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Os Quilombolas Monarquistas da Jamaica no Mundo Atlântico Britânico, 1740-1800

Resumo

Este artigo investiga como uma comunidade de ex-escravos, os quilombolas de Trelawney Town, do norte da Jamaica, sobreviveu à escravidão e ao exílio, aliando-se aos interesses do Império Britânico. A Jamaica, como outras sociedades escravistas do Novo Mundo, produziu fugitivos, e quando esses escravos fugidos estabeleceram comunidades separadas e autônomas de longa duração foram chamados, em inglês, de Maroons e, em português, de quilombolas. O isolamento protegeu os quilombolas jamaicanos da escravidão, mas também os impediu de participar da prosperidade do Império Britânico em expansão. Em 1740, após anos de guerrilha contra a elite colonial, seis grupos quilombolas da ilha assinaram tratados nos quais aceitavam o regime da plantation, optando por usar sua experiência de guerrilha em benefício dos grandes proprietários, e não contra eles. Em troca de sua própria autonomia, tornaram-se caçadores de escravos e impediram outros escravos de estabelecer novas comunidades quilombolas. Porém, décadas de lealdade não evitaram que o maior grupo de quilombolas, o de Trelawney Town, fosse banido. Em 1796, após uma guerra violenta, o governo colonial deportou-os sumariamente para a Nova Escócia britânica. Depois de quatro anos ali, os 550 quilombolas de Trelawney Town foram transferidos para Serra Leoa. Apesar da deportação, eles continuaram a se ver como um grupo privilegiado na Nova Escócia e em Serra Leoa, e fizeram o possível para revitalizar sua lealdade ao rei, para se mostrarem como “amigos úteis” do Império. Suas ações revelam que o monarquismo popular do século XVIII era suficientemente elástico para funcionar sob condições drasticamente modificadas.

Palavras-chave
escravidão; monarquismo; Império Britânico

Abstract

This paper explores how one community of ex-slaves, the Trelawney Town Maroons of northern Jamaica, survived slavery and exile by siding with the interests of the British Empire. Jamaica, like other New World slave societies, produced runaways; when these runaway slaves established separate and autonomous long-lasting communities, they were called Maroons. Isolation protected Jamaica’s Maroons from slavery but also prevented them from partaking in the prosperity of the growing British Empire. In 1740, after years of guerilla warfare with the colonial elite, the island’s six Maroon groups signed treaties in which they accepted the planter regime. They chose to use their guerilla experience on behalf of the planter class, not against it. In exchange for their own autonomy, they became slavecatchers, and prevented other slaves from establishing new Maroon communities. But decades of loyalty did not safeguard the largest group of Maroons, the Trelawney Town Maroons, from banishment. In 1796, after a violent war, the colonial government summarily deported them to British Nova Scotia. After four years in Nova Scotia, the 550 Trelawney Town Maroons relocated to Sierra Leone. Despite their deportation, the Maroons continued to view themselves as a privileged group in Nova Scotia and in Sierra Leone, and they did everything possible to revitalize their loyalty to the king, to show themselves as “useful friends” of empire. Their actions show that eighteenth-century popular royalism was sufficiently elastic to function under drastically changed conditions.

Keywords
slavery; royalism; British Empire

Os escravos fugitivos e seus descendentes, também conhecidos como quilombolas, viviam nas periferias de quase todas as sociedades escravistas das Américas nos primeiros tempos da colonização. O caminho para se tornar um quilombola variou. Alguns eram quilombolas já ao nascer, alguns ingressaram em uma comunidade quilombola já existente por meio de captura e outros a ela se juntaram voluntariamente. Algumas comunidades quilombolas sobreviveram por décadas, até mesmo séculos, enquanto outras entraram em colapso depois de apenas algumas semanas (Price, 1998PRICE, Richard. The Guiana Maroons: a Historical and Bibliographical Introduction. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1998.; De Groot, 1977DE GROOT, Silvia W. From Isolation Towards Integration: The Surinam Maroons and Their Colonial Rulers. Haia: Martinus Nijhoff, 1977.; Christen; Knight; De Groot, 1997CHRISTEN, Catherine A.; KNIGHT, Franklin W.; DE GROOT, Silvia W. Maroon Communities in the Circum-Caribbean. In: KNIGHT, Franklin W. (org.). General History of the Caribbean: The Slave Societies of the Caribbean, vol. III. Caribbean: Unesco, 1997. p.169-193.; Stedman, 1988STEDMAN, John Gabriel. Narrative of a Five Years Expedition against the Revolted Negroes of Surinam. PRICE, Richard; PRICE, Sally (orgs.). Baltimore: Johns Hopkins Press, 1988.). Os quilombolas desejavam viver separados, mas só conseguiam isso por meio de atividades predatórias. Precisavam de mulheres, ferramentas, sementes e outros recursos para sobreviver, mas seus ataques provocavam a retaliação dos grandes proprietários. Todas as sociedades escravocratas empregavam grupos de milícias locais e até pagavam mercenários, tanto negros quanto brancos, para destruir as comunidades quilombolas e recapturar os fugitivos. As guerras internas contra os quilombolas foram tão duras e a implantação de comunidades quilombolas tarefa tão complexa e difícil que somente a combinação de boa sorte com coragem e organização possibilitou a sua sobrevivência (Klein, 1986KLEIN, Herbert S. African Slavery in Latin America and the Caribbean. Nova York: Oxford, 1986., p.198).

Na colônia britânica da Jamaica, a autonomia dos quilombolas nas últimas cinco décadas do século XVIII foi uma decorrência de astúcia e experiência militar, da rígida organização clânica de suas comunidades e, acima de tudo, de sua lealdade para com o governo colonial, e por extensão ao monarca britânico. No entanto, sua existência independente continuou sendo precária, como ficou evidente em 1796, quando o governo jamaicano puniu a maior comunidade quilombola - os Trelawney Town - banindo-os da ilha, por terem ousado travar uma guerra contra a “plantocracia” jamaicana.

Tanto no exílio na Nova Escócia quanto depois, em Serra Leoa, os quilombolas levaram consigo uma reputação militar de bravura e hábitos de lealdade aos patrões brancos - e à monarquia britânica. Em poucos anos, a guerra, que havia transformado os quilombolas em perigosos inimigos da Jamaica e resultou no seu banimento, foi praticamente esquecida, sobrevivendo uma narrativa heróica de guerreiros destemidos, que persiste até hoje. Graham Dawson observa que o herói soldado é a “forma mais durável e poderosa de masculinidade idealizada na tradição cultural ocidental desde os tempos dos antigos gregos” (1994, p.1). Uma explicação para a sobrevivência dos quilombolas no exílio pode ser localizada em três condições inter-relacionadas: uma romantização do século XVIII das pessoas “selvagens” e “nobres” como os “índios quilombolas”; a dependência britânica de auxiliares militares de confiança em um momento de forte competição com os franceses; e a disposição dos quilombolas para defender e abraçar o império que lhes prometia não apenas um status superior em relação a outras pessoas subalternas de ascendência africana, tanto nas Américas quanto na África Ocidental, mas também um sentimento de pertencimento. Durante todo o tempo, os quilombolas de Trelawney Town se beneficiaram das necessidades militares de um império em expansão, adaptando-se a ambientes estranhos e a um impensável exílio, e intensificando sua lealdade a um distante rei britânico. Os quilombolas nos lembram que a obtenção da liberdade para os ex-escravos sempre dependeu de sua capacidade de dar provas de lealdade ao império, de continuar tendo utilidade enquanto povo (Echeverri, 2016ECHEVERRI, Marcela. Indian and Slave Royalists in the Age of Revolution: Reform, Revolution, and Royalism in the Northern Andes, 1780-1825. Cambridge: Cambridge University Press, 2016.; Blackstock; O’Gorman, 2014BLACKSTOCK, Alan; O’GORMAN, Frank (orgs.). Loyalism and the Formation of the British World, 1775-1914. Woodbridge: Boydell, 2014., p.2; Blight; Downs; Downs, 2017BLIGHT, David B; DOWNS, Gregory P.; DOWNS, Jim (orgs.). Beyond Freedom: Disrupting the History of Emancipation. Athens: University of Georgia Press, 2017.).1 1 Blackstock e O’Gorman destacam a mudança na compreensão do loyalism: “O loyalism já foi considerado pelos historiadores como uma reação conservadora quase instintiva e simplista à mudança política interna ou à ameaça militar externa. No entanto, a historiografia recente (…) tratou-a como algo mais complexo, fluido e multifacetado”. Este ensaio adota seu entendimento do loyalismo como o “processo dinâmico de resposta política às condições mutáveis ​​da governança imperial” (BLACKSTOCK; O’GORMAN , 2014, p.263). A manutenção dos termos loyalism e loyalist em inglês deve-se ao fato de a tradução para o português - “legalismo” e “legalista” não ser adequada, uma vez que implica lealdade às leis e não ao monarca, ao rei. Vale destacar que, os loyalists - aqueles que não aderiram à Revolução Americana e fugiram para o Canadá, continuando fiéis à Coroa britânica - são considerados pela historiografia nacionalista anglo-canadense como os fundadores da nação. [N. do T.]

Por mais de oitenta anos - de 1655, quando os britânicos conquistaram a Jamaica, a 1740, quando o governo jamaicano assinou tratados de paz com os quilombolas - os plantadores de açúcar da ilha viviam uma relação desconfortável e muitas vezes antagônica com as comunidades quilombolas. Os quilombolas exploraram a fortificação natural de mais de 200 quilômetros de terreno acidentado de leste a oeste que a forma alongada da ilha oferecia, para se esconder e invadir plantações em busca de comida e às vezes de mulheres escravas. Embora o número de quilombolas fosse pequeno - cerca de 2.000 numa ilha cuja população era composta por 250.000 escravos, 25.000 brancos, 32.000 negros livres e mestiços em 1790 -, o que os tornava particularmente perigosos para os colonos brancos era a posse de armas e suas habilidades militares (Craton, 1975CRATON, Michael. Jamaican Slavery. In: ENGERMAN, Stanley L.; GENOVESE, Eugene D. Race and Slavery in the Western Hemisphere: Quantitative Studies. Stanford: Advanced Study in the Behavioral Sciences, 1975. p. 249-284., p.275).2 2 Marcela Echeverri também mostra o dinamismo do monarquismo e as possibilidades que ele abriu para as populações marginalizadas. ECHEVERRI, 2016. Eles reforçavam seu poderio enquanto organizações quase militares, incorporando fugitivos habilidosos e armados.3 3 Quase 50 por cento dos escravos da Jamaica estavam em unidades de mais de 150 homens de modo que as tarefas de trabalho eram especializadas, e por conseguinte, muitos escravos tinham habilidades. HIGMAN, 1978, p.164. Combatiam a tecnologia militar superior dos brancos confiando na inteligência e nas provisões dos escravos. Predavam plantações e amedrontavam os colonos, saqueando casas e roubando o gado. Disfarçando-se de escravos, conseguiam trocar e vender mercadorias roubadas com facilidade.4 4 DALLAS, R. C. The History of the Maroons, from their Origin to the Establishment of their Chief Tribe at Sierra Leone, Including the Expedition to Cuba for the Purpose of Procuring Spanish Chasseurs and the State of the Island of Jamaica for the Last Ten Years with a Succinct History of the Island Previous to that Period, vol. 1. Londres: Frank Cass, 1968 [1803]. p.35.

Às voltas com as guerras imperiais intereuropeias, as autoridades jamaicanas se cansaram dos crescentes gastos para reprimir seus inimigos quilombolas. Durante a década de 1730, o governo procurou conter a ameaça que eles representavam. Em 1739-40, os plantadores jamaicanos, baseando-se no exemplo dado pelos espanhóis no século XVI, negociaram tratados com as comunidades quilombolas, esperando transformar os rebeldes de longa data em amigos leais do rei (Campbell, 1992CAMPBELL, Mavis C. Early Resistance to Colonialism: Montague James and the Maroons in Jamaica, New Scotia, and Sierra Leone. In: AJAYI, J.F. Ade; PELL, J.D.Y. People and Empires in African History: Essays in Memory of Michael Crowder. Essex: Longman, 1992. p.89-105., p.86-90; Kopytoff, 1979KOPYTOFF, Barbara K. Colonial Treaty as Sacred Charter of the Jamaican Maroons. Ethnohistory, vol. 26, n. 1, p.45-64, inverno 1979.). Essa acomodação surgiu da necessidade. Parecia às elites jamaicanas que elas tinham pouca escolha a não ser chegar a um acordo com os problemáticos quilombolas; afinal, a guerra custara à colônia mais de 240.000 libras nos quarenta anos anteriores (Hamshere, 1972HAMSHERE, Cyril. The British in the Caribbean. Cambridge: Harvard, 1972., p.141). Acabar com as depredações das lucrativas plantações de açúcar com uma pequena milícia branca e homens negros e mestiços inexperientes mostrara-se impossível (Geggus, 1987GEGGUS, David. The Enigma of Jamaica in the 1790s: New Light on the Causes of Slave Rebellions. The William and Mary Quarterly vol. 44, n. 2, p. 274-299, abril 1987., p.275-278). Comentava-se que alguns milicianos não brancos eram tão pouco confiáveis ​​que sequestravam mulheres escravas ou as ajudavam em suas fugas! A elite jamaicana também não podia recorrer às tropas inglesas para sua defesa. Os soldados britânicos tinham pavor de servir nas Índias Ocidentais; soldados europeus morriam no Caribe a uma taxa de 25% ao ano, mais em hospitais do que no campo de batalha (Buckley, 1979BUCKLEY, Roger Norman. Slaves in Red Coats: The British West India Regiments, 1795-1815. New Haven: Yale University Press, 1979., p.97).

De acordo com a trégua firmada pelos tratados, o governo colonial chegou a um acordo com as seis comunidades quilombolas, tanto as quatro menores, localizadas na porção leste da ilha, quanto as de Trelawney e Accompong, nas montanhas do norte. Um contemporâneo observou que a ilha, sob condições generosas, estabeleceu a paz com os “selvagens”.7 7 “The Importance of Great Britain Considered in a Letter to a Gentleman,” (1740), fol. 20, The Huntington Library (San Marino, Califórnia). Os tratados determinavam que os quilombolas vivessem em terras de reserva, longe das plantações, nas regiões ainda predominantemente desabitadas do interior.8 8 LONG, Edward. History of Jamaica, Reflections on Its Situation, Settlements, Inhabitants, Climate, Products, Commerce, Laws, and Government. Montreal: McGill-Queen’s University Press, 2002 [1774]. p.344. Eles obtiveram permissão para cultivar café, cacau, gengibre, tabaco e algodão, e para criar bois, porcos e cabras. Contudo, não podiam fazer concorrência à lavoura canavieira plantando açúcar ou criar problemas para ela, caçando porcos selvagens a menos de cinco quilômetros de um assentamento. Leis posteriores também proibiriam os quilombolas de possuírem escravos.9 9 DALLAS, R. C. The History of the Maroons, p. 97-98. O governo nomeou dois superintendentes brancos para viver com os quilombolas com o objetivo de atuarem como juízes, para garantir que eles só deixariam suas terras com permissão, e para que apresentassem um relatório trimestral sobre a situação dos quilombolas ao governo em Spanish-Town.10 10 DALLAS, R. C. The History of the Maroons, p. 96. John Guthrie and Francis Saddler, and the mark of Captain Cudjoe (circle with two lines - vertically and horizontally), 10 de março de 1738/39, Acordo com o capitão Cudjoe, The British Library (Londres).

Para os quilombolas, os tratados firmados com o governo colonial situavam-se além de um arranjo legal e político. As concessões que fizeram ao governo jamaicano não eram análogas aos tratados firmados entre as potências europeias nas Américas ou na Europa. Elas estavam mais próximas dos tratados assinados em todo o continente americano com os indígenas, e enfatizavam as dívidas dos quilombolas para com o rei. De acordo com a descrição da cerimônia de assinatura de um tratado, em 1803, um dos chefes quilombolas, Cudjoe, beijou as mãos do coronel britânico, “e jogou-se no chão… beijando seus pés e pedindo o seu perdão”.11 11 DALLAS, R. C. The History of the Maroons, p.56. Os tratados também comportavam uma dimensão sobrenatural. Os chefes quilombolas Cudjoe e Quao fizeram um juramento de sangue secreto, prometendo lealdade ao rei Jorge II. Esse juramento ritualístico, consagrado pelo sangue britânico e pelo sangue quilombola, criou um elo permanente - um parentesco - entre os quilombolas e a monarquia britânica e lhes deu o direito a uma atenção especial, se e quando tivessem necessidade disso (Bilby, 2010BILBY, Kenneth. Swearing by the Past Swearing to the Future: Sacred Oaths, Alliances, and Treaties among the Guianese and Jamaican Maroons. In: SCOTT, Julius S.; DUBOIS Laurent (orgs.). Origins of the Black Atlantic. Nova York: Routledge, 2010. p. 236-266., p.237). O juramento de sangue garantiu que a relação dos quilombolas para com o rei derivasse sua legitimidade moral de um lugar espiritual superior,12 12 O juramento de sangue seria repetido durante a guerra. Supplement to The Royal Gazette, sábado, 30 de abril de 1796 a sábado, 7 de maio de 1796, The National Library of Jamaica. Isso é semelhante à maneira pela qual os indígenas americanos - na Nova Escócia, por exemplo - entendiam seus tratados com o governo loyalist nos anos 1790, isto é, como um pacto oral permanente, e não apenas como um arranjo legal. que provavelmente permitiu aos quilombolas, e a seus descendentes, manter sua fé num monarca por gerações. Como confiavam nos costumes e ritos africanos para a vida após a morte, voltavam-se para o rei no intuito de armar-se para esta vida.

Em troca de sua existência autônoma, os quilombolas tornaram-se uma força militar auxiliar na Jamaica, uma “polícia das montanhas” (Gardner, 1873GARDNER, W. J. A. History of Jamaica from Its Discovery by Christopher Columbus to the Year 1872: Including an Account of Its Trade and Agriculture; Sketches of the Manners, Habits, and Customs of All Classes of Its Inhabitants; and a Narrative of the Progress of Religion and Education in the Island. Londres: Frank Cass, 1971 [1873]., p.119). Eles colaboravam com o regime escravista para preservar a escravidão; policiavam as matas atrás de escravos fugitivos e reprimiam as rebeliões escravas. A fronteira jamaicana - as inacessíveis áreas montanhosas - tornou-se insegura para os escravos em fuga. Com efeito, os tratados transformaram os quilombolas numa força policial interna que evitava que surgissem no interior novas comunidades à margem da lei. Em troca da lealdade às autoridades coloniais, eles receberam auxílio sob a forma de dinheiro, roupas, armas e gado (Cundall, 1937CUNDALL, Frank. The Governors of Jamaica in the First Half of the Eighteenth Century. Londres: The West India Committee, 1937., p.183).13 13 Na década de 1740, a Assembleia decidiu que “duas vacas devem ser presenteadas ao coronel Cudjoe, e duas ao capitão Accompong, e uma ao capitão Johnny, uma ao capitão Cuffie, uma a Quaco, uma a Bumbager e uma ao capitão Quao, com dois bois; um para Trelawney-Town e um para Accompong Town; e também uma vaca para cada um dos capitães em Accompong Town”. John Guthrie and Francis Saddler, and the mark of Captain Cudjoe (circle with two lines - vertically and horizontally), 10 de março de 1738/39, Acordo com o Capitão Cudjoe, The British Library. De acordo com o proprietário de escravos jamaicano Bryan Edwards, os plantadores de açúcar entendiam a “utilidade” dos quilombolas, e os tratavam com o “máximo da delicadeza”; os quilombolas “nunca pediram um favor ao governo ou à Assembleia que lhes tenha sido negado”.14 14 St. James’s Chronicle or the British Evening Post (Londres, Inglaterra), 20-22 de outubro de 1796. Fortalecidos com esses recursos, eles definiam seu próprio papel na ilha, situando-se em um status acima dos escravos da lavoura açucareira. Uma relação de dependência com a elite colonial era essencial para sua sobrevivência.

O governo colonial tratava os quilombolas como uma comunidade étnica. As concessões que os brancos lhes faziam ocorriam no interior de um sistema escravista que dependia do princípio “dividir para reinar”, garantindo incentivos para escravos selecionados e usando a autoridade coercitiva para os demais. Os escravos eram alforriados em caráter individual por terem demonstrado lealdade na prestação de serviços. Os senhores brancos algumas vezes libertavam suas concubinas e seus filhos. Alguns escravos eram armados a critério de seus senhores. Os quilombolas eram atípicos porque operavam em comunidades separadas, recebiam terras e armas e participavam de um acordo formal de longa duração e multigeracional com os administradores jamaicanos.

O governo jamaicano se autocongratulava a respeito dos tratados com os quilombolas. O simples e discreto ato de assinar o tratado havia transformado perigosos inimigos em súditos leais. Ao agirem assim, os brancos criaram um exército permanente e virtualmente sem custo. Os tratados acentuaram as divisões entre os dois grupos de negros cuja colaboração poderia, de outra maneira, ter desafiado o mando dos brancos na ilha. Com os quilombolas agindo como caçadores de escravos, milhares de novos escravos podiam ser comprados para trabalhar em território não ocupado, sem a preocupação com fugas ou rebeliões. Plantadores como William Beckford expressaram sua satisfação com a situação: “Os negros rebeldes ainda continuam a ser nossos amigos confiáveis e propensos a se tornarem súditos muito bons”. Ele agradecia os “negros nas montanhas” por terem conferido estabilidade à ilha.15 15 William Beckford, Spanish-Town, 19 de agosto de 1741, Papers Relating to Jamaica, apresentado por C.E. Long, ADD MS 12431, The British Library.

Os tratados definiram os quilombolas como um grupo intermediário, cuja origem estava na escravidão, mas que eram leais aos senhores e ao império. Mesmo que a trégua tenha institucionalizado a hostilidade entre quilombolas e escravos, os jamaicanos não poderiam rejeitar inteiramente a capacidade dos quilombolas pela desordem. Por um lado, as habilidades militares dos quilombolas se impuseram à resistência escrava e facilitava o cultivo regular de novas regiões. Os jamaicanos brancos se beneficiavam da relativa liberdade dos quilombolas em relação aos escravos. Por outro lado, porém, o senso de diferença dos quilombolas para com os escravos criava seus próprios perigos. Como observou Edward Long em 1774, os quilombolas tinham uma extrema aversão ao trabalho agrícola; eram o “conjunto mais indisciplinado, insolente, teimoso e insatisfeito de trabalhadores que podem ser introduzidos em nossas plantações”.16 16 LONG, Edward. History of Jamaica, p.474. O grau de lealdade dos quilombolas permanecia em questão, uma vez que sua experiência militar poderia muito facilmente se voltar contra a sociedade branca. Em 1760, Edwards escreveu, “Observei que eles eram aliados suspeitos e que se tornariam, um dia, inimigos muito temíveis”.17 17 St. James’s Chronicle or the British Evening Post (Londres, Inglaterra), 20-22 de outubro de 1796.

A ligação dos quilombolas com o rei britânico ampliava seus horizontes para além das montanhas jamaicanas. A maioria dos escravos os odiava ou os temia como inimigos. Como observou um viajante que esteve na Jamaica, “sempre subsistiu uma antipatia entre eles [os escravos] e os quilombolas; e deve-se acreditar que, entre eles [os escravos] somente os turbulentos e os desesperados apoiassem a causa dos quilombolas”.18 18 GENTLEMAN, An Account of Jamaica and Its Inhabitants by a Gentleman, Long Resident in the West Indies. Londres, Publicado para Longman, Hurst, Rees, e Orme, por G. Woodfall, 1808. p.286. Os quilombolas eram os negros prediletos da Grã-Bretanha. Para fazer cumprir as ordens do rei, eles capturavam e eliminavam os escravos que fugiam ou os que lideravam as rebeliões na Jamaica, incluindo as ocorridas em 1760, 1761, 1765 e 1766 (Gomez, 2005GOMEZ, Michael A. Reversing Sail: A History of the African Diaspora. Cambridge: Cambridge University Press , 2005., p.132). Os defensores britânicos da manutenção da escravidão argumentavam que o seu término transformaria os escravos em brutos sedentos de sangue, que clamariam por vingança e que relutariam em viver de acordo com as regras da colônia e do império. Os quilombolas armados demonstraram claramente a lealdade dos negros libertos. Após os tratados, adaptaram-se ao mundo dos brancos, assumindo os nomes ingleses dos proprietários brancos das plantações, e as patentes militares dos oficiais europeus - tenentes, capitães, coronéis.19 19 Esse padrão de organização apareceu com alguma variação em Trinidad no começo da década de 1800. Como observou o tenente-governador, os quilombolas, “além de reis, rainhas, princesas, e seus auxiliares, têm seus generais, coronéis etc.”. Não parece que os quilombolas de Trelawney Town tinham reis, rainhas e princesas”. Tenente-governador Hislop ao major-general Beckwith, 16 de outubro de 1805, CO 318/29, The National Archives, Kew. Sua lealdade estendia-se de seus capitães aos seus chefes e deles a uma fé cega no todo-poderoso rei que não os desapontaria. Alguns quilombolas tornaram-se proprietários de escravos. Na década de 1790, mais de 75 por cento dos quilombolas do sexo masculino haviam se adaptado aos padrões da cultura britânica, ao assumirem os nomes de seus patrões brancos (Geggus, 1987GEGGUS, David. The Enigma of Jamaica in the 1790s: New Light on the Causes of Slave Rebellions. The William and Mary Quarterly vol. 44, n. 2, p. 274-299, abril 1987., p.275; Heuman, 1981HEUMAN, Gad J. Between Black and White: Race, Politics and the Free Coloreds in Jamaica, 1792-1865. Westport: Greenwood Press, 1981., p.10-15).20 20 Votos da Assembleia da Jamaica, 28 de julho de 1795, Samuel Vaughan a Lewis Cuthbert, The National Archives of Jamaica. Os quilombolas prefiguravam a lealdade dos regimentos negros das Índias Ocidentais que seriam criados no final do século XVIII. A exemplo dos quilombolas, os escravos que lutavam nos regimentos britânicos encontravam-se numa posição de superioridade em relação aos escravos das plantações; a liberdade oferecida a alguns permitia que a colônia explorasse mais efetivamente os outros (Buckley, 1979BUCKLEY, Roger Norman. Slaves in Red Coats: The British West India Regiments, 1795-1815. New Haven: Yale University Press, 1979.).

Em 1795, a enraizada suspeita dos jamaicanos acerca dos quilombolas levou a tragédia a Trelawney Town. Quando dois quilombolas foram açoitados publicamente por matar porcos em território protegido, a comunidade quilombola protestou contra o que consideraram uma injustiça terrível. O posicionamento linha-dura de um novo tenente-governador sem nenhuma experiência prévia com os quilombolas agravou a situação, provocando uma guerra de guerrilha prolongada. Em junho de 1796, após oito meses de rebelião, o governo deteve a maioria dos quilombolas de Trelawney Town e deportou-os da Jamaica.5 5 Ver o anúncio que oferece “uma recompensa de meia joe* por uma mulher sambo, de 30 a 35 anos de idade, chamada Gracey, supostamente induzida a fugir, e por um mulato chamado Dick, que está na milícia” (itálico meu), posfácio, no The Royal Gazette (Kingston, Jamaica), 4 a 11 de julho de 1795, The National Library of Jamaica (Kingston). A elite jamaicana não tinha se preocupado muito com algumas centenas de quilombolas na distante aldeia de Trelawney Town, muito afastada dos centros urbanos de Spanish-Town e Kingston. Todavia, a insurreição desencadeada pelos quilombolas nada menos que em plena rebelião de São Domingos acendeu o medo de que os escravos, que representavam 90 por cento da população da ilha, poderiam ser os próximos rebeldes. Os proprietários se preocupavam com a possibilidade de os escravos viessem a encontrar uma causa comum com os quilombolas. Garantir a neutralidade das comunidades quilombolas menores da ilha dependia de uma demonstração inequívoca de força.6 6 Ver também Robert Sewell ao duque de Portland, 9 de novembro de 1795, Committee of Correspondence Out-Letter Book, The National Archives of Jamaica (Spanish-Town). É claro que a guerra de guerrilha provocou baixas maiores durante a Guerra Quilombola.

A despeito dos tratados, a vulnerabilidade dos quilombolas à personalidade e ao poder dos comandantes locais era evidente (Metcalf, 1965METCALF, George. Royal Government and Political Conflict in Jamaica, 1729-1783. Londres: Royal Commonwealth Society, 1965., p.236). O tenente-governador da Jamaica, Lord Balcarres, não via motivo para conciliar com o coronel Montague James, um Akan da região que é hoje Gana, chefe dos quilombolas de Trelawney Town por pelo menos uma década; Balcarres acreditava que eles não eram merecedores de nenhuma tolerância (Campbell, 1992CAMPBELL, Mavis C. Early Resistance to Colonialism: Montague James and the Maroons in Jamaica, New Scotia, and Sierra Leone. In: AJAYI, J.F. Ade; PELL, J.D.Y. People and Empires in African History: Essays in Memory of Michael Crowder. Essex: Longman, 1992. p.89-105., p.90-91).21 21 Montague permanece uma figura enigmática nas fontes. De acordo com Campbell, a Guerra Quilombola transformou Montague em um “verdadeiro líder quilombola”. Até aquele momento, “sua vida encerrava todos os paradoxos e contradições que os líderes do Terceiro Mundo reúnem num contexto colonial” (CAMPBELL, 1992). Na verdade, Balcarres utilizou o símbolo poderoso do rei para assegurar a obediência das outras comunidades quilombolas da ilha. Em 30 de setembro de 1795, ele pregou: “Meu Rei é o pai de todos os bons e leais quilombolas, e ele enviou-me aqui para dar-lhes proteção” (Barnard, 1849BARNARD. Lives of the Lindsays or a Memoir of the Houses of Crawford and Balcarres by Lord Lindsay, of Which Are Added Extracts from the Official Correspondence of Alexander Sixth Earl of Balcarres, During the Maroon War; Together with Personal Narratives by His Brothers, the Hon. Robert Colin, James, John, and Hugh Lindsay; and by His Sister, Lady Anne Barnard. Vol. III. Londres: John Murray, 1849., p.75).

Embora tenham finalmente se rendido, os quilombolas só o fizeram depois de terem imposto pesadas baixas às tropas regulares inglesas a às milícias brancas. Balcarres agarrou-se à possibilidade de retirar os quilombolas da Jamaica em caráter permanente. A rebelião que irrompera apenas alguns meses após a sua chegada a Kingston representou uma oportunidade política. Uma posição dura firmaria sua autoridade, bem como garantiria a gratidão dos proprietários das plantações que temiam que os quilombolas viessem a instigar uma revolta de massa semelhante à que grassava em São Domingos. A despeito das objeções do comandante militar britânico, general George Walpole, Balcarres e o governo jamaicano baniram os quilombolas para um destino remoto, do qual jamais poderiam retornar: a Nova Escócia (Campbell, 1988CAMPBELL, Mavis C. The Maroons of Jamaica, 1655-1796: A History of Resistance, Collaboration & Betrayal. Granby: Bergin & Garvey Publishers, 1988.).

Os quilombolas de Trelawney Town vieram se somar à população refugiada na futura província canadense. Em 1782 e 1783, a Nova Escócia havia recebido loyalists brancos e negros da Guerra da Independência americana. A presença de um número superior a 30.000 loyalists mais do que duplicou a população da península. Porém, esses refugiados, em sua maioria de posses modestas, tiveram de lutar para poder explorar a agricultura, de forma permanente, em um solo rochoso, enfrentando longos períodos de temperatura abaixo de zero. Muitos viviam uma existência miserável, dispondo de pouca comida e escassas chances de prosperidade, competindo com os indígenas por posição e espaço. Alguns exilados brancos mantinham íntimo contato com membros da família e vizinhos nos Estados Unidos e se agarravam a qualquer possibilidade de retornar aos seus lares anteriores (Winks, 1971WINKS, Robin W. The Blacks in Canada: A History. New Haven: McGill-Queen, 1971.; Wynn, 1987WYNN, Graeme. A Region of Scattered Settlements and Bounded Possibilities: Northeastern North America, 1775-1800. The Canadian Geographer, vol. 31, n. 4, p. 319-338, 1987.; Grant, 1973GRANT, John N. Black Immigrants into New Scotia, 1776-1815. The Journal of Negro History, vol. 58, n. 3, p.253-270, julho 1973.).

A Nova Escócia não virou as costas para as cansadas famílias que inesperadamente apareceram em Halifax. Necessitando de reforços militares para conter um potencial ataque francês, e esperando ter um aumento numérico para contrabalançar a ameaça da expansão dos Estados Unidos vindo do sul, a colônia recebeu bem os quilombolas. Durante o período de rivalidades franco-britânicas em São Domingos e no Atlântico Norte, o tenente-governador John Wentworth ficou impressionado com o ódio que eles demonstravam pelos franceses. A destacar ainda o fato de Wentworth considerar os quilombolas como uma força de trabalho potencial, semelhante aos loyalists negros, úteis para construir estradas, reparar cercas e transportar mercadorias para as elites loyalists brancas da Nova Escócia (Chopra, 2018aCHOPRA, Ruma, Almost Home: Maroons between Slavery and Freedom in Jamaica, New Scotia, and Sierra Leone. New Haven: Yale University Press, 2018a., cap. 4).

A reputação dos quilombolas de bravura militar lhes valeu uma aproximação com a realeza. Eles foram saudados não apenas pelo tenente-governador mas também pelo filho de Jorge III, Eduardo, duque de Kent, que era, à época, o comandante em chefe das forças britânicas no Canadá (ele viria a ser, mais tarde, o pai da rainha Vitória). Esses quilombolas tornaram-se o primeiro grupo de negros livres a se encontrar com a realeza britânica. Imediatamente e com entusiasmo, eles ofereceram seus serviços militares ao príncipe. Como o príncipe afirmou, eles “querem merecer os favores e o perdão de Sua Majestade”.22 22 Príncipe Eduardo para o duque de Portland, 15 de agosto de 1796, Colonial Office Papers, Janeiro a agosto de 1796, MG II N.S., “A”, Vol. 123, Nova Scotia Public Archives (Halifax). Conquanto a Nova Escócia não tenha feito uso de sua experiência militar e o príncipe os teria tratado com indiferença, os quilombolas mantiveram sua ligação com seu pai, o rei.

Na Nova Escócia, como na Jamaica, os quilombolas mantiveram o status de leais súditos britânicos. Contudo, os colonos da Nova Escócia viam sua negritude diferentemente da maneira que os jamaicanos viam. Na Nova Escócia, onde a escravidão era uma instituição frágil e os negros uma minoria insignificante, os quilombolas desarmados eram relacionados aos loyalists negros, e vistos, na melhor das hipóteses, como subordinados úteis. Como uma recompensa por sua fidelidade aos britânicos durante a Revolução Americana, os loyalists negros, em sua maioria ex-escravos sulistas, receberam liberdade e asilo na Nova Escócia. Quando os quilombolas chegaram, cerca de 2.000 loyalists negros serviam como uma classe social inferior de trabalhadores para os proprietários brancos. Os demais 1.000 loyalists haviam partido para Serra Leoa em 1792. Os quilombolas estavam determinados a não ter o destino dos loyalists negros que permaneceram na Nova Escócia. Como o quilombola loyalist, capitão Andrew Smith, antecipou, em junho de 1797, “O governador [de Nova Escócia] prometeu escrever para o Rei pedindo para sermos removidos no próximo ano”.23 23 Andrew Smith, da Nova Escócia, 3 de junho de 1797, in Colonial Office Papers, 1798, MG II N.S. “A” Vol. 127, Nova Scotia Public Archives.

A imagem dos quilombolas como guerreiros leais foi reforçada pelos protestantes evangélicos contrários à escravidão na Grã-Bretanha. Eles condenavam a crueldade dos plantadores de açúcar e tinham uma visão sentimental dos quilombolas. Quando o Legislativo jamaicano hesitou em arcar com o custo dos quilombolas durante o seu exílio na Nova Escócia, não contou com a simpatia dos lobistas antiescravidão e da imprensa britânica. Ironicamente, numa era de antiescravidão e humanitarismo, os perigosos inimigos da Jamaica transformaram-se em guerreiros “indefesos e feridos”, que precisavam ser resgatados e reinstalados. Suas petições para serem reassentados no “clima mais quente” da Serra Leoa foram aprovadas e em 1799 o governo britânico começou a tomar providências para realocá-los (Chopra, 2018aCHOPRA, Ruma, Almost Home: Maroons between Slavery and Freedom in Jamaica, New Scotia, and Sierra Leone. New Haven: Yale University Press, 2018a., cap. 5).

Abolicionistas influentes, como William Wilberforce expressaram simpatia para com o drama dos quilombolas no Parlamento britânico. Como outros evangélicos, Wilberforce estava angustiado com a pobreza da alma humana e buscava redimir a sociedade reduzindo a brutalidade britânica em relação às pessoas de ascendência africana (Green, 1985GREEN, W. A. Was British Emancipation a Success? The Abolitionist Perspective. In: RICHARDSON, David (org.). Abolition and Its Aftermath: The Historical Context, 1790-1916. Londres: Frank Cass , 1985. p.183-202., p.184). Os quilombolas, argumentavam defensores como Wilberforce, não eram “ladrões nem assassinos”, mas em primeiro lugar homens livres, que reivindicavam humanidade e proteção; eles não mereciam sofrer nas mãos de sportsmen britânicos - “súditos britânicos, soldados britânicos, oficiais britânicos”. Na verdade, ele acusava a Grã-Bretanha de violar os tratados que estipulavam que os quilombolas só poderiam ser punidos por um crime por sua própria comunidade.24 24 The Parliamentary History of England from the Earliest Period to the Year 1803, vol. 32, de 27 de maio de 1795 a 2 de março de 1797 (Londres: Hansard, 1818), p.924, 926, 928. Esta citação foi retirada dos debates ocorridos em 21 de março de 1796.

Do seu lado, os quilombolas desconfiavam do tenente-governador Wentworth e apelaram ao general Walpole, o comandante militar britânico que tentara impedir sua deportação da Jamaica. Como afirmou o coronel Montague em petição datada de 23 de abril de 1797, foi o fato de os quilombolas saberem da boa vontade de Walpole que os levou a solicitar sua ajuda para escapar “da nossa miserável situação” na Nova Escócia.25 25 Quilombolas ao General Walpole, 23 de abril de 1797, C9137, MG II N.S. “A” vol. 125, Nova Scotia Public Archives. Durante a Guerra Quilombola, Walpole havia demonstrado consideração pela bravura dos guerreiros quilombolas. A ferocidade militar dos quilombolas foi mais importante do que a sua raça e eles ganharam o respeito de Walpole. Em discurso proferido no Parlamento britânico e que teve grande repercussão, ele acusou o governo jamaicano de injustiça criminosa contra os quilombolas (Streets, 2004STREETS, Heather, Martial Races: The Military Race and Masculinity in British Imperial Culture, 1857-1914. Manchester: Manchester University Press, 2004., p.1, p.7; Chopra, 2018aCHOPRA, Ruma, Almost Home: Maroons between Slavery and Freedom in Jamaica, New Scotia, and Sierra Leone. New Haven: Yale University Press, 2018a., cap. 3).

Indubitavelmente, os quilombolas beneficiaram-se do clima intelectual, numa época de profundas mudanças econômicas, sociais e políticas, em que as sociedades “primitivas” eram vistas como possuidoras de virtudes que as sociedades modernas haviam perdido (Devine, 1994DEVINE, T. M. Clanship to Crofters’ War, Social Transformation of the Scottish Highlands. Manchester: Manchester University Press, 1994., p.91).26 26 Uma observação sobre os habitantes das Terras Altas, feita em 1739, que antecipava o seu valor para o império, aplicava-se igualmente aos quilombolas: “Há um povo numeroso e prolífico, que, se reformado em seus princípios e maneiras, e proveitosamente empregado, poderá representar um considerável Acréscimo de Poder e Riqueza para a Grã-Bretanha. Alguns clãs das Terras Altas, bem instruídos nas Artes da Guerra, e bem afeitos ao Governo, conformariam um corpo tão capaz e formidável para a Defesa do seu País quanto a Grã-Bretanha, a Suíça, ou qualquer parte da Europa, são capazes de produzir”. Essa citação provém de The Gentlemen’s Magazine and Historical Chronicle e é mencionada em DEVINE, 1994, p.91. Wilberforce e Walpole não eram os únicos em seu olhar dos quilombolas. A despeito do fato de serem considerados estrangeiros e racialmente inferiores, os quilombolas continuaram sendo vistos como portadores de antigas crenças sobre as virtudes marciais de um povo “indomável”. Sensibilidades românticas encontravam beleza estética num povo “indomável” de uma terra “indomável”; no início do século XIX, as novelas de Sir Walter Scott misturariam retratos de heroicos personagens das Terras Altas da Escócia com descrições pungentes do cenário implacável mas inspirador de regiões “selvagens” (Streets, 2004STREETS, Heather, Martial Races: The Military Race and Masculinity in British Imperial Culture, 1857-1914. Manchester: Manchester University Press, 2004., p.59). Esse pensamento afetava as conceptualizações britânicas dos quilombolas como diferentes dos escravos. O historiador contemporâneo Robert Dallas observou que os quilombolas mantinham-se em um estado de “liberdade selvagem”.27 27 DALLAS, R. C. The History of the Maroons, p.45. Ainda assim, mereciam elogios. Como afirma Edwards, sua selvageria “fortalecia sua estrutura física e servia para elevá-los a uma grande perfeição corporal”. A descrição que ele faz da dignidade do porte dos quilombolas é impressionante:

Sua atitude é altiva, seu andar firme, e sua postura ereta. Qualquer movimento revela uma combinação de força e agilidade. Seus músculos (que não são escondidos nem diminuídos pelas roupas) são muito proeminentes e fortemente marcados. Sua visão é extraordinariamente aguda, e sua audição notavelmente afiada.28 28 EDWARDS, Bryan. Observations on the Maroon Negroes of the Island of Jamaica. In: PRICE, Richard (org.). Maroon Societies: Rebel Slave Communities in the Americas. Garden City, Nova York: Anchor Books, 1973 [1774], p.244.

Também no Parlamento britânico, os simpatizantes dos quilombolas os apresentavam como “homens corajosos”, que haviam movido uma “nobre resistência”; exterminá-los “fixaria uma mancha inapagável no caráter britânico”.29 29 The Parliamentary History of England from the Earliest Period to the Year 1803, vol. 32, de 27 de maio de 1795 a 2 de março de 1797 (Londres: Hansard, 1818), p.929. Esta citação foi retirada dos debates ocorridos em 21 de março de 1796.

No século XVIII, a produção de diversas geografias universais ordenou o mundo física e também etnicamente (Withers, 2000WITHERS, Charles W. J. Towards a Historical Geography of Enlightenment in Scotland. In: WOOD, Paul (org.). The Scottish Enlightenment. Rochester: University of Rochester Press, 2000. p. 63-97., p.68). Evidentemente, as montanhas jamaicanas, lar dos quilombolas de Trelawney Town, constituíam uma realidade física: elas eram geologicamente distintas. Mas as montanhas dos quilombolas se estendiam a um reino mítico, a um conjunto de signos e imagens ideologicamente carregadas. A geografia da região despertou o interesse romântico pelas virtudes primitivas, pela pureza estética, e elevou os quilombolas à condição do “nobre selvagem” (Withers, 2000WITHERS, Charles W. J. Towards a Historical Geography of Enlightenment in Scotland. In: WOOD, Paul (org.). The Scottish Enlightenment. Rochester: University of Rochester Press, 2000. p. 63-97., p.145). O lar dos quilombolas nas montanhas significava fascínio, selvageria, masculinidade e, surpreendentemente, lealdade. As dificuldades ocultas das montanhas haviam criado guerreiros destemidos, dignos de respeito (Devine, 1994DEVINE, T. M. Clanship to Crofters’ War, Social Transformation of the Scottish Highlands. Manchester: Manchester University Press, 1994., p.96).30 30 Como observa Jorge Canizares-Esguerra, “no início do período moderno, as montanhas só perdiam para os jardins botânicos como locais que antecipavam o paraíso” (CANIZARES-ESGUERRA, 2005, p.152). As qualidades sociais dos quilombolas eram vistas como uma decorrência do seu ambiente físico, o que os motivou a serem guerreiros (Withers, 1992WITHERS, Charles W. J. The Historical Creation of the Scottish Highlands. In: DONNACHIE, Ian; WHATLEY, Christopher (org.). The Manufacture of Scottish History. Edinburgh: Polygon, 1992. p.43-156., p.145; Gold; Gold, 1995GOLD, John R.; GOLD, Margaret M. Imagining Scotland: Tradition, Representation, and Promotion in Scottish Tourism since 1750. Hants, Inglaterra: Scholar Press, 1995., p.62). Os quilombolas exilados na Nova Escócia lucraram com essa associação de emoções delicadas com ações corajosas. Eles se tornaram forças vitais para uma Grã-Bretanha expansionista, envolvida numa grande luta com a França pelo domínio do mundo, e para uma Grã-Bretanha determinada a elevar seu capital moral (Brown, 2006aBROWN, Christopher Leslie. Moral Capital: Foundations of British Abolitionism. Chapel Hill: University of North Carolina, 2006a.; Enloe, 1980ENLOE, Cynthia H. Ethnic Soldiers: State Security in Divided Societies. Athens: University of Georgia Press, 1980.).

Em 1800, os quilombolas foram realocados para a jovem colônia inglesa de Serra Leoa. Um império disperso geograficamente necessitava de construtores e defensores de colônias, em assentamentos recém-instalados entre africanos e vizinhos europeus hostis, colonos que tinham participação no sistema britânico. Em 1787 e em 1792, o governo britânico promoveu a fixação estratégica de negros livres da Inglaterra e da Nova Escócia em Serra Leoa. Um povo já desenraizado, sem recursos ou patronos, poderia ser facilmente preparado para um segundo deslocamento, dessa vez para colônias tropicais britânicas que os brancos considerassem indesejáveis ou fatais. As aspirações dos quilombolas por um nicho no império intercruzavam com as metas expansionistas e antiescravistas da Inglaterra na África Ocidental. Serra Leoa oferecia aos quilombolas as mesmas oportunidades que na Jamaica. Nas duas regiões, eles protegeram uma população branca minoritária contra populações sob domínio britânico que não mereciam confiança e concorrentes externos (Chopra, 2018bCHOPRA, Ruma, Wayward Humors and Perverse Disputings: Exiled Blacks and the Foundation of Sierra Leone, 1787-1800. In: LAWRANCE, B. N.; CARPENTER, N. R. Africans in Exile: Mobility, Law, and Identity. University of Indiana Press, 2018b.).

Em 1800, quando os quilombolas chegaram à Serra Leoa, a incipiente liderança branca na colônia enfrentou a insurreição armada dos loyalists negros da Nova Escócia. Os visionários britânicos encontraram a mão de obra militar ideal nos quilombolas de Trelawney Town, famílias de negros livres em dívida com os ingleses por tê-los trazido da Nova Escócia. Com efeito, a chegada dos quilombolas mostrou-se imediatamente benéfica aos vinte a trinta europeus que supervisionavam um assentamento de 300 famílias de loyalists negros vindos da Nova Escócia.

Como haviam feito na Jamaica desde 1740 e na Nova Escócia em 1796-1799, os quilombolas ofereceram seus serviços militares e sua lealdade aos dirigentes ingleses. Eles continuavam a considerar sua deportação para a Nova Escócia como uma traição do governo jamaicano e não as ações de um rei britânico benevolente; o rei Jorge veio em seu socorro, retirando-os da Nova Escócia.

Os rebeldes da Nova Escócia que se fixaram em Serra Leoa estavam entre os três mil loyalists negros que buscaram refúgio na Nova Escócia após a Guerra de Independência americana. Os ingleses haviam prometido terras na Nova Escócia aos negros livres em troca de sua lealdade; os negros também esperavam ser tratados como iguais pelos brancos. Na verdade, por oito anos, entre 1783 e 1791, os negros na Nova Escócia enfrentaram não apenas a hostilidade dos loyalists brancos, mas também a impossibilidade de obterem sustento da terra árida e, para muitos que nunca receberam terra alguma, uma vida inteira de servidão. As terríveis condições na colônia britânica, juntamente com o preconceito dos brancos, levaram cerca de mais de mil negros a buscarem uma segunda realocação em Serra Leoa. Oito anos mais tarde, os quilombolas seguiram seus passos (Wilson, 1976WILSON, Ellen Gibson. The Loyal Blacks. Nova York: Capricorn Books, 1976.; Walker, 1975WALKER, James W. St. G. Blacks as American Loyalists; the Slaves’ War for Independence. Historical Reflections, vol. 2, n. 2, p.51-67, verão, 1975.; 1976aWALKER, James W. St. G. The Establishment of a Free Black Community in New Scotia, 1783-1840. In: KILSON, Martin L.; ROTBERG, Robert I. (orgs.). The African Diaspora: Interpretive Essays. Cambridge: Harvard University Press, 1976a. p. 205-236.).

O governo de Serra Leoa desapontou os loyalists negros da Nova Escócia. A partir de 1794, eles exigiram os direitos que os patriotas brancos americanos haviam demandado 25 anos atrás nas colônias inglesas da América do Norte. Numa colônia com uma diminuta elite branca, a coesa oposição loyalist negra não poderia ser ignorada. Os loyalists negros compartilhavam uma familiaridade com os ideais da Revolução Americana e com a experiência da servidão na Nova Escócia; em Serra Leoa, também professavam uma fé profunda em suas igrejas batistas e metodistas. Eles tinham se transformado em uma comunidade de colonos, que exigia os direitos devidos a súditos e não a benevolência estendida aos salvos. O clamor por representação e participação políticas levantado pelos negros da Nova Escócia pegou os dirigentes coloniais de Serra Leoa de surpresa. Alguns deles, considerados “confiáveis”, juntaram-se à administração britânica e fizeram carreira como contadores e guarda-livros dos brancos. Porém, a maioria dos loyalists negros da Nova Escócia opôs-se a quaisquer ações que reduzissem seu status político ou social (Fyfe, 1991FYFE, Christopher (ed.). Our Children Are Free and Happy: Letters from Black Settlers in Africa in the 1790s. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1991., p.12-18).

Diferentemente dos quilombolas, os loyalists da Nova Escócia não compartilhavam um sentimento de dívida para com o monarca britânico. Muito longe de mostrar gratidão, eles se comportavam como americanos rebeldes.31 31 “Substance of Report Delivered by the Court of Directors of the Sierra Leone Company to the General Court of Proprietors”, 1794, p.59, The British Library. Em 1795, apresentaram uma petição na qual se queixavam dos preços altos e dos salários baixos.32 32 Zachary Macaulay, 16 de abril de 1796, Macaulay Papers, The Huntington Library. No ano seguinte, recusaram-se a assinar o recebimento das terras que lhes tinham sido concedidas por suspeitarem de jogo sujo.33 33 Journal of Zachary Macaulay, 26 de julho a 26 de setembro de 1796, Macaulay Papers, The Huntington Library. Quando não elegeram nenhum representante europeu nas eleições de dezembro de 1796, o governador de Serra Leoa comparou-os aos protestantes do outro lado do Atlântico, afirmando, de forma reveladora: “Você vê que temos as mesmas paixões em Freetown e em Londres e, numa escala menor, os mesmos efeitos derivados delas”.34 34 Journal of Zachary Macaulay, 30 de novembro a 4 de dezembro de 1796, Macaulay Papers, The Huntington Library. Os loyalists negros exigiam os direitos conferidos aos colonos britânicos, homens brancos e livres (Wilson 1976WILSON, Ellen Gibson. The Loyal Blacks. Nova York: Capricorn Books, 1976.; Walker, 1976bWALKER, James W. St. G. The Black Loyalists: The Search for a Promised Land in New Scotia and Sierra Leone, 1783-1870. Nova York: Africana Publishing Company, 1976b.).

As demandas dos negros da Nova Escócia por status e participação iguais estavam ancoradas em suas experiências em Serra Leoa e em seu passado americano. Antes da chegada dos quilombolas em 1800, a dependência militar de Serra Leoa para com os negros da Nova Escócia forneceu-lhes um importante estímulo; o governo temia tanto a ameaça interna dos africanos locais quanto um ataque externo dos franceses. A declaração oficial de guerra entre a França e a Inglaterra, em fevereiro de 1793, fez de Serra Leoa e seus mil colonos uma baixa prioridade. Tropas britânicas foram de navio para São Domingos para preservar as Índias Ocidentais ao invés de proteger Serra Leoa. Porém, em outubro de 1794, a rebelião de São Domingos se espalhou para Serra Leoa. Os franceses atacaram a frágil colônia, pilhando-a e destruindo-a: a perda de vidas humanas foi pequena, mas animais, construções, roças e coleções botânicas foram sacrificados. Nenhum soldado britânico protegeu a colônia. Os franceses saquearam e destruíram as casas e as fazendas dos empregados da Companhia de Serra Leoa, e também as dos colonos negros. Quando os navios franceses partiram três meses depois, os negros da Nova Escócia reagruparam-se e sistematicamente reconstruíram o núcleo de Freetown. E à medida em que os imigrantes transformavam-se em construtores da colônia, sua tolerância para com o seu status desigual tornava-se cada vez menor.35 35 Zachary Macaulay, 16 de abril de 1796, Caixa 19A; Zachary Macaulay a Selina Mills, 20 de maio de 1796, Macaulay Papers Caixa 1; Zachary Macaulay a Selina Mills, 1º de dezembro de 1797, Caixa 2; Zachary Macaulay, 19 de janeiro a 22 de maio de 1798 Caixa 20A, Macaulay Papers, The Huntington Library.

Em 1800, quando os quilombolas chegaram a Serra Leoa, os loyalists negros da Nova Escócia pegaram em armas e exigiram maior autogoverno. Quando protestavam por pagarem impostos ao governo sobre terras que consideravam sua propriedade, eram descritos como “os piores de todos os súditos possíveis (…), jacobinos [que] haviam sido treinados e educados em Paris” (Walker, 1976bWALKER, James W. St. G. The Black Loyalists: The Search for a Promised Land in New Scotia and Sierra Leone, 1783-1870. Nova York: Africana Publishing Company, 1976b., p.232). O governo colonial respondeu de forma previsível e um padrão, já bem estabelecido na Jamaica, foi inaugurado em Serra Leoa: o emprego de um corpo militar negro para assegurar a subserviência de um outro grupo de negros. Durante a maior parte do século XVIII, o caminho dos quilombolas para a segurança e a mobilidade decorreu do suporte de jamaicanos brancos. Para os loyalists negros da Revolução Americana instalados na Nova Escócia, o serviço militar era um meio para garantir a liberdade e não se traduzia em um comprometimento vitalício para com o império. Já a experiência dos quilombolas jamaicanos levou-os a associar liberdade ao serviço militar.

Os quilombolas - com sua reputação de tenacidade e bravura e seu conhecimento de táticas de guerrilha - atendiam às necessidades imediatas do império em Serra Leoa. Da mesma forma que haviam protegido, por décadas, os senhores escravistas das rebeliões escravas na Jamaica, protegeriam o governo de Serra Leoa dos loyalists negros. Num primeiro momento, seus líderes se colocaram como mediadores efetivos: os brancos poderiam confiar neles para reafirmar a autoridade do rei. Conforme explicou o coronel James Montague: “Eles gostam do rei Jorge e do homem branco - se os colonos não gostam do rei Jorge nem deste Governo - apenas deixem os quilombolas os verem” (Campbell, 1993CAMPBELL, Mavis C. Back to Africa: George Ross & the Maroons, from New Scotia to Sierra Leone. Trenton: Africa World Press, 1993., p.16). O serviço militar voluntário foi uma afirmação pública do loyalism (Morgan; O’Shaugnessy, 2006MORGAN, Philip D.; O’SHAUGNESSY, Andrew Jackson. Arming Slaves in the American Revolution. In: BROWN, Christopher Leslie; MORGAN, Philip D. Arming Slaves: From Classical Times to the Modern Age. New Haven: Yale , 2006. p.180-208.).36 36 Os Regimentos das Índias Ocidentais constituíram o maior exército de escravos de qualquer potência europeia entre 1794 e 1833. As expedições britânicas contra o Caribe e a América Central espanhóis em 1740-41 também dependiam do uso de escravos. MORGAN; O’SHAUGNESSY, 2006, p.185.

Os quilombolas abraçaram e manipularam seus próprios representantes como heróis marciais (Streets, 2004STREETS, Heather, Martial Races: The Military Race and Masculinity in British Imperial Culture, 1857-1914. Manchester: Manchester University Press, 2004., p.2). Numa era de despotismo benevolente, pegar em armas para a monarquia representava uma oportunidade para exibir coragem e virtude, ascender socialmente e obter “um respeito rudimentar” (Williams, 1973WILLIAMS, William Appleman. The Contours of American History. Nova York: New Viewpoints, 1973., p.8). Eles identificavam seus interesses com o império porque este proporcionava posição e oportunidades. Como observa Christopher Leslie Brown, “armar os escravos conectava-os mais estreitamente à ordem estabelecida, ao invés de aprofundar a alienação” (Brown, 2006b, p.341, p.346). Os quilombolas nunca se afastaram do caminho que lhes havia conferido distinção e status na Jamaica. Na realidade, anos depois da sua chegada em Serra Leoa, eles usavam sua estrutura clânica para se oferecerem como uma comunidade de loyalists potenciais.

Os quilombolas mataram para proteger o reinado de Jorge nas Américas e estavam prontos a fazer o mesmo para proteger os interesses britânicos na África Ocidental. O que exatamente eles protegiam parecia ser menos importante do que o lado em que se situavam. No estranho mundo de Serra Leoa, voltaram-se com fervor ainda maior para símbolos há muito familiares. Se na Jamaica protegiam uma sociedade escravocrata; em Serra Leoa, protegiam uma sociedade antiescravocrata. Não familiarizados com as circunstâncias mais profundas que cercavam os violentos distúrbios em Serra Leoa, os quilombolas apoiaram integralmente o lado do rei. Ninguém poderia ter dúvidas sobre o seu compromisso incondicional. A nova vida dos quilombolas, longe dos seus lares, não abalara sua ligação com o rei nem com o império. Ao contrário, privados do terreno familiar e das redes conhecidas - pelo menos momentaneamente - intensificavam sua tendência a favor do loyalism monárquico. Sem conhecer as montanhas de Serra Leoa ou a dinâmica interimperial e africano-europeia, e sem a proteção de redes de parentesco e de patrocínio conhecidas, os quilombolas tinham como eixo de sustentação o seu monarquismo.

Diversos escritores e evangélicos britânicos consideravam os quilombolas guerreiros leais dentro do quadro de uma monarquia benevolente, em colapso desde as Revoluções Americana, Francesa e Haitiana. Um relatório oficial, de 1797, destacava que os habitantes das Terras Altas eram “estranhos aos perigosos princípios niveladores da era atual” (citado em Devine, 1994DEVINE, T. M. Clanship to Crofters’ War, Social Transformation of the Scottish Highlands. Manchester: Manchester University Press, 1994., p.92). Isso, o governo de Serra Leoa apostava, parecia também se aplicar aos quilombolas. Numa época de agitação radical e sentimentos republicanos, podia-se confiar que os quilombolas, diferentemente dos loyalists negros da Nova Escócia, usassem armas.

Na verdade, o mesmo governo de Serra Leoa que estava pronto a apostar na lealdade dos quilombolas em 1799-1800, se recusara a fazê-lo três anos antes. Quando o governo britânico propôs enviar os quilombolas para Serra Leoa em julho de 1796, nos desdobramentos da Guerra Quilombola jamaicana, os líderes de Serra Leoa se opuseram à vinda deles. Embora precisassem urgentemente de mais colonos, viam a experiência militar dos quilombolas como uma ameaça à nova colônia. Eles se preocupavam com a possibilidade de os quilombolas e os negros da Nova Escócia se aliarem para derrubar o governo branco. Em 1799, porém, os colonos negociaram um subsídio do governo para instalar as famílias quilombolas. Seu comportamento pacífico e agradecido na Nova Escócia - exibido, indiscutível e precisamente, com esse objetivo - acalmou as preocupações. Serra Leoa apostou que um contingente de 150 guerrilheiros quilombolas poderia controlar os negros da Nova Escócia, cujas habilidades militares não correspondiam à sua estridência ideológica. O futuro mostraria que eles estavam certos.

Em contraste com sua firme lealdade para com o Império Britânico, a deferência dos quilombolas para com o seu líder, o coronel Montague James, diminuiu no exílio. Antes do banimento, o coronel atuara como chefe dos quilombolas de Trelawney Town por pelo menos duas décadas, trabalhando diretamente sob o patrocínio do superintendente branco. O respeito a ele conferido pelas gerações mais jovens parecia decorrer de sua idade e também da sua experiência militar. Sua idade exata não é conhecida, mas ele era considerado “muito velho” em Serra Leoa em 1800 e desde pelo menos os anos 1790 era descrito como alguém de “cabelos brancos” e idoso. Ele manteve sua influência na Jamaica em parte porque podia fornecer alimentos caros em banquetes e ocasiões festivas: rum, javalis selvagens, caranguejos de terra, pombos e peixes (Hamshere, 1972HAMSHERE, Cyril. The British in the Caribbean. Cambridge: Harvard, 1972., p.142).37 37 Em 1802, o general Nugent visitou os quilombolas de Moore Town e Charles Town na paróquia de Portland, na Jamaica; eles os receberam com um banquete de carne de porco charqueada seca e assada, banana da terra e inhame. HAMSHERE, 1972, p.142. Fora da Jamaica, não pôde assegurar favores para os quilombolas. Sem recursos à sua disposição, o papel do coronel se enfraqueceu. Já na Nova Escócia, ele compartilhou cada vez mais a sua autoridade. Em 1797 e 1798, nas petições que os quilombolas enviaram ao Rei e ao Parlamento de Nova Escócia, os signatários incluíam quatro capitães e o coronel.38 38 É possível que alguns quilombolas mais velhos não tenham deixado a Jamaica em 1796.

Em Serra Leoa, o papel simbólico do coronel era aparente, e sobreviveu à sua influência efetiva. Dias depois de chegar a Serra Leoa, o coronel voltou a falar em nome dos quilombolas, concordando em lutar contra os loyalists da Nova Escócia. O governo britânico reconheceu-o e escolheu-o como a voz representativa da comunidade. Entre os vizinhos africanos, o coronel também tinha uma posição de destaque: ele representava um papel bem compreendido. Como os quilombolas, os chefes africanos tinham em alta estima “as pessoas sábias e idosas”. O chefe Temne, o Rei Tom, fez uma visita especial para conhecer o coronel em 1801. Por toda uma década após a chegada dos quilombolas em Serra Leoa, o governo britânico continuou a assegurar-lhe ajuda - um lugar para viver e um pequeno subsídio anual. Aos olhos dos ingleses, ele continuava sendo uma figura central, o intermediário através do qual falavam com os quilombolas. Portanto, merecia mais consideração do que outros quilombolas e um rendimento mais seguro. Mas seu papel havia mudado. As 200 libras que recebia anualmente na Jamaica era um reconhecimento de sua estatura na comunidade quilombola. As 50 libras que lhe foram concedidas em Serra Leoa assinalava sua perda de influência; era um gesto de boa vontade para com alguém que há muito tempo dera prova de fidelidade (Campbell, 1992CAMPBELL, Mavis C. Early Resistance to Colonialism: Montague James and the Maroons in Jamaica, New Scotia, and Sierra Leone. In: AJAYI, J.F. Ade; PELL, J.D.Y. People and Empires in African History: Essays in Memory of Michael Crowder. Essex: Longman, 1992. p.89-105., p.90).39 39 George Ross ao Conselho, 27 de maio de 1801, CO 270/6, Arquivos Nacionais, Kew.

O coronel Montague James não conseguiu manter a estima da comunidade quilombola no exílio. Sua origem como líder decorreu de sua experiência militar na Jamaica e do tratamento privilegiado que recebia dos brancos. A despeito de sua patente, Montague James recebeu menos consideração por sua experiência e idade sem o poderio militar que o acompanhava e sobretudo sem sua capacidade para ampliar os recursos quilombolas. A deportação permitiu que os capitães quilombolas mais jovens lidassem diretamente com o governo colonial, porque, por exemplo, falavam inglês melhor. O patrocínio exclusivo concedido ao coronel pelo superintendente branco na Jamaica não teve continuidade alguma fora desse contexto. Houve uma clara transferência da autoridade do coronel. Na Nova Escócia, ele deixou de ser o único porta-voz dos quilombolas para se tornar um dos porta-vozes. Em Serra Leoa, quando os quilombolas uma vez mais enviaram uma petição para o governo britânico em 1805, perguntando sobre seus irmãos ainda na Jamaica, ele não era mais um dos signatários.40 40 Capitão Andrew Smith e capitão Charles Schaw (quilombolas) ao coronel William Dawes Quarrell, 24 de fevereiro de 1805, WO 1/352, The National Archives, Kew.

A autoridade declinante do velho patriarca Montague James sugere uma reconfiguração da comunidade quilombola em Serra Leoa. Ao invés de buscarem um retorno a um modelo de autoridade baseado na deferência, os quilombolas, como os loyalists negros antes deles, caminharam em direção a uma relação de menor dependência para com os mais velhos. Sua energia excepcional respondia a circunstâncias excepcionais. Em um certo sentido, eles eram ideais para isso. Membros de uma micro-comunidade baseada na autoconfiança e na autodefesa, eles também eram um grupo flexível, há muito tempo sensível às mudanças nas condições de segurança.

O papel central de Montague James não desapareceu repentinamente; isso aconteceu aos poucos. Vale destacar que ninguém o substituiu e isso sequer foi colocado em discussão - ele foi o último líder dos quilombolas de Trelawney Town. Ninguém usurpou o seu lugar na Nova Escócia ou em Serra Leoa, mas os quilombolas não mais o viram como um porta-voz necessário. Diminuído pelo contexto, ele tornou-se menos relevante. Sem a necessidade de manter a prontidão militar defensiva, e sem depender de Montague James para assegurar-lhes alívio da pobreza ou da escravidão, os quilombolas evoluíram para os padrões estabelecidos pelos loyalists negros. Em 1795, nos primeiros tempos da Guerra Quilombola, uma mulher quilombola - “a irmã mais corajosa de um quilombola corajoso” - adotou o título de “Rainha de Montego Bay” (Montego Bay era o segundo maior porto da ilha, muito próximo a Trelawney Town). Ao escolher esse título, ela revelou algo sobre a natureza do monarquismo quilombola na Jamaica. Os quilombolas não se viam irremediavelmente em dívida ou permanentemente subservientes ao rei. O anúncio de uma rainha representava tanto um anseio ousado de poder como um desejo por integração no império. A mulher quilombola valeu-se do monarquismo para imaginar um mundo em que uma rainha quilombola governaria a mais rica colônia proprietária de escravos do império. Essa forma de monarquismo era inconcebível em Serra Leoa em 1800.41 41 Suplemento do The Royal Gazette (Kingston, Jamaica), 30 de abril - 7 de maio de 1796, The National Library of Jamaica.

Livres do seu precário papel nas margens da sociedade jamaicana, os homens quilombolas mais ambiciosos optaram por avançar no mundo britânico em termos individuais. Por pura necessidade, os britânicos em Serra Leoa deram aos quilombolas espaço de manobra para participar das atividades econômicas. O clima tropical tinha implicações práticas para a política imperial. Algumas regiões eram “terra de homem branco” e outras não. Os loyalists, porém, eram necessários onde quer que o Império Britânico afirmou suas pretensões.

A familiaridade dos quilombolas com as normas britânicas tornou-se indispensável. Na Jamaica, sua ancestralidade africana os havia colocado numa situação desvantajosa, que os impedia de avançar além de um certo limite. Em Serra Leoa, seu valor - com ou sem Montague James - era maior do que o dos africanos locais. Alguns quilombolas se aproveitaram da frágil posição britânica na África Ocidental para se oferecerem como assistentes militares, apostando na obtenção de status através do sucesso no campo de batalha e preparando-se para o saque como recompensa. Outros tomaram um caminho diferente. Procuraram a instrução, o treinamento e um padrão de vida mais alto, uma vida não militar. Os homens quilombolas buscaram viver com uma nova dignidade. Tornaram-se funcionários, e mandaram seus filhos para a igreja. Em 1849, uma não identificada “Senhora”, em visita a Serra Leoa, ofereceu uma rara visão dos quilombolas quase cinco décadas após sua chegada. Ela observou que os quilombolas consideravam qualquer “forma de atividade doméstica como algo totalmente abaixo deles” e empregavam regularmente africanos emancipados como aprendizes. Professavam a religião cristã e demonstravam “orgulho ao sobrevalorizar suas capacidades e pretensões”. Com o tempo, os quilombolas compartilhariam os padrões de consumo de outros súditos britânicos, comprando roupas, casas, móveis e sobretudo bens importados. Alguns quilombolas, porém, ao que parece, preservaram uma certa singularidade. A “Senhora” deixou uma imagem extraordinária de uma mulher quilombola “agradável e de bom coração”, que tinha “paixão por enfeites”. Ela usava “muitos colares - um com grandes peças de coral não trabalhado, outro com contas menores do mesmo material, um de contas ovais de âmbar quase tão grandes quanto o ovo de uma galinha e várias fileiras de contas de vidro de cores diversas, colocados em volta do pescoço desnudo e enrugado”.42 42 Residence at Sierra Leone, Carta XVI, 1849, fols. 33, 275, Huntington Library, San Marino. O monarquismo dos quilombolas foi adaptado para atender às suas complexas aspirações (Chopra, 2018aCHOPRA, Ruma, Almost Home: Maroons between Slavery and Freedom in Jamaica, New Scotia, and Sierra Leone. New Haven: Yale University Press, 2018a., cap. 8).

  • Tradução da língua inglesa para a língua portuguesa: Sérgio Lamarão. slamarao@hotmail.com
  • 1
    Blackstock e O’Gorman destacam a mudança na compreensão do loyalism: “O loyalism já foi considerado pelos historiadores como uma reação conservadora quase instintiva e simplista à mudança política interna ou à ameaça militar externa. No entanto, a historiografia recente (…) tratou-a como algo mais complexo, fluido e multifacetado”. Este ensaio adota seu entendimento do loyalismo como o “processo dinâmico de resposta política às condições mutáveis ​​da governança imperial” (BLACKSTOCK; O’GORMAN , 2014BLACKSTOCK, Alan; O’GORMAN, Frank (orgs.). Loyalism and the Formation of the British World, 1775-1914. Woodbridge: Boydell, 2014., p.263). A manutenção dos termos loyalism e loyalist em inglês deve-se ao fato de a tradução para o português - “legalismo” e “legalista” não ser adequada, uma vez que implica lealdade às leis e não ao monarca, ao rei. Vale destacar que, os loyalists - aqueles que não aderiram à Revolução Americana e fugiram para o Canadá, continuando fiéis à Coroa britânica - são considerados pela historiografia nacionalista anglo-canadense como os fundadores da nação. [N. do T.]
  • 2
    Marcela Echeverri também mostra o dinamismo do monarquismo e as possibilidades que ele abriu para as populações marginalizadas. ECHEVERRI, 2016ECHEVERRI, Marcela. Indian and Slave Royalists in the Age of Revolution: Reform, Revolution, and Royalism in the Northern Andes, 1780-1825. Cambridge: Cambridge University Press, 2016..
  • 3
    Quase 50 por cento dos escravos da Jamaica estavam em unidades de mais de 150 homens de modo que as tarefas de trabalho eram especializadas, e por conseguinte, muitos escravos tinham habilidades. HIGMAN, 1978HIGMAN, B.W. African and Creole Slave Family Patterns in Trinidad. Journal of Family History, vol. 3, n. 2, p.163-178, junho 1978., p.164.
  • 4
    DALLAS, R. C. The History of the Maroons, from their Origin to the Establishment of their Chief Tribe at Sierra Leone, Including the Expedition to Cuba for the Purpose of Procuring Spanish Chasseurs and the State of the Island of Jamaica for the Last Ten Years with a Succinct History of the Island Previous to that Period, vol. 1. Londres: Frank Cass, 1968 [1803]. p.35.
  • 5
    Ver o anúncio que oferece “uma recompensa de meia joe* por uma mulher sambo, de 30 a 35 anos de idade, chamada Gracey, supostamente induzida a fugir, e por um mulato chamado Dick, que está na milícia” (itálico meu), posfácio, no The Royal Gazette (Kingston, Jamaica), 4 a 11 de julho de 1795, The National Library of Jamaica (Kingston).
  • 6
    Ver também Robert Sewell ao duque de Portland, 9 de novembro de 1795, Committee of Correspondence Out-Letter Book, The National Archives of Jamaica (Spanish-Town). É claro que a guerra de guerrilha provocou baixas maiores durante a Guerra Quilombola.
  • 7
    “The Importance of Great Britain Considered in a Letter to a Gentleman,” (1740), fol. 20, The Huntington Library (San Marino, Califórnia).
  • 8
    LONG, Edward. History of Jamaica, Reflections on Its Situation, Settlements, Inhabitants, Climate, Products, Commerce, Laws, and Government. Montreal: McGill-Queen’s University Press, 2002 [1774]. p.344.
  • 9
    DALLAS, R. C. The History of the Maroons, p. 97-98.
  • 10
    DALLAS, R. C. The History of the Maroons, p. 96. John Guthrie and Francis Saddler, and the mark of Captain Cudjoe (circle with two lines - vertically and horizontally), 10 de março de 1738/39, Acordo com o capitão Cudjoe, The British Library (Londres).
  • 11
    DALLAS, R. C. The History of the Maroons, p.56.
  • 12
    O juramento de sangue seria repetido durante a guerra. Supplement to The Royal Gazette, sábado, 30 de abril de 1796 a sábado, 7 de maio de 1796, The National Library of Jamaica. Isso é semelhante à maneira pela qual os indígenas americanos - na Nova Escócia, por exemplo - entendiam seus tratados com o governo loyalist nos anos 1790, isto é, como um pacto oral permanente, e não apenas como um arranjo legal.
  • 13
    Na década de 1740, a Assembleia decidiu que “duas vacas devem ser presenteadas ao coronel Cudjoe, e duas ao capitão Accompong, e uma ao capitão Johnny, uma ao capitão Cuffie, uma a Quaco, uma a Bumbager e uma ao capitão Quao, com dois bois; um para Trelawney-Town e um para Accompong Town; e também uma vaca para cada um dos capitães em Accompong Town”. John Guthrie and Francis Saddler, and the mark of Captain Cudjoe (circle with two lines - vertically and horizontally), 10 de março de 1738/39, Acordo com o Capitão Cudjoe, The British Library.
  • 14
    St. James’s Chronicle or the British Evening Post (Londres, Inglaterra), 20-22 de outubro de 1796.
  • 15
    William Beckford, Spanish-Town, 19 de agosto de 1741, Papers Relating to Jamaica, apresentado por C.E. Long, ADD MS 12431, The British Library.
  • 16
    LONG, Edward. History of Jamaica, p.474.
  • 17
    St. James’s Chronicle or the British Evening Post (Londres, Inglaterra), 20-22 de outubro de 1796.
  • 18
    GENTLEMAN, An Account of Jamaica and Its Inhabitants by a Gentleman, Long Resident in the West Indies. Londres, Publicado para Longman, Hurst, Rees, e Orme, por G. Woodfall, 1808. p.286.
  • 19
    Esse padrão de organização apareceu com alguma variação em Trinidad no começo da década de 1800. Como observou o tenente-governador, os quilombolas, “além de reis, rainhas, princesas, e seus auxiliares, têm seus generais, coronéis etc.”. Não parece que os quilombolas de Trelawney Town tinham reis, rainhas e princesas”. Tenente-governador Hislop ao major-general Beckwith, 16 de outubro de 1805, CO 318/29, The National Archives, Kew.
  • 20
    Votos da Assembleia da Jamaica, 28 de julho de 1795, Samuel Vaughan a Lewis Cuthbert, The National Archives of Jamaica.
  • 21
    Montague permanece uma figura enigmática nas fontes. De acordo com Campbell, a Guerra Quilombola transformou Montague em um “verdadeiro líder quilombola”. Até aquele momento, “sua vida encerrava todos os paradoxos e contradições que os líderes do Terceiro Mundo reúnem num contexto colonial” (CAMPBELL, 1992CAMPBELL, Mavis C. Early Resistance to Colonialism: Montague James and the Maroons in Jamaica, New Scotia, and Sierra Leone. In: AJAYI, J.F. Ade; PELL, J.D.Y. People and Empires in African History: Essays in Memory of Michael Crowder. Essex: Longman, 1992. p.89-105.).
  • 22
    Príncipe Eduardo para o duque de Portland, 15 de agosto de 1796, Colonial Office Papers, Janeiro a agosto de 1796, MG II N.S., “A”, Vol. 123, Nova Scotia Public Archives (Halifax).
  • 23
    Andrew Smith, da Nova Escócia, 3 de junho de 1797, in Colonial Office Papers, 1798, MG II N.S. “A” Vol. 127, Nova Scotia Public Archives.
  • 24
    The Parliamentary History of England from the Earliest Period to the Year 1803, vol. 32, de 27 de maio de 1795 a 2 de março de 1797 (Londres: Hansard, 1818), p.924, 926, 928. Esta citação foi retirada dos debates ocorridos em 21 de março de 1796.
  • 25
    Quilombolas ao General Walpole, 23 de abril de 1797, C9137, MG II N.S. “A” vol. 125, Nova Scotia Public Archives.
  • 26
    Uma observação sobre os habitantes das Terras Altas, feita em 1739, que antecipava o seu valor para o império, aplicava-se igualmente aos quilombolas: “Há um povo numeroso e prolífico, que, se reformado em seus princípios e maneiras, e proveitosamente empregado, poderá representar um considerável Acréscimo de Poder e Riqueza para a Grã-Bretanha. Alguns clãs das Terras Altas, bem instruídos nas Artes da Guerra, e bem afeitos ao Governo, conformariam um corpo tão capaz e formidável para a Defesa do seu País quanto a Grã-Bretanha, a Suíça, ou qualquer parte da Europa, são capazes de produzir”. Essa citação provém de The Gentlemen’s Magazine and Historical Chronicle e é mencionada em DEVINE, 1994, p.91.
  • 27
    DALLAS, R. C. The History of the Maroons, p.45.
  • 28
    EDWARDS, Bryan. Observations on the Maroon Negroes of the Island of Jamaica. In: PRICE, Richard (org.). Maroon Societies: Rebel Slave Communities in the Americas. Garden City, Nova York: Anchor Books, 1973 [1774], p.244.
  • 29
    The Parliamentary History of England from the Earliest Period to the Year 1803, vol. 32, de 27 de maio de 1795 a 2 de março de 1797 (Londres: Hansard, 1818), p.929. Esta citação foi retirada dos debates ocorridos em 21 de março de 1796.
  • 30
    Como observa Jorge Canizares-Esguerra, “no início do período moderno, as montanhas só perdiam para os jardins botânicos como locais que antecipavam o paraíso” (CANIZARES-ESGUERRA, 2005CANIZARES-ESGUERRA, Jorge. How Derivative Was Humboldt? Microcosmic Nature Narratives in Early Modern Science and the (Other) Origins of Humboldt’s Ecological Sensibilities. In: SCHIEBINGER, Londa; SWAM, Claudia. Colonial Botany: Science, Commerce, and Politics in the Early Modern World. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 2005. p.148-168., p.152).
  • 31
    “Substance of Report Delivered by the Court of Directors of the Sierra Leone Company to the General Court of Proprietors”, 1794, p.59, The British Library.
  • 32
    Zachary Macaulay, 16 de abril de 1796, Macaulay Papers, The Huntington Library.
  • 33
    Journal of Zachary Macaulay, 26 de julho a 26 de setembro de 1796, Macaulay Papers, The Huntington Library.
  • 34
    Journal of Zachary Macaulay, 30 de novembro a 4 de dezembro de 1796, Macaulay Papers, The Huntington Library.
  • 35
    Zachary Macaulay, 16 de abril de 1796, Caixa 19A; Zachary Macaulay a Selina Mills, 20 de maio de 1796, Macaulay Papers Caixa 1; Zachary Macaulay a Selina Mills, 1º de dezembro de 1797, Caixa 2; Zachary Macaulay, 19 de janeiro a 22 de maio de 1798 Caixa 20A, Macaulay Papers, The Huntington Library.
  • 36
    Os Regimentos das Índias Ocidentais constituíram o maior exército de escravos de qualquer potência europeia entre 1794 e 1833. As expedições britânicas contra o Caribe e a América Central espanhóis em 1740-41 também dependiam do uso de escravos. MORGAN; O’SHAUGNESSY, 2006MORGAN, Philip D.; O’SHAUGNESSY, Andrew Jackson. Arming Slaves in the American Revolution. In: BROWN, Christopher Leslie; MORGAN, Philip D. Arming Slaves: From Classical Times to the Modern Age. New Haven: Yale , 2006. p.180-208., p.185.
  • 37
    Em 1802, o general Nugent visitou os quilombolas de Moore Town e Charles Town na paróquia de Portland, na Jamaica; eles os receberam com um banquete de carne de porco charqueada seca e assada, banana da terra e inhame. HAMSHERE, 1972HAMSHERE, Cyril. The British in the Caribbean. Cambridge: Harvard, 1972., p.142.
  • 38
    É possível que alguns quilombolas mais velhos não tenham deixado a Jamaica em 1796.
  • 39
    George Ross ao Conselho, 27 de maio de 1801, CO 270/6, Arquivos Nacionais, Kew.
  • 40
    Capitão Andrew Smith e capitão Charles Schaw (quilombolas) ao coronel William Dawes Quarrell, 24 de fevereiro de 1805, WO 1/352, The National Archives, Kew.
  • 41
    Suplemento do The Royal Gazette (Kingston, Jamaica), 30 de abril - 7 de maio de 1796, The National Library of Jamaica.
  • 42
    Residence at Sierra Leone, Carta XVI, 1849, fols. 33, 275, Huntington Library, San Marino.

Agradecimentos

Agradeço ao financiamento da Fundação Gilder Lehrman, da Biblioteca Huntington Library, da Biblioteca John Carter Brown, da Sociedade Filosófica Americana e da Faculdade de Ciências Sociais da San Jose State University.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2018
  • Revisado
    31 Jul 2018
  • Aceito
    15 Ago 2018
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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