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Para quem e por que produzimos?

For Whom and Why Do We Produce?

No início do mês de julho, a Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais sediou o VII Fórum de Cultura Científica, cujo tema era a criação de políticas institucionais de divulgação científica. A Equipe Varia Historia esteve presente neste evento e pode ouvir os debatedores convidados: Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, e Evaldo Vilela, presidente da Fapemig.1 1 O evento também foi filmado e está disponível no Youtube no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=NLueQbCwDh8&feature=share; Acesso em: 20 jul. 2018. Foram discutidos diversos temas relacionados ao papel das universidades e das agências de fomento na divulgação científica, como as políticas institucionais nesse sentido, os obstáculos para a sua realização e as diversas formas de divulgar o que vem sendo produzido por pesquisadores a partir dos meios e suportes próprios de uma sociedade digital.

A discussão em torno das formas de divulgação científica parece se fortalecer a cada dia. Como exemplos neste sentido, vale mencionar as diversas matérias sobre a temática publicadas pelo Blog SciELO em Perspectiva e por portais como o Periódicos de Minas. Outra iniciativa é a criação, no Brasil e internacionalmente, de pós-graduações destinadas à divulgação científica.2 2 Em 2015, a revista da Fapesp publicou uma nota sobre o mapeamento dos cursos de pós-graduação em divulgação científica existentes na América Latina e Caribe: http://agencia.fapesp.br/cursos-de-pos-graduacao-em-divulgacao-cientifica-na-america-latina-serao-mapeados/20763/; Acesso em: 20 jul. 2018. Por fim, um último exemplo que poderíamos citar aqui foi o desafio lançado por Dalton Ludwick aos seus pares para contarem o que pesquisavam, utilizando para isso os 140 caracteres do Twitter, com a hastag #MyOneScienceTweet.3 3 #MinhaCiênciaEmUmTweet, divulgação científica e valorização da ciência: https://www.periodicosdeminas.ufmg.br/minhacienciaemumtweet-divulgacao-cientifica-e-valorizacao-da-ciencia/; Acesso em: 20 jul. 2018. Isso porque o problema da comunicação dos cientistas com a sociedade tem sido entendido como elemento fundamental, inclusive, para justificar o dinheiro destinado à ciência, ainda mais em tempos de escassez de recursos, de incerteza política e de críticas à universidade pública, lugar por excelência da produção científica. Iniciativas interessantes neste sentido (embora não consensuais entre a comunidade acadêmica) são os editais de agências de fomento que tornam obrigatório ao pesquisador, como um dos produtos finais de seu projeto, a elaboração de um vídeo sobre a pesquisa desenvolvida, destinado ao público não especializado. Aliás, cabe lembrar que o CNPq premia, desde 1978, pesquisadores que se dedicaram à divulgação científica e tecnológica com um prêmio que ganhou o nome de um intelectual reconhecido pelo seu trabalho nesta área, o professor José Reis (MENDES, 2006MENDES, Marta Ferreira Abdala. Uma perspectiva histórica da divulgação científica: a atuação do cientista-divulgador José Reis (1948-1958). Tese (Doutorado em História) - Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ. Rio de Janeiro, 2006.). A novidade, no caso dos editais, parece ser a divulgação para um público não especializado como produto obrigatório, a ser apresentado após a captação e uso de um recurso público.

O debate promovido pela UFMG nos chamou atenção pela pertinência, sem dúvidas, mas também por três questões que, de certa forma, ficaram à margem do que foi discutido na ocasião ou foram apenas tangenciadas, sem muito espaço para aprofundá-las. Não é nosso intuito utilizar o editorial para discuti-las mais a fundo. Mas, acreditamos que é interessante, ao menos, explicitá-las. Primeiramente, vale ressaltar a ausência de uma fala mais específica sobre como pensar a divulgação científica levando em consideração as peculiaridades das áreas de conhecimento, já que, muitas vezes, discussões sobre o tema são capitaneadas por pesquisadores das ciências exatas e biomédicas, não contando com pesquisadores das ciências humanas. É claro, no entanto, que essa ausência pode indicar também o quanto os debates em torno das formas de divulgar o conhecimento científico são mais robustos nas outras áreas do conhecimento.

Um segundo ponto diz respeito ao próprio trabalho acadêmico. No fundo, a discussão em torno da divulgação científica aponta para a questão dos públicos e, com isso, nos convida a repensar o que nós pesquisadores produzimos e como produzimos. Em outras palavras, nos obriga a considerar que trabalhos de divulgação científica, o esforço de comunicar os resultados de uma pesquisa para um grupo maior ou mais diversificado de pessoas, precisam ser considerados pelas universidades, Programas de Pós-Graduação e agências de fomento como trabalho intelectual tanto quanto outros tipos de produções tradicionalmente desenvolvidas e já incorporadas ao cotidiano de trabalho dos pesquisadores/professores.

Por fim, uma última questão diz respeito ao papel dos periódicos para a divulgação dos resultados das pesquisas científicas. Evidentemente, os periódicos científicos são lidos por um público restrito, composto por profissionais das respectivas áreas de conhecimento. Mas, tem sido cada vez mais comum o esforço de algumas revistas em tentar se comunicar com um público maior, formado, por exemplo, por professores da educação básica e por um público não especializado, mas que pode se interessar pelas mais diversas temáticas relacionadas às distintas áreas, de genética à ditadura militar, passando pelo problema das mudanças climáticas. Parte deste público talvez não leia diretamente o artigo produzido pelo especialista, mas pode se interessar por um post no Facebook, um tuíte ou uma pequena reportagem ou vídeo veiculados em um blog de divulgação científica. Materiais que podem, inclusive, ser utilizados nas salas de aula da Educação Básica. Ou seja, parece que tem sido exigido cada vez mais das revistas não só promover a comunicação entre os pares, como também pensar em meios de comunicação da produção científica para um grupo maior de pessoas. Varia Historia tem tentado contribuir nesse sentido, a partir de práticas como a presença nas redes sociais e no youtube, onde temos um canal em que convidamos autores e pesquisadores a falar sobre seus artigos e temas de pesquisa;4 4 Recentemente, foram ao ar quatro entrevistas da série Diálogos Necessários, feita em parceria com o Encontro de Pesquisa em História da UFMG. Cada vídeo da série reuniu 2 pesquisadores para discutir um tema mais geral, relacionado às pesquisas específicas que vêm desenvolvendo. Essas e outras entrevistas podem ser acessadas no link: https://www.youtube.com/channel/UCD4EbWEXNyTAirlemvy3UPw; Acesso em: 20 jul. 2018. ou ainda divulgando, no Blog SciELO em Perspectiva - Humanas, os artigos publicados na revista, mas utilizando para isso uma linguagem distinta, que contemple um público para além daquele que já conhece e lê os artigos da revista.

Neste número, temos o prazer de apresentar aos leitores o dossiê “Imprensa e Mediadores Culturais: ciência, história e literatura”, reunindo artigos interessados em pensar a ação dos mediadores culturais e suas atuações na imprensa, produzidos por pesquisadores que, em parte, participaram de um projeto anterior, também interessado em pensar as múltiplas possibilidades trazidas pela atuação dos chamados “intelectuais mediadores” (Hansen; Gomes, 2016GOMES, Angela de Castro e HANSEN, Patrícia. Intelectuais mediadores: práticas culturais e projetos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2016.). Falar de mediação cultural é certamente trazer a questão do público e da divulgação para o universo de preocupação dos historiadores. Mas não só isso. Em um momento em que a questão da divulgação científica é tão discutida e em que tanto se fala, inclusive dentro das universidades, da necessidade dos intelectuais e pesquisadores saírem da “torre de marfim” e se dirigirem a um público mais amplo, estudarmos a atuação desses intelectuais no passado talvez nos ajude a pensar que essa discussão não é tão nova quanto parece ser.

Agradecimentos

Não poderia terminar este editorial sem agradecer o esforço e a parceria das três pesquisadoras que organizaram o instigante dossiê “Imprensa e Mediadores Culturais: ciência, história e literatura”: Angela de Castro Gomes, Kaori Kodama e Maria Rachel Fonseca. Agradeço, ainda, à equipe Varia Historia, um grupo que, por acaso, foi se configurando como integralmente formado por mulheres, todas interessadas no debate científico e na divulgação da pesquisa histórica, estudantes dos cursos de graduação e de pós-graduação em história da UFMG. É essa equipe que faz a revista funcionar em seu cotidiano e nos seus pormenores. Trabalho miúdo e fundamental. Integrante dessa equipe, agradeço a Paula Oliveira, pela conversa virtual que levou à produção desse editorial. Este número não seria possível sem o apoio da Capes, do CNPq e do PPGH/UFMG.

Referências bibliográficas

  • GOMES, Angela de Castro e HANSEN, Patrícia. Intelectuais mediadores: práticas culturais e projetos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2016.
  • MENDES, Marta Ferreira Abdala. Uma perspectiva histórica da divulgação científica: a atuação do cientista-divulgador José Reis (1948-1958). Tese (Doutorado em História) - Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ. Rio de Janeiro, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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