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Reis negros, cabanos, e a Guarda Negra: Reflexões sobre o monarquismo popular no Brasil oitocentista1 1 As seguintes abreviaturas são usadas nas notas: AFCRB (Arquivo da Fundação Casa de Rui Barbosa), AHEx (Arquivo Histórico do Exército), AHMI (Arquivo Histórico do Museu Imperial), APAl (Arquivo Público de Alagoas), APEPe (Arquivo Público do Estado de Pernambuco), BN/SM (Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos), BPBL (Biblioteca Pública Benedito Leite), NARS (United States, National Archives and Records Service), PRO/FO (Great Britain, Public Record Office, Foreign Office). Uma versão preliminar deste texto foi apresentada ao colóquio “Popular Royalism in the Revolutionary Atlantic World”, na Yale University, 28-29 de outubro de 2016. Agradeço o convite e os comentários dos participantes. A revisão do português é de Pedro Falk e de Isabel Fandino.

Resumo

Analisando três casos de monarquismo popular no final da Colônia e no Império brasileiro, este artigo sustenta que o monarquismo popular constituía um elemento importante, embora nem sempre reconhecido, da política popular. O apoio popular à monarquia e os esforços dos integrantes das classes baixas para se associarem aos reis e aos imperadores eram, com frequência, vistos como ameaças radicais aos detentores do poder. Baseado nos trabalhos de estudiosos da cultura e da política popular brasileira, manuscritos, periódicos e observações de estrangeiros, este artigo focaliza no costume, do final da época colonial, das irmandades negras em eleger reis (e outros indícios de visões afro-brasileiras da monarquia), na Revolta dos Cabanos em Pernambuco (1832-1835), e na onda do apoio popular à monarquia que varreu o Brasil nos dezoito meses entre a Abolição da escravidão (13 de maio de 1888) e a proclamação da República (15 de novembro de 1889). Cada um desses episódios demonstra como a compreensão popular da monarquia com frequência estruturava demandas radicais.

Palavras-chave
império brasileiro; monarquismo popular; política popular

Abstract

Examining three instances of popular royalism in late-colonial and imperial Brazil, this article argues that popular royalism constituted an important, if not always acknowledged, element of popular politics. Popular support for the monarchy and the efforts of members of the lower classes to associate with kings and emperors were frequently perceived as radical challenges to those who held power. Based on the work of scholars who have examined Brazilian popular culture and politics, archival sources, newspapers, and foreigners’ observations, this article focuses on the late-colonial custom of electing black kings in brotherhoods (and other indications of Afro-Brazilian understandings of monarchy), the 1832-1835 Cabanos Rebellion in Pernambuco, and the wave of popular support for the Brazilian monarchy that swept the country in the eighteen months between slavery’s abolition (13 May 1888) and the republic’s proclamation (15 November 1889). Each of these episodes demonstrates how popular understandings of monarchy frequently framed radical claims.

Keywords
empire; popular royalism; popular politics

O monarquismo popular - o tema desse dossiê - coloca em debate problemas particulares para a compreensão da história do Brasil oitocentista. O significado histórico do loyalism anglo-americano e do monarquismo popular da América espanhola deriva da sua rejeição ao republicanismo. As primeiras histórias republicanas da independência fizeram coro ao desdém dos patriotas pelos integrantes das classes baixas (bem como os membros da elite) que deixaram de abraçar as novas e modernas instituições e que se apegavam à monarquia. Iludidos por padres, obstinadamente incapazes de reconhecer os seus próprios interesses, e mesmo sem condições de compreender o republicanismo e o Estado-nação que emergia, esses monarquistas populares eram réprobos a serem reprimidos ou cobertos de alcatrão e enfeitados de penas (tarred and feathered) antes de serem expulsos da comunidade. Os historiadores empenhados em legitimar os novos Estados-nação ecoaram os patriotas frustrados e empregaram um vocabulário rico para castigar tanto os monarquistas populares como os da elite (Echeverrí, 2016ECHEVERRÍ, Marcela. Indian and Slave Royalists in the Age of Revolution: Reform, Revolution, and Royalism in the Northern Andes. Cambridge: Cambridge University Press, 2016.; Straka, 2007STRAKA, Tomás. La voz de los vencidos: ideas del partido realista de Caracas (1810-1821), hechos y gente. Caracas: Bid & Co., 2007.). Nesses pontos, não se diferenciaram dos defensores e dos apologistas do império brasileiro, que fustigaram os populares republicanos com palavras igualmente fortes. O marquês de Barbacena lamentou, em 1827, que a província da Bahia estava inundada de propaganda: “Morra o Imperador que é um tirano; morram os portugueses que são nossos inimigos, e estabelecemos uma república como os outros do continente americano”, proclamaram os membros de clubes compostos do que ele julgava a “canalha mais desprezível, porém a mais criminosa do mundo”.2 2 Marquês de Barbacena para D. Pedro I, Salvador, 3 set. 1827, AHMI, II-POB-04.09.1827 Hor.c 1-20. Francisco Adolfo Varnhagen, cuja história do Brasil escrita em meados do século é considerada a história “oficial” do império, manifestou tanto desdém para com os movimentos republicanos derrotados de 1789, 1798 e 1817, quanto os seus contemporâneos republicanos mostraram para com os monarquistas.3 3 Francisco Adolpho Varnhagen. História geral do Brazil ..., 2 vols. Rio de Janeiro: E. & H. Laemmert, 1854-1857, vol. 2. p.281-282, p.292-295, p.373-374. Se o monarquismo popular hispano- e anglo-americano fosse uma escolha política razoável e racional para alguns das classes populares, derivada da sua experiência social, econômica e política, e facilmente compreensível diante da opção da elite pelo republicanismo, o monarquismo popular na América portuguesa teria significados um pouco diferentes, embora igualmente contestatórias.

A sociedade brasileira carecia das bases institucionais que apoiaram o monarquismo popular andino, principalmente as comunidades indígenas e camponesas, relativamente autônomas, que geraram o monarquismo indígena analisado por Marcela Echeverri (2016)ECHEVERRÍ, Marcela. Indian and Slave Royalists in the Age of Revolution: Reform, Revolution, and Royalism in the Northern Andes. Cambridge: Cambridge University Press, 2016., que também serviu de modelo para os escravos monarquistas que ela analisa (ver também Serulnikov, 2013SERULNIKOV, Sergio. Revolution in the Andes: The Age of Tupac Amaru. Translated by David Frye. Durham: Duke University Press , 2013., p.31-34; Saether, 2005SAETHER, Steinar Andreas. Independence and the Redefinition of Indianness around Santa Marta, Colombia, 1750-1850. Journal of Latin American Studies, vol. 37, n. 1, p.55-80, 2005., p.68-74; Thibaud, 2003THIBAUD, Clément. Repúblicas en armas: los ejércitos bolivarianos en la guerra de Independencia en Colombia y Venezuela. Tradução de Nicolás Suescún. Bogotá: Editorial Planeta, 2003., p.107-124). Na verdade, comunidades indígenas com certa autonomia existiram nas margens da economia de plantation (Almeida, 2003ALMEIDA, Maria Regina Celestina de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.), mas com umas poucas exceções (uma das quais discuto neste artigo), não foram significantes para o desenvolvimento político e econômico do Brasil oitocentista. As instituições coloniais que abriram alguns espaços para brasileiros afrodescendentes - as irmandades leigas católicas e os corpos milicianos de homens negros - em geral não foram suficientes para nutrir um monarquismo popular duradouro, embora haja alguns indícios dessa dinâmica. Dada a relativa curta duração e o relativo pequeno porte da guerra pela Independência (e o fato de que ambos os lados defenderam posições monárquico-constitucionais), também não houve a possibilidade da emergência de grupos de monarquistas populares autônomos como os llaneros de José Tomás Boves (Thibaud, 2003THIBAUD, Clément. Repúblicas en armas: los ejércitos bolivarianos en la guerra de Independencia en Colombia y Venezuela. Tradução de Nicolás Suescún. Bogotá: Editorial Planeta, 2003., p.149-214).

A historiografia recente sobre a Independência e o império brasileiro tem demonstrado que as classes populares participaram ativamente nas lutas em torno da criação do Estado brasileiro e se empenharam na política imperial (Ribeiro, 2002RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.; Basile, 2009BASILE, Marcello. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840). In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial, vol. 2: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.55-119., p.62-72; Alonso, 2015ALONSO, Angela. Flores, votos, balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88). São Paulo: Companhia das Letras , 2015.; Castilho, 2016CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2016.; Kraay, 2006KRAAY, Hendrik. Muralhas da Independência e liberdade do Brasil: a participação popular nas lutas políticas (Bahia, 1820-1825). In: MALERBA, Jurandir (org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2006. p.303-341.; 2015). Essa política popular, por vezes, tomou formas realistas ou monarquistas que as autoridades julgaram impróprias, pois visões populares da monarquia provocavam reivindicações (com frequência, radicais) ao Estado ou demandas para mudanças significativas. A primeira parte deste artigo analisa alguns exemplos dispersos de monarquismo popular na época da Independência com o intuito de repensar as afirmações um tanto especulativas de alguns historiadores culturais sobre visões populares do regime imperial. A segunda parte destaca o movimento restaurador da década de 1830 em Pernambuco e em Alagoas. Sob a bandeira de restaurar D. Pedro I ao trono que abdicara em 7 de abril de 1831, o povo rural se insurgiu na dita Guerra dos Cabanos, cuja repressão foi muito difícil. Um terceiro exemplo de monarquismo popular é o apoio aparentemente entusiasta à família imperial no final da década de 1880, especialmente depois da Abolição (13 de maio de 1888), na qual o imperador D. Pedro II e a herdeira ao trono, Princesa Isabel, tiveram ao que parecia papeis importantes. Breves surtos de violência antirrepublicana depois do ocaso da monarquia (15 de novembro de 1889) induziram o novo regime a reprimir esses monarquistas populares afro-brasileiros.

Em cada uma dessas partes, demonstro como o monarquismo era um fio importante da política popular, que integrantes das classes populares agiam politicamente empregando a linguagem monárquica que lhes possibilitou fazer reivindicações ao Estado imperial. Não sustento que os monarquistas populares discutidos neste artigo foram mais representativos das classes baixas do que, por exemplo, o homem pardo, José Dias, que costumou declamar em Salvador contra o recém-abdicado D. Pedro I e seu sucessor, o jovem D. Pedro II, convocando seu público a lutar pelo federalismo e pela república (Reis, 2012REIS, João José. Cor, classe, ocupação etc.: o perfil social (às vezes pessoal) dos rebeldes baianos (1823-1833). In: REIS, João José; AZEVEDO, Elciene (org.). Escravidão e suas sombras. Salvador: EdUFBa, 2012. p.279-314., p.313). Antes, minha intenção é demonstrar que, para muitos, o monarquismo representou uma estrutura ideológica para articular demandas políticas populares. Muito disso foi além do aceitável aos detentores do poder ou, no caso do apoio popular à monarquia em 1888-1889, aos republicanos que pouco depois tomaram o poder.

Reis negros e outras manifestações “inconvenientes” de monarquismo popular

Como outros regimes, o império brasileiro procurou criar a imagem do apoio popular no seu ritual cívico (Kraay, 2013KRAAY, Hendrik. Days of National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823-1889. Stanford: Stanford University Press , 2013.). Os relatos dos festejos dos aniversários dos imperadores e de suas viagens pelo interior do vasto império incluíram com frequência referências à presença do povo, seus vivas nos momentos convenientes, e seu animado apoio à monarquia. Em 1843, o Correio Mercantil de Salvador declarou que o aniversário do imperador “foi e sempre será ... um dos seus mais faustos dias, desses que o povo espera com prazer para dar expansão aos generosos sentimentos que em seu coração superabundam”. A “alegria” popular foi acompanhada por “todas as desordens de seu êxtase, desordens sem maus resultados - verdadeira poesia do povo, que desse modo traduz as suas inspirações”.4 4 O Dia 2 de Dezembro, Correio Mercantil, Salvador, 5 dez. 1843. Depois da visita de D. Pedro II à Bahia em 1859, o futuro barão de Cotegipe comentou que a viagem foi um grande sucesso político: “a população ficou fanática - Deus a conserve no seu amor à monarquia”, acrescentou.5 5 João Mauricio Wanderley para Francisco Inácio de Carvalho Moreira, Salvador, 12 dez. 1859. In: PINHO, 1937, p.659, n. 1.

Muito disso pode ser descartado como uma ilusão por parte de homens como Cotegipe, como propaganda, ou mesmo como o legado de convenções do Antigo Regime sobre como se escrevia relatos de festas (festival books), que prescreviam um papel específico e subordinado para o povo. Às vezes, esses relatos informavam o que deveria ter acontecido ao invés do que efetivamente aconteceu. Após a instauração da liberdade de imprensa no final de década de 1820, os jornais oposicionistas normalmente noticiavam um entusiasmo popular muito menor nos dias de festejo nacional do que os periódicos governistas. Assim sendo, os relatos oficiais das festas cívicas nos dizem relativamente pouco sobre as atitudes populares para com a monarquia. Por mais que o povo baiano amasse seu monarca em 1859, os organizadores da visita nutriram dúvidas, e o poeta satírico, João Nepomuceno da Silva, condenou as tentativas de excluir as classes populares do desembarque de D. Pedro II no Arsenal da Marinha: “E o grande arsenal se apinha de povo / Não entram negros que não têm monarca / Os pobres também não, que não têm rei” (citado em Querino, 1955QUERINO, Manuel. A Bahia de outrora. 3ª ed. Salvador: Progresso, 1955., p.225). Da mesma forma, em momentos incautos, monarquistas conservadores declararam seu desdém para com o povo: a matéria do Correio Mercantil de 1843 concluiu que “panem et circenses foi sempre a sua divisa”.6 6 O Dia 2 de Dezembro, Correio Mercantil, Salvador, 5 dec. 1843.

O historiador Ronald Pereira de Jesus argumenta, enfaticamente, que a atitude predominante da maior parte da população do Rio de Janeiro diante do monarca foi de “indiferença”, interrompida por “abordagens pragmáticas e personalistas do imperador, da família real e da coroa” (Jesus, 2009JESUS, Ronaldo Pereira de. Visões da monarquia: escravos, operários e abolicionismo na Corte. Belo Horizonte: Argumentum, 2009., p.38); em outras palavras, souberam como empregar estrategicamente a retórica monarquista quando solicitaram favores da coroa. O costume dos imperadores de receber, em audiência, os súditos que queriam levar as suas necessidades à sua pessoa, bem como a prática de requerer, encorajou tais apelos pragmáticos. Durante a sua visita à Salvador em 1826, D. Pedro I recebeu 1.200 requerimentos e levou dias para despachá-los.7 7 Anotações de 3, 6, 10, e 11 de março de 1826, “Diario”, AHMI, I-POB-28.02.1826 PI.B.do. Um grande número de pessoas se deslocou para o palácio em São Cristóvão nos arredores do Rio de Janeiro para a audiência semanal em que D. Pedro II recebia seus súditos (Barman, 1999BARMAN, Roderick J. Citizen Emperor: Pedro II and the Making of Brazil, 1825-1891. Stanford: Stanford University Press , 1999., p.180-182; SILVA, 1993SILVA, Eduardo. Prince of the People: The Life and Times of a Free Man of Colour. Translated by Moyra Ashford. London: Verso, 1993., p.71-80).

Todavia, evidências dispersas sugerem que a compreensão popular da monarquia brasileira ia além do pragmatismo, embora não tenha chegado ao nível do amor incondicional presente na propaganda imperial. Começo com algumas anedotas, muitas das quais já analisei em outros trabalhos. Em 1824, José Vicente de Santana, um tenente demitido do batalhão miliciano de homens negros da cidade de Salvador, que há muito tempo residia no Rio de Janeiro, se ofereceu para organizar uma companhia de espadachins negros baianos para defender D. Pedro I contra os ataques dos portugueses (na época, corriam boatos sobre uma iminente invasão portuguesa).8 8 Requerimento de José Vicente de Santana a D. Pedro I, ca. 1824, AHEx, Requerimentos, JZ-173-4911. Alguns meses depois, Santana se apresentou ao palácio na qualidade de secretário de Manoel Alvarez (em alguns documentos, Alves ou Abreu) Lima, o embaixador “do Imperador de Benin dos Reis da África”; enfim houve uma troca de presentes entre o imperador brasileiro e seus colegas africanos, sendo assim os primeiros monarcas que reconheceram a independência brasileira.9 9 Henry Chamberlain para George Canning, Rio de Janeiro, 29 jan. 1825, PRO/FO 13, v. 8, fols. 109r-110r; FAZENDA, 1923, p.473; SOARES, 2014, p.255-256; KRAAY, 2006, p.303-304; GUIZELIN, 2015.

Alguns anos depois, o preocupado juiz de paz da freguesia de Brotas, em Salvador, escreveu ao presidente da província sobre uma iminente “catástrofe” em um distrito próximo, mas fora da sua jurisdição. As tolerantes autoridades locais permitiram os “pretos” a organizar uma festa, na qual houve “bandeirolas, partidos, e vozes de viva o Senhor Dom João, e o Senhor Dom Pedro, que a muito custo se acomodou, e foi tanto o povo, que em um só dia matou-se um Boi, comeu-se, além do mais, e teve gente de várias cores”.10 10 Juiz de Paz para Presidente, Brotas (Salvador), 28 ago. 1829. In: REIS; SILVA, 1989, p.129. Ver também KRAAY, 2001a, p.80. No dia 7 de setembro de 1841, Salvador festejou a coroação de D. Pedro II, que foi realizada no Rio de Janeiro em julho. O Correio Mercantil informou que os festejos foram um grande sucesso, mas esse jornal conservador lamentou que as “belas festas” foram manchadas por “tumultuosos e numerosos batuques de africanos ... de dia, e às vezes até alta noite”. Houve tantos desses ajuntamentos que pareceram “parte integrante do programa das festas”, e um visitante estrangeiro facilmente julgaria a cidade “uma povoação africana”. Um número não pequeno de pessoas havia reclamado disso ao redator, principalmente no dia 10 de setembro quando os fogos de artifício no Campo Grande tiveram que concorrer com um batuque de 500 pessoas na Praça da Piedade, não longe do Campo.11 11 Correio Mercantil, Salvador, 30 set. 1841. Ver também: REIS, 2002, p.124-127.

A proposta para uma escolta negra para o imperador; uma missão diplomática africana no Rio de Janeiro imperial; um churrasco festivo e multirracial, aparentemente patriótico; e uma celebração africana ao lado dos festejos da coroação - todos são incidentes secundários, mas possibilitam a análise de dimensões do monarquismo popular afro-brasileiro que vão além do monarquismo popular artificialmente construído nas festas cívicas e levantam questões acerca da indiferença sustentada por Jesus. Lilia Moritz Schwarcz sugere que um “rico imaginário acerca da realeza” floresceu nas margens dos rituais cívicos e em festas populares. “As grandes datas cívicas”, continua, “se ajustavam ao formato dos cortejos populares e ganharam novos adornos e leituras” (Schwarcz, 1999SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2a ed. São Paulo: Companhia das Letras , 1999., p.248, 257, 260; ver também p.19-21). Chamando atenção para a frequência com que os quilombos foram liderados por quem as autoridades chamavam de “reis” e “rainhas”, João José Reis sugere que houve uma “mentalidade monarquista” entre afro-brasileiros, “recriada de concepções africanas de liderança, reforçadas numa colônia e depois num país governado por cabeças coroadas” (Reis, 1995-1996REIS, João José. Quilombos e revoltas escravas no Brazil. Revista USP, vol. 28, p.14-39,1995-1996., p.32; ver também Souza, 1998SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Editora UNESP, 1998., p.230-233). Os batuques que aparentemente mancharam os festejos da coroação em Salvador são um exemplo das releituras mencionadas por Schwarcz, enquanto as eleições anuais de reis e rainhas negras pelas irmandades afro-brasileiras representavam uma forma de monarquismo popular público e legítimo, paralelo ao que Reis observa nos quilombos. Martha Abreu vai além e liga a evolução da festa do Divino Espírito Santo (Pentecostes), na qual se elegia anualmente um menino imperador, para a ascensão e a queda da monarquia. Ela cita a afirmação do folclorista Luís da Câmara Cascudo de que José Bonifácio de Andrada e Silva, o conselheiro principal de D. Pedro I na época da Independência, recomendou que o novo monarca adotasse o título de imperador, pois o povo estava mais acostumado com ele do que com o título de rei (Câmara Cascudo, s.d.CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, n.d., p.356; Abreu, 1999ABREU, Martha. O império do divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999., p.46-47, p.385-386).

Com frequência, o ritual monárquico do final da época colonial incluía a participação de afro-brasileiros, que às vezes encenavam “embaixadas” e “reinados do Congo”, espetáculos em que comemoravam a conversão do reinado do Congo ao cristianismo como a fundação de uma comunidade católica negra. Essas representações foram estreitamente ligadas às eleições de reis e rainhas pelas irmandades negras, amplamente difundidas do século XVIII ao século XIX (Souza, 2002SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de Rei Congo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002., p.18-19, p.297; Kiddy, 2002KIDDY, Elizabeth W. Who Is the King of Kongo? A New Look at African and Afro-Brazilian Kings in Brazil. In: HEYWOOD, Linda M. (org.). Central Africans and Cultural Transformations in the American Diaspora. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p.153-182.; Mac Cord, 2003MAC CORD, Marcelo. Identidades étnicas, Irmandade do Rosário e Rei Congo: sociabilidades cotidianas recifenses (século XIX). Revista Campos n. 4, p.51-66, 2003.; Lara, 2007LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras , 2007., p.180-192; M. Soares, 2011SOARES, Mariza de Carvalho. People of Faith: Slavery and African Catholics in Eighteenth-Century Rio de Janeiro. Translated by Jerry D. Metz. Durham: Duke University Press , 2011., p.138-142, p.174-176, p.183-221; Fromont, 2013FROMONT, Cécile. Dancing for the King of Congo from Early-Modern Central Africa to Slavery-Era Brazil. Colonial Latin American Review, vol. 22, n. 2, p.184-208, 2013.). Com frequência, as autoridades condenavam os “reinados negros” como um dos “muitos abusos ... perniciosos” que, segundo o vice-rei em 1728, difundia-se pelo Brasil; um padre comentou em 1771 que, depois de um escravo servir como um rei, ele não prestava para mais nada (Lara, 2007LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras , 2007., p.214; Kiddy, 2005, p.78, p.98).12 12 Consulta, Conselho Ultramarino, 25 jan. 1729. Documentos Históricos, n. 90, 1950. p.175. Os reis e as rainhas negras aparentemente gozaram de muito respeito por parte dos seus súditos e as eleições disputadas, às vezes, chegavam aos ouvidos da polícia, mas em 1813 o intendente do Rio de Janeiro julgou melhor não adjudicar os direitos de dois pretendentes ao trono da “nação cassange” (Farias; Soares; e Gomes, 2005FARIAS, Juliana Barreto; SOARES, Carlos Eugênio Líbano; GOMES, Flávio dos Santos. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional 2005., p.54-56). Na década de 1820, Jean-Baptiste Debret relatou que a eleição de reis e de rainhas foi proibida no Rio de Janeiro e só podia ser vista em outras províncias.13 13 DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. 3 vols. in 2. Traduzido por Sérgio Milliet. São Paulo: Livraria Martins e Editora da Universidade de São Paulo, 1972, vol. 2, p.219. Ele acrescenta que sua imagem de um rei e uma rainha da irmandade do Rosário no ato de pedir esmolas era do Rio Grande do Sul. Kiddy demonstra a persistência dos reinados em Minas Gerais. KIDDY, 2005, p.147-148, p.185. Ademais, o ritual cívico do Império não manteve espaços para as representações monárquicas afro-brasileiras; como um regime liberal, o Império pôs fim às representações corporativas dos grupos subalternos no corpo político, características do regime colonial.

A eliminação dos privilégios corporativos nas décadas de 1820 e 1830, através das reformas liberais, foi muito difícil para homens como José Vicente de Santana e outros oficiais da milícia segregada. A sua proposta para uma guarda negra foi, provavelmente, recebida com risadas pelos oficiais do Ministério do Exército quando tomaram nota da mesma e a engavetaram, mas foi coerente com o firme apoio dos milicianos negros ao regime imperial na década de 1820. Tendo lutado pela Independência, os oficiais negros baianos se viram como defensores leais do imperador. Eles foram a última linha de defesa contra o movimento radical-liberal, o Levante dos Periquitos em Salvador em 1824 e, posteriormente, eles cumpriram lealmente com a sua obrigação de policiar a cidade quando os batalhões do exército lutavam na Guerra Cisplatina (1826-1828). Chocados pela abolição abrupta da milícia em 1831 e a organização da Guarda Nacional, uma corporação liberal na qual não se distinguia a cor (e na qual nenhum ex-oficial da milícia negra foi eleito oficial), os milicianos negros clamaram o reconhecimento dos seus privilégios corporativos, todavia, enquadrando suas demandas dentro da retórica liberal. Finalmente, se juntaram a Sabinada (1837-1838), uma revolta quase-republicana, que restaurou a milícia segregada e devolveu os postos aos seus oficiais. Muitos sofreram severamente durante a repressão, mas a tradição de serviço militar por parte de homens negros à coroa perdurou e alguns dos oficiais negros sobreviventes (ou seus filhos) destacaram-se na organização das companhias de homens negros, os zuavos, mobilizadas na Bahia no início da Guerra do Paraguai em 1865. Porém, pouco depois da invasão da Tríplice Aliança no Paraguai em meados de 1866, os comandantes brasileiros extinguiram as unidades segregadas (Kraay, 2001bKRAAY, Hendrik. Race, State, and Armed Forces in Independence-Era Brazil: Bahia, 1790s-1840s. Stanford: Stanford University Press , 2001b.; 2003KRAAY, Hendrik, Identidade racial na política, Bahia, 1790-1840: o caso dos Henriques. In: JANCSÓ, István (org.) Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo and Ijuí: HUCITEC; Ed. UNIJUÍ, FAPESP, 2003. p.521-546.; 2012KRAAY, Hendrik. Os companheiros de Dom Obá: os zuavos baianos e outras companhias negras na Guerra do Paraguai”. Afro-Ásia, vol. 46, p.121-161, 2012.).

O embaixador Lima foi o último de um longo séquito de diplomatas oeste-africanos que passaram pela Bahia rumo a Lisboa. Retornando da capital portuguesa, ele acabou ficando em Salvador sem condições de seguir viagem por causa da guerra pela Independência. De lá, ditou várias cartas a D. Pedro I, relatando o movimento das tropas e dos navios, bem como as condições na cidade. As autoridades portuguesas eventualmente o prenderam sob suspeita de espionagem.14 14 Manoel Abreu Lima para D. Pedro I, Salvador, 9 fev., 1º abr., e 23 mai. 1823, BN/SM, II-33, 28, 054; e 7 jul. 1823, Salvador, BN/SM, II-33, 29, 1. A julgar pela observação do ministro britânico de que Lima era considerado “estúpido e incompreensível”, muitos não o levaram a sério, mas a sua ligação com os oficiais negros, como Santana, sugere o reconhecimento mútuo de status. Na Bahia, Lima contou com um certo Capitão Francisco Durão Sampaio para escrever sua correspondência; é possível que Sampaio também fosse oficial da milícia negra.

Como seus antecessores, D. Pedro I sabia da importância da manutenção de relações cordiais com os reis africanos que controlavam o fornecimento de escravos, mas também sabia que reis negros ameaçavam simbolicamente as hierarquias sociais da sociedade escravista brasileira. Entre 1750 e 1812, nada menos que sete missões diplomáticas africanas passaram pelo Brasil a caminho de Portugal, e Silvia Hunold Lara analisa as dificuldades enfrentadas pelos governadores coloniais em recebê-los adequadamente e em facilitar as suas viagens a Lisboa. Receber os africanos com pompa e fausto em excesso ameaçava a ordem social da escravidão e os governadores procuravam submeter às recepções dos embaixadores às festas cívicas ou religiosas já programadas, que exaltavam a monarquia portuguesa (Lara, 2007LARA, Silvia Hunold. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras , 2007., p.192-202).17 17 O príncipe-regente, João, se recusou a receber as embaixadas de 1810 a 1812 e negociou com eles do Rio de Janeiro. SOARES, 2014, p.240-241. Há apenas um indício de como essas embaixadas foram recebidas pela população. O soldado pardo, Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, escreveu no seu diário sobre a chegada de “dois embaixadores de Dagomé enviados a Lisboa pelo seu rei” que fizeram escala na Bahia em 1795 e, talvez com desaprovação, acrescentou: “Não foram recebidos como tais”.18 18 Anotação de 28 mai. 1795, Cadernos de Luiz Gonzaga. Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia, n. 36, 1959. p.465. Se isso é um indício de monarquismo popular que reconhecia a igualdade entre reis africanos e europeus, esse vem de uma fonte improvável: em 1798, Gonzaga foi preso por escrever e divulgar as proclamações que revelaram a existência da Conspiração dos Alfaiates, crime pelo qual pagou com a vida.

O churrasco e os batuques da coroação são mais difíceis de elucidar. O juiz de paz desprezou os vivas patrióticos e monárquicos: “Assim se principiam as sublevações”, declarou. Reclamações sobre batuques e outras festas populares foram recorrentes em Salvador oitocentista, bem como os desentendimentos entre as autoridades locais sobre se (ou sob quais condições) tais festas deveriam ser toleradas (Reis 2002REIS, João José. Tambores e temores: a festa negra na Bahia na primeira metade do século XIX. In: CUNHA, Maria Clementina Pereira (org.). Carnavais e outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002., p.121-129, p.138-139; Reis, 2015REIS, João José. Divining Slavery and Freedom: The Story of Domingos Sodré, an African Priest in Nineteenth-Century Brazil. Translated by H. Sabrina Gledhill. Cambridge: Cambridge University Press , 2015., p.1-31). O desprezo do juiz de paz visava menos o conteúdo dos vivas do que o fato de que eles comemoravam a monarquia de forma independente. É difícil determinar a conexão entre os batuques e a coroação; tais festas foram comuns nos domingos e feriados, e é possível que os africanos simplesmente se aproveitavam do feriadão concedido em honra de D. Pedro II. Mas a sua extensão e sua coincidência com a época da coroação podem indicar uma releitura do conceito de monarquia cuja forma o Correio Mercantil não aceitou e talvez nem compreendesse, como tem argumentado Schwarcz. O que é claro, no entanto, é que esse periódico não aceitou a presença da cultura africana nas (ou ao lado das) festas cívicas brasileiras e que, assim como o juiz de paz, o jornal não se dignou em comentar os motivos dos festeiros.

Em cada um desses episódios, o monarquismo popular afro-brasileiro foi além do aceitável, já que homens e as mulheres passaram a imaginar para si uma maior função na nova monarquia. Nenhum desses incidentes resultou em consequências funestas, algo que foi temido por alguns, mas as suas preocupações talvez representem algo semelhante à avaliação do nacionalismo latino-americano de Miguel Angel Centeno que argumenta que as elites, que construíram os estados, relutaram em incentivar a identificação com o mesmo, pois um nacionalismo ardente demais podia levar a demandas populares indesejáveis (2002, p.31, p.201). Podemos analisá-los também como manifestações de um tipo de monarquismo radical-popular, uma politização das classes baixas que, ao contrário da “modernidade americana republicana [American republican modernity]” de James Sanders, falava um idioma monárquico (2014)SANDERS, James E. The Vanguard of the Atlantic World: Creating Modernity, Nation, and Democracy in Nineteenth-Century Latin America. Durham: Duke University Press, 2014.. Muitos perceberam o potencial radical em se associar com a monarquia para reivindicar uma melhor posição na sociedade. Nesse sentido, o monarquismo popular tinha potencial para subverter a ordem imperial.

Os cabanos

Entre 1832 e 1835, uma insurgência conflagrou as matas na fronteira entre Alagoas e Pernambuco. Os rebeldes - índios, escravos foragidos, e camponeses mestiços - proclamaram uma luta pela restauração de D. Pedro I ao trono. O ex-imperador, agora na Europa e conhecido pelo título de Duque de Bragança, abdicou em favor do seu filho de cinco anos, D. Pedro II, ao invés de curvar-se às demandas de uma coalizão oposicionista heterogênea que buscava sua indicação de um ministério aceitável aos legisladores liberais. A aliança entre exaltados e moderados que levou à abdicação rapidamente se desfez quando os moderados tomaram o poder e implementaram uma série de reformas. Já no início de 1832, os conservadores, conhecidos no Rio de Janeiro como Caramurus, se organizaram em torno de duas insígnias - oposição às reformas constitucionais promovidas pelos moderados e a volta de D. Pedro I. Por vezes, houve alianças táticas de caramurus e exaltados contra moderados e ambos não hesitaram em mobilizar integrantes das classes populares (Basile, 2009BASILE, Marcello. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840). In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial, vol. 2: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.55-119.; Barman, 1988BARMAN, Roderick J. Brazil: The Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford: Stanford University Press, 1988., p.160-216). Em outubro de 1833, o ministro britânico pelejando para explicar a situação política, comentou que: a “força principal” do “partido do ex-imperador” não residia “entre a parte mais respeitável e substancial da comunidade, mas com a canalha desprezível e inconstante das ruas do Rio de Janeiro, pessoas sem caráter nem bens, mulatos e negros livres, com a classe de pequenos lojistas e jornalistas”.19 19 H. S. Fox para Visconde Palmerston, Rio de Janeiro, 19 out. 1833, PRO/FO 13, vol. 99, fol. 108r-v. O principal ponto fraco da campanha dos caramurus em prol da restauração residia na falta de interesse da parte de D. Pedro I em voltar ao Brasil; ele rejeitou os seus convites e se dedicou à campanha para colocar a sua filha no trono português como monarca constitucional (seu irmão absolutista, Miguel, havia usurpado seu trono) (Lustosa, 2006LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I. São Paulo: Companhia das Letras , 2006., p.304-325; Macaualay, 1986, p.254-305).

Convocações para ressarcir o “insulto feito ao nosso adorado Imperador ... no sempre execrável dia de 7 de abril” foram acolhidas com simpatia entre as classes baixas do interior do que é conhecido hoje como o Nordeste do Brasil e moldaram a rebelião do cabanos.20 20 Proclamação de Joaquim Pinto Madeira, Crato, 2 jan. 1832, APEPe, PJ 1, fol. 3r. Essa proclamação foi interceptada em Santo Antão em 15 fev. 1832. Tanto Marcus Carvalho como Jeffrey Mosher destacam que o movimento surgiu dos conflitos dentro da elite de Pernambuco e que as relações clientelísticas levaram as classes populares ao movimento (Carvalho, 2009CARVALHO, Marcus J. M. de. Movimentos sociais: Pernambuco (1831-1848). In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial, vol. 2: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2009. p.121-183., p.150-158; 2011CARVALHO, Marcus J. M. de. Um exército de índios, quilombolas e senhores de engenho contra os “jacobinos”: a Cabanada, 1832-1835. In: DANTAS, Monica (org.). Revoltas, motins, revoluções: homens pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda , 2011. p.167-200., p.170-176; Mosher, 2008MOSHER, Jeffrey C. Political Struggle, Ideology, and State-Building: Pernambuco and the Construction of Brazil, 1817-1850. Lincoln: University of Nebraska Press, 2008., p.113-118). As derrotas da revolta republicana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824, em que ambas conseguiram apoio significativo dos setores da elite provincial, asseguraram a posição dominante de facções conservadoras da elite. A abdicação abalou esse quadro político e homens ligados às rebeliões derrotadas (com frequência, já muito menos radicais) voltaram ao poder. A aldeia indígena de Jacuípe, uma de várias em Alagoas e em Pernambuco cujas sesmarias premiaram seus serviços contra os holandeses ou contra os quilombolas de Palmares no século XVII, forneceram mão de obra às forças monarquistas e imperiais em 1817 e 1824; agora enfrentava um governo hostil (Dantas, 2015DANTAS, Mariana Albuquerque. Os “índios fanáticos realistas absolutos” e a figura do monarca português: disputas políticas, recrutamento e defesa de terras na Confederação do Equador. Clio, vol. 33, n. 2. p.49-73, 2015., p.552-54). Em abril de 1832, um movimento restaurador em Recife, liderado por membros da elite, conquistou amplo apoio de senhores de engenho no sul de Pernambuco e em Alagoas; eles mobilizaram seus clientes e iniciaram contato com Jacuípe. Até essa altura, como lembra Carvalho, o movimento foi um levante típico oitocentista no qual os alijados do poder pegaram em armas para derrubar os novos detentores do poder. A mobilização das classes baixas, todavia, fugiu do controle da elite. A maioria dos senhores de engenho restauradores logo abandonou o campo, e os cabanos ficaram sob a liderança de Vicente Ferreira da Paula, um ex-sargento do exército, presumivelmente o filho de um padre com uma escrava. A força insurgente incluiu índios, roceiros e posseiros (geralmente mestiços) que haviam perdido seu acesso à terra e escravos foragidos que há muito tempo procuravam abrigo nas serras e nas florestas. Esse foi o que o comandante das armas de Pernambuco julgou ser a “guarda avançada da restauração”, frustrado com a recusa deles em aceitarem uma anistia oferecida em fins de 1833.21 21 José Joaquim Coelho para Vicente Pires de Figueredo Camargo, Recife, 19 dez. 1833, APAl, Comando das Armas.

Questões sociais e econômicas estavam subjacentes ao movimento cabano. O avanço da fronteira açucareira deslocava posseiros e ameaçava as terras das aldeias indígenas, enquanto que os senhores de engenho, que se preocupavam com o fim da escravidão, visaram a mão de obra indígena como alternativa. O recrutamento militar ameaçava os recursos de mão de obra das aldeias. Os índios de Jacuípe viviam e trabalhavam nas matas que o governo colonial havia reservado para a produção de madeira para a construção naval, mas perderam sua proteção depois das reformas liberais. Ao destacar essas causas subjacentes, o historiador Luiz Sávio de Almeida minimiza o monarquismo dos cabanos, sugerindo que eles, e especialmente os índios de Jacuípe, procuravam uma aliança com os restauradores para defender os seus interesses materiais (2008, p.49-52, p.153, p.213). Contudo, essa abordagem não faz jus à atração da restauração de D. Pedro I. O primeiro imperador e o absolutismo atribuído a ele por seus críticos representavam para os cabanos uma era antes das ameaças ao seu modo de vida (Carvalho, 1996CARVALHO, Marcus J. M. de. Os índios de Pernambuco no ciclo de insurreições liberais, 1817/1848: ideologias e resistência. Revista da SBPH, vol. 11, p.51-69, 1996., p.58-63).

Por mais que as autoridades desqualificassem os cabanos como bandos de “salteadores”, responsáveis por “roubos, assaltos, violências e assassinatos”, ou lamentassem a falta de “boa educação e bons costumes em nossos povos” que impediam o avanço da civilização, eles não podiam deixar de levar os rebeldes a sério.22 22 Sebastião Jozé Muniz Albuquerque para Manoel Zeferino dos Santos, Flores, 10 set. 1833, APEPe, JP 7, fol. 114r; Bruno Camello Cav.te Pessoa para President of Pernambuco, São Mateus, 22 nov. 1833, APEPe, JP 7, fol. 274r. O movimento liderado por Vicente de Paula manteve apenas relações tênues com os caramurus e os restauradores de outras partes do Brasil, mas um documento forjado, que anunciava a intenção de D. Pedro I em voltar, levou os cabanos a atacarem o porto de Barra Grande em agosto de 1833 (não conseguiram controlar a cidade) (Freitas, 1982FREITAS, Décio. Cabanos: os guerrilheiros do imperador. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982., p.125; Andrade, 1965ANDRADE, Manuel Correia de. A guerra dos cabanos. Rio de Janeiro: Conquista, 1965., p.81-82). Os caramurus sofreram uma grande derrota no Rio de Janeiro em dezembro de 1833 quando o governo moderado fechou seus periódicos e suas associações; isso provocou temores de que seus líderes mais aventureiros estavam procurando passagem para Pernambuco ou para Alagoas a fim de liderar os cabanos (o governo pernambucano emitiu ordens para prendê-los).23 23 Manoel de Carvalho Paes d’Andrade para Juiz de Paz de Una, Recife, 27 jan. 1834, APEPe, OG 41, fol. 2r.

Melhorias na colaboração entre os governos alagoano e pernambucano, bem como táticas militares mais efetivas contra os insurgentes, aos poucos encurralaram os cabanos e reduziram as áreas sob seu controle em 1834 (Andrade, 1965ANDRADE, Manuel Correia de. A guerra dos cabanos. Rio de Janeiro: Conquista, 1965., p.105-157). Muitos se renderam. A morte do ex-imperador em 24 de setembro de 1834, que apenas ficou conhecida no Brasil no final do ano, impossibilitou a restauração, mas os cabanos ainda não estavam completamente derrotados. Vicente de Paula e um pequeno grupo de seus seguidores (principalmente papa-méis ou escravos foragidos) fundaram uma comunidade, Riacho do Mato, em um lugar isolado onde preservaram sua autonomia até 1850, quando ele foi preso e enviado à Fernando de Noronha. A essa altura, boa parte da região de matas, que foi palco das operações dos cabanos, foi convertida em plantações de açúcar e de algodão, e duas colônias militares, uma em cada lado da fronteira entre Pernambuco e Alagoas, anunciaram a nova ordem (Oliveira, 2015OLIVEIRA, Maria Luiza Ferreria de. As guerras nas matas de Jacuípe. Clio, vol. 33, n. 2, p.100-138, 2015.).

Os cabanos ainda constituem um problema historiográfico. Décio Freitas os desqualificou como um exemplo de “protesto social alienado”, enquanto Manuel Correia de Andrade os avaliou como “sui generis”, potencialmente revolucionários, mas no final das contas reacionários ao ponto de serem fanáticos (Freitas 1982, p.119-120; Andrade, 1965FREITAS, Décio. Cabanos: os guerrilheiros do imperador. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982., p.199-201). Infelizmente, não sobreviveu nenhuma exposição sistemática da ideologia cabana, mas eles declamaram contra “carbonários jacobinos” e proclamaram o seu amor ao “Senhor D. Pedro Primeiro” e à “Santa Religião que defendemos”.24 24 Ver os documentos escritos por Vicente Ferreira de Paula. In: ANDRADE, 1965, p.207, p.208. Afinal de contas, as suas ações falaram mais alto que suas (poucas) palavras. Eles lutaram contra as facções de donos de terras, que cobiçavam suas terras e que se aproveitaram da conjuntura política pós-1831 para aumentar as suas posses; alguns deles o fizeram diretamente ao liderar seus clientes na luta contra os cabanos (Carvalho, 2011CARVALHO, Marcus J. M. de. Um exército de índios, quilombolas e senhores de engenho contra os “jacobinos”: a Cabanada, 1832-1835. In: DANTAS, Monica (org.). Revoltas, motins, revoluções: homens pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda , 2011. p.167-200., p.179-182, p.191-196).

Nesse sentido, o movimento restaurador pode ter sido incidental ao significado maior dos cabanos, mas o apoio popular pela monarquia coexistia com profunda hostilidade aos detentores do poder local ou nacional nas outras rebeliões desses anos. Os caramurus de Minas Gerais mobilizaram seus clientes entre as classes populares na revolta restauradora de dezembro de 1831, em Ouro Preto, movimento que logo se tornou mais radical do que seus líderes pretendiam (Gonçalves, 2008GONÇALVES, Andréa Lisly. Estratificação social e mobilizações políticas no processo de formação do Estado nacional brasileiro: Minas Gerais, 1831-1835. São Paulo: Hucitec, 2008., p.56-78). A Balaiada (Maranhão, 1838-1841) mobilizou muitas das mesmas classes sociais que se juntaram aos cabanos; os rebeldes proclamavam, com frequência, sua lealdade ao jovem D. Pedro II e à constituição, que eles julgavam ter sido usurpada pelos conservadores e portugueses (Assunção, 2011ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Sustentar a Constituição e a Santa Religião Católica, amar a Pátria e o Imperador: liberalismo popular e o ideário da Balaiada no Maranhão. In DANTAS, Monica Duarte (org.). Revoltas, motins, revoluções: homens pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011. p.295-327.). Os líderes da Sabinada, principalmente da classe média, não tardaram em modificar sua proclamação inicial da independência para que ela durasse apenas até a maioridade de D. Pedro II (esperada em 1843). Tanto a república como seus oponentes festejaram o aniversário de D. Pedro II (2 de dezembro de 1837), enquanto os inimigos da Sabinada fizeram zombaria do conceito de uma república temporária (Souza, 1987SOUZA, Paulo Cesar. A Sabinada: a revolta separatista da Bahia (1837). São Paulo: Brasiliense , 1987., p.72; Kraay, 1992KRAAY, Hendrik. “As Terrifying as Unexpected”: The Bahian Sabinada, 1837-1838. Hispanic American Historical Review, vol. 72, n .4, p.501-527, 1992., p.505-507). Esses últimos movimentos aconteceram num contexto diverso em comparação ao dos cabanos; o Regresso de 1837 levou grupos mais conservadores ao poder e ameaçou desfazer as reformas liberais dos anos anteriores.

A monarquia popular e a resistência à república, 1888-1890

Durante os últimos dezoito meses do regime imperial brasileiro, a monarquia desfrutou de popularidade sem precedente entre a população afro-brasileira. Derivou principalmente da aparente importância da família imperial no processo que levou à abolição da escravidão em 13 de maio de 1888. Como têm sustentado recentemente Angela Alonso e Celso Castilho, o abolicionismo foi um movimento social amplo que mobilizou largos setores da sociedade (Alonso, 2015; Castilho, 2016). Ocorreu depois da reforma eleitoral de 1881 que reduziu o número de votantes em 90 por cento, fechando esse meio de participação política a muitos dos homens pobres livres (Graham, 1990GRAHAM, Richard. Patronage and Politics in Nineteenth-Century Brazil. Stanford: Stanford University Press , 1990., p.182-206). Era crença geral que a monarquia tinha simpatia pela Abolição, e a intervenção da Princesa Isabel na qualidade de regente (a demissão do presidente do conselho de ministros, o barão de Cotegipe) abriu o caminho para a lei de 13 de maio de 1888. À medida que a iminente Abolição ameaçava as tradicionais hierarquias sociais, a retórica racial proliferava na esfera pública brasileira (Azevedo, 1987AZEVEDO, Célia Maria Martinho de. Onda negra, medo branco: o negro livre no imaginário das elites-século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.; Albuquerque, 2009ALBUQUERQUE, Wlamyra R. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p.34-39). O monarquismo popular pós-Abolição se manifestou de diversas formas, desde a Guarda Negra, cujos integrantes defenderam energicamente a Princesa Isabel, às vezes com violência, às manifestações mais pacíficas através das quais certos grupos populares transformaram os rituais cívicos oficiais de 1888 em ruidosas manifestações de apoio popular a D. Pedro II. A proclamação da República foi recebida, não por uma população apolítica, mas com violência e com protestos, que foram logo reprimidos.25 25 O material sobre Rio de Janeiro nos parágrafos que seguem é de KRAAY, 2013, p.346-358.

D. Pedro II voltou ao Brasil em fins de agosto de 1888 e foi recebido com grande entusiasmo popular (havia viajado ao exterior para tratamento médico e, na sua ausência, houve o fim da escravidão). Festejos populares dominaram completamente as cerimônias oficiais para recebê-lo e duraram até setembro, confundindo-se com os festejos da Independência no dia 7. Entre as centenas de sociedades, corporações e municípios que indicaram comissões para felicitar o imperador, compareceram africanos. A Sociedade Vida Nova União da Nação Cabinda anunciou que iria em passeata ao palácio para demonstrar seu “profundo amor e reconhecimento ao pai da Augusta Redentora da raça negra”.26 26 Cidade do Rio, 19 set. 1888. FARIAS; SOARES; GOMES, 2005, p.19; GOMES, 1991, p.84. A apresentação do “álbum popular”, com mais de 9.000 assinaturas, para felicitar ao imperador no seu aniversário (2 de dezembro) virou uma procissão maciça com a participação de dezenas de associações, desde grupos operários a sociedades carnavalescas afro-brasileiras. O cronista do Jornal do Commercio observou que a apresentação formal no paço da cidade “não se realizou, portanto, com a regrada pompa e a medida etiqueta das cerimônias oficiais”, mas todavia julgou-a uma manifestação sincera de apreço popular pela família imperial.27 27 A semana, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 9 dez. 1888. O jornalista republicano, Raul Pompéia, pelo contrário, relatou que o palácio foi “cercado e invadido por uma turba imensa de populares, homens de cor a maior parte”, e que a polícia teve que obrigar alguns desses “cidadãos” a vestirem camisas antes de entrar.28 28 POMPÉIA, Raul. Crônicas do Rio. MOREIRA, Virgílio Moretzsohn (org.). Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1996, p.61-62.

Entre esses monarquistas populares estava D. Obá II (Cândido da Fonseca Galvão), um alferes honorário do Exército e um autoproclamado soberano africano, que havia enfeitado sua farda com “penas demasiado africanas”; puxou a multidão em vivas (aparentemente ao imperador) das janelas do palácio.29 29 POMPÉIA, Crônicas, p.61-62; Chronica, O Mequetrefe, Rio de Janeiro, dez. 1888. Por causa desse ultraje à farda, foi preso por autoridades militares. Graças à biografia escrita por Eduardo Silva, Obá é hoje entendido como um verdadeiro representante da cultura afro-brasileira de rua e das suas fortes ligações à monarquia (Silva, 1993SILVA, Eduardo. Prince of the People: The Life and Times of a Free Man of Colour. Translated by Moyra Ashford. London: Verso, 1993.).30 30 Ao contrário, R. Jesus sugere que Obá era uma figura excepcional, especialmente na sua aproximação confiante a D. Pedro II. JESUS, 2009, p.81, p.88. Pesquisas recentes têm levantado dúvidas sobre a afirmação de Obá de que possuía realeza africana e sobre seu serviço como combatente na Guerra do Paraguai, mas não questionam seu monarquismo, expresso em inúmeros artigos de jornal (Castilho, 2016CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2016., p.142-143; Kraay, 2012KRAAY, Hendrik. Os companheiros de Dom Obá: os zuavos baianos e outras companhias negras na Guerra do Paraguai”. Afro-Ásia, vol. 46, p.121-161, 2012., p.157-160); já em 1874, ele era conhecido por ter “escrito muitos artigos em defesa da monarquia e da situação conservadora”.31 31 A Nação, Rio de Janeiro, 23 de março de 1874. Agradeço a Lisa Earl Castillo pela indicação dessa fonte. Seus textos posteriores foram mais críticos da sociedade brasileira (Silva, 1993SILVA, Eduardo. Prince of the People: The Life and Times of a Free Man of Colour. Translated by Moyra Ashford. London: Verso, 1993., p.107-111, p.115-118).

Nenhum dos relatos das festas do dia 2 de dezembro de 1888 menciona a Guarda Negra, aparentemente fundada em fins de setembro pelo jornalista abolicionista afro-brasileiro, José do Patrocínio, que se converteu do republicanismo ao monarquismo no final da campanha pela Abolição. Os críticos condenaram a Guarda como capangas e capoeiras pagos pelo governo para atormentar os republicanos. Ao contrário, o jornal de Patrocínio a qualificou de “Guarda Redentora”, uma associação de “todos os libertos agradecidos que, no dia 13 de maio, deixavam ser coisas para começar a ser homens”.32 32 Cidade do Rio, 5 Jan. 1889. In: RICCI, 1990, p.105. Embora pouco se saiba sobre a Guarda como instituição, atualmente é vista por historiadores como uma manifestação legítima do ativismo político negro (Ricci, 1990RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. Guarda Negra: perfil de uma sociedade em crise. São Paulo: Campinas, 1990.; Soares, 1999SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada instituição: os capoeiras na corte imperial, 1850-1890. Rio de Janeiro: Access, 1999., p.251-264; Gomes, 1991GOMES, Flávio dos Santos. No meio das águas turvas: racismo e cidadania no alvorecer da República, a Guarda Negra na Corte, 1888-1889. Estudos Afro-Asiáticos, vol. 21, p.75-96, 1991.; Trochim, 1988TROCHIM, Michael R. The Brazilian Black Guard: Racial Conflict in Post-Abolition Brazil. The Americas, vol. 44, n. 3, p.185-300, 1988.; Albuquerque, 2009ALBUQUERQUE, Wlamyra R. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p.183-194; Domingues, 2014DOMINGUES, Petrônio. Cidadania por um fio: o associativismo negro no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de História, vol. 34, n. 57, p.251-281, 2014., p.255-258). Todavia, como recentemente demonstrou Petrônio Domingues, o monarquismo da Guarda (e sua defesa especial da Princesa Isabel) não foi a única posição política afro-brasileira; concorreu com outras associações negras republicanas (2014, p.261-264; ver também Ricci, 1990RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. Guarda Negra: perfil de uma sociedade em crise. São Paulo: Campinas, 1990., p.129-133).

A Guarda ganhou considerável notoriedade depois que seus integrantes atacaram um comício republicano em 30 de dezembro de 1888, no qual Antônio da Silva Jardim, um dos mais vigorosos propagandistas republicanos, estava programado para discursar. Republicanos armados puxaram suas pistolas e repeliram a Guarda, enquanto a polícia fazia vistas grossas (Gomes, 1991GOMES, Flávio dos Santos. No meio das águas turvas: racismo e cidadania no alvorecer da República, a Guarda Negra na Corte, 1888-1889. Estudos Afro-Asiáticos, vol. 21, p.75-96, 1991., p.77-80; Ricci, 1990RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. Guarda Negra: perfil de uma sociedade em crise. São Paulo: Campinas, 1990., p.125-129; Trochim, 1988TROCHIM, Michael R. The Brazilian Black Guard: Racial Conflict in Post-Abolition Brazil. The Americas, vol. 44, n. 3, p.185-300, 1988., p.292-293).33 33 SILVA JARDIM, Antonio. Memorias e viagens: campanhas de um propagandista (1887-1890). Lisbon: Nacional, 1892, p.227-236. André Rebouças, o abolicionista afro-brasileiro e monarquista convicto que não nutria simpatia pela Guarda, qualificou o incidente como um “selvagem conflito entre capoeiras e republicanos escravocratas”.34 34 REBOUÇAS, André. Diario e notas autobiográficas. FLORES, Ana; VERÍSSIMO, Inácio José (orgs.). Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, p.319. Os comícios de Silva Jardim foram frequentemente atacados por, como ele qualificou, capadócios negros ou libertos.35 35 SILVA JARDIM, Antonio. Memorias e viagens, p.195, p.197-200, p.226, p.289, p.292-305, p.310. Em meados de 1889, os redatores de um jornal republicano do Rio de Janeiro lamentaram a “tirânica opressão da baixa camada social que, sob título de Guarda Negra, tem intentado brutalmente cessar a venda avulsa de nossa folha” ao atacar seus vendedores.36 36 Redação a Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 19 jul. 1889, AFCRB, CR 1580.3/30(1).

Silva Jardim acompanhou a viagem do Conde d’Eu pelas províncias do Norte em junho de 1889 para rebater a propaganda imperial. Houve violência em Salvador no dia 15, quando um grupo de “três- ou quatrocentos negros” dispersaram a recepção organizada por alunos e professores republicanos da escola de medicina. O historiador, Braz do Amaral, testemunha ocular, julgou os agressores como sendo “magarefes do matadouro da Ribeira, cortadores de baleia, e carregadores do cais”, todas ocupações dominadas por homens negros, e que carroças com pedras e pedaços de lenha foram propositalmente estacionadas ao longo do caminho que Silva Jardim seguiria. O republicano relatou depois que por pouco não saiu ileso de um encontro com um capadócio mulato armado com uma faca que queria matá-lo. Amaral culpou a polícia por instigar o motim, enquanto os cônsules relataram que as autoridades fizeram vistas grossas à violência e só fizeram algum esforço no sentido de restaurar a ordem quando os republicanos já estavam dispersos. O secretário de Silva Jardim culpou a Guarda Negra, a qual chamou de uma criatura do governo. O cônsul norte-americano ouviu vivas à Princesa Isabel e à Coroa, bem como gritos de “Morra a monarquia” e “Fora príncipe estrangeiro”. Mais tarde, acrescentou, soldados e outros abordaram pessoas suspeitas de nutrirem tendências republicanas nos bondes e ameaçaram matar “republicanos bestas”.37 37 AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, vol. 11, n. 30, p.12-20, 1904. p.14; SILVA JARDIM, Antonio. Memorias e viagens, p.344-347 (suas recordações), p.360-362 (as recordações de seu secretário); Cônsul para Secretário do Estado, Salvador, 19 jun. 1889, NARS T-331, rolo 5; Cônsul para Secretário Principal do Estado para Relações Estrangeiras, Salvador, 15 jun. 1889 (cópia), PRO/FO 13, vol. 662, fols. 666r-670r. Sobre esse episódio, ver também: ALBUQUERQUE, 2009, p.142-163.

No Rio de Janeiro, Rui Barbosa condenou os monarquistas baianos “cuja grosseria de estirpe se revela na insignificância dos seus agentes”, contraste marcante aos estudantes respeitáveis que “personifica[ra]m em si a reação democrática”. “O único paladino, cujo nome se declin[ou], da monarquia” foi “o sicário Macaco Beleza”.38 38 BARBOSA, Rui. Anarquia pelo rei, Diario de Noticias, Rio de Janeiro, 27 jun. 1889. In: Obras completas de Rui Barbosa, vol. 16, tomo 3: Queda do Império: Diário de Notícias. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947, p.402-403. Esse era o apelido de Manuel Benício dos Passos, um afro-brasileiro analfabeto conhecido por suas falas públicas, que foi demasiadamente envolvido no movimento abolicionista e foi visto chorando de alegria em 13 de maio de 1888 (Fraga Filho, 2016, p.61-62, p.76). Wlamyra Albuquerque o vê como um Dom Obá II baiano, pois reunia a “fidelidade à monarquia e o prestígio na comunidade negra” (Albuquerque, 2009ALBUQUERQUE, Wlamyra R. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p.155).

Outras manifestações de monarquismo popular afro-brasileiro tomaram formas mais pacíficas, mas foram igualmente malvistas pelos republicanos. Esses perceberam a iminente anarquia num desfile planejado por “homens de cor” que pretendia cumprimentar à Princesa Isabel em 13 de maio de 1889 no Rio de Janeiro. Os comerciantes da Rua do Ouvidor mostraram seu desprezo aos que desfilavam ao deixar de acender os arcos de iluminação a gás, e “distintos moços” montaram guarda na redação do Diário de Notícias e brigaram com os integrantes da passeata. Alguns acusaram os abolicionistas de promoverem uma “guerra de raças” (Kraay, 2013KRAAY, Hendrik. Days of National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823-1889. Stanford: Stanford University Press , 2013., p.355-356), enquanto Silva Jardim alegou que a publicação dessas acusações havia sido o suficiente para intimidar os libertos a desistirem do seu mortífero intento.39 39 SILVA JARDIM, Antonio. Memorias e viagens, p.368-369.

Num desabafo frequentemente citado, o redator do Diário de Notícias, Rui Barbosa, declarou em março de 1889 que “ao manipanso grotesco das senzalas, próprio para a gente d’África, sucedia o fetichismo da idolatria áulica, digna de uma nação de libertos inconscientes”.40 40 Diario de Noticias, Rio de Janeiro, 19 mar. 1889. ALBUQUERQUE, 2009, p.184; GOMES, 1991, p.86; CHALHOUB, 1990, p.180. Era uma época de muitas incertezas quando ex-senhores e ex-escravos pelejavam para construir novas relações de trabalho, enquanto alguns senhores ainda pediam compensação (foram parcialmente satisfeitos com emissões generosas de créditos agrícolas), quando D. Pedro II parecia incapaz de governar eficazmente e quando havia muitas dúvidas sobre a capacidade da Princesa Isabel de reinar. Os afro-brasileiros temiam uma mudança de regime, principalmente após o republicanismo ganhar apoio dos que se opuseram à Abolição ou se esforçaram para atrasá-la. Na Bahia, Amaral alegou que os “inimigos dos republicanos espalhavam entre o povo não só que a República revogaria a lei de 13 de maio, re-escravizando os libertos, como que, após ela não exerceriam mais posições e empregos civis ou postos militares os homens de cor, como acontecia na América do Norte”. Não é de surpreender que os que acreditaram nisso apoiaram firmemente a monarquia.41 41 AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia, p.31. Todavia, há alguns indícios de republicanismo da parte de certos libertos na Bahia. BRITO, 2003, p.131, p.157-158, p.269-271.

O apoio ativo pelos populares à monarquia em 1888-1889 foi um contraste marcante com a percepção dos republicanos de que o povo do Rio de Janeiro olhava o movimento “bestializado”, conforme a avaliação do ministro do Interior, Aristides Lobo, três dias depois do golpe de 15 de novembro de 1889 (Carvalho, 1999CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras , 1999., p.9). Amaral viu algo semelhante na Bahia em 17 de novembro, quando os batalhões que proclamaram a República marcharam dos seus quartéis ao centro da cidade: “O povo assistiu a tudo isto mudo e indiferente, como se não fossem os seus destinos que se mudavam”.42 42 AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia, p.35.

De fato, na noite anterior houve muita violência antirrepublicana, no qual Macaco Beleza teve um papel proeminente. A notícia do golpe no Rio de Janeiro chegou a Salvador no final do dia 15. O comandante das armas, Hermes Ernesto da Fonseca (ironicamente, o irmão de Deodoro da Fonseca, chefe titular do golpe) logo telegrafou para a capital para declarar sua firme lealdade ao imperador. Os republicanos baianos foram surpreendidos pelo golpe e o presidente da província convocou uma reunião dos cidadãos proeminentes, todos os quais declararam lealdade à monarquia.43 43 AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia, p.20-30. Na noite de 16 a 17 de novembro, depois que um batalhão do exército se pronunciou a favor da República, “bandos de negros circularam pelas ruas de toda a cidade, dando gritos de ‘Viva à Monarquia’ e ‘Abaixo à República’, dando tiros de revólver e de bacamarte, e quebrando as vidraças das casas ocupadas por estudantes e outros conhecidos por terem ideias republicanas”. Amaral reconheceu que alguns dos envolvidos nessa violência talvez tivessem “sentimentos monárquicos”, mas culpou principalmente “as fezes das cidades, os ratoneiros, perversos, e vadios que surgem sempre por encanto onde não está a força da lei que os persegue”, e qualificou Macaco Beleza de “um degenerado alcóolico que tinha uma alcunha grotesca”.44 44 AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia, p.32. No dia 17, quando houve certeza de que o golpe havia vencido no Rio de Janeiro, a guarnição de Salvador proclamou o novo regime (Hermes não duvidou em mudar de bandeira), e a maioria dos que declararam sua lealdade ao imperador no dia 16 colaborou com o juramento ao regime republicano no dia 18. Fora do palácio do governo, “uma grande multidão, principalmente de negros”, se reuniu, mas foi dispersa em uma “debandada geral” quando foi dado um tiro.45 45 Cônsul para Enviado ao Rio de Janeiro, Salvador, 19 nov. 1889, PRO/FO 13, vol. 662, fols. 76v-77r, 79r.

Houve manifestações monárquicas semelhantes em São Luiz, Maranhão, nos dias 16 e 17 de novembro. Como na Bahia, as autoridades provinciais permaneciam relutantes em aceitar o novo regime e o comandante do batalhão do exército hesitou em se comprometer por dois dias. Nesse intervalo, segundo um capitão do exército e republicano, José Lourenço da Silva Milanez, um grande número de “libertos de maio”, isto é, os libertos em 13 de maio de 1888, ameaçaram O Globo, o jornal republicano, e, no dia 16, bloquearam o acesso dos republicanos à casa da câmara municipal para proclamar o novo regime. No dia 17, “2 a 3 mil” libertos desfilaram pelas ruas dando vivas à Monarquia; alguns atacaram a redação do jornal e houve troca de tiros entre soldados e manifestantes, a maioria deles armados apenas de cacetes e pedras. O saldo de vítimas foi de dois mortos e “muitos feridos”. Antes desse episódio, houve uma manifestação monárquica que incluiu uma palestra de “um preto conhecido pelo nome de ‘Capenga’”, que talvez fosse um Macaco Beleza maranhense. Nenhuma das testemunhas que Milanez consultou conseguiu ouvir o que Capenga disse, e o capitão atribuiu os protestos dos libertos às maquinações de políticos monarquistas.46 46 Joze Lourenço da S.a Milanez, “Republica no Maranhão, de 15 a 18 de Novembro”, BPBL, ms. 869, p.26, p.32, p.37-38, p.48-50, p.55-56, p.65-67. O batalhão do exército proclamou a República no dia 18, mas motins posteriores demonstraram que ainda havia os que apoiavam a monarquia (Castro, 2004CASTRO, Celso. Revoltas de soldados contra a República. In CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (org.). Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV; Bom Texto, 2004. p.301-313., p.309; Janotti, 1986JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os subversivos da República. São Paulo: Brasiliense, 1986., p.17-18; Jesus, 2012JESUS, Matheus Gato de. Tempo e melancolia: república, modernidade e cidadania negra nos contos de Astolfo Marques (1876-1918). Lua Nova, vol. 85, p.133-185, 2012., p.136-138).

No Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 1889, um ano depois da apresentação do álbum popular a D. Pedro II, houve uma curiosa manifestação. Por razões óbvias, não houve comemoração do aniversário do ex-imperador, mas D. Obá II levou uma multidão ao palácio da cidade, onde deram vivas antes de serem dispersos. Quatro dias mais tarde, o governo cassou a sua patente militar (Silva, 1993SILVA, Eduardo. Prince of the People: The Life and Times of a Free Man of Colour. Translated by Moyra Ashford. London: Verso, 1993., p.1-2; Kraay, 2013KRAAY, Hendrik. Days of National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823-1889. Stanford: Stanford University Press , 2013., p.362-363). Algumas semanas depois, soldados de artilharia estacionados em São Cristóvão se sublevaram em defesa de um cabo que brigou com um sargento. Expulsaram os oficiais do quartel, hastearam a bandeira imperial, deram vivas à monarquia e buscaram apoio entre outras unidades militares. Embora o motim foi logo reprimido, as autoridades republicanas temiam o pior; deportaram políticos imperiais proeminentes e proibiram a volta da família imperial ao Brasil. A maioria dos periódicos se silenciou a respeito do monarquismo dos soldados; apenas a Tribuna Liberal (o órgão do antigo Partido Liberal) relatou os vivas ao imperador, mas essa versão foi logo aceita como a verdade pelo The Rio News e outros observadores estrangeiros (Castro, 2004CASTRO, Celso. Revoltas de soldados contra a República. In CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik (org.). Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV; Bom Texto, 2004. p.301-313., p.303-307; Kraay, 2013KRAAY, Hendrik. Days of National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823-1889. Stanford: Stanford University Press , 2013., p.363).

O monarquismo popular também persistiu na Bahia. Durante os festejos da Independência na Bahia em 2 de julho de 1890, alguns “turbulentos” insultaram e rasgaram a bandeira republicana e tentaram apedrejar o retrato de Deodoro na cidade de Valença. Em setembro de 1892, Macaco Beleza “foi preso por ter feito palestras na rua em favor da monarquia. Seus amigos resistiram” e somente uma patrulha policial reforçada conseguiu levá-lo à cadeia. Alguns dias depois, a “patriótica oficialidade” do Décimo sexto Batalhão de Infantaria urgiu a vigilância contra manifestações monarquistas.47 47 Estado da Bahia, Diario de Pernambuco, Recife, 16 jul. 1890; Provincial Notes, The Rio News, 13 set. 1892; Contra a monarchia, Jornal de Noticias, Salvador, 12 set. 1892. Tais indícios de apoio popular residual à monarquia - evidência que alguns do povo ainda não se conformavam ao novo regime - serviam de justificativa para a repressão republicana das classes populares. No Rio de Janeiro, uma campanha policial vigorosa e rápida contra capoeiras resultou na deportação de mais de 400 deles para Fernando de Noronha até meados de dezembro de 1889 (Assunção, 2005ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Capoeira: The History of an Afro-Brazilian Martial Art. London: Routledge, 2005., p.93-95); Macaco Beleza eventualmente teve o mesmo destino (Fraga Filho, 2016FRAGA FILHO, Walter. Crossroads of Freedom: Slaves and Freed People in Bahia, Brazil, 1870-1910. Tradução de Mary Ann Mahoney. Durham: Duke University Press , 2016., p.242).

Embora alguns continuem a negar esse monarquismo popular ou sugerem que não era legítimo - afinal de contas, é difícil sustentar que um império que manteve a escravidão por mais tempo do que qualquer outro país nas Américas fosse simpático aos interesses dos afro-brasileiros (Chalhoub, 1996CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996., p.180-185) - isso não deve ser tão facilmente descartado. Os republicanos o levaram a sério,15 15 Chamberlain para Canning, Rio de Janeiro, 29 jan. 1825, PRO/FO 13, v. 8, fol. 110r. embora exagerassem a ameaça que representava; efetivamente destruíram os movimentos populares do final do Império (Guimarães, 2013GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. A República de 1889: utopia de branco, medo de preto (A liberdade é negra, a igualdade é branca e a fraternidade é mestiça). In: BACELAR, Jeferson; PEREIRA, Cláudio (org.). Política, instituições e personagens da Bahia (1850-1930). Salvador: Edufba/CEAO, 2013. p.73-92.). Como os cabanos, a Guarda Negra deixou pouca documentação, e a maior parte do que sabemos sobre a mesma vem das escritas dos seus muitos inimigos. Esse é, de fato, um problema perene para os estudiosos da política popular, mas não é uma justificativa para não levar essas pessoas a sério.16 16 Lima para Pedro, Salvador, 7 jul. 1823, BN/SM, II-33, 29, 1.

O monarquismo popular ainda não recebeu a atenção que merece na história do Brasil oitocentista, graças ao que John Gledhill chama a “tendência não de considerar ‘movimentos populares’ que apareciam reacionários pelos padrões tradicionais da Esquerda” (2012, p.9). As dificuldades dos historiadores para qualificar os cabanos é um bom exemplo disso. Entretanto, devemos reconhecer a natureza profundamente subversiva de associar-se a um monarca poderoso que incorporava ideais de justiça e munificência e que pairava acima dos detentores de poder e das elites. Essa visão sustentou nitidamente a crença amplamente difundida entre os escravos nas Américas de que o rei havia declarado a sua liberdade, mas que os oficiais locais ou os senhores escondiam o documento (Klooster, 2014KLOOSTER, Wim. Slave Revolts, Royal Justice, and a Ubiquitous Rumor in the Age of Revolutions. William and Mary Quarterly, 3rd Ser., vol. 71, n. 3, p.401-424, 2014.; Miki, 2018MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018., p.70, p.73). Mas também sustentou a proposta do Tenente José Vicente de Santana para a criação de uma guarda negra imperial e sua associação com o embaixador africano. Mesmo episódios tão insignificantes como a celebração popular excessivamente entusiasta da monarquia, sejam no churrasco, nos batuques da coroação, ou nos ritos cívicos de fins de 1888 - poderiam ser considerados profundamente subversivos; os críticos não hesitaram em percebê-los dessa maneira. E, obviamente, pegar em armas em defesa de um monarca ou espancar republicanos não precisam ser justificados como atos políticos, embora contemporâneos (e alguns estudiosos posteriores) os atribuíam a capangas impensantes ou a um povo ignorante manipulado por outros.

O monarquismo popular brasileiro não se limita aos episódios analisados nesse artigo. Líderes indígenas nas fronteiras do Brasil procuraram ligações estreitas com monarcas (Miki, 2018MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018., p.86-92). No final da década de 1880, um viajante no interior do Maranhão encontrou um índio que perguntou por D. Pedro II e se considerava “um conhecido e protegido do imperador”, pois havia sido recebido na corte durante uma visita ao Rio de Janeiro.48 48 LAMBERG, Mauricio. O Brazil ilustrado com gravuras vertido do alemão por Luiz de Castro. Rio de Janeiro, Lombaerts, 1896, p.180. Embora os jacobinos perceberam uma grande conspiração monarquista em Canudos, isso foi fruto da sua imaginação fértil, mas é certo que Antônio Conselheiro pregava contra o novo regime e louvava a monarquia (Levine, 1992LEVINE, Robert M. Vale of Tears: Revisiting the Canudos Massacre in Northeastern Brazil, 1893-1897. Berkeley: University of California Press, 1992.). Também o fizeram os líderes da Rebelião do Contestado na década de 1910 (Diacon, 1991DIACON, Todd A. Millenarian Vision, Capitalist Reality: Brazil’s Contestado Rebellion, 1912-1916. Durham: Duke University Press, 1991., p.115-118). A monarquia teve muitos atrativos para o povo rural deslocado por mudanças sociais e econômicas traumáticas. As reações contra esses dois movimentos, a violência contra povos indígenas que resistiram ao avanço da fronteira, e as reações contra os monarquistas populares analisados neste artigo destacam claramente o porte da ameaça que o monarquismo popular representou, tanto para a ordem imperial como para a republicana.

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    As seguintes abreviaturas são usadas nas notas: AFCRB (Arquivo da Fundação Casa de Rui Barbosa), AHEx (Arquivo Histórico do Exército), AHMI (Arquivo Histórico do Museu Imperial), APAl (Arquivo Público de Alagoas), APEPe (Arquivo Público do Estado de Pernambuco), BN/SM (Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos), BPBL (Biblioteca Pública Benedito Leite), NARS (United States, National Archives and Records Service), PRO/FO (Great Britain, Public Record Office, Foreign Office). Uma versão preliminar deste texto foi apresentada ao colóquio “Popular Royalism in the Revolutionary Atlantic World”, na Yale University, 28-29 de outubro de 2016. Agradeço o convite e os comentários dos participantes. A revisão do português é de Pedro Falk e de Isabel Fandino.
  • 2
    Marquês de Barbacena para D. Pedro I, Salvador, 3 set. 1827, AHMI, II-POB-04.09.1827 Hor.c 1-20.
  • 3
    Francisco Adolpho Varnhagen. História geral do Brazil ..., 2 vols. Rio de Janeiro: E. & H. Laemmert, 1854-1857, vol. 2. p.281-282, p.292-295, p.373-374.
  • 4
    O Dia 2 de Dezembro, Correio Mercantil, Salvador, 5 dez. 1843.
  • 5
    João Mauricio Wanderley para Francisco Inácio de Carvalho Moreira, Salvador, 12 dez. 1859. In: PINHO, 1937, p.659, n. 1.
  • 6
    O Dia 2 de Dezembro, Correio Mercantil, Salvador, 5 dec. 1843.
  • 7
    Anotações de 3, 6, 10, e 11 de março de 1826, “Diario”, AHMI, I-POB-28.02.1826 PI.B.do.
  • 8
    Requerimento de José Vicente de Santana a D. Pedro I, ca. 1824, AHEx, Requerimentos, JZ-173-4911.
  • 9
    Henry Chamberlain para George Canning, Rio de Janeiro, 29 jan. 1825, PRO/FO 13, v. 8, fols. 109r-110r; FAZENDA, 1923FAZENDA, José Vieira. Antiqualhas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 93, n. 147, 1923., p.473; SOARES, 2014SOARES, Mariza de Carvalho. Trocando galanterias: a diplomacia no comércio de escravos, Brasil-Daomé, 1810-1812. Afro-Ásia, vol. 49, p.229-271, 2014., p.255-256; KRAAY, 2006KRAAY, Hendrik. Muralhas da Independência e liberdade do Brasil: a participação popular nas lutas políticas (Bahia, 1820-1825). In: MALERBA, Jurandir (org.). A Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2006. p.303-341., p.303-304; GUIZELIN, 2015GUIZELIN, Gilberto da Silva. A última embaixada de um monarca africano no Brasil: Manoel Alves Lima, um embaixador do Reino de Onim na corte de D. Pedro I. Anos 90, vol. 22, n. 42, p.325-51, 2015..
  • 10
    Juiz de Paz para Presidente, Brotas (Salvador), 28 ago. 1829. In: REIS; SILVA, 1989, p.129. Ver também KRAAY, 2001aKRAAY, Hendrik. Definindo a nação e o Estado: rituais cívicos na Bahia pós-Independência (1823-1850). Topoi, vol. 3, p.63-90, 2001a., p.80.
  • 11
    Correio Mercantil, Salvador, 30 set. 1841. Ver também: REIS, 2002, p.124-127.
  • 12
    Consulta, Conselho Ultramarino, 25 jan. 1729. Documentos Históricos, n. 90, 1950. p.175.
  • 13
    DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. 3 vols. in 2. Traduzido por Sérgio Milliet. São Paulo: Livraria Martins e Editora da Universidade de São Paulo, 1972, vol. 2, p.219. Ele acrescenta que sua imagem de um rei e uma rainha da irmandade do Rosário no ato de pedir esmolas era do Rio Grande do Sul. Kiddy demonstra a persistência dos reinados em Minas Gerais. KIDDY, 2005KIDDY, Elizabeth W. Blacks of the Rosary: Memory and History in Minas Gerais, Brazil. University Park: Pennsylvania State University Press , 2005., p.147-148, p.185.
  • 14
    Manoel Abreu Lima para D. Pedro I, Salvador, 9 fev., 1º abr., e 23 mai. 1823, BN/SM, II-33, 28, 054; e 7 jul. 1823, Salvador, BN/SM, II-33, 29, 1.
  • 15
    Chamberlain para Canning, Rio de Janeiro, 29 jan. 1825, PRO/FO 13, v. 8, fol. 110r.
  • 16
    Lima para Pedro, Salvador, 7 jul. 1823, BN/SM, II-33, 29, 1.
  • 17
    O príncipe-regente, João, se recusou a receber as embaixadas de 1810 a 1812 e negociou com eles do Rio de Janeiro. SOARES, 2014, p.240-241.
  • 18
    Anotação de 28 mai. 1795, Cadernos de Luiz Gonzaga. Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia, n. 36, 1959. p.465.
  • 19
    H. S. Fox para Visconde Palmerston, Rio de Janeiro, 19 out. 1833, PRO/FO 13, vol. 99, fol. 108r-v.
  • 20
    Proclamação de Joaquim Pinto Madeira, Crato, 2 jan. 1832, APEPe, PJ 1, fol. 3r. Essa proclamação foi interceptada em Santo Antão em 15 fev. 1832.
  • 21
    José Joaquim Coelho para Vicente Pires de Figueredo Camargo, Recife, 19 dez. 1833, APAl, Comando das Armas.
  • 22
    Sebastião Jozé Muniz Albuquerque para Manoel Zeferino dos Santos, Flores, 10 set. 1833, APEPe, JP 7, fol. 114r; Bruno Camello Cav.te Pessoa para President of Pernambuco, São Mateus, 22 nov. 1833, APEPe, JP 7, fol. 274r.
  • 23
    Manoel de Carvalho Paes d’Andrade para Juiz de Paz de Una, Recife, 27 jan. 1834, APEPe, OG 41, fol. 2r.
  • 24
    Ver os documentos escritos por Vicente Ferreira de Paula. In: ANDRADE, 1965ANDRADE, Manuel Correia de. A guerra dos cabanos. Rio de Janeiro: Conquista, 1965., p.207, p.208.
  • 25
    O material sobre Rio de Janeiro nos parágrafos que seguem é de KRAAY, 2013KRAAY, Hendrik. Days of National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823-1889. Stanford: Stanford University Press , 2013., p.346-358.
  • 26
    Cidade do Rio, 19 set. 1888. FARIAS; SOARES; GOMES, 2005FARIAS, Juliana Barreto; SOARES, Carlos Eugênio Líbano; GOMES, Flávio dos Santos. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional 2005., p.19; GOMES, 1991GOMES, Flávio dos Santos. No meio das águas turvas: racismo e cidadania no alvorecer da República, a Guarda Negra na Corte, 1888-1889. Estudos Afro-Asiáticos, vol. 21, p.75-96, 1991., p.84.
  • 27
    A semana, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 9 dez. 1888.
  • 28
    POMPÉIA, Raul. Crônicas do Rio. MOREIRA, Virgílio Moretzsohn (org.). Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1996, p.61-62.
  • 29
    POMPÉIA, Crônicas, p.61-62; Chronica, O Mequetrefe, Rio de Janeiro, dez. 1888.
  • 30
    Ao contrário, R. Jesus sugere que Obá era uma figura excepcional, especialmente na sua aproximação confiante a D. Pedro II. JESUS, 2009JESUS, Ronaldo Pereira de. Visões da monarquia: escravos, operários e abolicionismo na Corte. Belo Horizonte: Argumentum, 2009., p.81, p.88.
  • 31
    A Nação, Rio de Janeiro, 23 de março de 1874. Agradeço a Lisa Earl Castillo pela indicação dessa fonte.
  • 32
    Cidade do Rio, 5 Jan. 1889. In: RICCI, 1990RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. Guarda Negra: perfil de uma sociedade em crise. São Paulo: Campinas, 1990., p.105.
  • 33
    SILVA JARDIM, Antonio. Memorias e viagens: campanhas de um propagandista (1887-1890). Lisbon: Nacional, 1892, p.227-236.
  • 34
    REBOUÇAS, André. Diario e notas autobiográficas. FLORES, Ana; VERÍSSIMO, Inácio José (orgs.). Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, p.319.
  • 35
    SILVA JARDIM, Antonio. Memorias e viagens, p.195, p.197-200, p.226, p.289, p.292-305, p.310.
  • 36
    Redação a Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 19 jul. 1889, AFCRB, CR 1580.3/30(1).
  • 37
    AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, vol. 11, n. 30, p.12-20, 1904. p.14; SILVA JARDIM, Antonio. Memorias e viagens, p.344-347 (suas recordações), p.360-362 (as recordações de seu secretário); Cônsul para Secretário do Estado, Salvador, 19 jun. 1889, NARS T-331, rolo 5; Cônsul para Secretário Principal do Estado para Relações Estrangeiras, Salvador, 15 jun. 1889 (cópia), PRO/FO 13, vol. 662, fols. 666r-670r. Sobre esse episódio, ver também: ALBUQUERQUE, 2009ALBUQUERQUE, Wlamyra R. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., p.142-163.
  • 38
    BARBOSA, Rui. Anarquia pelo rei, Diario de Noticias, Rio de Janeiro, 27 jun. 1889. In: Obras completas de Rui Barbosa, vol. 16, tomo 3: Queda do Império: Diário de Notícias. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947, p.402-403.
  • 39
    SILVA JARDIM, Antonio. Memorias e viagens, p.368-369.
  • 40
    Diario de Noticias, Rio de Janeiro, 19 mar. 1889. ALBUQUERQUE, 2009, p.184; GOMES, 1991, p.86; CHALHOUB, 1990CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas de escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras , 1990., p.180.
  • 41
    AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia, p.31. Todavia, há alguns indícios de republicanismo da parte de certos libertos na Bahia. BRITO, 2003BRITO, Jailton Lima. A Abolição na Bahia, 1870-1888. Salvador: Centro de Estudos Baianos da UFBa, 2003., p.131, p.157-158, p.269-271.
  • 42
    AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia, p.35.
  • 43
    AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia, p.20-30.
  • 44
    AMARAL, Braz do. Memoria historica sobre a proclamação da Republica na Bahia, p.32.
  • 45
    Cônsul para Enviado ao Rio de Janeiro, Salvador, 19 nov. 1889, PRO/FO 13, vol. 662, fols. 76v-77r, 79r.
  • 46
    Joze Lourenço da S.a Milanez, “Republica no Maranhão, de 15 a 18 de Novembro”, BPBL, ms. 869, p.26, p.32, p.37-38, p.48-50, p.55-56, p.65-67.
  • 47
    Estado da Bahia, Diario de Pernambuco, Recife, 16 jul. 1890; Provincial Notes, The Rio News, 13 set. 1892; Contra a monarchia, Jornal de Noticias, Salvador, 12 set. 1892.
  • 48
    LAMBERG, Mauricio. O Brazil ilustrado com gravuras vertido do alemão por Luiz de Castro. Rio de Janeiro, Lombaerts, 1896, p.180.

Agradecimentos

O financiamento da Social Sciences and Humanities Research Council (Canadá) possibilitou a pesquisa para este artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2018
  • Aceito
    14 Set 2018
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