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A história de João Potro: Trajetória e relações de reciprocidade de uma família subalterna no sul do Brasil (1820-1855)

The History of João Potro: Trajectory and Reciprocity Relations of a Subaltern Family in the South of Brazil (1820-1855)

Resumo

Neste estudo, valemo-nos da trajetória de João Paes, que viveu na fronteira sul do Império no século XIX, para apreciar a importância das relações entre pessoas e famílias no Brasil oitocentista e o quanto elas estavam imbricadas com a economia e com as instituições formais da vida política. João dizia ser filho de uma índia, logo, um indivíduo livre. Contudo, conforme Mariano Teixeira, João era um escravo fugido. O caso permite uma série de análises, como: das práticas de (re)escravização e liberdade; das relações de reciprocidade e dos mecanismos de proteção social acionados; e do mapeamento do espaço social da fronteira meridional do Brasil. Sobre as relações de reciprocidade verticais e horizontais, destacam-se: senhor de terras x agregados, porém, dentro de uma configuração mais complexa de formas de auxílio e proteção. A vizinhança, a guerra e as relações familiares apareceram como outros campos efetivos de geração desse tipo de relações.

Palavras-chave
Imperial; relações de reciprocidade; escravidão e liberdade

Abstract

In this paper, we focus on the trajectory of João Paes, who lived on the southern frontier of the Brazilian Empire in the nineteenth century, and investigate the importance of the relations between people and families and how they intertwined with economy and institutions of political life. João, in his own words, was the son of an Indian, then, a free man. However, according to Mariano Teixeira, João was a runaway slave. By exploring this case, we analyze (re)enslavement and freedom practices, reciprocal relations and social protection mechanisms and also map the social space of the southern border of Brazil. We pay attention to vertical and horizontal reciprocity relationships, specially the one that involved landlords and aggregates (agregados). This was, however, only a part of a more complex configuration of forms of aid and protection. Neighborhood, war, and family relationships emerged as other effective fields for the generation of such relationships.

Keywords
Brazil; reciprocal relationships; slavery and freedom

No ano de 1852, João Potro foi capturado por um grupo liderado pelo filho de Mariano José Teixeira. O fato ocorreu em Alegrete, na província do Rio Grande do Sul. Os homens conduziram-no à força por mais de 200 quilômetros até o distrito de Lavras, no município de Caçapava. Conforme Mariano Teixeira, "o pardo João" era seu escravo e havia fugido em 1836, durante a Revolução Farroupilha.1 1 Sobre a participação no (e as fugas dos escravos durante o) conflito: PETIZ, 2006; THOMPSON FLORES, 2011; CARVALHO, 2013. A partir da captura, sobreveio uma agitada sequência de acontecimentos: fugas, processos judiciais, prisões, disputas entre autoridades locais e provinciais foram alguns dos episódios que marcaram o caso. Ao longo de todos esses eventos, João Potro alegava ser João Joaquim Paes, filho de uma índia e, portanto, nascido de ventre livre, nunca tendo sido cativo.2 2 Segundo seu curador, aquele homem era conhecido de todos na região onde morava pela alcunha nada lisonjeira de João Potro, mas era, na verdade, João Joaquim Paes. No processo, o sobrenome de João Joaquim ora aparece como "Paes", ora como "Paz" ou ainda "Pas". Para uma maior coesão textual, decidimos por manter apenas a primeira grafia.

Os campos de análise levantados por esse caso são variados. O mais evidente se refere às práticas de escravização e liberdade no Brasil do Oitocentos, parte deles estudando exatamente a fronteira sul (Grinberg, 2007GRINBERG, Keila, Escravidão, alforria e direito no Brasil oitocentista: reflexões sobre a lei de 1831 e o "princípio da liberdade" na fronteira sul do Império brasileiro. In: CARVALHO, José Murilo de (org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.267-285.; Caratti, 2010CARATTI, Jônatas Marques. O Solo da Liberdade: as trajetórias da preta Faustina e do pardo Anacleto pela fronteira rio-grandense em tempos do processo abolicionista uruguaio (1842-1862). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2010.; Chalhoub, 2010CHALHOUB, Sidney. Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil escravista (século XIX). História Social, n. 19, p.33-62, 2010.; Grinberg; Mamigonian, 2017GRINBERG, Keila; MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Le crime de réduction à l'esclavage d'une personne libre (Brésil, XIXe siècle). Brésil(S) - Sciences Humaines et Sociales, vol. 11, 2017. Disponível em: https://bresils.revues.org/2138?lang=fr
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).3 3 Para a escravização de indígenas e o processo de miscigenação em período anterior ao analisado aqui, ver MONTEIRO, 1994. Junto com ele, os discursos sobre a construção social da cor e seu papel na composição das hierarquias sociais de meados do século XIX. Contudo, ainda que essas questões sejam abordadas rapidamente aqui, elas não são o tema central deste artigo, já que exigem uma análise específica, o que será feito em outra oportunidade. Nosso objetivo é realizar um estudo das relações de reciprocidade e dos mecanismos de proteção social acionados por João Potro e sua família, na busca por provar sua condição de homem livre. A reconstrução dessas relações nos possibilitará mapear de modo mais complexo um espaço social de fronteira, economia pecuária e escravidão no Império do Brasil. Para tanto, é necessário também explorar outra das possibilidades abertas por este caso: reconstruir parcialmente a trajetória de uma família subalterna em uma região de fronteira e pecuária.

A documentação gerada pelo caso permite uma análise circunstanciada daquelas relações. Ao longo dessa história, foram muitos os personagens chamados a intervir, acionados por uma e outra parte. Seus nomes, sua atuação e seus depoimentos estão registrados nas peças documentais a que tivemos acesso. A partir delas, é possível reconstruir a malha de pessoas que João Potro e sua família movimentaram. Com menos detalhe, o mesmo foi feito também para o pretenso senhor, Mariano José Teixeira. Tudo isso é possível porque cotejamos a documentação referente ao caso com um banco de dados de base nominal, construído através de nossas pesquisas anteriores sobre a região, a partir de diversos outros tipos de fontes. (Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.; Matheus, 2012MATHEUS, Marcelo Santos. Fronteiras da Liberdade: escravidão, hierarquia social e alforria no extremo sul do Império do Brasil. São Leopoldo: Oikos/Unisinos, 2012.) 4 4 Sobre a metodologia utilizada: LEVI, 1992; GRENDI, 2009.

A importância das relações entre pessoas e famílias no Brasil oitocentista já foi objeto de vasta e qualificada produção historiográfica. Mesmo assim, o tema não perde o seu vigor, já que se torna cada vez mais evidente o quanto essas relações estavam imbricadas com a economia e também com as instituições formais da vida política. Ou seja, o quanto elas atuavam nas práticas do governo, na reiteração da produção e na estruturação do espaço social. Por elas circulavam recursos materiais e simbólicos e através delas se construíam mecanismos de solidariedade e de proteção (Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.).

Esse tema se combina com o debate persistente sobre as questões relativas às relações entre poder privado e poder público, entre instituições e relações sociais de reciprocidade (envolvendo compadrio, lealdade, proteção, favores, compromissos). Esses temas são especialmente debatidos na historiografia, no que se refere ao Segundo Reinado (1840-1889), período em que o poder imperial buscou efetivar uma maior centralização política e administrativa. Entre outros, os principais problemas abordados giram em torno de dois aspectos: a efetividade dessa centralização frente aos poderes locais, às relações pessoais e familiares ou ao clientelismo, por um lado; e, por outro, a indagação sobre quem teriam sido os protagonistas nesse processo (elites cafeicultoras do Vale do Paraíba, elites burocráticas, grandes proprietários de terras de diversas regiões e províncias, etc).5 5 Boas resenhas sobre esse debate, especialmente no que se refere ao Segundo Reinado, podem ser encontradas em: VELLASCO, 2009; MARTINS, 2005; VARGAS, 2010. Dentre as obras clássicas, que contribuíram para a construção de diferentes interpretações: DUARTE, 1939; PRADO JR., 2004; HOLANDA, 1995; MATTOS, 1987; GRAHAM, 1997; CARVALHO, 2003; DOLHNIKOFF, 2005. Sobre as relações entre os homens livres pobres e entre eles e as elites, a partir de relações de conflito e de reciprocidade: FRANCO, 1974; MATTOS, 1998; MOTTA, 2008; PEDROZA, 2011.

Essas visões clássicas sobre o papel das relações de reciprocidade horizontal e vertical na sociedade, na economia e na política brasileira trouxeram hipóteses interpretativas de extrema importância. Porém, poucas vezes elas incorporaram os avanços nos estudos sobre a diversidade dos espaços sociais regionais e locais.6 6 Nesse caso, é importante beneficiar-se do grande avanço feito desde as décadas de 1970 e 1980 na história agrária brasileira, que vem mostrando a complexidade crescente das configurações sociais e econômicas das diversas regiões do Brasil, especialmente nos séculos XVIII e XIX. Estudos de contextos mais localizados, sem perder de vista que os problemas e perguntas devem ser amplos, podem mostrar a complexidade de espaços sociais dantes vistos de modo muito simplificado. Nos parecem interessantes trabalhos relativamente recentes que atentam para esse ponto. Entre outros: FRAGOSO, 1982; VERGOLINO; VERSIANI, 2003; BARICKMAN, 2003; OSÓRIO, 2008; GUEDES, 2008; MARCONDES, 2010; FARINATTI, 2010; READ, 2012; VARGAS, 2016; MATHEUS, 2016. Quando observada mais de perto, revela-se uma imagem mais complexa do que a tradicional estruturação das relações verticais entre grande proprietário de terras - visto como chefe político ou chefe militar, no caso do Rio Grande do Sul - e agregados ou arranchados - atuando como trabalhadores, dependentes, soldados, por vezes votantes (Ginzburg; Poni, 1991GINZBURG, Carlo; PONI, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carlo (org.). A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. p.169-178.; Revel, 1998REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: REVEL, Jacques. Jogos de Escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p.15-37.).

Não há dúvidas de que a propriedade de grandes extensões de terras foi um fator de alta relevância para a estruturação das relações de proteção e dependência, no Brasil colonial e monárquico (Bacellar, 1997BACELLAR, Carlos Almeida Prado. Os senhores da terra: família e sistema sucessório entre os senhores de engenho do Oeste paulista, 1765-1855. Campinas: Centro de Memória/Unicamp, 1997. ; Motta, 2008MOTTA, Márcia. Nas Fronteiras do Poder. Conflito e direito a terra no Brasil do século XIX. Niterói: EDUFF, 2008.; Garcia, 2005GARCIA, Graciela Bonassa. O domínio da terra: conflitos e estrutura agrária na Campanha rio-grandense oitocentista. Porto Alegre: PPGH/UFRGS, 2005.). Neste mesmo trabalho, poderemos perceber esse princípio em pleno funcionamento. Porém, ele não foi o único e sua mobilização não era automática. Outros processos também geravam relações verticais ou horizontais: trabalho, vizinhança, parentesco, participação na guerra, ligações políticas, etc. Neste sentido, as análises de casos concretos podem explorar os modos como esses campos se combinavam, como ajudavam a estruturar o espaço social e como permitiam a formação e mobilização de laços pessoais. Portanto, o que pretendemos, aqui, é refletir sobre o tema a partir do caso em que se envolveram João Potro e sua família.

João Escravo, filho de Felicidade, e João Livre, filho de Bárbara Luísa: versões em disputa

Em fevereiro de 1853, ano seguinte ao de sua captura, João Potro conseguiu fugir e voltar para os extremos da fronteira. Apresentou-se a David Canabarro, antigo líder da Revolução Farroupilha e que, no início da década de 1850, era um dos maiores chefes militares e políticos da região. Canabarro indicou que ele deveria se apresentar ao comandante militar de seu distrito, o coronel e grande estancieiro Miguel Luís da Cunha. Este enviou João Potro para o delegado da vila de Alegrete, que o dispensou, dizendo-lhe que "fosse em paz".7 7 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (doravante AHRS). Fundo Justiça, Alegrete. Correspondência do Juízo Municipal de Órfãos (doravante CJMO), Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.

Nesse mesmo ano, Mariano Teixeira tentou capturar novamente seu pretenso escravo. Todavia, as autoridades do segundo distrito de Alegrete "não consentiram em tal, nem se deixaram surpreender, como da primeira vez". Mariano parecia obstinado a recuperar seu prófugo, mesmo que já transcorressem cerca de 20 anos desde sua suposta fuga. Em setembro daquele ano, ele enviou petição ao juiz municipal de Alegrete alegando ser senhor do "escravo João" e reclamando a sua propriedade. Foram duas "justificações", uma proposta por cada parte, procurando elencar testemunhas para provar a identidade de João Potro. Além disso, temendo novas investidas de Mariano Teixeira, João Potro entrou com uma Ação de Liberdade, através do curador Francisco Jorge Ribeiro.

Várias testemunhas foram ouvidas, tanto em Alegrete (local de moradia de João Potro) quanto em Caçapava (comarca de residência de Mariano Teixeira) e seus depoimentos consistirão em fontes centrais de nossa análise. As versões sustentadas por ambas as partes eram conflitantes quanto à identidade de João Potro e, por consequência, também no que no que se refere à sua história de vida. Segundo Mariano Teixeira, o homem capturado dois anos antes e levado sob coação para Caçapava era seu cativo João, filho de sua escrava Felicidade, nascido por volta de 1820. Conforme Mariano, em 1836, o pardo João estava engajado nas tropas leais ao Império, durante a Revolução Farroupilha. Aproveitando-se da confusão gerada pela derrota dos imperiais na Batalha de Seival, teria conseguido evadir-se. Capturado em 1837, teria novamente escapado, provavelmente em direção ao Estado Oriental do Uruguai (doravante Uruguai) e, por quase duas décadas, teria estado em condição de escravo fugido.

Para subsidiar sua versão, Mariano Teixeira pediu que fossem ouvidas cinco testemunhas em Caçapava. Pessoas que haviam conhecido o dito escravo João quando este ainda estava em poder de seu senhor, antes de 1836, e que haviam visto o homem capturado em 1852, podendo atestar que se tratavam da mesma pessoa. Essas testemunhas eram todos homens, sendo dois moradores da vila de Caçapava e três do distrito de Lavras, onde vivia Mariano. Todos concordaram que o homem que viram em companhia de Mariano era o mesmo seu escravo pardo João, que fugira em meio à Revolução Farroupilha. Eles referiram a existência de duas cicatrizes que eram as mesmas do escravo fugido e a semelhança física do homem com um suposto irmão, também escravo de Mariano. Além disso, a maioria das testemunhas afirmou que o dito João admitia expressamente ser o escravo fugido de Mariano Teixeira, sendo que, inclusive, invocara fatos passados anteriormente, quando ainda vivia sob o poder de seu senhor.

Por sua vez, João Potro, através de seu curador, afirmava não ser o homem que Mariano Teixeira alegava e sim João Joaquim Paes, filho do pardo Joaquim Paes e da "china" Bárbara Luísa, nascido também em Caçapava, mas em 1825.8 8 O termo "china" podia designar mestiças ou então mulheres que tinham traços indiáticos. De acordo com José Joaquim Machado de Oliveira, que passou pela Capela de Alegrete no início do século XIX, momento em que havia uma grande movimentação de índios guaranis pela mesma região, "china" era a "mãe da família" dos guaranis. OLIVEIRA, José Joaquim Machado de. A Celebração da Paixão de Jesus Christo entre os Guaranis: Episódio de um Diário das campanhas do Sul. Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, IHGB, tomo IV, p.331-349, 1842. Segundo essa narrativa, João Potro não apenas havia nascido de ventre livre, como era cinco anos mais jovem do que o escravo João. Como prova dessas alegações, o curador Francisco Ribeiro juntou aos autos a certidão de batismo de João Joaquim. O assento refere que ele nascera na capela de Caçapava aos dois dias do mês de julho de 1825, "filho legítimo de Manoel Joaquim Paes, pardo, natural desta Capela, e de Barbara Luísa, china". Além disso, o curador de João relata que ele teria migrado para "as pontas do Quaraí", localidade de Paipasso, no município de Alegrete, ainda pequeno, por volta de 1832 ou 1833, acompanhando sua mãe e irmãos. Ou seja, já estaria fora de Caçapava quando iniciara a Revolução Farroupilha (1835-1845). Para sustentar essa versão, arrolou quatro testemunhas e juntou atestados de 15 informantes ouvidos anteriormente, a maioria moradores da localidade de Paipasso.9 9 AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. Correspondência do Juízo Municipal de Órfãos, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência. Os depoimentos desses sujeitos permitem uma aproximação ao mundo social daquela fronteira e à trajetória de uma família subalterna naquele contexto. É nesse ponto que vamos nos deter agora.

"Na garupa do cavalo conduzido por sua mãe": família, deslocamentos e sobrevivência na fronteira

Em seu testemunho, Zeferino Gonçalves Leal afirmou que conhecia João "desde pequenino conduzindo-o sua Mãe Barbara na garupa do cavalo, quando morava a mesma nas Pontas do Quaraí-mirim no Posto do Braga". Os outros depoimentos seguiam nesse sentido, indicando para ele um itinerário que envolvia sua chegada à localidade de Paipasso, no segundo distrito do município de Alegrete, em 1832 ou 1833, acompanhado de sua mãe e irmãos. As testemunhas afirmam que, nesse momento, João teria por volta de sete anos de idade. Eles haviam se instalado "num posto" na estância de Joaquim Ferreira Braga. Em 1836, um irmão mais velho de João passou a ser capataz em uma estância na localidade de Quaró, do outro lado do rio Quaraí, no Uruguai. Uma das testemunhas chamadas por João na ação de liberdade foi o proprietário daquela estância, Leandro Martín, oriental, natural de Montevidéu e naquele momento morador do primeiro distrito de Alegrete. Martín declarou que "morando ele testemunha em Quaró, onde tinha sua Estância, teve por seu Capataz Miguel Joaquim Paes, e em sua companhia sua Mãe Barbara china, e seus filhos Mindú e João que é o Justificante, e este pela pouca idade que tinha ainda não ganhava jornal, mas que ali vivia em companhia de sua Mãe e irmãos, mais nada disse, nem lhe foi perguntado". 10 10 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.

Desde o final da década de 1990, estudos de história agrária vêm mostrando como as regiões pecuárias ao sul do Brasil, nos séculos XVIII e XIX, eram mais complexas que a dicotomia grande estancieiro x peões despossuídos. Esses trabalhos mostraram, a par da elite de grandes estancieiros, a existência de um largo estrato de pequenos produtores familiares. Também apontaram a difusão e a importância do trabalho cativo, inclusive nas lides de criação do gado, ao lado dos peões livres (Zarth, 2002ZARTH, Paulo Afonso. Do Arcaico ao Moderno. Transformações no Rio Grande do Sul do século XIX. Ijuí: Editora Unijuí, 2002.; Osório, 2008OSÓRIO, Helen. O império português ao sul da América: estancieiros, lavradores e comerciantes. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.; Bell, 1998BELL, Stephen. Campanha Gaúcha: a brazilian ranching sistem, 1850-1928. Stanford: Stanford University Press, 1998.; Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.; Garcia, 2005GARCIA, Graciela Bonassa. O domínio da terra: conflitos e estrutura agrária na Campanha rio-grandense oitocentista. Porto Alegre: PPGH/UFRGS, 2005.; Foletto, 2003FOLETTO, Arlene Guimarães. Dos Campos junto ao Uruguai aos Matos de Cima da Serra: paisagem agrária e estrutura produtiva em São Patrício de Itaqui (1850-1889). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003.; Araújo, 2008ARAÚJO, Thiago Leitão de. Escravidão, fronteira e liberdade: políticas de domínio, trabalho e luta em um contexto produtivo agropecuário (vila de Cruz Alta, província do Rio Grande do Sul, 1834-1884). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008. ; Fontella, 2013FONTELLA, Leandro Goya. Sobre as ruínas dos Sete Povos: estrutura produtiva, escravidão e distintos modos de trabalho no Espaço Oriental Missioneiro (Vila de São Borja, Rio Grande de São Pedro, 1828 - 1858). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2013. ; Corrêa, 2013CORRÊA, André do Nascimento. Ao sul do Brasil oitocentista: escravidão e estrutura agrária em Caçapava, 1821-1850. Santa Maria: UFSM/PPGH, 2013.; Matheus, 2016MATHEUS, Marcelo Santos. A produção da diferença: escravidão e desigualdade social ao sul do Império brasileiro (Bagé, c.1820-1870). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ, 2016.).

Esse era o caso de Alegrete. Ali, uma elite de grandes estancieiros, donos de imensos rebanhos, concentravam os principais recursos produtivos. Porém, isso não impedia a presença de uma larga base de pequenos e médios produtores. Até meados do Oitocentos, grande parte dos pequenos criadores e lavradores produziam a favor como agregados em campos alheios (Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.). Já no caso de Caçapava, onde vivia Mariano Teixeira, a estrutura agrária era parecida, mas com menor presença de grandes estancieiros e com a propriedade da terra mais difundida nos setores menos favorecidos (Corrêa, 2013CORRÊA, André do Nascimento. Ao sul do Brasil oitocentista: escravidão e estrutura agrária em Caçapava, 1821-1850. Santa Maria: UFSM/PPGH, 2013.).

Em 1846, foi elaborada uma lista de chefes de fogos exatamente do distrito de Alegrete onde moravam João e as testemunhas chamadas por ele alguns anos depois. A configuração agrária reconstruída através dessa fonte mostra uma impressionante proporção de 76% de agregados entre os chefes de lares contra apenas 23% de proprietários e 1% de negociantes ou "negociante e agregado".11 11 AHRS. Fundo Câmaras Municipais, Alegrete, Documentação Recebida, maço 18. "Lista dos Cidadãos Votantes e Elegíveis do Distrito, assim como o nº dos fogos", 1846. Nesse caso, como dissemos, "agregados" significavam indivíduos ou, mais geralmente, famílias que moravam em terras socialmente consideradas como propriedade de outrem, podendo ali ter lavoura e criação. Dentro dessa categoria, podiam estar englobadas desde filhos ou irmãos do proprietário até subalternos como ex-escravos, migrantes recém-chegados, famílias estabelecidas há tempos com economia própria (Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.).12 12 Na lista, aparece um Serino Paes, agregado, não era votante nem elegível, não sabia ler e escrever, morador do terceiro quarteirão. Talvez fosse um dos irmãos de João Joaquim e aparecia como chefe do domicílio onde residia também Bárbara Luísa. Os depoimentos aqui estudados permitem visualização da trajetória e das estratégias de sobrevivência de uma dessas famílias subalternas naquele contexto.

Tomando as informações ali presentes, acompanhamos a experiência de migração de uma família formada por uma mãe e seus filhos. Segundo as declarações das testemunhas, Bárbara Luísa chegou a Paipasso, em Alegrete, no início da década de 1830, vinda de Caçapava, acompanhada de seus filhos, mas sem a presença do marido.13 13 A testemunha Leandro Martín diz que sabia que Bárbara era casada, mas não conheceu o marido. Zeferino Leal e outros dizem que João chegou a Quarai em companhia da mãe e irmãos, mas não menciona o pai. No batismo de João, consta ser filho legítimo de Joaquim Paes, pardo, e Bárbara Luísa. Não sabemos se Joaquim ainda era vivo quando da migração da família. AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência. Era um período de consolidação da expansão brasileira sobre aquelas terras e, depois do final da Guerra da Cisplatina (1825-1828), a capela de Alegrete recebeu importante afluxo de migrantes vindos das regiões de ocupação mais antiga, a leste da província (Farinatti, 2010bFARINATTI, Luís Augusto. Territórios sobrepostos: as migrações na constituição de uma sociedade de fronteira (paróquia de Alegrete, 1821-1844). Anais do Seminário Internacional 'Migrações: mobilidade social e espacial', São Leopoldo, Unisinos, 2010b.). Entre estes, estavam Bárbara e seus filhos.

Ali, a família se instalou em um posto da estância de Joaquim Ferreira Braga. Os postos eram estabelecimentos localizados nos extremos das estâncias de criação de gado tradicional, tanto no Rio Grande do Sul quanto no Uruguai e Argentina, nos séculos XVIII e XIX. Eles foram importantes enquanto não avançou o sistema de limitação das propriedades com cercas de arames. O posteiro era um peão que, em geral, se instalava com sua família em um rancho, onde podia criar alguns animais e fazer plantações, ajudando a cuidar para que o gado não se evadisse da estância e também fazendo rodeios para contagem e manejo do gado naquele local. Não sabemos ao certo se a família passou a desempenhar o papel de posteiros ou se apenas recebeu permissão para se arranchar junto ao posto. Se a primeira hipótese for verdadeira, temos um interessante caso de uma família de posteiros formada por mãe e filhos jovens, em um contexto onde estamos acostumados a pensar nos peões sempre como homens, por vezes sem família.

Depois de três ou quatro anos residindo naquela estância, uma nova oportunidade de trabalho promoveu outro deslocamento da família. O filho Miguel Joaquim Paes foi trabalhar como capataz em uma estância no lado uruguaio da fronteira, além do rio Quarai, na localidade de Quaró. Tratava-se de um cargo mais prestigioso e com salários mais altos que o de simples peão ou posteiro. Essa nova migração era comum em uma fronteira que, como vem demonstrando a historiografia, era amplamente transitada. No Uruguai, as regiões ao norte do Rio Negro tinham grande presença de proprietários e trabalhadores brasileiros (Chagas; Stalla; Borucki, 2004CHAGAS, Karla; STALLA, Natalia; BORUCKI, Alex. Esclavitud y trabajo. Un estudio sobre los afrodescendientes en la frontera uruguaya 1835-1855. Montevideo: Pulmón, 2004.; Souza; Prado, 2004SOUZA, Suzada Bleil de; PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros na fronteira uruguaia: economia e política no século XIX. In: KUHN, Fábio et al. (orgs.). Capítulos de História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2004. p.121-145.). Além disso, naquela zona de fronteira havia constante fluxo de mercadorias, gado, ideias e pessoas das mais diversas condições. O limite político era recente e não isolava as sociedades, porém, transitar por ali não era o mesmo que se deslocar dentro de um único país. A existência de soberanias distintas fazia com que os atores sociais buscassem, de acordo com sua posição e experiência social, diferentes formas de manejar a fronteira (Thompson Flores; Farinatti, 2009THOMPSON FLORES, Mariana da Cunha; FARINATTI, Luís Augusto. A fronteira manejada: apontamentos para uma história social da fronteira meridional do Brasil (século XIX). In: HEINZ, Flávio M. (org.). Experiências Nacionais, Temas Transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina. São Leopoldo: Oikos, 2009. p.145-177.).

Neste caso, note-se que não se tratava de uma migração isolada, mas familiar. É certo que migrantes, sobretudo jovens, percorriam o espaço da zona de fronteira entre o sul do Brasil, o norte do Uruguai e as províncias argentinas, principalmente as de Corrientes e Entre-Rios, em busca de variadas formas de sobrevivência (Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.; Leipnitz, 2010LEIPNITZ, Guinter Tlaija. Entre contratos, direitos e conflitos. Arrendamentos e relações de propriedade na transformação da Campanha rio-grandense: Uruguaiana (1847-1910). Porto Alegre: PPGH/UFRGS, 2010.; Matheus, 2012MATHEUS, Marcelo Santos. Fronteiras da Liberdade: escravidão, hierarquia social e alforria no extremo sul do Império do Brasil. São Leopoldo: Oikos/Unisinos, 2012.; Thompson Flores, 2014THOMPSON FLORES, Mariana Flores da Cunha. Crimes de Fronteira: a criminalidade na fronteira meridional do Brasil (1845-1889). Porto Alegre: PUC, 2014.). Parte daqueles que se empregavam nas estâncias de criação era formada por esses sujeitos. Porém, outros trabalhadores das estâncias estavam inseridos em famílias de pequenos produtores e, como vemos no caso em estudo, as relações familiares podiam ser efetivas mesmo em tempos de deslocamento e migração.

Em uma data que não podemos precisar, a família retornou para sua antiga moradia nas pontas do Quarai-mirim, na estância de Joaquim Ferreira Braga, pois era ali que residiam quando se desenrolaram os eventos que estamos estudando, no início da década de 1850. Assim, o grupo familiar migrou de Lavras para as proximidades do rio Quarai-mirim, em Paipasso, daí para território uruguaio e novamente para Paipasso. Portanto, os deslocamentos estavam relacionados ao trabalho na pecuária e se davam em família.

O fazendeiro Leandro Martín declarou que quando João chegou à sua estância no Uruguai "pela pouca idade que tinha ainda não ganhava jornal". Essa era uma informação importante para a versão sustentada por João Potro. Tanto no Rio Grande do sul, como no espaço platino em geral, era comum que meninos trabalhassem como peões, recebendo salários menores do que aquele pago aos homens adultos (Djenderedjian, 2003DJENDEREDJIAN, Julio. Economía y Sociedad en la Arcádia Criolla. Formación y desarrollo de una sociedad de frontera en Entre Ríos, 1750 - 1820. Tese (Doutorado em História) - Universidad de Buenos Aires. Buenos Aires, 2003.; Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.). Ou seja, para que João não recebesse salários, ele deveria ser mesmo muito jovem em 1836. Por outro lado, Martín não afirmou que o menino não trabalhava, mas sim que, por sua idade, seu serviço ainda não era suficiente para que recebesse jornais.

Naquele contexto, o trabalho rural envolvia uma relação mais complexa do que a do modelo de um trabalhador despossuído trabalhando individualmente por salários completamente monetarizados. A relação entre peões ou capatazes e seus patrões envolvia uma série de prestações recíprocas, das quais o salário era apenas uma parte. Moradia e alimentação eram garantidas pelos patrões, por fora do valor nominal da remuneração. Além disso, havia aqueles que podiam se arranchar nas terras com suas famílias, com maiores ou menores obrigações de trabalho, conforme o caso (Djenderedjian, 2003DJENDEREDJIAN, Julio. Economía y Sociedad en la Arcádia Criolla. Formación y desarrollo de una sociedad de frontera en Entre Ríos, 1750 - 1820. Tese (Doutorado em História) - Universidad de Buenos Aires. Buenos Aires, 2003.; Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.). Nesse sentido, não apenas o peão, mas também sua família (crianças, homens e mulheres) se viam envolvidas em uma série de ocupações de serviço e lealdade aos patrões. Essa situação constituía uma base importante para a formação de relações de reciprocidade vertical ou dependência (Djenderedjian, 2003DJENDEREDJIAN, Julio. Economía y Sociedad en la Arcádia Criolla. Formación y desarrollo de una sociedad de frontera en Entre Ríos, 1750 - 1820. Tese (Doutorado em História) - Universidad de Buenos Aires. Buenos Aires, 2003.; Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.; Leipnitz, 2010LEIPNITZ, Guinter Tlaija. Entre contratos, direitos e conflitos. Arrendamentos e relações de propriedade na transformação da Campanha rio-grandense: Uruguaiana (1847-1910). Porto Alegre: PPGH/UFRGS, 2010.). Provavelmente foi por isso que João e sua família puderam arrolar como testemunha em seu favor Leandro Martín, um importante fazendeiro, o qual tinha sido seu patrão em tempos passados.

Novamente, não sabemos precisar em que ano a família de Bárbara Luísa retornou para Paipasso, no lado brasileiro, mas devem ter voltado a habitar seu lugar de moradia anterior. Francisco Jorge Ribeiro, curador de João, peticionou em juízo referindo que "Desde 1832 a 1833 que a Mãe de João Paes com outros seus irmãos e irmãs vieram habitar no Segundo Distrito deste Termo, em um Posto na Estância de Joaquim Braga, onde tem constantemente residido até o presente; exceto algum tempo, que residiram no Estado Oriental, na Estância de Leandro Martins". Por sua vez, na petição do pretenso senhor, Mariano Teixeira, está dito que, depois de escapar de seu poder em Caçapava, no ano de 1852, João estava vivendo como agregado de Firmiano de Souza Luz. Este era genro de Joaquim Ferreira Braga, que havia falecido naquele mesmo ano. Ou seja, quando escapou do domínio de Mariano e voltou para a Alegrete, João Joaquim simplesmente voltou para o local onde residia sua família.

Nas relações entre proprietários e agregados, as obrigações de trabalho fixo ou eventual podiam variar de caso a caso. Porém, os vínculos de proteção e lealdade costumavam ser bastante efetivos (Leipnitz, 2016LEIPNITZ, Guinter Tlaija. "Vida independente, ainda que modesta": dependentes, trabalhadores rurais e pequenos produtores na Fronteira meridional do Brasil (c.1884-c.1920). Porto Alegre: PPGH/UFRGS, 2016.). E isso fica tanto mais evidente se percebermos, como mostramos com os dados da lista de 1846, que o acesso aos meios de produção, sobretudo a terra e, através dela, gado e lavoura, muitas vezes estava mediado por essas relações e não diretamente pelo mercado ou pelo Estado. No caso estudado aqui, esses vínculos se reiteravam ao longo do tempo, mesmo com as mudanças causadas pela migração temporária para o Uruguai, no caso da família de Bárbara Luísa, e a sucessão hereditária, no caso dos proprietários. Novamente, aqui, os vínculos derivados da permissão para arranchamento em terras alheias, bem como as relações de trabalho, aparecem como base importante de construção de laços de reciprocidade vertical.

Essa conclusão não é nenhuma novidade, embora a comprovação de sua extensão no tempo seja um fator interessante. No entanto, havia também outros processos que podiam promover a construção de laços de solidariedade e proteção. É nítido que, apesar dos tantos rumos percorridos, há uma base territorial e, sobretudo, social que é referência para João Potro. Ainda que a fronteira seja vista como um local de trânsito de populações, o estabelecimento por vários anos em locais fixos parece ter sido suficiente para a criação de laços de vizinhança e vínculos de reciprocidade relevantes para os moradores daquelas paragens.

Vizinhança, compadrio, solidariedade e proteção

As relações de vizinhança propiciaram depoimentos importantes de ambos os lados do caso que estamos analisando. O fato de que os vizinhos estavam em posição favorável para provar o reconhecimento de João tanto em uma quanto em outra das versões em disputa corrobora a tese de que, na sociedade escravista brasileira oitocentista, a liberdade, antes de tudo, devia ser socialmente reconhecida (Mattos, 1998MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista (Brasil, século XIX). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.). Isso colocava todas as pessoas de cor em suspeição e perigo de (re)escravização, quando fora de seu raio de convívio e/ou relações. Além disso, como veremos, para o historiador interessado na análise de um espaço social e dos processos que geravam relações de reciprocidade, os depoimentos reforçam a importância da vizinhança e do convívio reiterado. E isso mesmo naquela região de fronteira e pecuária, marcada por importante grau de mobilidade espacial por parte de seus habitantes.

Das quatro testemunhas presentes na ação de liberdade movida por João Potro, três declararam que o conheciam, desde a década de 1830, com idade entre sete e dez anos. Aliás, a escolha dessas testemunhas parece ter obedecido um critério claro: eram todos moradores antigos do distrito e com posição de notabilidade no local. Declarações semelhantes foram dadas por 12 dos 15 informantes presentes no mesmo processo. Entre estes, havia pessoas de variados estratos sociais.

As relações de vizinhança também foram importantes no caso das testemunhas elencadas por Mariano José Teixeira, pretenso senhor de João. Das cinco testemunhas, três moravam no distrito de Lavras. Era exatamente por conviverem naquela vizinhança que afiançavam que o homem capturado em 1852 era o mesmo escravo fugido de Mariano Teixeira em 1836.

Contudo, a importância da vizinhança fica ainda mais clara quando cruzamos essas informações com as relações de compadrio existentes entre as partes e as testemunhas. Nos últimos anos, contemplamos uma expansão dos estudos sobre a importância do compadrio na América Portuguesa e no Império do Brasil (Guedes, 2000GUEDES, Roberto. Na pia batismal: família e compadrio entre escravos na freguesia de São José do Rio de Janeiro (primeira metade do século XIX). Rio de Janeiro: UFRJ/PPGH, 2000.; Hameister, 2006HAMEISTER, Martha Daisson. Para dar Calor à Nova Povoação: estratégias sociais e familares na formação da Vila do Rio Grande através dos Registros Batismais (c.1738-c.1763). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006.; Fragoso, 2010FRAGOSO, João. Capitão Manuel Pimenta Sampaio, senhor do engenho do Rio Grande, neto de conquistadores e compadre de João Soares, pardo: notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro, 1700-1760). In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). Na Trama das Redes: políticas e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p.243-294.; Bacellar, 2012BACELLAR, Carlos Almeida Prado. Os compadres e as comadres de escravos: um balanço da produção historiográfica brasileira. Anais eletrônicos do XXVI Encontro Nacional de História, São Paulo, 2012. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1307925540_ ARQUIVO_Oscompadreseascomadresdeescravos.pdf
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/a...
; Farinatti, 2012aFARINATTI, Luís Augusto. Os compadres de Estêvão e Benedita: hierarquia social, compadrio e escravidão na fronteira meridional do Brasil (1821-1845). Anais eletrônicos do XXVI Encontro Nacional de História, São Paulo, 2012a. Disponível em:http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1308156793_ARQUIVO_FarinattiSNH2011(2).pdf
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/a...
; Venâncio, 2009VENÂNCIO, Renato Pinto. Redes de compadrio em Vila Rica: um estudo de caso. In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de (orgs.). Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: FGV, 2009. p.239-261.). Ao mapear essas relações, os autores têm buscado reconstruir vínculos de reciprocidades verticais e horizontais, cujo acesso costuma ser esquivo para os historiadores. De fato, a partir dessas análises, muito se avançou na história social daqueles períodos. Porém, como vários desses pesquisadores têm apontado, é preciso tomar cuidado para não naturalizar os vínculos ritualizados pelo batismo. O caso de João Potro serve para mostrar como aqueles laços de reciprocidade ligados ao compadrio tinham uma duração e uma efetividade variável, dependendo de outras formas de relacionamento entre os sujeitos envolvidos.

Comecemos por duas das testemunhas arroladas por Mariano Teixeira. Serafim Pereira da Silva (45 anos, casado, vivia de criar gado, natural de Taquari) declarou que reconhecia que o pardo João era o mesmo escravo de Mariano, por conhecê-lo desde a infância até a idade de 16 para 17 anos, tempo em que fugira. E disse que esse escravo era filho "de uma sua comadre de nome Felicidade, escrava do mesmo justificante" (grifos nossos). Por sua vez, a testemunha seguinte a ser ouvida, Cesário Rodrigues Chaves (44 anos, casado, vivia de criar gado, natural de Bagé), declarou que reconhecera o pardo João como o escravo fugido de Mariano Teixeira e que "Além disto declarou mais ele testemunha que tem um afilhado de nome João Índio, filho de Manoel Joaquim e de Barbara de tal, porém que é um indivíduo muito diferente não [só] em idade, mas em feição, e que sendo isto sabia [pelo] pleno conhecimento que do mesmo tem, segundo as razões acima expedidas" (grifos nossos).

Ou seja, Mariano Teixeira buscou tanto um compadre da escrava Felicidade, mãe do pardo João, como também o próprio padrinho de "João Índio", compadre de Manoel Joaquim Paes e Bárbara Luísa. Em primeiro lugar, essa escolha de testemunhas já atesta, por si só, a importância que o compadrio assumia naquela sociedade, pois era visto como forma de afiançar proximidade e conhecimento entre as pessoas. Porém, ao que parece, as testemunhas não depõem "a favor" de seus compadres. Ademais, é preciso dizer que o próprio curador de João levantou dúvidas, no processo, sobre a possibilidade das testemunhas reconhecerem alguém que não viam há 15 ou 20 anos, tanto mais em se tratando de fases da vida onde as pessoas mudam muito de aparência.

No caso de Cesário, padrinho de "João Índio", não podemos saber o grau de certeza que a testemunha tinha de que o sujeito capturado não era o seu afilhado. Apesar de Cesário afirmar que tinha "pleno conhecimento do mesmo", não consta no seu depoimento há quanto tempo ele não via seu afilhado. Pelo que sabemos por várias testemunhas e sem ser negado nem mesmo por Mariano Teixeira, Bárbara Luísa de fato saíra com sua família de Lavras e fora morar no segundo distrito de Alegrete cerca de 20 anos antes dessa ação judicial. Cesário deu um depoimento categórico que comprometia a liberdade de alguém que tinha a possibilidade de ser o seu afilhado. Ou seja, neste caso, o compadrio entre Cesário e Bárbara Luísa não implicou em um auxílio em momento de necessidade.

O caso de Serafim, compadre da escrava Felicidade, é ainda mais duvidoso. Uma possibilidade que precisamos aventar é a de que Serafim não reconheceu o filho de Felicidade, mas mentiu em seu depoimento exatamente para Mariano Teixeira se desse por satisfeito e parasse de buscar o verdadeiro pardo João. Essa é uma hipótese apenas especulativa, mas que não pode ser descartada de todo. Todavia, se nos ativermos apenas às palavras de seu testemunho, enveredamos por outro possível caminho. Serafim deu um depoimento que ajudava a manter na escravidão o filho de sua comadre, que havia escapado ao cativeiro. Em uma sociedade marcada pelo papel estrutural da escravidão e por um forte senso de hierarquia social, não é de surpreender que um criador de gado, talvez também senhor de escravos, desse tal depoimento. O compromisso representado pelo compadrio com uma escrava acontecia dentro de padrões hierárquicos e, nesse caso, não superou a aliança com o senhor desta, nem representou uma contestação à escravidão enquanto instituição. A escolha de Serafim reflete uma adequação às normas daquele sistema e o alinhamento com alguém que era seu vizinho e pertencia à mesma condição social. Como veremos, isso não foi o que aconteceu com parte das testemunhas do outro lado da disputa.

Passando agora para as testemunhas arroladas por João Potro, encontramos Sezefredo Nunes da Silva (52 anos, casado, vivia de criar gado, natural dessa província). Na mesma lista de chefes de fogos mencionada anteriormente, elaborada em 1846, Sezefredo aparece como proprietário e votante. Ele pertencia a uma família da notabilidade local de Alegrete, sendo filho de uma importante liderança político-militar, o Capitão Felisberto Nunes Coelho (Farinatti, 2012). Seu irmão e seu cunhado ocuparam, reiteradas vezes, os postos de juiz substituto e delegado de polícia no município. Em seu depoimento, afirmou que sabia que João era filho da china Bárbara porque ele testemunha morava em uma fazenda que era vizinha ao posto de Joaquim Ferreira Braga, como também pelo fato de que a dita china era sua comadre.14 14 AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.

Neste caso, novamente as relações de vizinhança ajudavam a formar o alinhamento das testemunhas. Bárbara Luísa era comadre de duas testemunhas com posições antagônicas. Seu compadre Cesário, morador do distrito de Lavras, em Caçapava, de onde ela partira havia cerca de 20 anos, mas que seguia sendo vizinho de Mariano Teixeira, depôs a favor deste. Porém, seu compadre Sezefredo Nunes da Silva, portador de uma posição social análoga ou até superior à de Cesário, mas morador do segundo distrito de Alegrete, vizinho da família de Bárbara e João Potro, se colocava a favor deles. Como apontaram Bruna Sirtori e Tiago Gil em estudo sobre a região de Viamão no século XVIII, a vizinhança era um fator de enorme importância para a efetividade dos laços de compadrio (Gil; Sirtori, 2012GIL, Tiago Luís; SIRTORI, Bruna. A geografia do compadrio cativo: Viamão, Continente do Rio Grande de São Pedro, 1770-1795. In: XAVIER, Regina (org.). Escravidão e Liberdade: temas, problemas e perspectivas de análise. São Paulo: Alameda, 2012. p.123-142.). O caso estudado aqui também aponta que a vizinhança propiciava contato reiterado e trocas constantes de prestações e favores, que contribuíam para que a aliança se estendesse no tempo, já que o compadre que era vizinho de Bárbara Luísa depôs a favor da causa da família.

Naturalmente, as relações de vizinhança também traziam um componente de conflito potencial, podendo ser fonte de tensões e controvérsias que se materializavam em rivalidades duradoras. No entanto, esses possíveis conflitos não elidiam a possível produção de solidariedade. No caso em que estamos estudando, é notável que ambas as partes somente arrolem testemunhas do seu lugar de moradia. Mariano José Teixeira não chamou nenhuma testemunha de Alegrete - todos os habitantes do município que aparecem no processo estão do lado de João Potro. O mesmo se dá com as testemunhas residentes em Caçapava - todas chamadas pelo pretenso senhor. Essa marcante dicotomia é mais um indício para afirmar a importância da vizinhança para a construção e reiteração de laços de reciprocidade vertical e horizontal.

Por fim, a relação de Bárbara Luísa com Sezefredo Nunes da Silva mostra uma aliança entre um homem branco, proprietário, pertencente a uma família de elite e uma mulher índia, agregada de um vizinho. Portanto uma relação hierárquica, ritualizada pelo compadrio, que se mostrava uma efetiva fonte de reciprocidade vertical, permitindo sua mobilização quando foi necessária. É interessante perceber que João Potro, sua mãe e seu curador conseguiram mobilizar, na vizinhança, pessoas de diferentes posições sociais e, portanto, com diferentes tipos de relação com João e sua família. Um campo de relações heterogêneo e que se mostrou bastante efetivo em um momento de extrema necessidade.

Contudo, o caso revela ainda outras experiências geradoras de relações de reciprocidade na trajetória de João Potro. Naquele mundo onde havia um belicismo renitente, a guerra também era um campo importante na construção de solidariedades e alianças.

"...Disse que conhecera João, soldado farrapo": guerra, hierarquia e solidariedade

Ao afirmarem que conheciam João Potro, os informantes Tomás Batista e Tomé Cabreira mencionaram expressamente sua participação na Revolução Farroupilha em 1845, do lado rebelde. Além deles, a testemunha Zeferino Gonçalves Leal também disse que havia servido no mesmo corpo de João, durante aquele conflito. Tomás e Zeferino aparecem na lista de chefes de fogos de 1846 como proprietários, alfabetizados, votantes e elegíveis. Zeferino chega mesmo a ser destacado por Francisco Jorge Ribeiro, procurador de João, como uma testemunha de raro valor, já que era um dos mais importantes e respeitados fazendeiros locais. A versão sustentada por João postulava que ele apenas havia tomado parte na guerra em seu final, por volta do ano de 1844 ou 1845 e não já em seu início, como alegava Mariano Teixeira.

Por outro lado, é interessante notar as testemunhas que diziam conhecer João "soldado farrapo" e também a ênfase do fazendeiro Zeferino Leal ao apontar que servira nas tropas rebeldes junto com ele. Ao que parece, oito anos depois da Revolta Farroupilha e com a campanha contra Oribe e Rosas recém terminada, esses homens não viam problemas no fato de se identificarem através da associação ao antigo movimento sedicioso. Acima de tudo, não pensavam que isso poderia prejudicar João ante às autoridades e ao poder imperial.

A documentação traz, ainda, outros indícios de que as lealdades forjadas ou reforçadas nos campos de batalha se reiteravam como importante fonte de relações de reciprocidade.15 15 Sobre um caso parecido, isto é, de uma suposta tentativa de (re)escravização que envolveu lealdades construídas em uma guerra pretérita e em que as partes lançaram mão de relações com autoridades de diferentes níveis (locais e provinciais), ver ARAÚJO, 2008, subcapítulo 2.5. Ao fugir do domínio de Mariano Teixeira, alguns meses após sua captura, João retornou para o seu território e foi apresentar-se ao comandante Davi Canabarro, que o acolheu. Como se sabe, este não era apenas a maior liderança política e militar da fronteira nos inícios da década de 1850, mas também havia sido um dos mais importantes líderes farroupilhas, principalmente no período final do conflito. Depois de 1843, quando o movimento fenecia e se desagregava, eram as tropas de Canabarro, associadas àquelas lideradas por Jacinto Guedes da Luz, as que ainda davam combate às forças imperiais naquela fronteira (Leitman, 1979LEITMAN, Spencer. Raízes sócio-econômicas da Guerra dos Farrapos. Porto Alegre: Graal, 1979.). Deve ter sido sob o comando desses líderes que lutaram João Potro e Zeferino Leal.

Agora, lembremos o que já foi dito anteriormente. Ao retornar para junto da "sua gente" (palavras do juiz na Ação de Liberdade), João fora viver em terras de Firmiano de Souza Luz, genro de Joaquim Ferreira Braga. Pois bem, Firmiano era inspetor de quarteirão no segundo distrito de Alegrete, o que mostra certa projeção social. Alguns anos antes, em 1846, aparecia na lista de chefes de fogos como agregado (talvez morando nas terras de seu sogro), sabendo ler e escrever, votante mas não elegível. Mais do que isso, Firmiano era compadre de Davi Canabarro.

Como se sabe, a população da fronteira meridional do Brasil enfrentou repetidos momentos de guerra e mobilização de tropas entre 1811 e 1870. Essa característica fez com que as hierarquias e relações forjadas nos campos de batalha fossem expressivas na conformação do espaço social, em suas desigualdades, na acumulação de recursos e na arquitetura do poder naquela região (Gil, 2009GIL, Tiago Luís. Coisas do caminho: tropeiros e seus negócios do Viamão à Sorocaba (1780-1810). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2009.; Fertig, 2010FERTIG, André Átila. Clientelismo político em tempos belicosos: a Guarda Nacional da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul na defesa do Império do Brasil, 1850-1873. Santa Maria: UFSM, 2010.; Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.; Comissoli, 2011COMISSOLI, Adriano. A serviço de Sua Majestade: administração, elite e poderes no extremo meridional brasileiro (c.1808-c.1831). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2011. ; Guazzelli, 2013GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. O Horizonte da Província: a República Rio-Grandense e os caudilhos do Rio da Prata (1835-1845). Porto Alegre: Linus, 2013.; Ribeiro, 2013RIBEIRO, José Iran. O Império e as revoltas: Estado e nação nas trajetórias dos militares do exército imperial no contexto da Guerra dos Farrapos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional , 2013.; Vargas, 2016VARGAS, Jonas Moreira. Os Barões do Charque e suas fortunas: um estudo sobre as elites regionais brasileiras a partir de uma análise dos charqueadores de Pelotas (Rio Grande do Sul, século XIX). São Leopoldo: Oikos , 2016.). Naquele contexto, guerra e sociedade entrelaçavam-se. As formas de conseguir soldados, parte dos recursos materiais necessários aos combates e as alianças políticas que permeavam os conflitos estavam estribadas em relações pessoais e familiares. A maioria dos combatentes não era formada por soldados profissionais. Conforme o período, pertenciam a grupos milicianos ou da guarda nacional (Ribeiro, 2013RIBEIRO, José Iran. O Império e as revoltas: Estado e nação nas trajetórias dos militares do exército imperial no contexto da Guerra dos Farrapos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional , 2013.; Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.). Em muitos casos, o recrutamento envolvia ações dos líderes locais, utilizando seu prestígio e suas relações para conseguir homens armados. O próprio poder e a notoriedade que esses líderes construíam eram influenciados pelo seu potencial de apresentar homens em armas (Farinatti, 2010aFARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Santa Maria: UFSM, 2010a.).

Assim, a guerra e as mobilizações armadas eram outros territórios onde se geravam relações de reciprocidade vertical e horizontal. Ao apresentar-se a Canabarro, logo que fugiu do domínio de Mariano Teixeira, João Potro estava mobilizando essas relações, pois havia lutado em forças que estavam dentro de seu comando, na Revolução Farroupilha. Além disso, os vínculos indiretos, mas nem por isso menos efetivos, de João Potro com o grande líder de fronteira também se davam por intermédio do compadrio de Canabarro com Firmiano Luz, proprietário das terras onde a família de Bárbara Luísa habitava. Nesse caso, ambas as situações podem ter se combinado.

Do outro lado da contenda, algo parecido acontecia. Mariano José Teixeira alegava que seu escravo João fugira quando estava engajado nas tropas do Império, durante a Revolução Farroupilha. Se não comprova, isso ao menos sugere o alinhamento de Mariano com os legalistas. Como veremos a seguir, isso também influenciou sua estratégia, com a mobilização de relações em diferentes esferas, na busca do que alegava ser a recuperação de seu escravo fugido.

"Sendo ali morador; e conhecido; tudo será à medida de seus desejos"

Em setembro de 1853, quando João Potro já havia fugido do domínio de Mariano Teixeira e retornado para Paipasso, no município de Alegrete, o pretenso senhor tentou novamente capturá-lo. Contudo, segundo o curador de João,

vendo, porém, que as autoridades do Distrito, que todas reconheciam como livre o filho de China Bárbara e não consentiram em tal, nem se deixaram surpreender, como da primeira vez pelo que requereu sua captura pela petição constante em documento nº [em branco] alegando que este seu Escravo de nome João tinha fugido desde o ano de 1836, e que tendo capturado tinha tornado a fugir em Fevereiro do dito ano. 16 16 AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.

João Potro foi então foi preso, "conduzido em juízo" e interrogado na presença de Mariano Teixeira. Em 03 de fevereiro de 1854, o juiz municipal José de Araújo e Silva promulgou sentença em que acolheu os argumentos do curador de João Potro e definiu que a matéria era grave e complexa demais para ser julgada apenas por uma justificação. Sugeriu que Mariano Teixeira entrasse como uma "Ação de Escravidão", onde seria possível produzir amplamente as provas e dar voz ao contraditório.

Contudo, esse não foi o caminho escolhido pelo Mariano Teixeira. Ao invés da ação, Mariano resolveu mudar o campo de batalha. Elevou um requerimento ao presidente da província e conseguiu um despacho favorável, onde o presidente ordenava que o juiz de Alegrete "fizesse justiça" no caso. Em resposta, Francisco Jorge Ribeiro, curador de João, peticionou ao juiz de Alegrete que não cumprisse o despacho, visto que ele só poderia derivar do fato do presidente ignorar que já havia uma sentença judicial no caso. A decisão foi novamente favorável a João, no juízo local. Em 11 de setembro de 1854, o juiz Luiz Ignácio Jacques (cunhado de Sezefredo Nunes, o fazendeiro compadre de Bárbara Luísa, que testemunhara a favor de João) decidiu que "fazer justiça", nesse caso, era não atender ao despacho do presidente e manter a decisão que indicava não haver provas suficientes de que João era o escravo fugido de Mariano Teixeira. Continuava salvo o direito do pretenso senhor ingressar com ação de escravidão, sem assim o quisesse.

Mariano Teixeira não desistiu e elevou novo requerimento ao presidente da província. Entre as testemunhas que endossavam seu pedido estava ninguém menos do que o coronel Manuel Luís Osório. Mariano Teixeira buscara um testemunho de peso. Apesar de ainda não ter a proeminência que conseguiria após a Guerra do Paraguai, o futuro General Osório combatera ao lado dos imperiais na Farroupilha e, no início dos anos 1850, estava em ascensão tanto na política regional como nos meios militares. A importância desse testemunho está expressa no próprio despacho do presidente da província João L.V. Cansação de Sinimbu. Ele afirmava que o fato de que Mariano Teixeira tivera mesmo um escravo de nome João e que este fugira durante os primeiros anos do conflito Farroupilha estava provado "com numerosos documentos e ultimamente com o atestado do Coronel Manoel Luís Osório". Segundo esse atestado, o escravo fora capturado em 1837 e mandado entregar ao filho de Mariano, pelo próprio Osório. Logo depois, o pardo João teria conseguido nova fuga.

Em 12 de abril de 1855, o presidente da província acolheu o requerimento de Mariano Teixeira e ordenou que João Potro fosse remetido para Caçapava para que se pudesse então averiguar a sua verdadeira identidade. O curador de João contestou essa tentativa de levar o caso para Caçapava argumentando em dois sentidos. O primeiro era propriamente jurídico. Novamente alegava que uma decisão judicial não podia ser modificada por simples despacho do presidente da província. No mesmo sentido, argumentava que Mariano Teixeira nunca lançara mão do instrumento jurídico adequado para pleitear ou seu direito, que seria a "Ação de Escravidão". Segundo o curador Francisco Jorge Ribeiro, o pretenso senhor se esquivava dessa ação porque ela teria que ser impetrada no domicílio de João, isto é, em Alegrete e seu objetivo vinha sendo, sistematicamente, levar a decisão para Caçapava. Aqui aparece a segunda linha de argumentação do curador, presente em quase todas as peças processuais que produziu. Francisco Jorge Ribeiro dirigiu uma petição ao juiz de Alegrete e ao presidente da província, pedindo que João não fosse enviado a Caçapava:

e então o Suplicado prevalecendo-se da semelhança que esse infeliz tem com seu Escravo, pretende reduzi-lo a escravidão e facilmente conseguirá se for executada a portaria de V. Exc. sendo remetido este infeliz para Caçapava, lugar de onde saiu na idade de dois anos, onde nem ele, nem sua Mãe podem já ter conhecimentos, e menos proteção; onde pelo contrário o Suplicado sendo ali morador; e conhecido; tudo será a medida de seus desejos...17 17 AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência. (grifos nossos)

Esta é uma das passagens na documentação analisada onde a força das relações sociais, dos compromissos e reciprocidades aparece mais claramente. E novamente vinculados à vizinhança que permitia a construção de uma base sólida de relações que se reiteravam no tempo. Naturalmente, não estamos dizendo que a esfera local era a única onde a batalha estava sendo travada. Como vimos, a rede de relações mobilizada por João Potro, sua família e seu curador envolvia os vizinhos, os proprietários das terras onde viviam agregados, um antigo patrão, veteranos companheiros de guerra, mas também um grande comandante militar e político, que tinha sua residência no município vizinho (Santana do Livramento) e atuação verdadeiramente provincial e mesmo transfronteiriça. Mais ainda, de seu lado, Mariano Teixeira mobilizava a vizinhança em Lavras e Caçapava, mas também um líder em ascensão na política provincial e o próprio presidente da província.

Todavia, o esforço de Mariano Teixeira em levar o caso para Caçapava, bem como o explícito argumento do curador Francisco Jorge Ribeiro na passagem destacada anteriormente, nos mostram como as relações sociais podiam influenciar as decisões judiciais, em casos tão graves como este. Essa situação se repetia, nessa época, em regiões vizinhas, sujeitas ordenamentos jurídicos diferentes, como demonstrou o estudo de Juan-Carlos Garavaglia sobre a Campanha de Buenos Aires (Garavaglia, 1999GARAVAGLIA, Juan-Carlos. Pastores y Labradores de Buenos Aires: una historia agraria de la campaña bonaerense (1700-1830). Buenos Aires: Edicioines de la Flor, 1999.).18 18 Sobre a Justiça no Rio da Prata ao longo do final do século XVIII e da primeira metade do século XIX, ver também: FRADKIN, 2007; 2009.

Não se trata de adotar um modelo a-histórico em que a força das relações pessoais e familiares explicaria o fracasso da institucionalização de um estado "moderno" no Brasil, já bem criticado na historiografia (Vellasco, 2009VELLASCO, Ivan de Andrade. Clientelismo, ordem privada e Estado no Brasil: notas para um debate. In: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; CARVALHO, José Murilo de (orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.71-100.; Souza, 2009SOUZA, Jessé. A Ralé Brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009.). É certo que fatores como o mercado e a administração estatal tinham lógicas próprias e tiveram poderes constituintes na realidade social que se afirmaram ao longo do século XIX (Vellasco, 2009VELLASCO, Ivan de Andrade. Clientelismo, ordem privada e Estado no Brasil: notas para um debate. In: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; CARVALHO, José Murilo de (orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.71-100.). Esses fatores não podem ser reduzidos ao jogo das relações entre sujeitos e famílias. Contudo, no período em análise e mesmo depois, também não podem ser estudados sem elas. É interessante notar que tanto Mariano Teixeira quanto João Potro e Bárbara Luísa (que é referida várias vezes na documentação) lançaram mão tanto de instrumentos judiciais quanto de relações de reciprocidade para tentar fazer valer sua versão.

A judicialização do conflito não pode ser minorada. Só o fato dele ter sido levado à justiça, através de iniciativas das duas partes, mostra como o poder judiciário se consolidava e se difundia até os extremos meridionais do Brasil em meados do Oitocentos. Era um poder judiciário que fazia parte de um Estado que buscava centralizar-se e, em certos setores, ampliar suas margens de impessoalidade. Porém, em grande medida, estava ainda atravessado por relações pessoais e familiares (Sodré, 2009SODRÉ, Elaine Leonara de Vargas. A disputa pelo monopólio de uma força (i)legítima: Estado e Administração Judiciária no Brasil Imperial (Rio Grande do Sul, 1833-1871). Porto Alegre: PUCRS/2009.). Judicializar o conflito implicava em tomar um caminho não totalmente controlável pelas partes e sujeita, ao menos relativamente, a uma lógica própria da esfera judicial. Por outro lado, como se pode ver no caso de João Potro, é evidente que o desenrolar do caso no judiciário era fortemente influenciado pela importância social dos depoentes que se pudesse angariar, subsidiado pelo cabedal relacional originário de variadas esferas (guerra, vizinhança, compadrio, relações proprietário/agregado ou patrão/trabalhador).

Desde 1841, a legislação imperial instituía que os juízes municipais e de órfãos, presentes nos termos de comarca, seriam nomeados pelo Ministério da Justiça e deveriam ser bacharéis em direito. A busca era de uma profissionalização da magistratura e da redução das influencias locais sobre as decisões. Porém, como demonstrou Elaine Sodré, nem sempre se conseguia prover adequadamente esses cargos, especialmente nos locais mais afastados. E quando se conseguiam, muitas vezes os juízes ficavam afastados por longos períodos ou nem chegavam a assumir efetivamente e a função acabava sendo desempenhada por juízes substitutos. Estes costumavam estar imersos nas lutas políticas e podiam ser fazendeiros, comerciantes ou outros notáveis locais (Sodré, 2009SODRÉ, Elaine Leonara de Vargas. A disputa pelo monopólio de uma força (i)legítima: Estado e Administração Judiciária no Brasil Imperial (Rio Grande do Sul, 1833-1871). Porto Alegre: PUCRS/2009.). Esse era o caso dos três juízes de Alegrete que atuaram no caso de João Potro.

Luiz Ignácio Jacques, o terceiro dos juízes a atuar no caso, decidiu por duas vezes em favor de João Potro. Na primeira delas, produziu uma circunstanciada peça decisória, mesmo com a intervenção do presidente da província ao lado de Mariano Teixeira. Na segunda, tomou uma decisão claramente contrária à ordem presidencial de enviar João Potro para Caçapava. Luiz Ignácio Jacques era comerciante e fazendeiro em Alegrete. E, como já foi dito, era também cunhado de Sezefredo Nunes da Silva, o fazendeiro compadre da china Bárbara, que depusera a favor de João Potro. Além disso, militou no lado rebelde na Revolta Farroupilha, do mesmo modo que Davi Canabarro, Firmiano Luz e Zeferino Gonçalves Leal, membros das elites locais e regionais que se alinharam em favor de João Potro, ele que também fora "soldado farrapo". 19 19 AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência. Sobre as disputas entre as elites locais em Alegrete, ver PANIAGUA, 2012.

Palavras mal havidas em uma taverna de campanha

Em 02 de junho de 1854, Luiz Ignácio Jacques decidiu acolher o pedido do curador Francisco Jorge Ribeiro e "demorar a remessa" de João Potro para Caçapava. De um lado, cedia à pressão de Mariano Teixeira que vinha, pela segunda vez, armado de um despacho do presidente da província. Ao invés de liberar João, o juiz decidiu por mantê-lo sob custódia na cadeia da cidade até que se averiguasse, todavia, ali mesmo e não em Caçapava, sua verdadeira identidade. Por outro lado, como já dissemos, desobedecia frontalmente um despacho do presidente da província.

Sabemos o que ocorreu com João Potro nos meses seguintes através de uma correspondência enviada ao presidente da província pelo delegado de polícia de Alegrete, Libindo Nunes Coelho (irmão da testemunha Sezefredo Nunes e cunhado do juiz Luiz Ignácio Jacques). Em correspondência datada de 29 de outubro de 1855, o delegado lembrava ao presidente da província que estivera até então pendente a questão da insistência de Mariano Teixeira querer escravizar a João Joaquim Paes "a despeito de provas evidentes e convincentes". Explicava então que:

Tendo vindo a esta Vila a mãe do dito preso, Barbara Maria de Jesus, para ver seu filho, foi acometida de um ataque fortíssimo de pneumonia que quase a fez sucumbir como se vê do documento nº 1. Seu filho então com insistência pediu-me para ver sua mãe, e mesmo ajudar para cuidar dela, por ser demasiadamente pobre, e velha; e como se vê no documento nº 2, concedi-lhe licença para todos os dias ir ver sua mãe até que cessasse o perigo em que se achava.

Em um desses dias em que João fora ver sua mãe, ela pediu que ele procurasse uns ovos pelas chácaras da vizinhança. Tendo ido a uma venda das imediações da vila, encontrou-se com dois soldados do destacamento policial e com um civil (um "paisano") de nome Marcos. João quis fazer uma aposta com um dos soldados, mas o outro disse que não apostasse, pois isso era coisa de "moleques". João respondeu que todos ali eram "moleques" e que ele soldado era "o mais preto de todos". Nesse instante, os soldados jogaram-se sobre ele dando-lhe "tapas e pontapés e chicotadas e pedradas" até que o paisano Marcos se aproximou e desferiu-lhe uma facada.

De acordo com João José Reis, "denominava-se moleque ao negro menino ou adolescente" (Reis, 2008REIS, João José. Domingos Sodré - um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2008., p.108), podendo estar aí a causa da desavença. De todo modo, João Potro faleceu em virtude desses ferimentos, ainda que, segundo o delegado, tenham lhe prestado "todos os socorros possíveis".

Considerações finais

João Potro lutou por sua liberdade durante cerca de três anos. Para tanto, lançou mão de instrumentos diversos: fugiu do domínio de seus captores, apresentou-se à maior autoridade da fronteira, voltou para o convívio de sua família, mobilizou uma série de testemunhas, ingressou com uma ação judicial. Nesse período, Mariano Teixeira jamais deixou de tentar reaver quem ele considerava como seu escravo, também empreendendo meios diversificados, da violência física e emocional até requerimentos à presidência da província e medidas judiciais.

Os documentos que chegaram até nós são os vestígios dessa luta e também constituem pistas que nos permitem estudar aspectos importantes do mundo rural brasileiro no século XIX. Tanto mais em se tratando de uma região de fronteira e pecuária, cuja simplificação de sua estrutura social somente começou a ser posta em questão pela historiografia há cerca de duas décadas. Através dessa análise, foi possível reconstruir a trajetória de uma família subalterna, compor uma imagem mais completa do espaço social em que ela estava inserida, perceber as relações mobilizadas por ambos os lados da contenda, colhendo assim mais subsídios para entender a constituição e funcionamento das relações de reciprocidade vertical e horizontal, que eram elementos de grande importância naquele mundo.

A família, no caso, era a formada e chefiada pela "china" Bárbara Luísa. Casada no município de Caçapava com o pardo Manuel Joaquim Paes, por volta de 1833 migrou com seus filhos para um distrito de Alegrete, nos extremos da fronteira com o Uruguai. É possível que seu marido já tivesse falecido, mas não temos certeza disso, sabendo apenas que ele não acompanhou os seus. Instalaram-se na fazenda de Joaquim Ferreira Braga, possivelmente como posteiros. Depois, migraram para o Uruguai, quando o filho mais velho de Bárbara foi trabalhar como capataz em uma fazenda localizada naquele país. Retornaram alguns anos mais tarde, para o mesmo lugar de onde haviam partido, no segundo distrito de Alegrete. Não há dúvidas de que muitos dos peões que se justavam nas estâncias da fronteira eram homens jovens e solteiros, em muitos casos migrantes. Estudos recentes demonstraram que outra parte desses trabalhadores, porém, pertencia a famílias de pequenos produtores e apenas complementavam a remuneração que recebia por seu trabalho. O caso de Bárbara Luísa e seus filhos mostra que mesmo algumas dessas migrações compunham estratégias de sobrevivência familiares e que a família permanecia como referencial efetivo para muitos dos subalternos da fronteira ao longo de suas vidas.

De fato, em vários momentos da contenda, não aparece apenas João Potro, sendo notável a presença e atuação da família, especialmente de Bárbara Luísa. Eles mobilizaram uma gama heterogênea de relações de reciprocidade em seu favor. Primeiramente, relações verticais com a família proprietária das terras onde viviam. Essas relações se reiteraram no tempo mesmo com a migração temporária da família para o outro lado da linha de fronteira. Relações entre famílias, como fica bem claro na documentação. De um tipo parecido eram as relações verticais com o patrão para quem o irmão de João Potro trabalhara como capataz no Uruguai e que viera depor a seu favor quase vinte anos depois.

Era de se esperar encontrarmos relações entre proprietários e agregados, bem como entre patrões e peões. Esses eram territórios privilegiados de constituição de relações de reciprocidade vertical. Mas note-se, em primeiro lugar, que essas relações foram mobilizadas pelos membros dos estratos menos abastados. Foram os agregados e trabalhadores que movimentaram os compromissos de lealdade e proteção e conseguiram não apenas os testemunhos dos patrões, mas também de seus compadres e aliados. De outra parte, o reconhecimento da importância dessas relações não nos autoriza a encerrar aqui o assunto e desenhar aquele espaço social a partir de uma verticalização linear e automática: proprietários que eram também líderes militares e políticos de um lado, e agregados que eram também soldados e votantes no outro. Ligados a esses fatores estavam outros processos que também geravam relações de reciprocidade.

O primeiro deles era a vizinhança, tanto no que tange às relações com sujeitos da elite como com pessoas de semelhante posição social. As relações verticais de João e Bárbara não se restringiam àquelas tecidas com os proprietários de suas terras, como mostra a presença de Sezefredo Nunes - vizinho, fazendeiro e compadre de Bárbara - entre as testemunhas. A reiteração das relações por longo tempo, propiciadas pela vizinhança, no caso em estudo, parece ter sido decisiva para o alinhamento de várias testemunhas, uma vez que foi somente em Caçapava que o pretenso senhor Mariano Teixeira encontrou seus apoios, enquanto que em Alegrete todos os informantes arrolados estavam ao lado de João. Ainda que o Segundo Reinado tenha sido uma época de busca de centralização e racionalização da administração pública no Brasil, as relações sociais continuavam com forte influência mesmo sobre as esferas institucionalizadas de poder. Por seu turno, é relevante que ambas as partes da disputa tenham buscado judicializá-la. Porém, ao lado dessa medida, buscaram mover relações que poderiam influir nos rumos das decisões.

Outro dos processos geradores de relações de reciprocidade, nesse caso, foi a guerra. Ela aparece misturada à política, à administração e ao compadrio. Companheiros de luta de João Potro nos anos finais da Revolução Farroupilha (1835-1845), que também eram seus vizinhos no segundo distrito de Alegrete, foram à lide testemunhar em seu favor, dizendo que conheciam João "soldado farrapo".

Assim, na trajetória de João Potro, encontramos a importância da família e das migrações em busca de trabalho. A construção de relações de reciprocidade a partir dos proprietários das terras onde moravam, mas também da vizinhança e da guerra. E uma família subalterna que mobilizou todas essas relações em um momento de crise, desvelando a presença de um espaço social complexo. Nos dois lados do conflito, vemos a participação de diferentes esferas locais e regionais. Por sua vez, o trágico desfecho dessa história parece estar ligado apenas de maneira indireta à contenda contra Mariano Teixeira. Contudo, a faísca que ascendera a discussão que resultou na morte de João Potro mostra a ligação estrutural de todo esse caso com a questão da escravidão e das categorias de cor no Brasil escravista. Ela remete a outra questão central dessa história, ainda aberta para um novo trabalho.

  • 1
    Sobre a participação no (e as fugas dos escravos durante o) conflito: PETIZ, 2006PETIZ, Silmei de Sant'Ana. Buscando a Liberdade: as fugas de escravos da província de São Pedro para o além-fronteira (1815-1851). Passo Fundo: UPF, 2006.; THOMPSON FLORES, 2011THOMPSON FLORES, Mariana Flores da Cunha. Manejando soberanias: o espaço de fronteira como elemento na estratégia de fuga e liberdade (relativa) de escravos no Brasil meridional na segunda metade do século XIX. V Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, Porto Alegre, 2011.; CARVALHO, 2013CARVALHO, Daniela Vallandro de. Nas fronteiras da Liberdade: experiências negras de recrutamento, guerra e escravidão (Brasil Meridional - 1830-1850). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013..
  • 2
    Segundo seu curador, aquele homem era conhecido de todos na região onde morava pela alcunha nada lisonjeira de João Potro, mas era, na verdade, João Joaquim Paes. No processo, o sobrenome de João Joaquim ora aparece como "Paes", ora como "Paz" ou ainda "Pas". Para uma maior coesão textual, decidimos por manter apenas a primeira grafia.
  • 3
    Para a escravização de indígenas e o processo de miscigenação em período anterior ao analisado aqui, ver MONTEIRO, 1994MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994..
  • 4
    Sobre a metodologia utilizada: LEVI, 1992LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história. São Paulo: Editora da USP, 1992. p.133-161.; GRENDI, 2009GRENDI, Edoardo. Microanálise e história social. In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de (orgs.). Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: editora FGV, 2009. p.19-38..
  • 5
    Boas resenhas sobre esse debate, especialmente no que se refere ao Segundo Reinado, podem ser encontradas em: VELLASCO, 2009VELLASCO, Ivan de Andrade. Clientelismo, ordem privada e Estado no Brasil: notas para um debate. In: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; CARVALHO, José Murilo de (orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.71-100.; MARTINS, 2005MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de governar: um estudo sobe política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005. ; VARGAS, 2010VARGAS, Jonas Moreira. Entre a Paróquia e a Corte: os mediadores e as estratégias familiares da elite política do Rio Grande do Sul (1850-1889). Santa Maria: UFSM, 2010.. Dentre as obras clássicas, que contribuíram para a construção de diferentes interpretações: DUARTE, 1939DUARTE, Nestor. A ordem privada e a organização política nacional. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1939.; PRADO JR., 2004PRADO JR., Caio. A formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2004.; HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.; MATTOS, 1987MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987.; GRAHAM, 1997GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.; CARVALHO, 2003CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial - Teatro das Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2003.; DOLHNIKOFF, 2005DOLHNIKOFF. Miriam. O pacto imperial: origens no federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005.. Sobre as relações entre os homens livres pobres e entre eles e as elites, a partir de relações de conflito e de reciprocidade: FRANCO, 1974FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Ática, 1974.; MATTOS, 1998MATTOS, Hebe Maria. Das Cores do Silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista (Brasil, século XIX). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.; MOTTA, 2008MOTTA, Márcia. Nas Fronteiras do Poder. Conflito e direito a terra no Brasil do século XIX. Niterói: EDUFF, 2008.; PEDROZA, 2011PEDROZA, Manoela. Engenhocas da Moral: redes de parentela, transmissão de terras e direitos de propriedade na freguesia de Campo Grande (Rio de Janeiro, século XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2011..
  • 6
    Nesse caso, é importante beneficiar-se do grande avanço feito desde as décadas de 1970 e 1980 na história agrária brasileira, que vem mostrando a complexidade crescente das configurações sociais e econômicas das diversas regiões do Brasil, especialmente nos séculos XVIII e XIX. Estudos de contextos mais localizados, sem perder de vista que os problemas e perguntas devem ser amplos, podem mostrar a complexidade de espaços sociais dantes vistos de modo muito simplificado. Nos parecem interessantes trabalhos relativamente recentes que atentam para esse ponto. Entre outros: FRAGOSO, 1982FRAGOSO, João. Sistema Agrários em Paraíba do Sul: 1659-1920. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1982.; VERGOLINO; VERSIANI, 2003VERGOLINO, José Raimundo Oliveira; VERSIANI, Flávio Rabelo. Posse de escravos e estrutura da riqueza no Agreste e sertão de Pernambuco (1777-1887). Estudos Econômicos, vol. 33, n. 2, p.353-393, 2003.; BARICKMAN, 2003BARICKMAN, Bert Jude. Um contrapondo baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.; OSÓRIO, 2008OSÓRIO, Helen. O império português ao sul da América: estancieiros, lavradores e comerciantes. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.; GUEDES, 2008GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c.1798-c.1850). Rio de Janeiro: Mauad X/Faperj, 2008.; MARCONDES, 2010MARCONDES, Renato Leite. Diverso e Desigual: o Brasil escravista na década de 1870. Ribeirão Preto: Funpec, 2010.; FARINATTI, 2010; READ, 2012READ, Ian. The hierarchies of slavery in Santos, Brazil, 1822-1888. Stanford: Stanford University Press, 2012.; VARGAS, 2016VARGAS, Jonas Moreira. Os Barões do Charque e suas fortunas: um estudo sobre as elites regionais brasileiras a partir de uma análise dos charqueadores de Pelotas (Rio Grande do Sul, século XIX). São Leopoldo: Oikos , 2016.; MATHEUS, 2016MATHEUS, Marcelo Santos. A produção da diferença: escravidão e desigualdade social ao sul do Império brasileiro (Bagé, c.1820-1870). Rio de Janeiro: PPGH/UFRJ, 2016..
  • 7
    Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (doravante AHRS). Fundo Justiça, Alegrete. Correspondência do Juízo Municipal de Órfãos (doravante CJMO), Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.
  • 8
    O termo "china" podia designar mestiças ou então mulheres que tinham traços indiáticos. De acordo com José Joaquim Machado de Oliveira, que passou pela Capela de Alegrete no início do século XIX, momento em que havia uma grande movimentação de índios guaranis pela mesma região, "china" era a "mãe da família" dos guaranis. OLIVEIRA, José Joaquim Machado de. A Celebração da Paixão de Jesus Christo entre os Guaranis: Episódio de um Diário das campanhas do Sul. Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, IHGB, tomo IV, p.331-349, 1842.
  • 9
    AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. Correspondência do Juízo Municipal de Órfãos, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.
  • 10
    Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.
  • 11
    AHRS. Fundo Câmaras Municipais, Alegrete, Documentação Recebida, maço 18. "Lista dos Cidadãos Votantes e Elegíveis do Distrito, assim como o nº dos fogos", 1846.
  • 12
    Na lista, aparece um Serino Paes, agregado, não era votante nem elegível, não sabia ler e escrever, morador do terceiro quarteirão. Talvez fosse um dos irmãos de João Joaquim e aparecia como chefe do domicílio onde residia também Bárbara Luísa.
  • 13
    A testemunha Leandro Martín diz que sabia que Bárbara era casada, mas não conheceu o marido. Zeferino Leal e outros dizem que João chegou a Quarai em companhia da mãe e irmãos, mas não menciona o pai. No batismo de João, consta ser filho legítimo de Joaquim Paes, pardo, e Bárbara Luísa. Não sabemos se Joaquim ainda era vivo quando da migração da família. AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.
  • 14
    AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.
  • 15
    Sobre um caso parecido, isto é, de uma suposta tentativa de (re)escravização que envolveu lealdades construídas em uma guerra pretérita e em que as partes lançaram mão de relações com autoridades de diferentes níveis (locais e provinciais), ver ARAÚJO, 2008ARAÚJO, Thiago Leitão de. Escravidão, fronteira e liberdade: políticas de domínio, trabalho e luta em um contexto produtivo agropecuário (vila de Cruz Alta, província do Rio Grande do Sul, 1834-1884). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008. , subcapítulo 2.5.
  • 16
    AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.
  • 17
    AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência.
  • 18
    Sobre a Justiça no Rio da Prata ao longo do final do século XVIII e da primeira metade do século XIX, ver também: FRADKIN, 2007FRADKIN, Raúl (org.). El poder y la vara. Estudios sobre la justicia y la construcción del Estado en el Buenos Aires rural. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2007.; 2009FRADKIN, Raúl (org.). La ley es tela de araña: lei, justicia y sociedad rural en Buenos Aires (1780-1830). Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009..
  • 19
    AHRS. Fundo Justiça, Alegrete. CJMO, Luís Inácio Jaques, 1855. Todas as próximas informações foram retiradas desse documento, salvo nova referência. Sobre as disputas entre as elites locais em Alegrete, ver PANIAGUA, 2012PANIAGUA, Edson Romário Monteiro. A construção da Ordem Fronteiriça: grupos de poder e estratégias eleitorais na Campanha Sul-Rio-Grandense (1852-1867). São Leopoldo: PPGH/Unisinos, 2012..

Agradecimentos

Agradecemos aos colegas do Grupo de Pesquisa CNPq 'Sociedades e Hierarquias no Brasil Meridional (1750-1930)', especialmente Jonas Vargas e Max Ribeiro pela leitura prévia e comentários. Também a Paulo R.S. Moreira pelas observações feitas a parte desse texto apresentada em evento acadêmico. Por fim, agradecemos aos pareceristas anônimos pelas suas importantes contribuições e avaliação. Os eventuais problemas do texto são, naturalmente, apenas de responsabilidade dos autores.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2017
  • Revisado
    03 Jul 2017
  • Aceito
    14 Jul 2017
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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