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Entre Fênix e Ceres: A grande aceleração e a fronteira agrícola no Cerrado

Resumo

Este artigo tem por objetivo discutir a história do avanço da fronteira agrícola em direção aos campos cerrados e seu papel na intensificação da ação humana relativa aos processos de governança dos ciclos biogeoquímicos - a Grande Aceleração. Mais especificamente, este trabalho discute como a pesquisa em fertilidade dos solos, o incentivo à migração sulista e a intensificação da monocultura ocuparam papel central na ruptura com os processos tradicionais de ocupação de campos e savanas na região central do Brasil. Por fim, observa-se como tais elementos serviram como instrumento para a consolidação de programas de desenvolvimento não limitado aos cerrados, mas também como modelos para a expansão agrícola em áreas de savana nos continentes americano e africano.

Palavras-chave
Grande Aceleração; cerrados; fronteira agrícola

Abstract

This article discusses the history of the advance of the agricultural frontier in the Brazilian Cerrado and its role in the intensification of human action related to the biogeochemical cycles of the Great Acceleration. More specifically, this work discusses how soil fertility research, the motivation for internal immigration from Southern Brazil to the Cerrado and the intensification of monoculture played a central role in the rupture with traditional processes of cultivation and occupation of the fields and savannas of Central Brazil. Finally, this article discusses how these elements worked as an instrument for the consolidation of development programs not only for Brazil's savannas, but also as a model for agricultural expansion in savanna areas in the American and African continents.

Keywords
Great Acceleration; cerrado; agricultural frontier

Introdução: Fênix e Ceres nos sertões brasileiros

O crescimento da presença brasileira no contexto global coincide com a Grande Aceleração (Pádua, 2017PÁDUA, José Augusto. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, Liz-Rejane; LÉNA, Phillipe. Brazil in the Anthropocene. Conflicts Between Predatory Development and Environment Policies. London: Routhledge, 2017., p.37). Entre os anos de 1900 e 2000, a população do país cresceu dez vezes, alcançando a marca de 170 milhões de habitantes; por outro lado, as grandes transformações socioambientais do país vêm acontecendo, em realidade, desde 1945 (Pádua, 2017PÁDUA, José Augusto. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, Liz-Rejane; LÉNA, Phillipe. Brazil in the Anthropocene. Conflicts Between Predatory Development and Environment Policies. London: Routhledge, 2017., p.37). Este artigo tem por objetivo discutir como a expansão agrícola para os cerrados1 1 Utilizo Cerrado com "C" maiúsculo em referência ao bioma, enquanto o termo cerrado com "c" minúsculo refere-se às formações campestres, objeto principal para este artigo. da região central do Brasil marcou um ponto de inflexão para o que McNeil e Engelke chamam de Grande Aceleração, ou seja, os processos de governança dos ciclos biogeoquímicos - ciclos carbono, enxofre e nitrogênio - intensificados pela ação humana e que formam um conjunto interligado de processos com consequências globais no que se refere ao impacto no planeta e na biosfera (McNeil; Engelke, 2014McNEILL, John R.; ENGELKE, Peter. The Great Acceleration. An Environmental History of the Anthropocene Since 1945. Cambridge: Harvard University Press, 2014., p.4). O avanço da fronteira agrícola tem uma conexão direta com a aceleração destes ciclos, embora as savanas, florestas e campos que compõem o bioma tenham experienciado uma intensa trajetória de modificação antrópica ao longo dos séculos, seja através do manejo tradicional, da mineração, agricultura de subsistência, pecuária, projetos de colonização ou através da construção de vilas ou cidades (Ribeiro, 2006RIBEIRO, Ricardo Ferreira. Sertão, lugar desertado. O Cerrado na cultura de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autentica, 2006.). Por outro lado, este artigo concentra-se em analisar a história de elementos específicos que "personificaram" uma ruptura com as formas tradicionais de manejo dos campos e permitiram tecnicamente o avanço de projetos de modernização agrícola a partir de uma nova dinâmica: pesquisa em fertilidade de solos, incentivos para a migração de agricultores oriundos da região Sul do Brasil e, por fim, a introdução de monocultivos em larga-escala, especialmente a soja (Glycine Max). Se a expansão territorial brasileira foi vista como uma solução para os impasses do "desenvolvimento" (Issberner; Léna, 2017ISSBERNER, Liz-Rejane; LÉNA, Phillipe. Brazil in the Anthropocene. Conflicts between Predatory Development and Environment Policies. London: Routhledge, 2017., p.6), a busca por fertilizantes e agricultores "aptos" para a intensificação da monocultura foram respostas decisivas dos governos e do nascente agribusiness aos desafios do ambiente, permitindo tecnicamente a criação de uma nova forma de organização da produção.

Estes diferentes elementos - cuja influência na "conquista do cerrado"2 2 A expressão "conquista do cerrado", ideia bastante difundida dentre os defensores do agrobusiness de escala industrial, representa uma interpretação otimista e pouco crítica da história de conversão de grandes áreas de terras "fracas" ou inférteis em agricultáveis através de uma combinação entre pesquisa intensiva, programas governamentais e incentivos da iniciativa privada. Evoca, de forma análoga, o processo de conquista do wilderness, conhecido na historiografia principalmente através de influentes autores como Frederick Jackson Turner. De maneira semelhante ao historiador estadunidense, estes textos constroem, reforçam ou se apropriam de narrativas heroicas para, neste caso, demonstrar o poder e a inventividade dos pesquisadores na transformação de um ambiente "inóspito" em "civilizado" e apto para a agricultura em larga escala. é consenso entre entusiastas do agronegócio e pouco discutido de forma global entre historiadores ou cientistas sociais - alavancaram o crescimento do chamado agribusiness em terras até então consideradas inférteis, reconfigurando o ambiente e as relações de poder na sociedade. Em outras palavras, a pesquisa em fertilidade dos solos, a monocultura e o incentivo à migração - somados a outros fatores em curso desde o Império, como a pecuária extensiva - desencadearam um amplo processo de ocupação do território, com o intuito de intensificar a exploração econômica não apenas em áreas de matas, mas também em campos e savanas. E justamente neste aspecto identifica-se uma cisão: uma vez que o Cerrado é composto por um rico mosaico de fitofisionomias, variando desde áreas abertas onde predominam gramíneas e pequenos arbustos até florestas, o avanço sobre as matas (aproximadamente 32% do bioma) foi experimentado em época anterior à Segunda Guerra Mundial (Dutra e Silva, 2017SILVA, Claiton Marcio. Modernizar é preciso. Pensamento social e mudança no Brasil rural (1944-1954). Revista de História Iberoamericana, vol. 17, n. 64, p.195-209, 2017.). Já as formações savânicas, que alcançam 61% do bioma e as formações campestres (7%) (Critical Ecosystem, 2016, p.41) não eram apreciadas para o uso agrícola até a década de 1950.

Com a mudança da percepção sobre a fertilidade das terras e o avanço da agricultura, cada vez mais relacionada com a pecuária, relatórios técnicos apontam a dinâmica da Grande Aceleração nos Cerrados: "a região passa por mudanças aceleradas. A construção da nova capital em Brasília no final dos anos 1950 intensificou o processo de ocupação da fronteira agrícola no coração do Cerrado".3 3 CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. [s.l], ISPN/ Conservação Internacional, abr. 2016. p.26 Como resultado, esta expansão agrícola combinada com as inovações da pecuária geraram um efeito que não é apenas local, mas global e que ainda está em curso. Nota-se, por exemplo, o aumento da emissão de dióxido de carbono - decorrentes do aumento do desmatamento e das queimadas - e um significativo aumento populacional, que atinge 43 milhões de habitantes.4 4 CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. p.26

Desta forma, a intensificação da produção agropecuária nos campos e savanas que compõe o Cerrado são elementos essenciais para a análise dos processos de introdução de tecnologias e infraestrutura que formaram a Grande Aceleração brasileira através da participação de organizações nacionais e internacionais. Também este tema contribui para o debate sobre as concepções destas modificações, a circulação e seus pontos de inflexão: os projetos migratórios, a difusão das técnicas e tecnologias em fertilização dos solos e a sojicultura são amostras fundamentais desta história. Por fim, nesta experiência identifica-se uma contribuição essencial para o debate sobre como os sistemas locais induzem mudanças ambientais em escala ampla, global, tanto nos ecossistemas quanto na maneira de utilização de recursos. Neste quesito, a Grande Aceleração nos cerrados e sua profunda ligação com o avanço da agropecuária gerou singularidades que não se resumem apenas a estes territórios, pois se transformaram em programas de intensificação agrícola "exportados" para Paraguai, Indonésia, El Salvador ou Moçambique: um sistema de trocas desigual, onde o Estado brasileiro, organizações internacionais e representantes do agrobusiness industrial promovem acordos de cooperação técnica permeados por políticas de desmatamento, pelo uso de agrotóxicos em larga escala e pela intensificação da monocultura.5 5 Os sojicultores brasileiros expandiram seus negócios em terras paraguaias durante a ditadura de Alfredo Stroessner, no mesmo período de expansão da fronteira agrícola nos cerrados. Durante a década de 1980 e 1990, o IRI Research Institute (IRI), instituição estadunidense fundada por Nelson Rockefeller (1908-1979) que realizou pesquisas em fertilização dos solos do cerrado, deu suporte à experimentos na Indonésia e El Salvador. Na atualidade, um modelo de intervenção agrícola gerado a partir das experiências nos cerrados brasileiros avança sobre o Corredor de Nacala, em Moçambique (Programa ProSavana). Em comum, grande parte destas áreas são compostas de terras devastadas pelo uso continuo sem as práticas de fertilização indicadas ou, por outro lado, são áreas de savana, que apresentam alto teor de alumínio e outros componentes que limitam o crescimento das plantas. Mais especificamente, o ProSavana objetiva "to transform the agricultural sector in northern Mozambique along the Nacala Corridor into a competitive and sustainable industry, by promoting private investments in cooperation with the public sector. That transformation has potential impacts on the Mozambican forest ecosystem dominated by leguminous miombo tree species and the economic interests of people who derive benefits from those forests" (EKMAN; MACAMO, 2014, p.7). Algumas críticas sobre o programa surgiram logo após seu início: "Although the area is sparsely populated, native communities are reported to have been marginalized. Another critique of the agrarian development is that it threatens the indigenous savanna and its biodiversity. Such criticisms raise the questions of whether it is desirable to replicate the Cerrado model in northern Mozambique, and, indeed, if it is replicable at all, given the socioeconomic and environmental diferences between the two regions" (EKMAN; MACAMO, 2014, p.7). Mais especificamente, o ProSavana tem suas origens no programa de cooperação Brasil/Japão chamado PRODECER, implementado na região dos cerrados nas décadas e 1970 e 1980. Nesta perspectiva, através do desenvolvimento e aplicação de tecnologias, as savanas com solos inférteis se transformaram em um ponto central (ou hub) agrícola global (Ekman; Macamo, 2014EKMAN, Sigrid-Marianella Stensrud; MACAMO, Carmen Stella. Brazilian Development Cooperation in Agriculture. A Scopng Study on ProSavana in Mozambique, with Implications for Forests. Bogor (Indonesia): CIFOR, 2014., p.7).

Em termos de contexto histórico, a transformação dos cerrados em área agrícola representa certa continuidade em relação aos desafios de conversão de grandes extensões de área consideradas inférteis em agro cultiváveis. Em meados do século XIX, o desenvolvimento das pradarias (ou Tall Grass Prairies), a área conhecida como o "Grande Deserto Americano", considerada incapaz de suportar o assentamento de colonos, iniciou um processo de transformação intensivo. Com o advento de tecnologias como o arado de aço, o ceifador e a colheitadeira, criou-se um verdadeiro "celeiro" para o fornecimento de grãos para os Estados Unidos. Mesmo com singularidades, a transformação dos cerrados se conecta a outras tentativas globais de conversão de ambientes marginais em poderosos sistemas de produção agrícola, moldados a partir de expectativas mais globais do que locais.6 6 Sobre este tema, ver especificamente CRONON, 1991 e BELICH, 2009.

Aqueles que observam o Cerrado como um modelo global de intervenção na atualidade têm dificuldade em retroceder às percepções predominantes na decada de 1950, quando os solos ácidos e pouco produtivos desafiavam a imaginação dos grupos interessados em uma nova reconfiguração da ocupação destes vastos territórios. Por esta razão, um debate sobre os ideais que permeavam instituições e agentes históricos no final da década de 1950 e início da década de 1960 se faz necessário. Por exemplo, em 1957 o geógrafo brasileiro Esperidião Faissol argumentou que, no que tange à produção agrícola, o Brasil se encontrava em uma encruzilhada: "Por quatro séculos, a agricultura brasileira tem-se restringido às áreas de floresta tropical", notadamente a Mata Atlântica. Assim, "chegou o momento em que esta floresta, em áreas ainda disponíveis e acessíveis, já não deve ser usada para continuação da expansão agrícola".7 7 FAISSOL, Esperidião. O problema do desenvolvimento agrícola do Sudoeste do Planalto Central do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia, ano XIX, n. 1, jan./mar. 1957. p.5. Contando com a colaboração do geógrafo alemão Leo Waibel e do também geógrafo norte-americano James Preston durante a realização de sua pesquisa de campo no Centro-Oeste brasileiro entre 1946 e 1952 (Dutra e Silva, 2017SILVA, Claiton Marcio. Modernizar é preciso. Pensamento social e mudança no Brasil rural (1944-1954). Revista de História Iberoamericana, vol. 17, n. 64, p.195-209, 2017.), Faissol salientou a necessidade de escolhas associadas aos novos rumos dos projetos de desenvolvimento nacional: "O problema agora é o de decidir sobre a conveniência de se tentar um rejuvenescimento da agricultura nas áreas florestais devastadas ou a utilização agrícola do campo cerrado".8 8 FAISSOL, Esperidião. O problema do desenvolvimento agrícola do Sudoeste do Planalto, p.5. A primeira opção demandaria, além da ampliação de recursos financeiros, a larga aplicação de técnicas já conhecidas como a calagem, os fertilizantes comerciais ou a tradicional adubação animal, com o desafio de restaurar níveis de fertilidade semelhantes ao período anterior à expansão agrícola. Por outro lado, a utilização de grandes extensões de savanas e campos na região dos cerrados - que somam 68% da área total de 2 milhões de quilômetros quadrados, localizados na parte central do território brasileiro - demandaria grandes investimentos financeiros e aprimoramento das técnicas de fertilização. Enquanto a ideia de conquista do Oeste - ou de uma espécie de Eldorado (Ribeiro, 2002RIBEIRO, Ricardo Ferreira. O Eldorado do Brasil central: história ambiental e convivência sustentável com o Cerrado. In: ALIMONDA, Héctor (ed). Ecologia política: naturaleza, sociedad y utopia. Buenos Aires: CLACSO, 2002.) - permanecia no imaginário social após a Segunda Guerra Mundial, por outro lado o desenvolvimento de práticas agrícolas em escala comercial nos cerrados parecia mais um salto no escuro. Intelectuais à serviço do estado brasileiro como Faissol (chefe da seção Centro-Oeste do Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia) argumentavam de forma paradoxal: ao passo que existia certo otimismo sobre o potencial de aumento da oferta de produtos agrícolas, estes grupos deparavam-se com uma forte resistência do ambiente: a baixa fertilidade dos solos dos campos cerrados.

Quatro séculos e meio após o início do processo de conquista europeia, das resistências e dos intercâmbios, os campos e savanas continuavam desafiando as sociedades que por seus domínios adentravam. Em olhar retrospectivo ao momento em que Faissol publicou seu texto (1957), as sociedades locais e o Estado Nacional já haviam elaborado técnicas específicas de manejo do ambiente para cada característica que poderia frustrar o avanço da "civilização" sertão adentro. Utilizando-se destes conhecimentos, o clima adverso, os animais perigosos, a vegetação inóspita e as tribos indígenas consideradas selvagens, foram controladas ou exterminadas a partir do avanço da sociedade colonial: com a construção de casas com ventilação e perto de riachos para amenizar o calor e o clima seco, da caça ou matança de animais, da derrubada de árvores e abertura de clareiras e passagens ou estradas, assim como o aldeamento ou extermínio de populações indígenas. As manchas de mata permitiram o avanço da agricultura extensiva a partir da década de 1920, requerendo a contínua derrubada de florestas e a utilização da cinza vegetal como corretivo da acidez do solo ou como fertilizante. A agricultura tradicional praticada no Brasil, baseada nas técnicas indígenas e sertanejas de derrubada e queima de matas, representaria de forma metafórica a geração de alimentos para a continuidade da vida através das cinzas advindas de queimadas e destruição: uma Fênix vagando pelos sertões brasileiros. Ademais, os intelectuais, as elites econômicas e os grupos que exerciam a hegemonia política ansiavam encontrar com outra entidade mitológica naqueles sertões: Ceres, a deusa romana da fertilidade, que coincidentemente dá nome a um município, originado a partir da instalação da Colônia Agrícola de Goiás (CANG) em 1941 (Dutra e Silva, 2017SILVA, Claiton Marcio. Modernizar é preciso. Pensamento social e mudança no Brasil rural (1944-1954). Revista de História Iberoamericana, vol. 17, n. 64, p.195-209, 2017.). Assim sendo, a baixa fertilidade dos campos e savanas para o desenvolvimento de agricultura em larga escala constituía um desafio fundamental para a ocupação efetiva do cerrado e a conversão de suas matérias naturais em recursos econômicos. Pouco tempo depois, no início dos anos 1970, graças à uma combinação de pesquisa em fertilidade de solos, adaptação de cultivos em terras ácidas e incentivo migratório, os campos e savanas do Brasil Central foram reconfigurados com o incremento da produção agrícola.

Fig. 1
Percepção do ambiente Brasileiro: "Área de campo cerrado no Estado de Goiás. Esta vegetação nativa é típica de vastas áreas do Brasil, incluindo o lugar de construção da nova capital. Cortesia do Rockefeller Archive Center.

Em suma, a transformação das formações savânicas e campestres do cerrado em terras agricultáveis acelerou em grande parte o processo de ocupação e de modificação do ambiente, favorecendo a intensificação dos processos de urbanização e o avanço da fronteira agrícola, principalmente após a década de 1970. Uma vez que o avanço da fronteira em direção aos cerrados é anterior ao início da Segunda Guerra Mundial, exemplificado através de programas de Estado como a Marcha para o Oeste durante o Estado Novo (1937-1945), três fatores relativamente novos foram fundamentais para estas mudanças e constituem o foco deste artigo: as pesquisas e experimentos em fertilidade dos solos, o processo migratório de agricultores provenientes da região Sul do Brasil, assim como a introdução e adaptação de variedades de plantas. Estas três dimensões estão conectadas por contextos em comum: os desafios propostos pelo ambiente "inóspito" e as diferentes respostas dos distintos grupos sociais, em específico as dificuldades de construção de modelos de fertilidade para os solos; os subsídios nacionais e internacionais para a ocupação e exploração econômica dos cerrados; e, por último,os obstáculos para adaptação, a falta de comunicação, as resistências humanas e não-humanas, demonstrando que este o processo de "conquista" do Cerrado não foi uma tarefa racionalmente organizada e de pleno êxito.

Este artigo se divide em três seções: em um primeiro momento, abordarei o papel fundamental das ciências do solo na mudança da percepção sobre a fertilidade dos solos ácidos destas formações campestres e savânicas. Em seguida, concentrarei o debate na experiência dos migrantes sulistas, suas experiências em agricultura e a preferência por parte de governos e instituições por este grupo social. Por fim, este artigo trata do processo de introdução e adaptação de plantas e a posterior construção de modelos pautados na monocultura. De início, abordarei como o processo de introdução e intensificação de experimentos visando a fertilização de solos de campos cerrados iniciou, na verdade, a partir da tentativa de recuperação dos solos dos cafezais cultivados desde as primeiras décadas do século XX em uma região de Mata Atlântica, no estado de São Paulo.

Um turning point: a pesquisa em fertilidade dos solos

Para McNeil e Winiwarter, a sobrevivência, a prosperidade e o poder de qualquer comunidade agrícola depende do seu bom desempenho em solucionar o problema da perda de nutrientes ao longo do tempo (McNeil; Winiwarter, 2010McNEILL, John R.; WINIWARTER, Verena (eds). Soils and Societies: Perspectives from Environmental History. Cambridge: The White Horse Press, 2010., p.2). Uma questão inversa, no entanto, guiou a expansão agrícola para os cerrados: não se tratava do melhoramento nos níveis de fertilidade ou de repor os nutrientes dos solos, mas basicamente "construir" uma fertilidade inexistente. Depois, os resultados satisfatórios destes experimentos de conversão das terras de cerrados para a agricultura imprimiram uma nova configuração na forma do uso da terra, abrindo extensas áreas de campos e savanas do Brasil Central para o cultivo em larga escala. Se a percepção de pesquisadores brasileiros e estrangeiros sobre os solos de cerrado estava centrada em uma ideia de infertilidade, a atuação do IRI Research Institute (IRI) a partir de um programa de recuperação de solos de cafeeiros degradados pelo cultivo intenso somado à inadequada reposição de nutrientes modificou esta ideia na segunda metade da década de 1950. Esta experiência, que serviu como um modelo para a formulação de uma ciência básica para os solos de cerrados é, antes de tudo, fruto de condições inesperadas, quase aleatórias. Requereu certo improviso de pesquisadores que, ao falharem em traduzir os experimentos em resultados econômicos satisfatórios para seus financiadores, buscaram transpor os resultados da pesquisa realizada em cafezais para os solos ácidos.

Na chegada ao Brasil no início da década de 1950, os técnicos do IRI Research Institute (IRI) priorizaram a regeneração de solos de cafezais no interior do estado de São Paulo. Este instituto, parte integrante de um projeto idealizado pelo multimilionário estadunidense Nelson Rockefeller, envolveu a criação de instituições voltadas à inserção de elementos de modernização agrícola, como maquinário, fertilizantes, introdução de sementes híbridas de milho, raças de gado e suínos. Rockefeller buscava estrategicamente convencer os governos locais a partir de uma premissa: o desenvolvimento econômico passaria necessariamente pelo aumento da produtividade e pela construção de uma infraestrutura de escoamento dos produtos, organizados por um sistema de pesquisa e de extensão rural, semelhante ao dos Estados Unidos.9 9 Sobre a atuação de Nelson Rockefeller no Brasil, ver COBBS, 1988; SILVA, 2015; e TOTA, 2009.

A degradação dos solos outrora férteis em regiões de Mata Atlântica decorre do processo expansionista cafeeiro para o município de Matão, região Alto-Araraquarense, iniciada nas últimas décadas do século XIX. Esta ampliação baseou-se no avanço da fronteira agrícola através de um modelo de grandes fazendas, substituição do trabalho escravo por imigração europeia, predominando um sistema tradicional de produção de café. Este modelo seguiu cumprindo etapas semelhantes ao período colonial: "a derrubada da mata, a queima da madeira e o plantio da lavoura nas áreas desmatadas". Deste modo, a fertilidade natural do solo era explorada por 20 ou 30 anos e "após esse período, a produtividade geralmente declinava abaixo do ponto de interesse, quando então as áreas eram abandonadas e destinadas a pastagens e exploração da pecuária" (Lopes; Guilherme, 2007LOPES, Alfredo Scheide; GUILHERME, Luiz Roberto Guimarães. Fertilidade do solo e produtividade agrícola. In: NOVAES, Roberto Ferreira et alli. Fertilidade do solo. Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), 2007. p.25-6., p.26-27). Como demonstrou Warren Dean, este declínio da fertilidade dos solos e da produtividade está ligado a uma maneira de organizar a produção utilizada desde os tempos da expansão cafeeira para a região, pautada primordialmente em técnicas de derrubada e queima de mata, plantio intermitente sem reposição de nutrientes, ou a utilização de plantas de diferentes origens em canteiros sem ordenação, por exemplo (Dean, 1995DEAN, Warren. A ferro e fogo. A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p.200).

Com as crises do mercado do período entre guerras, grande parcela de fazendeiros do Oeste paulista - e do Brasil em geral - não adotaram inovações técnicas tanto na organização do trabalho quanto na pesquisa de variedades de plantas ou de fertilização dos solos. Em 1950, o primeiro relatório técnico do IRI direcionado aos seus diretores de Nova York desenhou uma situação praticamente caótica, onde os solos se encontravam devastados, as técnicas de produção eram rudimentares e a pesquisa agrícola era praticamente inexistente: as "cicatrizes na paisagem" demonstravam os constantes "abusos sofridos pela terra"; os cafezais da região, de acordo com o relatório, eram plantados em terrenos íngremes, "onde a terra nua erode fortemente com cada sucessiva estação chuvosa"; o cultivo contínuo empobreceu os recursos de nutrientes e matéria orgânica que a "natureza generosa" concedeu. Por fim, os técnicos afirmam que a terra resistiu a esse abuso por aproximadamente 100 anos.10 10 IBEC Research Institute. Progress Report: Brazil Operations. Jun. 01, 1951. p.2.

Em 1951, o IRI estabeleceu um termo de cooperação com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e com a Fazenda Cambuhy, em Matão, estado de São Paulo. A escolha da fazenda Cambuhy, localizada a aproximadamente 200 quilômetros de Campinas, teria facilitado o processo de experimentação, uma vez que existiam dados sobre os "fertilizantes utilizados, danos de geadas, custos de produção, preços de vendas e outras variáveis" (Lopes; Guilherme, 2007LOPES, Alfredo Scheide; GUILHERME, Luiz Roberto Guimarães. Fertilidade do solo e produtividade agrícola. In: NOVAES, Roberto Ferreira et alli. Fertilidade do solo. Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), 2007. p.25-6., p.25-26). Os experimentos concentravam-se em uma parte da fazenda de aproximadamente 23.000 alqueires paulistas (2,42 hectares), destinada por seus associados aos experimentos agrícolas do IRI. Nesta parte da fazenda, o IRI construiu uma estufa para introdução e adaptação de plantas, em especial pastagens, em escala comercial. Enquanto uma parcela da estrutura de campo para a pesquisa foi disponibilizada em Matão, outra seção foi desenvolvida em Campinas, com o assessoramento do IAC.

Fig.2
Condição típica de plantio de café "exaustos". Cortesia do Rockefeller Archive Center.

O Rockefeller Brothers Fund (RBF), interessado na expansão da pesquisa em alimentos básicos (basic crops), concedeu suporte financeiro às pesquisas do IRI, possibilitando a contratação de técnicos norte-americanos para gerir os experimentos, assim como auxiliou no pagamento das despesas de contratação de técnicos brasileiros, na construção de laboratórios e estrutura de experimentação em fazendas - abrigos para os pesquisadores, estufas para introdução e adaptação de plantas. Contudo, após os primeiros cinco anos de pesquisas, os técnicos do IRI não apresentaram resultados técnicos otimistas ao RBF em relação ao aumento da produção de café. Em resumo, todo o esforço de recuperação da fertilidade dos solos esbarrava ou em questões ecológicas, como geadas ou queimadas e falta de profissionais, ou, principalmente, em não estabelecer níveis de produtividade semelhantes às "terras virgens" do Paraná.11 11 IBEC Research Institute. Report of 1953. New York: IRI, Jun. 16, 1953. p.5. Ou seja, os técnicos do IRI chegaram à conclusão de que o processo de fertilização dos solos dos cafezais não atingiria os mesmos níveis de produtividade das terras paranaenses, pontuando-se a resistência na aplicação das inovações baseadas em utilização de calcário, fertilizantes NPK e micronutrientes, por parte dos fazendeiros: "Embora outros experimentos práticos com café na Fazenda Cambuhy tenham resultado em aumento de produtividade", afirmou o agrônomo estadunidense Jerome Harrington, ex-diretor do IRI, "os esforços na recuperação de plantas velhas e decadentes nos solos degradados do Estado de São Paulo não atingiram os níveis de produção comparáveis aos obtidos nos cafezais implantados nas terras recém desmatadas e virgens da região Norte do Paraná" (Harrington; Sorenson, 2004HARRINGTON, Jerome; SORENSON, Bill. O desenvolvimento das terras de cerrado do Brasil: a experiência do IRI. São Paulo: Agronômica Ceres/Instituto de Pesquisas IRI, 2004., p.7-8).

Assim a decisão de investimento na estrutura de pesquisa do IRI deparava-se com o seguinte dilema: abandonar o projeto ou encontrar novas aplicações para os experimentos até então realizados. Os diretores do IRI no Brasil, com certo improviso, optaram por demonstrar otimismo em seus relatórios, enquanto aguardavam a chegada de um especialista em fertilidade de solos com experiência em terras degradadas.12 12 IRI Research Institute. Report: November 1950 to December 1956. Collection IRI, Record Group 3.1, Box 477, Folder 2903. p.3. Em 1955, o norte-americano Andrew Colin McLung, foi integrado à equipe e, em seguida, alguns experimentos em fertilização dos cafezais foram transpostos para a produção agrícola em terras de campos cerrados na região da Fazenda Cambuhy.

Quando o programa em fertilidade dos solos iniciou em 1956, seu objetivo inicial era identificar os fatores relevantes na fertilidade do solo para o desenvolvimento de outras culturas da época com ciclo menor ou igual a três meses, levantando "um largo espectro de possíveis tratamentos" que poderia ser avaliado nas estufas (Harrington; Sorenson, 2004HARRINGTON, Jerome; SORENSON, Bill. O desenvolvimento das terras de cerrado do Brasil: a experiência do IRI. São Paulo: Agronômica Ceres/Instituto de Pesquisas IRI, 2004., p.11). A partir da resposta dos cultivos, os experimentos de campo foram então instalados com "milho, soja e algodão, com duração aproximada de até seis meses" (Harrington; Sorenson, 2004HARRINGTON, Jerome; SORENSON, Bill. O desenvolvimento das terras de cerrado do Brasil: a experiência do IRI. São Paulo: Agronômica Ceres/Instituto de Pesquisas IRI, 2004., p.9-10). Em 1958, ainda de acordo com o ex-diretor do IRI, "já existia uma quantidade suficiente de resultados em vasos que justificasse o início de uma bateria intensiva de experimentos de campo" (Harrington; Sorenson, 2004HARRINGTON, Jerome; SORENSON, Bill. O desenvolvimento das terras de cerrado do Brasil: a experiência do IRI. São Paulo: Agronômica Ceres/Instituto de Pesquisas IRI, 2004., p.10). Escolhendo duas localidades de cerrado - uma em São Paulo e outra próxima à Anápolis, estado de Goiás - os cultivos de algodão e soja serviram como plantas-teste. Os resultados obtidos nas produções desses canteiros indicaram que estes solos "eram muito deficientes em diversos nutrientes e que estas respondiam prontamente ao uso de calcário e de fertilizantes" (Harrington; Sorenson, 2004HARRINGTON, Jerome; SORENSON, Bill. O desenvolvimento das terras de cerrado do Brasil: a experiência do IRI. São Paulo: Agronômica Ceres/Instituto de Pesquisas IRI, 2004., p.10). No final da década de 1950 e início da década seguinte, o IRI publicou uma série de boletins técnicos voltados ao cultivo em áreas de Cerrado. Mas aos poucos, os experimentos foram descontinuados, principalmente a partir da saída de McClung para trabalhar junto à Fundação Rockefeller na Colômbia em 1960.

Fig. 3
Experimento usando fertilizante NPK (à esquerda) e NPK e Enxofre (à direita). Cortesia do Rockefeller Archive Center.

Com este fato, o IRI diminui o seu leque de atividades, concentrando-se principalmente em pesquisas relacionadas a produtos tropicais. Em 1961, o Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária (IPEACO), em Sete Lagoas, Minas Gerais, realizou a "1ª Reunião Brasileira do Cerrados" e, no ano seguinte, o Departamento de Botânica da Universidade de São Paulo (USP) realizou o "Simpósio sobre o Cerrado". Os encontros reuniram pesquisadores de áreas variadas, envolvidos tanto no levantamento técnico de aspectos botânicos ou da fauna quanto no aproveitamento econômico da região. Após estes encontros, a pesquisa do IRI obteve reconhecimento por parte dos pesquisadores como o modelo de fertilização que oferecia uma maior rentabilidade, possibilitando agricultura em larga escala nos campos cerrados (Silva, 2012SILVA, Claiton Marcio da. De um Dust Bowl paulista à busca de fertilidade do solo no Cerrado: a trajetória do IRI Research Institute (IRI) e as pesquisas em ciências do solo no Brasil (1951-1963). Revista Brasileira de História da Ciência, vol. 5, n. 1, 2012.).

A agenda de desenvolvimento do Estado Nacional e do agribusiness encontrou um ponto de referência nas pesquisas do IRI. Em 1963, às vésperas do golpe militar, um convênio assinado entre o IRI e a United States Agency for International Development objetivou dar suporte ao Departamento Nacional de Pesquisa do Brasil (DNPEA), fomentando "a pesquisa de solos, plantas e animais em oito Institutos Regionais da Amazônia ao Rio Grande do Sul" (Harrington; Sorenson, 2014HARRINGTON, Jerome; SORENSON, Bill. O desenvolvimento das terras de cerrado do Brasil: a experiência do IRI. São Paulo: Agronômica Ceres/Instituto de Pesquisas IRI, 2004., p.28). De acordo com Harrington, "um dos objetivos era desenvolver um Plano Geral para a Estação Experimental da Planaltina" - posteriormente, Centro de Pesquisas Agropecuárias dos Cerrados, CPAC - próxima a Brasília, na região dos Cerrados (Harrington; Sorenson, 2014HARRINGTON, Jerome; SORENSON, Bill. O desenvolvimento das terras de cerrado do Brasil: a experiência do IRI. São Paulo: Agronômica Ceres/Instituto de Pesquisas IRI, 2004., p.28). Seguindo uma agenda de pesquisa aberta pelos experimentos do IRI, ainda na década de 1960 surgiu o "Programa Nacional de Fertilidade do Solo", também com a colaboração financeira da United States Agency for International Development, da DNPEA, e da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR), com ênfase na "instalação de canteiros de demonstração a nível de fazenda" (Harrington; Sorenson, 2014HARRINGTON, Jerome; SORENSON, Bill. O desenvolvimento das terras de cerrado do Brasil: a experiência do IRI. São Paulo: Agronômica Ceres/Instituto de Pesquisas IRI, 2004., p.31). Como resultado deste processo, por volta de 1963 foi estabelecida uma ciência básica para a construção da fertilidade dos solos de Cerrado (Wallys, 1997WALLYS, J. A. Nicholas. Intensified Systems of Farming in Tropics and Subtropics. Washington D.C.: World Bank, 1997., p.95).

Os experimentos em fertilidade dos solos rompem com a percepção tradicional sobre a utilização econômica dos cerrados. Se até então a pecuária extensiva dominava o cenário, naquele momento, o cultivo de plantas adaptadas ganhou espaço, fortalecendo inclusive a produção de gado através de pastagens adaptadas aos solos ácidos (como a brachiara decumbens). A resposta do solo aos novos métodos de fertilização incrementou tanto a adaptação de novos cultivos quanto o aumento da migração para o território, exercendo, assim, uma nova dinâmica de interação com o ambiente durante a Grande Aceleração. No entanto, na ótica de técnicos e de governos locais e nacionais, seria necessário precaver a repetição das experiências migratórias consideradas fracassadas das colônias agrícolas. Ou seja, combinar o avanço tecnológico com agentes considerados aptos para dar prosseguimento ao desenvolvimento agrícola. Portanto, na opinião destes núcleos específicos, nem todos os grupos sociais estariam capacitados para executar tal tarefa.

Os "gafanhotos" do sul: migração e os cerrados

Na marcha dos agricultores gaúchos para o norte do Brasil a conquista dos solos do Cerrado é fundamental. As grandes planícies formadas pelos Cerrados do Brasil Central lembram o pampa que cobre a parte sul do território do Rio Grande do Sul. O pampa é um lugar sagrado para os moradores do estado, porque ali foram travadas as grandes e sangrentas batalhas pela demarcação e fronteira. Segundo os historiadores, é o pedaço do território brasileiro mais arduamente conquistado. A batalha pela conquista do Cerrado não foi menos importante. Só que no lugar de armas foram usadas máquinas agrícolas, tecnologia e muito dinheiro (WAGNER, 1995WAGNER. Carlos. Brasil de bombachas. Porto Alegre: L&PM, 1995., p.65).

Se os instrumentos de fertilização dos solos dos cerrados nasceram a partir de experiências em áreas degradadas de Mata Atlântica na região Sudeste, a expansão agrícola em direção ao cerrado originou-se a partir da criação de uma nova elite de produtores rurais, desta vez na região Sul.13 13 Uma abordagem voltada ao aspecto étnico envolvido na difusão de políticas de crédito foi desenvolvida em SILVA; RADIN, 2015. Representados como o principal grupo social que impulsionou o plantio em larga escala em várias regiões do Brasil, estes "farmers" empreenderam um processo de modernização da agricultura pautado em larga utilização de insumos "modernos" que transformaram os cerrados. No imaginário social e político, "o agricultor do Rio Grande do Sul era o preferido pelos colonizadores porque dominava a tecnologia da soja e possuía equipamentos e um pequeno capital inicial" (Wagner, 1995WAGNER. Carlos. Brasil de bombachas. Porto Alegre: L&PM, 1995., p.36). Por outro lado, a intensificação das modificações influenciadas pela migração sulista é abordada de forma crítica por populações locais, inclusive alçando sobre esses imigrantes, por vezes, a alcunha de "gafanhotos" do Sul, em função da devastação ambiental intensificada desde a sua chegada. Para este tópico, a discussão estará concentrada na ideia de como os migrantes da região Sul do Brasil foram atores cruciais na consolidação de um modelo intervencionista que reconfigurou o ambiente.

Até a década de 1950, no entanto, estes agricultores eram parte de um mesmo imaginário relativo às populações rurais brasileiras, onde a tradição e a pobreza predominavam (Silva, 2017SILVA, Claiton Marcio. Modernizar é preciso. Pensamento social e mudança no Brasil rural (1944-1954). Revista de História Iberoamericana, vol. 17, n. 64, p.195-209, 2017.). Como afirma Klanovicz, entre as décadas de 1960 e o final da década de 1970, as ações do Estado brasileiro decretaram "a morte do agricultor tradicional e pobre", incentivando o surgimento de um "produtor moderno, rico e empreendedor". Em um contexto de reorganização da estrutura de produção agropecuária com grande interferência em termos de cooperação técnica internacional durante a ditadura militar, "a única agricultura desejável era aquela que estivesse orientada para a produção de excedentes para o mercado" cada vez mais globalizado, com intensa utilização de "insumos, máquinas e equipamentos modernos, financiados pelo estado e dependentes do conhecimento técnico". Dentre os vários setores sociais que se "esforçavam em reproduzir manifestações destes discursos modernizantes da agricultura" (Klanovicz, 2014KLANOVICZ, Jó. Apontamentos para uma história ambiental de monoculturas modernas no sul do Brasil. Revista de História Iberoamericana, vol. 7, n. 2, p. 125-146, 2014., p.7), os descendentes de imigrantes italianos, alemães e, em menor escala, de poloneses assentados no estado do Rio Grande do Sul desde a segunda metade do século XIX, destacaram-se aos olhos dos governos locais e nacional como um grupo social que rompeu com o "atraso" e "pobreza" (Silva; Radin, 2015SILVA, Claiton Marcio da; RADIN, José Carlos. A longa marcha do “desmatamento civilizador” rumo ao Cerrado: uma história da migração sulista e suas relações com o ambiente. In: VALENTINI, Delmir José e MURARO, Valmir Francisco (orgs.). Colonização, conflitos e convivências nas fronteiras do Brasil, da Argentina e do Paraguai. Porto Alegre; Chapecó: Letra e Vida; UFFS, 2015.).

A partir da década de 1970, mais especificamente com o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND II, 1974-1979) lançado pelo General Ernesto Geisel, a política de créditos para aquisição de terras, maquinário e insumos, alcançou os grupos sociais considerados aptos para modernizar a agricultura brasileira. De certa forma, estes programas contrastavam com outras experiências nas terras do Brasil Central, como a tentativa de assentar imigrantes oriundos da Alemanha (Colônia de Uvá, em 1924). De acordo com Faissol, na década de 1950, o objetivo de implantar uma colônia de agricultores "planejada para melhorar as condições do lavrador goiano, em técnicas e em nível de vida" tinha se transformado em "apenas uma extensão das [colônias anteriormente] inventadas do Planalto Central". Se o ideal de implantação da colônia girava em torno de "ensinar" aos caboclos brasileiros práticas modernas de agricultora, o resultado foi inverso: "Todos os colonos alemães assimilaram os hábitos dos caboclos brasileiros".14 14 FAISSOL, Esperidião. O problema do desenvolvimento agrícola do Sudoeste do Planalto, p. 32. Aos olhos dos governos, incentivar o fluxo de migrantes neoeuropeus "aclimatados" às terras brasileiras desde o século XIX na região Sul do Brasil, poderia funcionar melhor do que trazer imigrantes de origem alemã no início do século XX, como no caso de Uvá, diretamente para os cerrados.15 15 Outras colônias agrícolas "inventadas no Planalto Central", como se refere Faissol, são consideradas satisfatórias do ponto de vista de uma estratégia de reforma agrária, mas falhas do ponto de vista da modernização da agricultura. Sobre as colônias nacionais agrícolas, em especial a CANG, ver DUTRA E SILVA, 2017, p.169. Devido ao seu alto fator de adoção de tecnologias na agricultura, as gerações de descendentes de imigrantes japoneses assentados no interior dos estados de São Paulo e do Paraná também se adequavam ao imaginário de agricultor progressista desejado pelas elites econômicas e políticas.

Na década de 1970, os "sulistas" ou "gaúchos", como são popularmente conhecidos os agricultores oriundos da região Sul do Brasil, foram atraídos pelas terras baratas e pela disponibilidade de crédito para regiões dos biomas Cerrado, Pantanal e Amazônia principalmente para o plantio de soja, enquanto gerações de descendentes de paulistas e mineiros ocupavam - não exatamente em via de regra - terras destinadas à pecuária em maior escala, e à agricultura em menor escala. Popularmente, em determinadas regiões do Centro-Oeste brasileiro, o termo "gaúcho" refere-se não somente aos nativos do estado do Rio Grande do Sul, mas também aos migrantes oriundos da parte Oeste dos estados de Santa Catarina e Paraná. Em comum, estes migrantes possuem ascendência europeia - em sua maioria, descendentes dos imigrantes instalados originalmente nas "velhas colônias" de italianos ou alemães - e valorizam, ao menos de forma diferenciada dos demais grupos sociais, a propriedade privada, a religiosidade católica oficial, a família patriarcal e a ideia de ascensão social através do trabalho árduo.16 16 No Oeste de Santa Catarina, primeira área de expansão destes migrantes fora dos limites do Rio Grande no Sul, o termo "colono de origem" significa para os luso-brasileiros ou caboclos "a população da área rural, descendente de europeus" (RENK, 2014, p.66). Celebrados pelos grupos políticos hegemônicos desde o início do século XX - que facilitaram e incentivaram sua dispersão através da aliança com companhias colonizadoras -, os neoeuropeus construíram e reforçaram uma narrativa de sucesso em relação aos seus feitos de ascensão social e econômica. Por outro lado, estes grupos buscam ocultar determinados elementos que demonstram os métodos contraditórios utilizados para a construção deste capital simbólico e financeiro. As estratégias para expulsão ou incorporação de forma subserviente das populações locais por parte dos ítalo-brasileiros, como descritas por Renk, são justificadas a partir de uma suposta "necessidade" de desenvolvimento ou geração de emprego e renda. Também podem ser simplesmente ocultadas das narrativas, sobressaindo-se os aspectos de sucesso (Renk, 2014RENK, Arlene. A colonização do oeste catarinense: as representações dos brasileiros. In: Cadernos do CEOM, ano 19, n. 23 - CEOM: 20 anos de memórias e histórias no oeste de Santa Catarina, p.37-71, 2014.).

As primeiras famílias que chegaram da Europa na segunda metade do século XIX e início do século XX, instalaram-se em colônias de terra no Rio Grande do Sul. Utilizando-se do modo de produção agrícola baseado no trabalho familiar, aos poucos, com o crescimento das famílias, a consequente partilha das terras entre os descendentes tornou grande parcela de propriedades improdutivas do ponto de vista econômico. Quer pela diminuição do tamanho da área de plantio, quer pela dificuldade em aplicar técnicas de rotação das culturas, ocasionou neste exemplo a infertilidade do solo (Werlang, 2002WERLANG, Alceu. A colonização do Oeste Catarinense. Chapecó: Argos, 2002.) entre outros problemas.

No imaginário social destes descendentes, aos poucos elaborou-se uma forte ideia de fronteira, representada pela busca por melhores condições de vida. Como exemplo, após a Segunda Guerra Mundial, grupos de neoeuropeus já estavam assentados nas regiões meio-Oeste e Oeste de Santa Catarina - atraídos pelo governo estadual e pelas companhias colonizadoras para colonizar os sertões "inóspitos" que foram palco da Guerra do Contestado (1912-1916) - e no Sudoeste e Oeste do Paraná (Radin, 2009RADIN, José Carlos. Representações da colonização. Chapecó: Argos, 2009.). Neste estado, mais especificamente na cidade de Planaltina, um destacado padre fez alusão à dinâmica social destes migrantes: "Muitos que possuíam alguns alqueires venderam tudo e foram comprar mais terra, onde achassem". E outros, "que trabalhavam seus dez, ou vinte alqueires, com a vontade de ampliar as suas lavouras, foram em busca de lugares mais espaçosos, dirigindo-se ao Acre, Rondônia, Mato Grosso ou Goiás".17 17 R REGINATO, Pe. Pedro. História de Palotina (1954-1979). Santa Maria: Pallotti, 1979. p.57.

Atraídos pela propaganda das companhias colonizadoras, em aliança com os governos estadual e local, ou por aqueles com os quais possuíam laços familiares ou fraternos - parentes ou amigos que faziam "propaganda" das "novas terras" e por vezes alojavam e auxiliavam os migrantes recém-chegados -, alguns permaneceram nas regiões de fronteira, outros retornaram para sua região de origem, enquanto certos grupos ocuparam novas fronteiras em diferentes momentos: no Paraguai, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, regiões da Amazônia e mais recentemente a região do MATOPIBA, que compreende um complexo de cerrados das regiões nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (regiões Norte e Nordeste). Para cultivar nos cerrados, estes hoje "agricultores-empresários" adaptaram uma dinâmica de manejo do ambiente definido como "desmatamento civilizador" (Bublitz, 2008BUBLITZ, Juliana. Forasteiros na floresta subtropical: notas para uma história ambiental da colonização alemã no Rio Grande do Sul. Ambiente & Sociedade. Campinas, vol. XI, n. 2, p.323-340, jul.-dez. 2008.). Neste ponto em específico, as representações sociais dos imigrantes alemães sobre a floresta contrastavam radicalmente com a forma de manejo de grupos de caboclos, por exemplo: "Enquanto se mantinha vicejante e robusta, a mata era considerada uma prisão" (Bublitz, 2008BUBLITZ, Juliana. Forasteiros na floresta subtropical: notas para uma história ambiental da colonização alemã no Rio Grande do Sul. Ambiente & Sociedade. Campinas, vol. XI, n. 2, p.323-340, jul.-dez. 2008., p.327). Para que o colono deixasse de se sentir "um escravo da floresta", seria "preciso trabalhar com afinco, em uma luta sem tréguas, para derrubar a vegetação e impor o domínio sobre a natureza". Para os imigrantes alemães, a "floresta derrubada era um sinônimo de civilização, de progresso. Era a garantia, enfim, de sucesso na nova pátria" (Bublitz, 2008BUBLITZ, Juliana. Forasteiros na floresta subtropical: notas para uma história ambiental da colonização alemã no Rio Grande do Sul. Ambiente & Sociedade. Campinas, vol. XI, n. 2, p.323-340, jul.-dez. 2008., p.327). Em resumo, a necessidade de garantir a sobrevivência em terras em que nunca estiveram anteriormente, com os instrumentos de trabalho diferenciados e ainda sendo pressionados por contratos que previam a devolução de lotes não cultivados, os imigrantes alemães teriam desenvolvido uma forma de manejo peculiar, buscando transformar as florestas: "colono e civilização tornaram-se sinônimos" (Bublitz, 2008BUBLITZ, Juliana. Forasteiros na floresta subtropical: notas para uma história ambiental da colonização alemã no Rio Grande do Sul. Ambiente & Sociedade. Campinas, vol. XI, n. 2, p.323-340, jul.-dez. 2008., p.327). Ao longo do século XX, outros grupos de neoeuropeus e neoasiáticos, principalmente japoneses, também passaram a ser representados como os mais "progressistas" e capacitados para levar adiantes os projetos de modernização da agricultura no Brasil.

Por fim, a "abertura" de extensas áreas de vegetação de cerrado para cultivo está associada à chegada dos sulistas - representantes sociais de um amplo projeto envolvendo políticas públicas de crédito, pesquisa agropecuária, questões de ordem fundiária - e ao empreendimento de uma dinâmica agressiva de manejo do ambiente, alternando o plantio de commodities de acordo com a variação dos preços nos mercados nacional e internacional. Como exemplo, um trabalhador rural nascido na região do atual estado do Tocantins resumiu a dinâmica de avanço da fronteira agrícola: com a chegada do "pessoal do Sul", começou-se a "abrir as terras" para cultivo, sendo que a intensidade do desmatamento cresceu muito nos anos 1980 e 1990. Desde então, o desmatamento "nunca parou": "primeiro se tirou uma parte do cerrado" para o plantio do arroz, que depois passou a ser a pastagem; por fim, "veio a soja", combinada com o avanço de outras práticas como o eucalipto.18 18 BATISTA DE SÁ, Antônio. Entrevistado por Claiton Marcio da Silva, Jaine Menoncin e Melody Forcelini, Palmas, Tocantins, mar. 2013. Desta forma, a narrativa deste trabalhador rural conecta a migração sulista ao terceiro fator fundamental para a expansão agrícola do cerrado: a adaptação de cultivos. Dentre todos estes cultivos, presentes tanto no imaginário social quanto nas estatísticas econômicas, um determinado grão se destaca na história da ocupação agrícola do cerrado e contribui substancialmente para o aumento dos fatores ligados à Grande Aceleração: a soja.

As "repúblicas unidas da soja" e os cerrados

Em uma amplitude de fatores que impulsionam a Grande Aceleração de uma região tão diversa quanto o cerrado, destaca-se justamente a tentativa de redução de um ambiente complexo a um esquema simplificado de produção agropastoril. Instituições privadas e públicas lançaram mão de um pragmático trabalho de introdução de variedades de plantas e animais voltados a um mercado globalizado. Aos poucos, um ambiente extremamente complexo, povoado por populações que manejavam secularmente os recursos naturais disponíveis, deparou-se com a ascensão de esquemas simplificação propostos por governos e empresas privadas. Nesta direção, o que certa vez havia sido uma comunidade biológica de plantas e animais tão complexa que os cientistas dificilmente poderiam compreender, conforme escreveu Donald Worster sobre a modernização da agricultura, "agora se tornou cada vez mais um aparato rigidamente restrito para competir em mercados ampliados para se obter o sucesso econômico" (Worster, 2003, p.35). A expressão máxima destas transformações nos cerrados é a intensificação e expansão dos monocultivos.

Desta forma, se a pecuária, a produção de milho e de outros gêneros alimentícios não representaram uma novidade - a pecuária impulsionava a economia desde o século XIX enquanto o milho era o cultivo predominante na região Centro-Oeste -, somaram-se a estes elementos determinadas inovações técnicas e a introdução de variedades adaptadas ao clima e solo. Tendo em conta os inúmeros experimentos agrícolas adotados desde então - café, amendoim, batata inglesa, cana-de-açúcar, banana, entre outros - alguns elementos se destacam no que diz respeito à origem da grande aceleração das transformações dos cerrados: a introdução e expansão do plantio de milho híbrido (Menoncin, 2017MENONCIN, Jaine. De milho (Zea Mays L.) à Agrocel: o papel do milho híbrido Agroceres na modernização da agricultura no Brasil (1945-1960). Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade Estadual do Centro Oeste. Guarapuava, 2017.), a adaptação de variedades de pastagens como a brachiaria, de raças de gado como a Nelore, e por fim, a introdução da sojicultura. Para este debate, mais especificamente, será feita a digressão de como as tentativas de introdução da soja representaram um ponto de inflexão na história dos cerrados, influenciando nos níveis políticos e empresariais brasileiros. O plantio da soja representou para o agribusiness uma conquista da ciência e da tecnologia em duas vertentes: a) o desenvolvimento de variedades adaptadas aos solos ácidos de cerrado e b) adaptadas a baixas latitudes, diferentes das sementes produzidas pelos Estados Unidos e China, que dominavam o mercado mundial. Após a "invasão" da soja nos cerrados, o agribusiness brasileiro sentiu-se encorajado a introduzir uma grande quantidade de culturas como o arroz irrigado, o café, a melancia, o abacaxi, as frutas cítricas, dentre outras.

Fig. 4
Soja perene em crescimento associado à pastagem Suwannee Bermuda. Cortesia do Rockefeller Archive Center.

Para compreender os aspectos históricos relativos à introdução da sojicultura nos cerrados, é necessário retomar alguns dos aspectos anteriormente debatidos. Em primeiro lugar, os experimentos em fertilidade dos solos implementados pelo IRI na Fazenda Cambuhy também buscavam introduzir variedades de leguminosas voltadas para a nutrição animal e de "novos" tipos de algodão, milho e soja. Inicialmente, os técnicos do IRI apontaram que os três cultivos seriam justificáveis economicamente nos cerrados (Mikkelsen, 1960MIKKELSEN, D. S. et al. Effects of Liming and Fertilizing Cotton, Corn and Soybeans on Campo Cerrado Soils, State of São Paulo, Brazil. New York: IRI, 1960.). Dentre os cultivos mencionados, apenas a introdução da soja representa uma novidade.

A soja teria sido introduzida no Brasil em meados de 1882, no estado da Bahia. Posteriormente, imigrantes japoneses teriam plantado a leguminosa no estado de São Paulo. Mas somente em 1914 algumas variedades provindas dos Estados Unidos foram aclimatadas com algum sucesso no estado do Rio Grande do Sul (Martins de Freitas, 2011MARTINS DE FREITAS, Marcio de Campos. A cultura de soja no Brasil: o crescimento da produção brasileira e o surgimento de uma nova fronteira agrícola. Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol. 7, n. 12, p.1-12, 2011., p.2). A primeira plantação comercial de que se tem registro ocorreu no município de Santa Rosa (Dall'Agnol, 2016, p.2). De acordo com Dall'Agnol, "a soja somente teve êxito no Brasil a partir dos anos 40", quando semeada naquele mesmo estado, "localizado entre as latitudes de 27°S e 34°S" (Dall'Agnol, 2016DALL’AGNOL, Amélio. A Embrapa Soja no contexto do desenvolvimento da soja no Brasil: histórico e contribuições. Brasília: Embrapa, 2016., p.20). Engenheiros agrônomos atribuem o êxito da soja no Brasil em função do Rio Grande do Sul se encontrar em uma situação de média latitude, semelhante aos estados sulistas dos EUA. O desafio para a adaptação da soja residia na concentração de cultivares introduzidas a partir de sementes manipuladas pelos maiores centros produtores mundiais durante as primeiras décadas do século XX: "os produtores mundiais de soja daquela época (majoritariamente, China e EUA) não cultivavam soja em regiões de baixa latitude e, portanto, não desenvolviam cultivares para essas condições, as quais poderiam beneficiar o Brasil" (Dall'Agnol, 2016DALL’AGNOL, Amélio. A Embrapa Soja no contexto do desenvolvimento da soja no Brasil: histórico e contribuições. Brasília: Embrapa, 2016., p.26). Especificamente, no caso da soja, o objetivo fundamental foi o desenvolvimento de uma "Soja Tropical", ou seja, adaptada às regiões de baixas latitudes: "até 1970, o cultivo da oleaginosa estava restrito a latitudes próximas ou acima dos 30" (Dall'Agnol, 2016DALL’AGNOL, Amélio. A Embrapa Soja no contexto do desenvolvimento da soja no Brasil: histórico e contribuições. Brasília: Embrapa, 2016., p.8).

No estado de São Paulo, os experimentos realizados pelo IRI durante as décadas de 1950 e 1960 encontraram resultados animadores em termos econômicos - em 1967, a adição de micronutrientes proporcionou aumentos de, respectivamente, 11, 27 e 78% (Mascarenhas, 1967MASCARENHAS, Hipólito et al. Adubação da soja. Efeitos do enxofre e de vários micronutrientes (Zn, Cu, B, Mn, Fe e Mo) em solo latosol roxo com vegetação de cerrado. Bragantia, vol. 26, n. 29, p. 373-379, 1967., p.373-374) na produção de Soja Perene (Glycine wightti Verde), de origem africana, introduzida no Brasil durante a década de 1950, majoritariamente utilizada em pastagens consorciadas. O resultado animador em relação ao aumento da produtividade, no entanto, enfrentava problemas na difusão de grãos de soja Perene. Embora adaptável, outras pesquisas desenvolvidas naquela época demonstravam que era possível elaborar variedades mais produtivas e melhor adaptadas aos cerrados. Na década de 1960, o engenheiro agrônomo Francisco Teresawa desenvolveu FT CRISTALINA, considerada posteriormente como um dos pilares de produção de soja no cerrado. Iniciando os experimentos por volta de 1964, na Estação Experimental de Ponta Grossa, ligada ao Governo do Estado do Paraná, os estudos de Teresawa incluíram um pequeno número de cultivares provindos dos Estados Unidos.

Posteriormente, outras linhagens de soja foram introduzidas através de cooperação técnica entre universidades da Florida, Mississippi, Georgia, Tennessee, Arkansas e Carolina do Norte, que providenciaram materiais com boa adaptação à Região Sul do Brasil (Teresawa et al., 2017TERESAWA, Francisco et. al . FT Sementes and the expansion of soybeans in Brazil. In: LOPES DA SILVA, Felipe. et. al (eds). Soybean Breeding. New York: Springer Publisher, vol. 16 (online), 2017., p.17). Aos poucos, no estado do Paraná, na segunda metade do século XX, ocorreu "o deslocamento da soja de pequenos quintais para áreas de monocultura baseadas em tecnologias para plantação e colheita, larga utilização de 'inputs' químicos" assim como "uma extrema racionalização do espaço de plantação voltado ao capital" (Mores; Klanovicz, 2014KLANOVICZ, Jó. Apontamentos para uma história ambiental de monoculturas modernas no sul do Brasil. Revista de História Iberoamericana, vol. 7, n. 2, p. 125-146, 2014., p.181). A introdução da soja, assim como do café, deslocou a policultura tradicional praticada em propriedades familiares em direção à monocultura: neste período, o cultivo da soja "passou a demandar o uso de práticas e tecnologias modernas que não eram utilizadas no Estado em períodos anteriores", adaptando e utilizando tecnologias "articuladas a uma nova ciência agrícola" e "estratégias de convencimento de agricultores para que viessem a adotar determinadas práticas" (Mores; Klanovicz, 2014MORES, Lucas; KLANOVICZ, Jó. Controle da natureza e modificação da paisagem: para uma análise das práticas agrícolas de sojicultura no Paraná, Brasil, por meio da imprensa entre os anos 1970 e 1980. Diálogos, vol. 18, supl. Espec., p. 179-201, dez/2014., p.181).

Neste contexto, em 1972, Francisco Terasawa fundou a FT Pesquisa e Sementes em Londrina, região Norte do Paraná. A queda da produção de café na região - principalmente em função das geadas de meados da década de 1970, somados aos resultados econômicos obtidos com cultivares como Bragg, Davis, IAS-1, IAS-4, IAS-4, IAS-5, Paraná, Mineira e Visoja - facilitou a aceleração da expansão da soja no estado do Paraná (Terasawa et al., 2017TERESAWA, Francisco et. al . FT Sementes and the expansion of soybeans in Brazil. In: LOPES DA SILVA, Felipe. et. al (eds). Soybean Breeding. New York: Springer Publisher, vol. 16 (online), 2017., p.17). Entre 1953 e 1975, mais de dez geadas assolaram a região norte do Paraná, o que não apenas "demonstra a regularidade de tais fenômeno" (Mores, 2017MORES, Lucas. História ambiental do agrossistema do café (coffea arábica) no norte do Paraná (1945-1975). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2017., p.42) como também a necessidade da busca por terras agricultáveis sob um clima com menor variação. Justamente após uma grande geada em 1972, Terasawa recebeu sementes de uma linhagem chamada Mutasoja do fazendeiro de origem norte-americana Thomas Owens, de Itaporã, estado de Mato Grosso do Sul. No início de agosto daquele ano, os experimentos com Mutasoja iniciaram na Fazenda Serrana em Londrina - Terasawa selecionou 42 plantas com distintos traços de linhagem Mutasoja, caracteristicamente mais altas, com ciclos longos, pubescência e diferente coloração das flores (Teresawa et al., 2017TERESAWA, Francisco et. al . FT Sementes and the expansion of soybeans in Brazil. In: LOPES DA SILVA, Felipe. et. al (eds). Soybean Breeding. New York: Springer Publisher, vol. 16 (online), 2017., p.17). Isto significa que os pesquisadores brasileiros, em geral, "buscaram desenvolver variedades adaptadas" buscando incorporar "características genéticas (período juvenil longo) que inibem o florescimento precoce da soja em condições de baixa latitude" (Dall'Agnol, 2016DALL’AGNOL, Amélio. A Embrapa Soja no contexto do desenvolvimento da soja no Brasil: histórico e contribuições. Brasília: Embrapa, 2016., p.26), resultando "em cultivares perfeitamente adaptadas às condições do Cerrado". Nesta linha de atuação, para um segundo experimento, no verão de 1972/73, novamente foram selecionadas 42 plantas, individualmente nominadas entre M-1 e M-42, com a letra "M" indicando a referência à linhagem original Mutasoja - que mais tarde foi recomendada como um cultivar e nomeada UFV-1 (Terasawa et al., 2017TERESAWA, Francisco et. al . FT Sementes and the expansion of soybeans in Brazil. In: LOPES DA SILVA, Felipe. et. al (eds). Soybean Breeding. New York: Springer Publisher, vol. 16 (online), 2017., p.17).

No início da década de 1970, as inovações em fertilizantes tinham difusão limitada, persistindo o desafio de infertilidade dos solos de cerrado. O propósito do experimento das linhagens "M" e "UFV" era avaliar a adaptabilidade e produtividade no ambiente de cerrados, determinando o comportamento e os traços individuais de cada uma das linhagens e identificando os melhores materiais adaptados e com traços de interesse para a região central do país. Comparativamente, é uma estratégia diferenciada do empreendimento do IRI - e de vários experimentos que o sucederam nas décadas de 1960 e 1970, especialmente no Instituto Agronômico de Campinas - que buscava "construir a fertilidade" dos solos. No caso da adaptação de linhagens de soja, os pesquisadores buscavam "driblar" a falta de micronutrientes e introduzir sementes adaptadas a solos com relativa acidez. Em novembro de 1973, Terasawa estabeleceu um experimento em Unaí, estado de Minas Gerais, município que faz divisa com Cristalina, no estado de Goiás. O experimento foi conduzido em um local utilizado tradicionalmente como pastagem, introduzindo novamente 42 plantas, desta vez utilizando o cultivar IAC-2 como padrão comparativo. Em uma direção transversal do plantio, foram avaliadas diferentes fórmulas de fertilizantes e micronutrientes. A análise do solo demonstrou que estes eram extremamente ácidos e quimicamente limitados, ou seja, não adequados ao cultivo, de maneira similar aos solos dos Campos Gerais no Paraná, e mais pobres em matéria orgânica. A linhagem M-4 forneceu melhores resultados do que o canteiro demonstrativo contendo IAC-2. Um ano mais tarde, em novembro de 1974, os experimentos foram repetidos na Fazenda Vereda de Souza Lima, no estado de Goiás. Novamente, o M-4 foi o mais produtivo, sendo chamado FT CRISTALINA a partir de 1975, em tributo ao município de Goiás onde os experimentos foram realizados (Terasawa et al., 2017TERESAWA, Francisco et. al . FT Sementes and the expansion of soybeans in Brazil. In: LOPES DA SILVA, Felipe. et. al (eds). Soybean Breeding. New York: Springer Publisher, vol. 16 (online), 2017., p.21).

Portanto, no início da década de 1980, estavam criadas as condições de expansão sistemática da fronteira agrícola. Programas como PRODECER19 19 O programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados - PRODECER, foi criado em 1974. O programa contou posteriormente com o auxílio financeiro do governo japonês para o assentamento de migrantes - parte deles sulistas, também de origem nipônica (22%) - em 7 estados, totalizando vinte e um projetos em um período de vinte e cinco anos. HOSONO; HONGO, 2016. "personificaram" a maneira como aconteceu esta expansão: em suma, os projetos sintetizavam os ideais de adoção de práticas de fertilização em larga escala, a monocultura de soja e milho, a utilização de elementos anteriormente difundidos no Brasil como agrotóxicos e maquinário agrícola e, por fim, o incentivo à migração.20 20 Estas seriam alguns das características fundamentais do PRODECER exportadas para o desenvolvimento do ProSavana em Moçambique. Devido a suas características, agêncais como oWorld Bank consideram que o "modelo Cerrado" pode não ser o ideal para as savanas tropicais da África porque o PROCEDER envolveu a expansão de grandes fazendas comerciais,enquanto que geralmente se aceita a ideia de que são os pequenos produtores que tem um grande impacto na redução da probreza naquele continente. O modelo PRODECER criaria uma elite de produtores. Também, o mesmo relatório do World Bank afirma que tanto em Moçambique quanto em outros países estudados, os pequenos produtores tem grande potencial de criar empreendimentos agrícolas. EKMAN; MACAMO, 2014. Por esta época, o Estado brasileiro passou a estruturar a pesquisa agropecuária, especialmente através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), concebida como um modelo para se contrapor aos "burocráticos" programas e instituições governamentais até então existentes (Nehring, 2016NEHRING, Ryan. Yields of Dreams: Marching West and the Politics of Scientific Knowledge in the Brazilian Agricultural Research Corporation (Embrapa). Geoforum, n. 77, p.206-217, 2016.). A Embrapa, criada em 1973, durante a ditadura militar, estabeleceu centros de pesquisa para produtos agropecuários, "centros de pesquisa temáticos e centros de pesquisa ecorregionais" (Dall'Agnol, 2016DALL’AGNOL, Amélio. A Embrapa Soja no contexto do desenvolvimento da soja no Brasil: histórico e contribuições. Brasília: Embrapa, 2016., p.16) como a Embrapa Soja, criada em 1975, justamente no município de Londrina. A estrutura pública e privada de pesquisa, de certa forma, estaria em consonância com os "anseios do governo militar, instaurado durante aquele período, e sintetizados nos objetivos principais do Plano Nacional de Desenvolvimento" (Frederico, 2010FREDERICO, Samuel. O novo tempo do cerrado: expansão dos fronts agrícolas e controle do sistema de armazenamento de grãos. São Paulo: FAPESP, 2010., p.33). O Estado brasileiro intensificou sua centralidade no processo de expansão sobre o cerrado através de políticas de crédito, assistência técnica, política fundiária, entre outras formas de intervenção. Encontrou, nas práticas de fertilização - já com ampla participação do Estado e empresas privadas como a Manah S.A. na sua produção desde década de 1970 -, na monocultura e em grupos de migrantes em franca ascensão social, um apoio elementar para acelerar as transformações dos cerrados. Desde então, ainda que projetos alternativos de sustentabilidade tenham feito parte da agenda governamental tanto durante o período democrático (1985-2016) quanto do recente golpe "branco" ou jurídico-midiático-parlamentar - desde 2016 -, predomina a agenda destes grupos forjados ao longo da Grande Aceleração.

Considerações finais: solos, migrantes, soja e a grande aceleração

A relação entre os cerrados e a Grande Aceleração está na história das mudanças nas formas de interação entre componentes humanos e não-humanos, compondo uma nova dinâmica de uso das terras. A percepção de que os solos ácidos poderiam ser transformados em férteis, o incentivo para um determinado tipo de migração e a intensificação dos monocultivos reconfiguraram os cerrados. Estes elementos impulsionaram atividades econômicas que já impactavam na paisagem - a produção de soja gerou o crescimento do beneficiamento de rações destinadas ao consumo animal, incluindo o gado, por exemplo - ou facilitou a inserção de novas características junto aos cerrados - o crescimento populacional, a expansão de cultivos como o eucalipto, projetos de irrigação, entre outros -, formando elites econômicas e políticas com forte participação nos rumos da economia nacional e sua ligação com os mercados globais. Os impactos e controvérsias deste processo também alcançam escalas astronômicas: por exemplo, "o primeiro relatório oficial sobre as emissões nacionais de GEE mostrou que aproximadamente 75% das emissões de dióxido de carbono (CO2) do país foram devidas a mudanças no uso da terra e das florestas", ou seja, "que o desmatamento e as queimadas, especialmente na Amazônia e no Cerrado, foram as principais fontes de emissão de 1990 a 1994".21 21 CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. [s.l.], ISPN/Conservação Internacional, abr. 2016. p.171.

Mesmo com a difusão de outros cultivares, a FT CRISTALINA continuou sendo a semente mais utilizada na região de cerrados, alcançando 95% das áreas cultivadas com soja (2004) na região geoeconômica do Distrito Federal, também sendo cultivada nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Rio Grande do Sul. No final da década de 1980, "cerca de 80% da produção de soja do cerrado eram cultivadas com a variedade Cristalina e a produtividade alcançava 40 sacos por hectare" (Duarte, 2004DUARTE, Jorge Antônio Menna. Comunicação e tecnologia na cadeia produtiva de soja em MT. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Universidade Metodista de São Paulo. São Paulo, 2004., p. 83). Considerando a produção nacional de soja, a participação do cerrado aumentou de 14% (2,1 milhões de toneladas) em 1980 para 61% (57,9 milhões de toneladas) em 2015 (Dall'Agnol, 2016DALL’AGNOL, Amélio. A Embrapa Soja no contexto do desenvolvimento da soja no Brasil: histórico e contribuições. Brasília: Embrapa, 2016., p.26). Para se ter uma dimensão da importância da soja para o agronegócio, em 2011, mais de 30 milhões de toneladas destinava-se anualmente para a indústria esmagadora, transformando o grão em derivados como farelo e óleo. O farelo de soja ocupa o segundo lugar na elaboração de rações, estimando um consumo interno de 12 milhões de toneladas, enquanto 13 milhões foram exportadas. Em relação ao biodiesel, a soja responde por mais de 80% da matéria-prima utilizada nos quase 2,5 milhões de litros então produzidos no Brasil, enquanto a gordura bovina e o óleo de algodão respondem por 12,4% e 2,1% respectivamente. Também em 2004, o complexo soja respondia por 5 milhões de empregos diretos e indiretos no Brasil (Martins de Freitas, 2011MARTINS DE FREITAS, Marcio de Campos. A cultura de soja no Brasil: o crescimento da produção brasileira e o surgimento de uma nova fronteira agrícola. Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol. 7, n. 12, p.1-12, 2011., p.7).

Além da sojicultura, esta extensa interação entre elementos humanos e não-humanos gerou modificações substanciais e concentra as principais ameaças ao cerrado, tanto no presente quanto em futuro próximo: as culturas anuais (principalmente soja, milho e algodão), biocombustíveis (cana-de-açúcar), carvão vegetal, silvicultura de mono-espécies, assim como fogo e pecuária", 22 22 CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. p.26. constituindo as principais causas de desastres ambientais.

Erosão, espécies invasoras, culturas permanentes, suínos, transporte e aquecimento (local e global) - elementos com relação direta ou indireta com a expansão da fronteira agrícola -também são relevantes, induzindo o desmatamento a uma taxa de 6.000 km2 por ano. Até 2016, os cerrados perderam cerca de 50% de sua cobertura natural.23 23 CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. p.26. A intensificação de monoculturas de soja através de programas como o PRODECER estaria vinculada ao aumento de pragas nas lavouras circunvizinhas. Outros agricultores relacionam o aumento de pragas com "a formação de grandes áreas de pastagem com braquiária, ou a todo um conjunto de impactos ambientais associados à chamada modernização da agricultura no Cerrado" (Ribeiro, 2006RIBEIRO, Ricardo Ferreira. Sertão, lugar desertado. O Cerrado na cultura de Minas Gerais. Belo Horizonte: Autentica, 2006., p.227). A cada situação complexa, originada a partir da intensificação da interação entre humanos e não-humanos nas regiões de cerrados, exigiram-se novas respostas por parte dos técnicos. Porém, como nem todos os elementos ambientais estão sob a alçada humana, a Grande Aceleração pode representar, nas palavras do arqueólogo Sales Barbosa a extinção do Cerrado Brasileiro.24 24 BARBOSA, Altair Sales. "O Cerrado está extinto". Jornal Opção (Goiânia), n. 2048, 2014.

  • 1
    Utilizo Cerrado com "C" maiúsculo em referência ao bioma, enquanto o termo cerrado com "c" minúsculo refere-se às formações campestres, objeto principal para este artigo.
  • 2
    A expressão "conquista do cerrado", ideia bastante difundida dentre os defensores do agrobusiness de escala industrial, representa uma interpretação otimista e pouco crítica da história de conversão de grandes áreas de terras "fracas" ou inférteis em agricultáveis através de uma combinação entre pesquisa intensiva, programas governamentais e incentivos da iniciativa privada. Evoca, de forma análoga, o processo de conquista do wilderness, conhecido na historiografia principalmente através de influentes autores como Frederick Jackson Turner. De maneira semelhante ao historiador estadunidense, estes textos constroem, reforçam ou se apropriam de narrativas heroicas para, neste caso, demonstrar o poder e a inventividade dos pesquisadores na transformação de um ambiente "inóspito" em "civilizado" e apto para a agricultura em larga escala.
  • 3
    CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. [s.l], ISPN/ Conservação Internacional, abr. 2016. p.26
  • 4
    CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. p.26
  • 5
    Os sojicultores brasileiros expandiram seus negócios em terras paraguaias durante a ditadura de Alfredo Stroessner, no mesmo período de expansão da fronteira agrícola nos cerrados. Durante a década de 1980 e 1990, o IRI Research Institute (IRI), instituição estadunidense fundada por Nelson Rockefeller (1908-1979) que realizou pesquisas em fertilização dos solos do cerrado, deu suporte à experimentos na Indonésia e El Salvador. Na atualidade, um modelo de intervenção agrícola gerado a partir das experiências nos cerrados brasileiros avança sobre o Corredor de Nacala, em Moçambique (Programa ProSavana). Em comum, grande parte destas áreas são compostas de terras devastadas pelo uso continuo sem as práticas de fertilização indicadas ou, por outro lado, são áreas de savana, que apresentam alto teor de alumínio e outros componentes que limitam o crescimento das plantas. Mais especificamente, o ProSavana objetiva "to transform the agricultural sector in northern Mozambique along the Nacala Corridor into a competitive and sustainable industry, by promoting private investments in cooperation with the public sector. That transformation has potential impacts on the Mozambican forest ecosystem dominated by leguminous miombo tree species and the economic interests of people who derive benefits from those forests" (EKMAN; MACAMO, 2014EKMAN, Sigrid-Marianella Stensrud; MACAMO, Carmen Stella. Brazilian Development Cooperation in Agriculture. A Scopng Study on ProSavana in Mozambique, with Implications for Forests. Bogor (Indonesia): CIFOR, 2014., p.7). Algumas críticas sobre o programa surgiram logo após seu início: "Although the area is sparsely populated, native communities are reported to have been marginalized. Another critique of the agrarian development is that it threatens the indigenous savanna and its biodiversity. Such criticisms raise the questions of whether it is desirable to replicate the Cerrado model in northern Mozambique, and, indeed, if it is replicable at all, given the socioeconomic and environmental diferences between the two regions" (EKMAN; MACAMO, 2014EKMAN, Sigrid-Marianella Stensrud; MACAMO, Carmen Stella. Brazilian Development Cooperation in Agriculture. A Scopng Study on ProSavana in Mozambique, with Implications for Forests. Bogor (Indonesia): CIFOR, 2014., p.7).
  • 6
    Sobre este tema, ver especificamente CRONON, 1991CRONON, William. Nature’s Metroplis: Chicago and the Great West. New York; London: W. W. Norton & Company, 1991. e BELICH, 2009BELICH, James. Replenishing the Earth: the Settler Revolution and the Rise of Angloworld. Oxford: Oxford University Press, 2009.
  • 7
    FAISSOL, Esperidião. O problema do desenvolvimento agrícola do Sudoeste do Planalto Central do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia, ano XIX, n. 1, jan./mar. 1957. p.5.
  • 8
    FAISSOL, Esperidião. O problema do desenvolvimento agrícola do Sudoeste do Planalto, p.5.
  • 9
    Sobre a atuação de Nelson Rockefeller no Brasil, ver COBBS, 1988COBBS, Elizabeth. “Good Works at a Profit”. Private Development and United States-Brazil Relations, 1945-1960. Dissertation (Doctor in Philosophy) - Stanford University. Stanford (California), 1988.; SILVA, 2015SILVA, Claiton Marcio da. De um Dust Bowl paulista à busca de fertilidade do solo no Cerrado: a trajetória do IRI Research Institute (IRI) e as pesquisas em ciências do solo no Brasil (1951-1963). Revista Brasileira de História da Ciência, vol. 5, n. 1, 2012.; e TOTA, 2009TOTA, Antonio Pedro. The Seduction of Brazil. Americanization of Brazil During World War II. Austin: Univerity of Texas Press, 2009..
  • 10
    IBEC Research Institute. Progress Report: Brazil Operations. Jun. 01, 1951. p.2.
  • 11
    IBEC Research Institute. Report of 1953. New York: IRI, Jun. 16, 1953. p.5.
  • 12
    IRI Research Institute. Report: November 1950 to December 1956. Collection IRI, Record Group 3.1, Box 477, Folder 2903. p.3.
  • 13
    Uma abordagem voltada ao aspecto étnico envolvido na difusão de políticas de crédito foi desenvolvida em SILVA; RADIN, 2015SILVA, Claiton Marcio da. De um Dust Bowl paulista à busca de fertilidade do solo no Cerrado: a trajetória do IRI Research Institute (IRI) e as pesquisas em ciências do solo no Brasil (1951-1963). Revista Brasileira de História da Ciência, vol. 5, n. 1, 2012..
  • 14
    FAISSOL, Esperidião. O problema do desenvolvimento agrícola do Sudoeste do Planalto, p. 32.
  • 15
    Outras colônias agrícolas "inventadas no Planalto Central", como se refere Faissol, são consideradas satisfatórias do ponto de vista de uma estratégia de reforma agrária, mas falhas do ponto de vista da modernização da agricultura. Sobre as colônias nacionais agrícolas, em especial a CANG, ver DUTRA E SILVA, 2017DUTRA E SILVA, Sandro. No Oeste, a terra e o céu. A expansão da fronteira agrícola no Brasil Central. Rio de Janeiro: Mauad, 2017., p.169.
  • 16
    No Oeste de Santa Catarina, primeira área de expansão destes migrantes fora dos limites do Rio Grande no Sul, o termo "colono de origem" significa para os luso-brasileiros ou caboclos "a população da área rural, descendente de europeus" (RENK, 2014RENK, Arlene. A colonização do oeste catarinense: as representações dos brasileiros. In: Cadernos do CEOM, ano 19, n. 23 - CEOM: 20 anos de memórias e histórias no oeste de Santa Catarina, p.37-71, 2014., p.66).
  • 17
    R REGINATO, Pe. Pedro. História de Palotina (1954-1979). Santa Maria: Pallotti, 1979. p.57.
  • 18
    BATISTA DE SÁ, Antônio. Entrevistado por Claiton Marcio da Silva, Jaine Menoncin e Melody Forcelini, Palmas, Tocantins, mar. 2013.
  • 19
    O programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados - PRODECER, foi criado em 1974. O programa contou posteriormente com o auxílio financeiro do governo japonês para o assentamento de migrantes - parte deles sulistas, também de origem nipônica (22%) - em 7 estados, totalizando vinte e um projetos em um período de vinte e cinco anos. HOSONO; HONGO, 2016HOSONO, Akio; HONGO, Yukata. Technological Innovations that Made Cerrado Agriculture Possible. In: HOSONO, Akio; DA ROCHA, Carlos Magno; HONGO, Yukata (eds.). Development for Sustainable Agriculture. The Brazilian Cerrado. London; Palgrave McMillan, 2016..
  • 20
    Estas seriam alguns das características fundamentais do PRODECER exportadas para o desenvolvimento do ProSavana em Moçambique. Devido a suas características, agêncais como oWorld Bank consideram que o "modelo Cerrado" pode não ser o ideal para as savanas tropicais da África porque o PROCEDER envolveu a expansão de grandes fazendas comerciais,enquanto que geralmente se aceita a ideia de que são os pequenos produtores que tem um grande impacto na redução da probreza naquele continente. O modelo PRODECER criaria uma elite de produtores. Também, o mesmo relatório do World Bank afirma que tanto em Moçambique quanto em outros países estudados, os pequenos produtores tem grande potencial de criar empreendimentos agrícolas. EKMAN; MACAMO, 2014EKMAN, Sigrid-Marianella Stensrud; MACAMO, Carmen Stella. Brazilian Development Cooperation in Agriculture. A Scopng Study on ProSavana in Mozambique, with Implications for Forests. Bogor (Indonesia): CIFOR, 2014..
  • 21
    CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. [s.l.], ISPN/Conservação Internacional, abr. 2016. p.171.
  • 22
    CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. p.26.
  • 23
    CRITICAL ECOSYSTEM PARTNERSHIP FUND. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do Cerrado. p.26.
  • 24
    BARBOSA, Altair Sales. "O Cerrado está extinto". Jornal Opção (Goiânia), n. 2048, 2014.

Agradecimentos

Este artigo é resultado do projeto de pós-doutorado intitulado "Science, Environment and Society", desenvolvido entre 2017 e 2018 com auxílio financeiro do Rachel Carson Center for Environment and Society (Ludwig-Maxilimilian University of Munich, Alemanha). Agradeço ao professor Christof Mauch e aos colegas do RCC pelas sugestões ao projeto. Também agradeço aos professores Antônio Andrioli, Fernando P. Ferreira e João Alfredo Braida (UFFS) pelas sugestões e contribuições técnicas para este artigo; também menciono o especial apoio do Rockefeller Archive Center (RAC) pelo acesso ao valioso material que originou este artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2018
  • Revisado
    01 Abr 2018
  • Aceito
    16 Abr 2018
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