lascívia, cujas manifestações mais intensas são chamadas de Satyriazes, e do furor uterino, que vitimava mulheres com sintomas semelhantes aos narrados acima, o autor dedica um capítulo inteiro, repleto de receitas minuciosamente descritas destinadas a combater as diversas manifestações desses males. Contra a bebedice, o médico afirma que os remédios morais são completamente ineficazes, sendo fundamental a aplicação de remédios físicos. No mesmo sentido, a cólera é entendida como "enfermidade corporal", sendo passível de cura através de preparados químicos. Assim, em praticamente todos os capítulos há referências a remédios, cujas propriedades, alcalinas, absorventes, refrigerantes, dentre outras, deveriam fazer parte do repertório médico dos confessores ao combater as paixões.

Tal como observamos em Ribeiro Sanches, há um forte conteúdo moralista na Medicina Theologica. Mesmo a ação curativa dos remédios sobre os excessos passionais era explicada, alternativamente, tanto pela sua ação sobre as fibras nervosas, incidindo na ação dos sucos etéreos ou espíritos animais que fluem pelos nervos, como pelo seu amargor e efeito nauseante, o que pode ser interpretado, como sugere Paulo José Carvalho da Silva, como "uma penitência moral materializada em preparado químico".47 47 SILVA, Paulo José Carvalho da. A psicopatologia entre a alma e os nervos, p.42. No entanto, é importante notarmos que, embora a Medicina Theologica tenha sido alvo dos instrumentos régios de censura por conta de seu conteúdo supostamente anticlerical, a obra não subverte a noção do que deveria ou não ser considerado contrário aos padrões de comportamento aceitos na sociedade lusa do período. Na verdade, Melo Franco age no sentido de dispor do conhecimento médico como ferramenta para uso dos confessores, de modo que eles se tornassem capazes de identificar os comportamentos indesejados e combatê-los com maior eficácia. Assim, o autor defende que os remédios seriam grandes aliados na manutenção das virtudes cristãs ao auxiliar os indivíduos a evitar comportamentos indesejados:

Aconselha São Paulo a virgindade para que os Fiéis desembaraçados dos laços da carne, possam elevar seus corações a Deos, e ocupar-se na oração, e não poderáõ os Confessores aconselhar a estas mesmas virgens o uso dos remédios fysicos que lhes tira as inclinaçoes, e appetencias da carne, para com maior paz se occuparem na oraçaõ com Deos?48 48 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Theologica, p.92.

Para Melo Franco, o crescimento espiritual por meio da "luta da carne contra o espírito", longamente prezada pela tradição teológica não faria sentido, pois se o homem não é capaz de viver na virtude, é porque ele está enfermo. O próprio São Paulo, acometido pela concupiscência, teria clamado a Deus para que o livrasse desse mal ao concluir, segundo Melo Franco, que lutar contra essa paixão não o tornaria um homem mais perfeito. Assim, o autor conclui:

Os valentes, e perfeitos (disse Jesu Christo) não tem necessidade de Médico, esta necessidade só tem os enfermos, e imperfeitos que lutaõ com grandes males, como a concupiscencia. Adaõ em quanto innocente era valente, e por isso perfeito; mas em quanto atacado da concupiscencia, era enfermo, que necessitava da graça de Jesu Christo, como de remédio.49 49 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Theologica, p.92.

Sobre esse aspecto, se Ribeiro Sanches não foi tão longe na defesa dos medicamentos como artifícios de manutenção das virtudes cristãs, o caráter conservador da moralidade também estava presente na Dissertação sobre as paixões da alma. Quando reivindica a legitimidade médica para dissertar sobre o ânimo frente aos discursos tradicionais, ele também não pretende reformular a ordem pública e os costumes, mas sim afirmar a autoridade da medicina para dizer quais indivíduos estariam, ou não, dentro dos padrões de comportamento aceitos. Assim, da mesma forma que Melo Franco o faria quatro décadas depois, a falha que ele aponta na Teologia e no Direito não diz respeito à capacidade ou legitimidade desses discursos em definirem as regras do bom convívio social e suas infrações, mas sim em discernirem as verdadeiras causalidades do comportamento infrator e corrigi-lo de modo eficaz.

Esse caráter em comum dessas duas obras é significativo, sobretudo, por dois aspectos. Primeiro, ele expressa o processo de laicização dos discursos sobre o comportamento no Portugal das reformas ilustradas ao mostrar como o vocabulário médico avança sobre questões antes tratadas por discursos mais tradicionais. Segundo, ele é peça importante para que possamos ter uma ideia dos limites dessas mesmas reformas, tanto no período pombalino como no mariano. Se as reformas tiveram o ímpeto de fortalecer o Estado em detrimento do poder eclesiástico, temos aqui duas obras que, mesmo sem contestar a noção tradicional de moralidade, eram passíveis de censura, pois ambas colocavam em xeque a própria autoridade do discurso teológico sobre essa mesma noção. Assim, se a Medicina Theológica foi abertamente perseguida pelo aparato censor mariano, Ribeiro Sanches também não escondia sua inquietação com a recepção de sua obra no Portugal pombalino. Recomendou, então, a seu interlocutor que, caso achasse algo no trabalho que pudesse "dar alguma matéria e murmúrio ou de escândalo aos ignorantes da Verdadeira e Santa Religião ou dos princípios políticos de como se deve regrar a Sociedade Cristã, que somente VM use dele e que lhe seja útil na sua prática".50 50 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.24.

Considerações finais

Atualmente se aceita que a Europa iluminista foi tanto uma época do Sentimento quanto da Razão. Filósofos, moralistas e médicos discorreram sobre as paixões humanas, discutindo suas causas, seus diferentes tipos e gradações e suas relações com a economia animal e a alma racional. As múltiplas vertentes do discurso médico setecentista sobre os tipos humanos, que enfatizavam a interação entre os planos do mental, do físico e do moral introduziriam novas modalidades técnicas sobre o governo dos homens. O problema da racionalidade política que emergiu no período do despotismo ilustrado e que se afirmou com o desenvolvimento das práticas liberais, que Michel Foucault estudou sob a denominação de biopolítica, levou à transformação do Leviatã num Estado jardineiro,51 51 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. com o apoio do conhecimento médico renovado.

Ampliando seu prestígio, como instância normativa, a medicina buscou estender sua influência "ao território do bom governo, da administração da justiça, gestão das populações e desenvolvimento físico e moral dos indivíduos, com o cultivo das virtudes".52 52 NOVELLA, Enric. La higiene del yo: ciencia médica y subjetividad burguesa en la España del siglo XIX. Frenia, v.10, p.49-74, p.52, 2010. Ideias médicas, vitalistas e sensualistas, foram filtradas em Portugal, no mesmo período, e, tal como ocorreu no resto da Europa, amalgamaram-se a outras correntes do pensamento médico e filosófico. A partir de então, a linha divisória entre o passional e o patológico foi sendo obscurecida e observou-se o paulatino deslocamento do exame das condutas do território da ética para o da terapêutica.

Os conflitos morais, políticos e ideológicos que envolviam diversos projetos médicos do final do século XVIII permaneceram na ordem do dia e ganharam novas configurações no início do século XIX. Todos os problemas levantados pela medicina filosófica - a natureza da mente, da sensibilidade e das paixões; o papel dos médicos na sociedade; as possibilidades do aperfeiçoamento higiênico da sociedade - seriam atualizadas no meio médico. Ainda na primeira metade do oitocentos, o campo discursivo daquela medicina antropológica foi fragmentado em torno de práticas emergentes como o higienismo, o alienismo, o ecletismo e a medicina legal. Essas disciplinas, apesar de discordarem entre si sobre diversos aspectos da relação mente-corpo, mantiveram o compromisso relacionado ao caráter social da medicina, à existência de íntimas relações entre mente e corpo, à capacidade da medicina em distinguir e classificar os tipos físico-morais e em medicalizar a sociedade.53 53 LEONARD, Jacques. La Médecine entre les pouvoirs et les savoirs: histoire intelectuelle et politique de la medecine française au XIX e siècle. Paris: Aubier, 1981.

Artigo recebido em: 04/07/2012.

Aprovado em: 14/11/2012.

  • 1 RENEVILLE, Marc. The french revolution and the birth of criminology. In: BECKER, Peter; WETZELL, Richard. (eds.). The criminal and his scientists: a new history of criminology. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p.25-41.
  • 2 DUCHET Michèle. Anthropologie et histoire au siècle des lumières. Paris: Albin Michel, 1995.
  • 3 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2003.
  • 4 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina theologica ou súplica humilde feita a todos os senhores confessores e directores sobre o modo de proceder com os seus penitentes na emenda dos peccados, principalmente da lascívia, cólera e bebedice. Lisboa: Officina Antonio Rodrigues Galhardo, 1794.
  • 5 Sobre a medicina astrológica em Portugal setecentista, ver: ABREU, Jean Luiz Neves. Nos domínios do corpo: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011;
  • CAROLINO, Luís Miguel. A escrita celeste: almanaques astrológicos em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Access, 2002.
  • 6 MASSIMI, Marina. História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. São Paulo: EPU, 1990, p.18-22.
  • 7 Sobre as redes de sociabilidade de Sanches, ver: FREITAS, Ricardo Cabral de. O físico e o moral na dissertação sobre as paixões da alma (1753) de Antonio Ribeiro Sanches (1699-1783). Rio de Janeiro: Fundação Instituto Oswaldo Cruz, 2012, p.56-72 (História das Ciências e da Saúde, Dissertação de mestrado).
  • 8 PELLEGRIN, Pierre. Médecine hippocratique et philosophie. In. HIPPOCRATE. Del'art médical. Paris: Le Livre Poche, 1994, p.14-40.
  • 9 CHAUÍ, Marilena. Desejo, paixão e ação na ética de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.21-35.
  • 10 GILSON, Étienne. O espírito da filosofia medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.229-303.
  • 11 ARIKHA, Noga. Form and function in the early Enlightenment. Perspectives on Science, v. 14, n.2, p.153-188, 2006. Disponível em: <http://www.mitpressjournals.org/doi/pdfplus/10.1162/posc.2006.14.2.153>. Acesso em: 29 jun. 2012
  • 12 REY, Roseline. L'ame, le corps et le vivant. In: GRMEK, Mirko; FANTINI, Bernardino. (eds.). Histoire de la pensée médicale en occident: de la Renaissance aux Lumières. v.2, Paris: Editions du Seuil, 1996, p.117-55.
  • 13 SILVA, Paulo José Carvalho. O tratamento das paixões da alma nos primórdios da medicina moderna: o Devictum romanorum de Alessandro Petronio. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v.1, n.1, p.64-75, 2006.
  • 14 WILLIAMS, Elizabeth A. The physical and the moral: anthropology, physiology, and philosophical medicine in France, 1750-1850. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
  • 15 MORAVIA, Sergio. The capture of the invisible: for a (pre)history of psychology in eighteenth-century France. Journal of the History of the Behavioral Sciences, v.19, p.370-378, p.371-75, out. 1983.
  • 16 MARCUS, George. Emotions in politics. Annual Review in Political Science, v.3, p.221-250, 2000.
  • 17 DASTON, Lorraine. I. The morality of natural orders: the power of Medea. II. Nature's customs versus nature's laws. Cambridge: Harvard University, nov. 2002. Disponível em: <http://www.tannerlectures.utah.edu/lectures/documents/volume24/daston_2002.pdf> Acesso em: 19 set. 2010.
  • 18 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Campus, 1989;
  • SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
  • 19 MASSIMI, Marina. Alimentos, palavras e saúde (da alma e do corpo), em sermões de pregadores brasileiros do século XVII. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v.13, n.2, p.253-70, abr./jun. 2006.
  • 20 ARAÚJO, Ana Cristina. Ilustração, pedagogia e ciência em Antônio Nunes Ribeiro Sanches. Revista de História das Ideias, Coimbra, v.6, p.377-395, 1984.
  • 21 SANCHES, Antonio Ribeiro. Método para aprender e estudar a medicina. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2003
  • 23 SANCHES, Antonio Ribeiro. Cartas sobre a educação da mocidade. Edição revista e prefaciada pelo Dr. Maximiano Lemos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922.
  • 24 MAXWELL, Kenneth. Naked tropics: essays on empire and other rogues. New York: Routledge, 2003, p.277-80;
  • 25 SANCHES, Antonio Ribeiro. Affections de l'âme. In: Encyclopédie méthodique. Paris: Panckoucke, 1787, p.252-284.
  • 28 Em seu artigo intitulado Écletisme, Diderot afirma que: "L'éclectique est un philosophe qui foulant aux pieds le préjugé, la tradition, l'ancienneté, le consentement universel, l'autorité, en un mot, tout ce qui subjuge la foule des esprits, ose penser de lui-même, remonter aux principes généraux les plus clairs, les examiner, les discuter, n'admettre rien que sur le témoignage de son expérience & de sa raison & de toutes les philosophies, qu'il a analysées sans égard & partialité, s'en faire une particuliere & domestique que lui apartienne"; DIDEROT, Denis. Écletisme. In. DIDEROT, Denis; D'ALEMBERT, Jean le Rond. (orgs.). Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers. Paris: Briasson/David/Le Breton, 1751.
  • 29 SANCHES, Antonio Ribeiro. Dissertação sobre as paixões da alma, p.14-15. Ao que parece, nesse trecho Sanches se refere aos espíritos animais. Essa categoria, na terminologia cartesiana, designava, genericamente, os diferentes tipos de corpúsculos materiais, cujos formatos e movimentos fisiológicos corresponderiam a cada uma das paixões. Ver: DESCARTES, René. Les passions de lâme. Paris: Librairie Phil. J. Vrin, 1994. [1649].
  • 33 LARA, Silvia Hunold (org). Ordenações Filipinas. Livro V. São Paulo: Companhia das Letras. 1999, p.19-44.
  • 37 BRAGA, Teófilo. História da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrução pública portuguesa, T. III (1700- 1800). Lisboa: Typ. da Academia Real de Sciencias, 1898, p.675-697. Disponível em: <http://archive.org/stream/historiadaunive05lisbgoog#page/n680/mode/2up>. Acesso em: 29 jun. 2012.
  • 38 SILVA, Paulo José Carvalho da. A psicopatologia entre a alma e os nervos: a Medicina Theologica (1784) de Francisco de Melo Franco. Filosofia e História da Biologia, v.3, p.335-345, p.336, 2008.
  • 51 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
  • 52 NOVELLA, Enric. La higiene del yo: ciencia médica y subjetividad burguesa en la España del siglo XIX. Frenia, v.10, p.49-74, p.52, 2010.
  • 53 LEONARD, Jacques. La Médecine entre les pouvoirs et les savoirs: histoire intelectuelle et politique de la medecine française au XIXe siècle. Paris: Aubier, 1981.
  • 1
    RENEVILLE, Marc. The french revolution and the birth of criminology. In: BECKER, Peter; WETZELL, Richard. (eds.).
    The criminal and his scientists: a new history of criminology. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p.25-41.
  • 2
    DUCHET Michèle.
    Anthropologie et histoire au siècle des lumières. Paris: Albin Michel, 1995.
  • 3
    SANCHES, Antonio Ribeiro.
    Dissertação sobre as paixões da alma. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2003.
  • 4
    FRANCO, Francisco de Melo.
    Medicina theologica ou súplica humilde feita a todos os senhores confessores e directores sobre o modo de proceder com os seus penitentes na emenda dos peccados, principalmente da lascívia, cólera e bebedice. Lisboa: Officina Antonio Rodrigues Galhardo, 1794.
  • 5
    Sobre a medicina astrológica em Portugal setecentista, ver: ABREU, Jean Luiz Neves.
    Nos d
    omínios do corpo: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011; CAROLINO, Luís Miguel.
    A escrita celeste: almanaques astrológicos em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Access, 2002.
  • 6
    MASSIMI, Marina.
    História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. São Paulo: EPU, 1990, p.18-22.
  • 7
    Sobre as redes de sociabilidade de Sanches, ver: FREITAS, Ricardo Cabral de.
    O físico e o moral na dissertação sobre as paixões da alma (1753) de Antonio Ribeiro Sanches (1699-1783). Rio de Janeiro: Fundação Instituto Oswaldo Cruz, 2012, p.56-72 (História das Ciências e da Saúde, Dissertação de mestrado).
  • 8
    PELLEGRIN, Pierre. Médecine hippocratique et philosophie. In. HIPPOCRATE.
    Del'art médical. Paris: Le Livre Poche, 1994, p.14-40.
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    Em seu artigo intitulado
    Écletisme, Diderot afirma que: "L'éclectique est un philosophe qui foulant aux pieds le préjugé, la tradition, l'ancienneté, le consentement universel, l'autorité, en un mot, tout ce qui subjuge la foule des esprits, ose penser de lui-même, remonter aux principes généraux les plus clairs, les examiner, les discuter, n'admettre rien que sur le témoignage de son expérience & de sa raison & de toutes les philosophies, qu'il a analysées sans égard & partialité, s'en faire une particuliere & domestique que lui apartienne"; DIDEROT, Denis. Écletisme. In. DIDEROT, Denis; D'ALEMBERT, Jean le Rond. (orgs.).
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    Les passions de lâme. Paris: Librairie Phil. J. Vrin, 1994. [1649].
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    Medicina theologica ou súplica humilde feita a todos os senhores confessores e directores sobre o modo de proceder com os seus penitentes na emenda dos peccados, principalmente da lascívia, cólera e bebedice.
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    Medicina Theologica, p.92.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2012
    • Aceito
      14 Nov 2012
    Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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