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Mediações políticas silenciadas: Repressão, resistência e luta pela terra em Cachoeirinha (1964-1985)

Silenced Political Mediations: Repression, Resistance, and the Fight for Land in Cachoeirinha (1964-1985)

Resumo

O artigo visa investigar as relações entre o processo vivido na comunidade de Cachoeirinha (Varzelândia/MG) e a atuação de organizações e movimentos sociais mobilizados na luta pela terra, buscando desvendar parte das mediações políticas que tornaram possível a resistência dos posseiros na região, as iniciativas de enfrentamento desses trabalhadores e a articulação de suas lutas durante as décadas de 1960, 1970 e 1980. Com base em alguns princípios metodológicos da história oral e da micro- história, realizamos entrevistas com algumas pessoas que participaram dessas mobilizações e analisamos denso material escrito produzido por diversos órgãos públicos, imprensa, movimentos sociais e organizações políticas que atuaram na região durante esse período. Assim, pudemos perceber que, mesmo diante da forte repressão, vários atores buscaram mediar o fortalecimento da luta desses posseiros e suas conexões com grupos externos, possibilitando a emergência mais explícita de suas demandas durante o processo de abertura política nacional na década de 1980.

Palavras-chave
Cachoeirinha; luta pela terra; mediações políticas

Abstract

The article aims to investigate the relationship between the process experienced by the community of Cachoeirinha (Varzelândia, in the Brazilian state of Minas Gerais) and the actions of organizations and social movements mobilized in the struggle for land, seeking to unveil part of the political mediations that made possible the resistance of posseiros in the region, initiatives of confrontation by those workers, and how their struggles were carried out in the 1960s, 1970s and 1980s. Based on some methodological principles of oral history and microhistory, we conducted interviews with some of those who had participated in the mobilizations and analyzed dense written material produced by various public agencies, the press, social movements, and political organizations that acted in the region during that period. It was this possible to see that, even in the face of strong repression, several actors sought to mediate the strengthening the posseiros’ struggles and their connections with external groups, enabling the most explicit emergence of their demands during the Brazilian ‘political opening’ in the 1980s.

Keywords
Cachoeirinha; Fight for Land; Political Mediation

Na primeira metade do século XX, a ocupação de terras devolutas foi largamente estimulada pelo Estado em várias regiões de Minas Gerais. Nesse processo, muitos trabalhadores rurais migraram e se tornaram posseiros, desbravando a mata, constituindo famílias e comunidades, confrontando com índios e produzindo por décadas. Em grande parte dos casos, o Estado incentivou o povoamento abrindo estradas e regularizando a condição dos posseiros ao expedir documentos que atestavam seu direito à terra.

No entanto, a partir da década de 1940, as ações estatais nessas regiões foram assumindo contornos bem diferentes, quando houve maior aproximação entre as iniciativas modernizadoras do Estado e os interesses de fazendeiros e grandes empresas, convergindo para uma intensa e violenta concentração fundiária. O Estado que, algum tempo antes, havia incentivado o estabelecimento dos posseiros, passou a respaldar e, muitas vezes, executar a expulsão desses trabalhadores de suas terras. Dessa forma, os posseiros foram sendo empurrados para os centros urbanos ou integrados em condições precárias de trabalho nas fazendas.

As investidas de grileiros contra posseiros foram disseminadas rapidamente e muitos trabalhadores foram assassinados ou perseguidos por muito tempo, visando eliminar seus vínculos com as terras em disputa. Por outro lado, aumentou também a organização dos trabalhadores rurais visando resistir a esse processo, formando ligas, associações e sindicatos em várias regiões do Brasil (Martins, 1981MARTINS, José de Sousa. Os camponeses e a política do Brasil. São Paulo: Editora Vozes, 1981.; Medeiros, 1989MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro FASE, 1989.; 2003MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Reforma Agrária no Brasil: história e atualidade da luta pela terra. São Paulo: Fundação Perseu Abrano, 2003 (Coleção Brasil Urgente).; 2007MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Luta por terra e organização dos trabalhadores rurais: a esquerda no campo nos anos 50/60. In: MORAES, João Q.; DEL ROIO, Marcos. História do Marxismo no Brasil. Vol. 4 Campinas: Ed. Unicamp, 2007. p.229-270.). Em Minas Gerais, desde a década de 1940 os trabalhadores rurais buscaram se organizar, inicialmente em forma de ligas camponesas e, na década de 1950, de associações de lavradores e trabalhadores agrícolas (Camisasca, 2009CAMISASCA, Marina Mesquita. Camponeses mineiros em cena: mobilização, disputas e confrontos (1961-1964). 2009. 201 f. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.).

Esse processo de organização dos trabalhadores rurais foi acentuado no final da década de 1950 e início da década de 1960, em grande medida com respaldo de segmentos da Igreja Católica e integrantes do Partido Comunista (Borges, 2004BORGES, Maria Eliza Linhares. Representação do Universo Rural e luta pela Reforma Agrária no Leste de Minas Gerais. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 24, n. 47, p.303-326, 2004.; Zangelmi, 2014ZANGELMI, A.J. (2014) Traduções e Bricolagens: mediações em ocupações de terra no Nordeste Mineiro nas décadas de 1980 e 1990. Tese (Doutorado de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2014.). Em 1961, com a realização do I Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, o processo de sindicalização e a bandeira pela reforma agrária ganharam ainda mais destaque em Minas Gerais, causando crescente apreensão entre latifundiários e seus aliados. Essa efervescência popular, somada ao temor em relação às reformas do Governo Goulart, desencadeou forte reação de várias frações da classe dominante, que intensificaram suas ações políticas, ideológicas e militares contra os trabalhadores rurais (Starling, 1986STARLING, Heloisa M. M. Os Senhores das Gerais: os novos inconfidentes e o golpe de 1964. Petrópolis: Vozes, 1986.).

O Golpe de 1964, ao permitir um maior controle das forças conservadoras sobre o aparato do Estado, alargou o caminho para a intensificação da violência no campo. As organizações de trabalhadores rurais foram duramente reprimidas, suas lideranças foram presas, perseguidas e assassinadas. Com o pretexto de "caçar" comunistas, fazendeiros usaram desenfreadamente um grande número de milícias formadas por jagunços e policiais para expulsar massivamente posseiros em várias regiões.

O processo vivido pelos posseiros de Cachoeirinha, comunidade do município de Varzelândia,1 1 Em 1995 Cachoeirinha passou a fazer parte do município de Verdelândia, criado pela Lei Estadual 12030. no norte de Minas Gerais, possibilitou conhecermos alguns contornos concretos e específicos desse contexto mais amplo. Os posseiros mais antigos chegaram a Cachoeirinha em meados da década de 1940, sendo sua ocupação estimulada principalmente pela expansão da linha férrea na região. Grande parte dessas pessoas possuía documentos de ocupação expedidos pelo Estado e viveram e trabalharam nessas terras durante décadas, praticando uma economia de subsistência, pouco integrada ao mercado (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985.). No entanto, mesmo relativamente isolados e tendo suas posses legitimadas pelo poder público, 32 famílias dessa comunidade sofreram uma primeira expulsão poucos meses após o Golpe de 1964:

1º de setembro de 1964, Sebastião Alves da Silva e Manoelito Maciel de Salles constituem seu advogado o Coronel Giorgino Jorge de Souza, Comandante do 10º Batalhão da Polícia Militar de Montes Claros, e requerem ao Juiz de Direito de São João da Ponte manutenção de posse sobre aproximadamente 6400 hectares de terras na região de Cachoeirinha. Em menos de duas semanas, José Fernandes de Aguiar, o Juquinha Aguiar, Juiz de Paz, determina o desalojamento dos lavradores. Dia 14 de setembro de 1964, um grupo de homens armados, onde se misturaram policiais militares e simples pistoleiros, apresentou-se diante dos agricultores para cumprir o mandado (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985., p.47, grifo da autora).

Mesmo não havendo reação dos posseiros, a expulsão foi marcada pela violência. Os posseiros tiveram suas casas queimadas, plantações destruídas e animais mortos. Muitas dessas pessoas foram obrigadas a se alojarem com suas crianças debaixo de árvores por longo período, passando fome e expostos à chuva e ao relento. Pouco tempo depois, amparados pelo argumento de que as terras eram devolutas, os posseiros as reocuparam enquanto o processo corria na justiça. Porém, apesar dos títulos de propriedade apresentados pelos fazendeiros serem claramente duvidosos, com claros sinais de grilagem, as decisões judiciais foram fortemente tendenciosas a seu favor (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985.).2 2 Intrigante como o tamanho das terras nas documentações apresentadas pelos fazendeiros aumentou ao longo dos anos, sem explicação plausível. Por sua vez, o Coronel Giorgino Jorge de Souza, advogado dos fazendeiros e comandante do batalhão que expulsou e perseguiu os posseiros, também se tornou proprietário de parte das terras em Cachoeirinha, como pagamento por seus serviços. Essa transação é ainda mais suspeita na medida em que Giorgino adquire as mesmas terras duas vezes, uma de Manoelito em 1968, outra da Ruralminas em 1975. Porque compraria duas vezes? Se as terras foram vendidas como devolutas pela Ruralminas em 1975, como poderiam pertencer aos fazendeiros em 1964?

Os posseiros foram novamente expulsos violentamente em 1967, juntamente com outras famílias da localidade. Nesse momento, foram desalojadas 212 famílias, sendo perseguidas por mais de uma década, visando evitar que reocupassem Cachoeirinha. Vários desses trabalhadores foram assassinados, outros migraram, se tornaram meeiros ou assalariados, vivendo e trabalhando em condições precárias.3 3 Em entrevistas cedidas a SANTOS (1985) alguns posseiros narraram as perseguições cotidianas que sofreram durante anos, como quando eram impedidos de se comunicar entre si e com atores externos, plantar, coletar madeira na região, assim como buscou-se apagar sua memória social. Em decorrência dessas privações, mortes relacionadas com sarampo e subnutrição se tornaram comuns, principalmente entre idosos e crianças. Vários jornais da época noticiaram a morte de 64 crianças em decorrência da precarização das condições de vida e trabalho desses posseiros após a expulsão.

No final da década de 1960 e na década de 1970, os posseiros que permaneceram na região buscaram reverter essa situação, recorrendo à justiça e à imprensa, sem, contudo, conseguirem recuperar as terras. Somente na década de 1980, amparados pela atuação intensa de organizações e movimentos sociais em prol da luta pela terra, os posseiros reocuparam Cachoeirinha e conseguiram visibilidade para suas condições e demandas. Por outro lado, vale atentar para as iniciativas e influências políticas anteriores a esse momento de maior visibilidade, mediações que tornaram possível a resistência desses posseiros por quase duas décadas e sua rearticulação.

Em vista da forte repressão durante o regime militar, as mediações políticas no sentido da sindicalização e luta pela terra foram obstaculizadas, se tornando dispersas e ocultas, o que até hoje dificulta seu reconhecimento. Assim, diante da escassez de estudos históricos que tenham desvendado essas mobilizações fragmentadas e veladas, prevalece uma imagem enganosa sobre os trabalhadores rurais mineiros, geralmente vistos como passivos diante das imposições advindas desse contexto adverso ou, quando mobilizados, agindo de forma isolada e auto referenciada. Ou seja, muitas vezes acredita-se que os trabalhadores rurais mineiros agiam sem qualquer vinculação com formas de organização, utopias e projetos de sociedade sistematizados, advindos das relações com partidos políticos, organizações e movimentos sociais mais amplos. Dessa forma, várias ações de mediação que desencadearam mobilizações pela sindicalização e reconquista de terras carecem de maior visibilidade, problema que dificulta o reconhecimento do significativo papel catalizador dessas ações para a manutenção da luta pela terra e suas conquistas posteriores.

O objetivo do estudo4 4 A pesquisa contou com o respaldo metodológico de alguns instrumentos da história oral e da micro-história, que pautaram as entrevistas com diversos atores e a consulta aos documentos escritos do Arquivo Público Mineiro (APM), do Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES) e da Hemeroteca Digital Brasileira. aqui apresentado foi investigar as relações entre o processo vivido em Cachoeirinha e a atuação de organizações e movimentos sociais mobilizadas na luta pela terra, desvendando parte das mediações políticas que tornaram possível a resistência dos posseiros na região, suas iniciativas de enfrentamento e a articulação de suas lutas durante as décadas de 1960, 1970 e 1980.

Mediações políticas durante o regime militar

A luta pela terra no Brasil adquiriu maior unidade e visibilidade no final da década de 1950 e início da década de 1960, em torno das bandeiras da sindicalização rural e da reforma agrária, sendo o Partido Comunista Brasileiro (PCB), as Ligas Camponesas e alguns setores da Igreja Católica atores fundamentais nesse processo. Cada um desses grupos, à sua maneira, desenvolveu estratégias de mobilização visando o redimensionamento da estrutura fundiária e das condições de vida no campo, disputando a organização dos trabalhadores rurais (Medeiros, 1989MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro FASE, 1989.; 2003MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Reforma Agrária no Brasil: história e atualidade da luta pela terra. São Paulo: Fundação Perseu Abrano, 2003 (Coleção Brasil Urgente).; Novaes, 1997NOVAES, Regina Reyes. De corpo e alma: catolicismo, classes sociais e conflitos no campo. Rio de Janeiro: Graphia, 1997.). Essas foram mediações centrais para a publicização da luta por terra, construindo novos sentidos, inserindo-a em projetos sociais e políticos mais amplos. Destaca-se a constituição da identidade de camponês, conferindo unidade e abrangência política para as mobilizações dos trabalhadores rurais, em oposição aos latifundiários.

O latifúndio a que se opunham não era uma propriedade agrícola com tais e quais características. O latifúndio - quase como um emblema mítico - sintetizava um conjunto de normas, atitudes e comportamentos atualizados pelo conjunto dos proprietários rurais respaldados pelo poder local (Novaes, 1997NOVAES, Regina Reyes. De corpo e alma: catolicismo, classes sociais e conflitos no campo. Rio de Janeiro: Graphia, 1997., p.51).

Com a realização em 1961 do I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, a reforma agrária ampliou consideravelmente sua importância na cena pública. Esse congresso, envolto nos debates sobre a radicalidade e a legalidade da luta pela terra, explicitou as disputas entre os vários grupos que buscavam representar os camponeses. A partir desse momento, são intensificadas as resistências e ocupações de terra e suas inserções na cena pública (Medeiros, 2007MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Luta por terra e organização dos trabalhadores rurais: a esquerda no campo nos anos 50/60. In: MORAES, João Q.; DEL ROIO, Marcos. História do Marxismo no Brasil. Vol. 4 Campinas: Ed. Unicamp, 2007. p.229-270.). Em Minas Gerais, esse movimento foi especialmente intenso na região de Governador Valadares, onde um volume considerável de camponeses insatisfeitos adensou o movimento sindical e colocou a conquista de terras em seu horizonte, desencadeando fortes reações das classes dominantes (Carneiro; Cioccari, 2011CARNEIRO, Ana; CIOCCARI, Marta. Retrato da Repressão Política no Campo - Brasil 1962-1985 - Camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Brasília: MDA, 2011. 2º Edição.; Borges, 1988BORGES, Maria Eliza Linhares. Utopias e contra-utopia: movimentos sociais rurais em Minas Gerais (1950-1964). 1988. 287 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade Federal de Minas Gerais, 1988.; Camisasca, 2009CAMISASCA, Marina Mesquita. Camponeses mineiros em cena: mobilização, disputas e confrontos (1961-1964). 2009. 201 f. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.).

Não pudemos precisar até que ponto os conflitos em Cachoeirinha tiveram, nesse momento, relação com essa ascensão da luta dos trabalhadores rurais e a violenta reação conservadora. Porém, não é absurdo supor que acontecimentos dessa magnitude tenham sido conhecidos na região, influenciando de alguma forma nesse conflito local. Essa hipótese ganha força na medida em que encontramos informações sobre uma organização sindical embrionária em Cachoeirinha, que em pouco tempo foi interrompida:

Aí o povo começou a organizar. Um fazia um trem, outro fazia outro... Aí veio a Fetaemg pro povo fazer o sindicato. Se fizesse o sindicato aqui aí a coisa era melhor. Aí a gente ia ter outra instituição para mexer com o trabalho da gente. Quando nós armamos o projeto de fazer o sindicato, foi imediato de uma coisa para outra! De eu pensar para a senhora e a coisa cair na cabeça daquela ali! Aí quanto nós estávamos fazendo o sindicato o Manoelito chegou aqui!5 5 Entrevista concedida por Pedro Queiroz, posseiro de Cachoeirinha, em 18 fev. 2018.

Pedro Queiroz, remanescente dos antigos posseiros expulsos de Cachoeirinha, relaciona a expulsão que sofreram ao movimento sindical no local. Apesar de algumas confusões,6 6 A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg) foi criada em 1970, porém o entrevistado pode estar se referindo à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), organização que buscou atuar na região na década de 1960. seu depoimento indica que a embrionária organização dos trabalhadores rurais de Cachoeirinha pode ter chamado atenção de fazendeiros e autoridades da região, um estopim para o início das expulsões e perseguições.

A intensificação das investidas contra posseiros foram estratégias recorrentes nesse contexto, expulsando e perseguindo centenas de famílias, impedindo sua organização em sindicatos e associações e submetendo-os a condições de vida e trabalho precárias. Por outro lado, a resistência dos posseiros na região, mesmo em condições fortemente adversas, pode ter sido estimulada pelas experiências de organização e enfrentamento em outras regiões, disseminadas por movimentos sociais, através de mobilizações locais, acesso à imprensa e interação com o espaço institucional.

Após as expulsões de 1964 e 1967, militantes de algumas organizações políticas passaram a direcionar esforços para a região. Inicialmente foi possível identificar o trabalho da Ação Popular (AP), organização de esquerda criada em 1962 por alguns integrantes da juventude da Ação Católica,7 7 A Ação Católica foi um movimento no interior de Igreja Católica - desenvolvido a partir das primeiras décadas do século XX, inicialmente na Europa, ramificando-se na América Latina - que visava congregar leigos, aproximando essas pessoas da estrutura organizacional e atividades da Igreja. Esses grupos eram divididos em setores - como Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) - considerados instâncias preparatórias para a inserção na Ação Católica Geral. principalmente da Juventude Universitária Católica (JUC) e Juventude Operária Católica (JOC), que representavam alguns dos setores mais progressistas da Igreja Católica no período (Ciambarella, 2007CIAMBARELLA, Alessandra. Do Cristianismo ao Maoísmo: a história da Ação Popular. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. Revolução e Democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.101-129.). Durante a ditadura militar esse grupo atuou clandestinamente e adquiriu concepções marxistas, principalmente maoístas e leninistas, se afastando da Igreja Católica. No início dos anos de 1970, passou a se chamar Ação Popular Marxista Leninista (APML).

Com as notícias sobre a intensificação dos conflitos pela terra em Varzelândia após o Golpe de 1964, militantes da AP se deslocaram para a região, realizando ali um trabalho ainda muito pouco conhecido.8 8 Esse desconhecimento é evidente tanto no meio acadêmico quanto pelos próprios atores historicamente engajados nas lutas dos trabalhadores rurais. Por se tratar de uma mobilização oculta e fragmentada, assim como por ter sido interrompida em sua fase inicial pelo acirramento da repressão com o AI5, essas ações não tiveram a devida visibilidade até o momento.

Eu fui definido (na AP) para fazer esse trabalho de campo (nas áreas de conflito no meio rural) [...]. Particularmente, em 67, ocorreu uma repressão intensa contra os posseiros em Cachoeirinha e toda a região e saiu a história de Saluzinho9 9 O caso de Salustiano Gomes Ferreira (Saluzinho) teve grande repercussão por esse posseiro de Varzelândia (região de Serra Azul) ter resistido às tentativas de expulsão e prisão, alojando-se por cinco dias numa gruta, onde enfrentou sozinho um grande contingente policial fortemente armado. Em seguida, Saluzinho passou por diversas prisões (inclusive no DOPS) e foi perseguido e estigmatizado pelo resto de sua vida. em todos os jornais [...]. Se considerava importante porque era uma área de mata também e eram terras devolutas. 10 10 Depoimento de Carlos Melgaço Valadares concedido ao autor e à COVEMG em 26 mai. 2017.

Além de Carlos Melgaço Valadares, outros militantes da AP participaram dessas ações, entre eles Oldack Miranda, Solange Soares Nobre, Betinho Duarte, Dilermando Nogueira Tony e Loreta Valadares, grupo que atuou na região entre os anos de 1967 e 1969. Essa mobilização foi registrada pelos investigadores do DOPS, como pôde ser identificado em seus processos.

O trabalho camponês, que começou a dar resultados positivos foi iniciado em novembro de 1968 na região da Mata da Jaíba, norte de Minas Gerais, nas localidades de Serra Azul, Varzelândia e Rio Bonito. Essa região foi escolhida em virtude do conflito existente entre posseiros de terras devolutas e os administradores da área, subordinados à Ruralminas. Nessa área houve um atrito de grandes proporções entre os posseiros Salustião Gomes, conhecido por Saluzinho, e um contingente da PMMG. Os militantes da Ação Popular Oldack Miranda ("Vicente") e sua esposa Solange Soares Nobre ("Clara") juntamente com outros militantes se instalaram na área, ganhando a confiança da família de Saluzinho, por meio de assistência material e jurídica a este posseiro, homem bastante trabalhador, estimado e respeitado entre os habitantes daquela região.11 11 Pasta 0040, rolo 4. Documentação do Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (DOPS/MG). Arquivo Público Mineiro.

Nesse inquérito, os militantes da AP são acusados de trabalharem como camponeses por alguns meses na Mata do Jaíba (Norte de Minas), realizando reuniões do "movimento camponês" para "conscientização das massas". Segundo os documentos, essas ações eram baseadas no "pensamento de Mao Tsé Tung" e visavam prepará-los para a "futura luta" que tinha o objetivo de "mudança na estrutura do País com a derrubada do Governo". Essas informações são em parte convergentes com depoimentos de alguns integrantes da AP engajados nessa mobilização, que relataram suas motivações e objetivos:

Por volta de janeiro de 1968 fomos organizar os posseiros da Mata do Jaíba, no Norte de Minas. O objetivo era organizar os posseiros primeiro em sindicatos, com vistas à futura luta armada. Em 2 de janeiro de 1969 estávamos na Mata do Jaíba, o AI5 nos pegou, portanto, no campo. [...] Aquela região também não tinha densidade populacional para a guerra popular, a AP desativou o trabalho lá. 12 12 Depoimento de Oldack Miranda concedido à Comissão da Verdade da Bahia. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=37uJXA35PiE>. Consulta em 15 dez. 2017.

Segundo Carlos, o direcionamento de parte das iniciativas da Ação Popular para o meio rural, especialmente em área de conflito, foi uma estratégia de estabelecimento de relações que levariam à conscientização e mobilização dos trabalhadores. Esses militantes foram influenciados especialmente pelo pensamento maoísta.

A gente fez uma preparação política. Ficamos praticamente um mês numa casa alugada para estudar toda a parte de teoria: Marx, Engels, Lênin, Mao Tsé-Tung... Para ter um nível de consciência maior. A ideia era a gente saber isso e se integrar ao pessoal (camponeses) e pouco a pouco fazer com que passassem a ver não só a luta pela terra em si, como também a relação da luta pela terra com esses objetivos maiores que a gente definia, como o socialismo, ainda de uma forma [indômita]. [...] Era basicamente um trabalho de articulação, de resistência, estabelecer os contatos. A gente achava que não era a gente que ia fazer, quem ia fazer é o povo da região. Então, a gente precisava ter esse contato maior com o povo. 13 13 Depoimento de Carlos Melgaço Valadares concedido ao autor e à COVEMG em 26 mai. 2017.

Assim, esses militantes buscaram, ao se integrar no universo dos trabalhadores rurais, desencadear processos de reflexão que pudessem relacionar as privações e desigualdades de poder locais com processos de exploração mais amplos.

Entrava em discussão (com os posseiros) sobre a terra, mas sobre as coisas concretas. A dificuldade de se conseguir sal, carne. Você ouvia falar que mataram um boi não sei onde, mas não tinham recursos para pegar. Era uma situação extremamente difícil. A gente levou um rádio potente para poder escutar Rádio Pequim, Rádio Tirana e BBC. Eram rádios que transmitiam para o Brasil notícias sobre o Brasil. [...] Você não chaga falando em socialismo, você vai ter esse nível de integração, de estar vivendo ali, conhecendo os problemas, fazendo a luta em torno daqueles problemas e, ao mesmo tempo, fazendo a vinculação do porque isso existe, porque tem essa exploração no campo, porque a SUDENE e a RURALMINAS fez isso naquela área. Beneficiou quem? 14 14 Depoimento de Carlos Melgaço Valadares concedido ao autor e à COVEMG em 26 mai. 2017.

Apesar de, ao longo de sua trajetória, a AP distanciar-se cada vez mais da Igreja Católica, seus quadros sempre foram majoritariamente cristãos. Para Ridenti (2002)RIDENTI, Marcelo S. Ação Popular: cristianismo e marxismo. In: Reis Filho, Daniel Aarão e Ridenti, Marcelo (orgs.). História do marxismo no Brasil. Vol. 5. Partidos e organizações dos anos 20 aos 60. Campinas: ed. da UNICAMP, 2002. p.213-282., a história da AP é marcada por um "romantismo revolucionário", baseado num ideal anticapitalista de que seria possível recuperar, através da ação revolucionária, certos valores perdidos na modernidade, possibilitando a construção de um novo futuro. Assim, foram articulados elementos do cristianismo e do maoísmo. Por um lado, havia um forte sentimento de missão, comunhão e devoção a uma causa e, por outro, o entendimento de que, através da integração junto aos trabalhadores, se poderia realizar uma luta popular prolongada que trouxesse as mudanças almejadas.

Dessa forma, principalmente a partir de 1966, a corrente inspirada no modelo cubano, que acreditava na ação revolucionária a partir de pequenos grupos armados de vanguarda, foi perdendo espaço para a corrente maoísta, levando segmentos da classe média a conviverem por longo período junto aos trabalhadores rurais, buscando transformar suas consciências.

A partir de 1968, prevaleceria na organização a ala dirigente identificada com os princípios do maoísmo e da Revolução Cultural Chinesa, que causava impacto entre os marxistas de todo o mundo, e em especial nas lutas revolucionárias dos países de predominância camponesa (Ciambarella, 2007CIAMBARELLA, Alessandra. Do Cristianismo ao Maoísmo: a história da Ação Popular. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. Revolução e Democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.101-129., p.119).

Diante dessa predominância do modelo maoísta, uma estratégia que se tornou fundamental foi a chamada "proletarização" dos militantes, ou seja, a integração desses jovens - de origem das camadas sociais médias - como trabalhadores no sistema produtivo, visando o estabelecimento de vínculos com os operários e camponeses:

A meta consistia em deslocar seus militantes para o trabalho nas fábricas e para o meio rural, numa tentativa de transformá-los, rompendo com suas origens sociais - notadamente de classe média. O movimento visou a eliminar a distância entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, acabando também com a tendência à elitização através do nivelamento por baixo, mediante a integração dos militantes na produção, inspirados no modelo igualitário da Revolução Cultural Chinesa e reforçada pela origem cristã apista (Ciambarella, 2007CIAMBARELLA, Alessandra. Do Cristianismo ao Maoísmo: a história da Ação Popular. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. Revolução e Democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.101-129., p.120).

Segundo Manfredini, esses militantes que atuaram na Mata do Jaíba tinham a missão de "integrar-se com camponeses, despertar neles a consciência política, persuadi-los a realizar a guerra popular que, finalmente, libertaria o País e criaria vida nova para o povo" (Manfredini, 1989MANFREDINI, Luiz. As moças de Minas: uma história dos anos 60. São Paulo: Alfa-omega, 1989., p.22). Assim, nos contextos de conflito, esses membros da AP buscaram criar espaços de resistência e direcionar as mobilizações para o confronto mais abrangente, defendendo mudanças estruturais na sociedade. Nesse sentido, situaram os adversários locais como expressão de poderes externos, buscando unificar e potencializar suas ações em direção à superação da ditadura militar.

Segundo Neves (2008)NEVES, Delma Pessanha. (Org.). Desenvolvimento social e mediadores políticos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2008., as ações de mediação, assemelhadas aos trabalhos do tradutor e do bricoleur, são interações entre universos de significação, a partir da combinação entre fragmentos de significados recolhidos junto aos vários atores em relação. Essas conexões, realizadas no processo de mobilização política, permitem a construção de projetos políticos conjuntos, direcionando e potencializando os esforços, lançando as mobilizações locais para outros patamares. Pelo que pudemos perceber, esses militantes realizaram algumas ações de mediação ao articularem, por um lado, as condições de vida e os conflitos pela terra vividos por esses posseiros e, por outro, os objetivos da AP, construindo alguns arranjos de significados para situar essas experiências específicas nas mobilizações políticas contra a ditadura militar. Ao que tudo indica, diante da forte repressão, essas ações não puderam ser desenvolvidas por muito tempo, não obtendo os resultados desejados.15 15 Com a intensificação da repressão, principalmente com o AI5, esse trabalho foi desativado na região. Carlos e Loreta, entre outros membros da AP, foram presos e barbaramente torturados. Grande parte desses militantes se deslocou para outros estados e se integrou ao PCdoB em 1973. No entanto, é plausível que, mesmo indiretamente, as reflexões desencadeadas nessas ações tenham influenciado nas mobilizações dos posseiros durante a década de 1970 na região, assim como a retomada mais explícita de suas lutas na década de 1980. A AP, ao trazer a desnaturalização das condições de vida e trabalho, o questionamento das relações de poder, noções de direitos, delimitação de adversários, interligação com as lutas pela reforma agrária e contra o regime etc., pode ter plantado sementes que, mesmo em situação adversa, germinaram em ações fragmentadas e dispersas, mantendo viva a luta pela terra na região.

A repressão que impediu a continuidade do trabalho da AP também minou as possibilidades de atuação das organizações sindicais junto aos trabalhadores rurais de Cachoeirinha. Em 1968, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) buscou atuar no conflito, rapidamente sendo reprimida.

Foram a Cachoeirinha. Mas antes de iniciar a reunião chegaram alguns soldados comandados por Capitão Alkimin sob ordens do Cel. Giorgino. Prenderam os quatro membros da CONTAG. Estavam há dois dias presos quando a Secretaria de Segurança de Belo Horizonte comunicou com o Cap. Alkimin que havia autorização para a reunião. Soltos, os representantes da CONTAG vieram embora. Só onze anos depois as entidades sindicais se fariam presentes na defesa dos lavradores (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985., p.56, grifo da autora).

As entidades sindicais, impedidas de atuarem diretamente no conflito, acompanharam à distância e buscaram autoridades públicas e a imprensa para denunciar as injustiças cometidas na região. A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg) buscou dar visibilidade ao caso de Cachoeirinha, realizando uma "grave denúncia [...] às autoridades estaduais contra os grileiros (tomadores de terras com documentos ilegais) de Varzelândia, norte de Minas, que conseguem forjar documentos falsos e retirar da terra os camponeses antigos do lugar".16 16 Tribuna da Imprensa (RJ), 29-30 jan. 1972 (Edição 06614, p.8). Hemeroteca Digital Brasileira. No entanto, são raras as menções a essas organizações na documentação referente a esse período, provavelmente em função dos riscos de serem identificados.

Diante da repressão que dificultava a ação de organizações, os trabalhadores criaram formas de resistência, que passavam pela constituição de uma "rede particular de comunicação. As crianças, os cachorros, os sinais dissimulados pelas ruas, pelas casas, são os meios que empregam na organização da resistência" (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985., p.58). As formas de violência e resistência cotidianas, que não se encaixam nos modelos indicados pelos movimentos e organizações políticas, são muito pouco conhecidas a fundo. Porém, seus efeitos para a manutenção da resistência ao longo dos anos são significativos, especialmente nos contextos mais adversos. Em Cachoeirinha, podemos supor que os posseiros, baseando-se em relações de solidariedade, desenvolveram estratégias para a manutenção do sentimento de pertencimento à antiga comunidade, assim como para não serem percebidos como um risco pelos fazendeiros e autoridades da região. Por outro lado, esses trabalhadores também buscaram alguma visibilidade externa para injustiças que estavam sofrendo, tentando chamar atenção da imprensa e do poder público.

Note-se que as ações estatais mais amplas seguiam fortemente a lógica de favorecimento da vinda de fazendeiros e grandes empresas para a região, sendo os posseiros tratados como obstáculos a serem excluídos a qualquer custo. Esse intento pode ser percebido em vários documentos, como num informe, datado de 26/11/1973, enviado pelo chefe do Escritório de Minas Gerais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), Marcelo José Martins Furtado de Souza, dirigido ao Cel. João Baptista Ramos Lima, chefe da Assessoria de Segurança Interna da SUDENE. Nesse documento é relatada a presença de "elementos de tendência esquerdista" na região do Jaíba, que têm atuado no sentido de evitar a vinda de "grandes grupos" para a região. A iniciativa governamental, de "criação de infra-estrutura (...) para atrair grandes projetos agropecuários" estaria sendo obstaculizada pela repercussão das ações de posseiros, que alcançavam a grande mídia, como jornais de Belo Horizonte e a Rede Globo, assim como o apoio de parlamentares, como o deputado Marcos Tito (MDB). Essas agitações estavam fazendo com que "vários empresários, interessados em ali adquirir terras para projetos, fiquem intranquilos, temendo problemas com relação à posse e uso das terras que por eles venham a ser adquiridas".17 17 Arquivo Público Mineiro. Documentação do DOPS/MG. Rolo 27/pasta 1065.

As ações desses trabalhadores rurais, respaldadas por algum acesso a atores no campo institucional e à opinião pública, estavam surtindo certo efeito a ponto de inibir e empresários e incomodar essas autoridades, já em 1973. Os posseiros buscaram autoridades relativamente afastadas das estreitas relações de poder no Norte de Minas, que envolviam fazendeiros, policiais, juízes, imprensa regional etc.. Em certa medida, conseguiram demonstrar como foram perseguidos por vários anos, alguns sendo assassinados, principalmente entre o final dos anos de 1960 e meados de 1970. Várias notícias relataram a crescente violência no início dos anos de 1970 nessa região.18 18 Arquivo Público Mineiro. DOPS/MG. Pasta 5079-Jaíba. Essas matérias enfatizam a morosidade estatal para conter os conflitos, como a demora no envio de uma comissão da Secretaria de Segurança que avaliaria os casos relatados. Algumas manchetes são reveladoras do aumento da violência e morosidade estatal, como "Enquanto lavrador quase morre no Jaíba, Comissão adia viagem"19 19 Diário de Montes Claros, 20 nov. 1973. Arquivo Público Mineiro. DOPS/MG. Pasta 5079-Jaíba. e "Apurem violência no Vale do Jaíba".20 20 Estado de Minas, 17 out. 1973. Arquivo Público Mineiro. DOPS/MG. Pasta 5079-Jaíba.

Os jornais descrevem denúncias de envolvimento de fazendeiros e policiais militares na perseguição aos posseiros, que não dispunham de condições para se defenderem. Um caso que chamou a atenção foi o do posseiro Honório Pereira de Aguiar, esfaqueado no dia 24 de novembro de 1973. O próprio autor do crime, Sebastião de Souza Silva, apontou o fazendeiro José Sídio Freire como mandante.21 21 O jornal de Montes Claros, 06 dez. 1973. Arquivo Público Mineiro. DOPS/MG. Pasta 5079-Jaíba. Outra matéria destaca como os posseiros denunciaram as perseguições cometidas "por elementos de destaque político na região, acobertados por destacamentos policiais-militares ali instalados".22 22 O Estado de São Paulo, 16 out. 1973. Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagem 103.

Pouco tempo depois outro caso abateu fortemente os posseiros de Cachoeirinha. Martinho Fagundes, seu principal líder, foi assassinado numa emboscada em 1975, quando buscava a demarcação das terras. O pistoleiro foi preso e confessou o crime, indicando como mandante Waldir Alves Coutinho, filho de João Antônio, fazendeiro que alegou posse e supostamente vendeu as terras de Cachoeirinha para Manoelito e Sebastião. O pistoleiro sumiu misteriosamente da prisão e o caso foi arquivado (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985.). A filha de Martinho Fagundes contou que:

Ele (Martinho Fagundes) foi o cabeça pra fazer essas coisas (...). Não tinha quem dava apoio, inclusive mataram ele, foi a mesma coisa que matar um passarinho. Ele morreu sem saber quem matou, quem mandou. Nós é que sofreu. (...) Ele era muito lutador, um homem como ele morreu e ficou por isso mesmo. (...) Nós ficamos sabendo que foi eles, inclusive meu irmão quis vingar mas não soube fazer. É o único feito porque pela justiça ninguém esperava (Depoimento disponibilizado por Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985.)

Segundo depoimentos coletados por Santos (1985)SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985., seis lavradores foram assassinados entre 1968 e 1975, visando desmobilizar e distanciar os posseiros de Cachoeirinha, evitando que voltassem a reivindicar as terras. São citados alguns nomes, assim como seus supostos executores e mandantes: Antônio Montes Brito, morto pelo Cabo José Guilherme; Juarez, morto pelo Cabo Luiz; Ursino (Sino), morto por Antônio Preto, pistoleiro de Manoelito. Esses relatos são convergentes com as narrativas coletadas pela CPT, divulgadas em uma de suas cartilhas,23 23 Cachoeirinha, terra de esperança, 1983. Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagem 55 a 63 assim como em notícias de vários jornais. Os trabalhadores relataram também os desaparecimentos dos posseiros Marcionílio e Mariano, bem como vários enforcamentos misteriosos. Nesses casos, os relatos enfatizam como os trabalhadores foram encontrados pendurados em árvores, com bilhetes de suicídio nos bolsos, mesmo sendo analfabetos.24 24 Tribuna Operária, 04 jul. 1981. Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagem 95.

Evidentemente, diante do crescimento da violência em Cachoeirinha, a organização desses trabalhadores para reaverem suas terras era extremamente arriscada, sendo realizada de forma fragmentada e oculta, o que dificulta sua identificação pelos pesquisadores na atualidade. No entanto, pudemos perceber que alguns atores buscaram influenciar nesse contexto adverso, dentre eles o Padre José Silvera dos Anjos, o posseiro Martinho Fagundes Lisboa, o deputado Marcos Tito (MDB).

O Padre José Silveira dos Anjos, vigário de Varzelândia desde 1955, defendeu os posseiros de Cachoeirinha nesse período, apelando para autoridades públicas e comunidades católicas da região. Seu nome é relacionado à resistência dos posseiros em algumas notícias da época, porém sem muitos detalhes, o que dificulta descrevermos como se deram essas interações e seus resultados concretos.

Já a atuação de Martinho Fagundes, principal liderança dos posseiros na primeira metade da década de 1970, é mais visível, especialmente por sua disposição em buscar apoio externo para a causa dos posseiros, recorrendo a diversos jornais e órgãos estatais. Além de ter seu nome identificado em diversas matérias de jornais, Martinho consta também na documentação do DOPS/MG como importante liderança em Cachoeirinha, evidentemente sendo retratado de forma negativa. Caracterizado no processo como pernicioso e aproveitador, numa clara tentativa de deslegitimar sua liderança, os investigadores salientaram suas frequentes viagens para denunciar as arbitrariedades cometidas contra os posseiros. Nesse processo, foram destacados depoimentos que afirmam que Martinho era "sem profissão definida, prefere a constante de viagens a Belo Horizonte para conceder entrevistas a órgãos de comunicação, aproveitando-se para isso dos recursos aos quais é provido pelos verdadeiros posseiros, à dedicação ao trabalho [...] homem que se impõe como que deixa seus seguidores fanatizados por ele".25 25 APM. DOPS/MG. Pasta 1065-Giorgino Jorge de Souza. Imagem 120. Levando em conta o tom das críticas e seu assassinato, fica evidente como a atuação de Martinho incomodou fortemente àqueles que buscavam minar a mobilização em Cachoeirinha. Já o jornal Opinião (RJ) assim se referiu ao líder dos posseiros:

Martinho Fagundes sempre foi um líder incontestável dos posseiros do Vale do Jaíba, no Norte de Minas Gerais, odiado por todos os fazendeiros e grileiros devido às suas denúncias, que impediram a expulsão definitiva dos lavradores mais pobres. Semana passada aconteceu o que Fagundes temia: levou três tiros.26 26 Jornal Opinião, 20 fev. 1976, p.2. Hemeroteca Digital Brasileira.

Em grande medida, Martinho atuou em parceria com o deputado Marcos Tito (MDB), ampliando suas possibilidades de acesso ao campo institucional e à imprensa, como pudemos observar em alguns jornais. Numa notícia de 1973, intitulada "Jagunços expulsam 212 famílias rurais em MG", Martinho Fagundes denunciou a violência e injustiça contra os posseiros de Cachoeirinha. Estando "acompanhado do deputado Marcos Tito", o posseiro iria solicitar providencias das autoridades estaduais para solução para os problemas em Varzelândia, "uma vez que os grileiros estão semeando a intranquilidade e tomando as terras dos posseiros".27 27 O Fluminense (Niterói), 13 out. 1973, p.2. Hemeroteca Digital Brasileira.

Marcos Wellington de Castro Tito nasceu na cidade de Belo Horizonte em 22/09/1940 e concluiu o curso de direto em 1966, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, onde foi líder estudantil. Foi eleito deputado estadual (1971) e federal (1975) pelo MDB, tendo destaque como parlamentar oposicionista. Integrante do grupo "autêntico", ala à esquerda no MDB, fez parte da Comissão de Minas e Energia e da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Minérios e foi relator do Acordo Atômico Brasil-Alemanha.

Desde o início de seu primeiro mandato defendeu a redemocratização das instituições políticas, posicionando-se claramente em diversos jornais da época. Referindo-se à repressão, afirmou que:

todos esses aparatos foram feitos em detrimento da grande maioria do povo brasileiro para abrandar apenas uma minoria que radical que há muito tempo deixou de existir e por isso não há sentido de se continuar em vigência, principalmente agora que todos os órgãos de segurança são uníssonos ao anunciar que terminou o terrorismo no Brasil (...) A melhor solução e mais humana decisão do governo brasileiro seria fazer retornar o País ao pleno regime democrático, com eleições diretas e término de todo cerceamento de liberdade. 28 28 Tribuna da Imprensa - RJ. 22 jan. 1972, p.3. Hemeroteca digital Brasileira.

Várias notícias, entre 1971 e 1976, demonstram como o Dep. Marcos Tito esteve intensamente engajado na luta contra a exploração predatória de grandes mineradoras estrangeiras, ressaltando os prejuízos para os interesses nacionais e para a população mais pobre. Muitas vezes, em manchetes como "Tito: governo capitulou aos interesses estrangeiros",29 29 Tribuna da Imprensa - RJ. 10 out. 1975, p.3. Hemeroteca Digital Brasileira. criticou as autoridades administrativas que favoreceram o avanço desses grupos e o modelo de desenvolvimento adotado:

O modelo de desenvolvimento adotado pela revolução não é condizente com a realidade nacional, pois promove o crescimento no sentido vertical ao invés de horizontal, o que resulta em um paradoxo onde a economia é beneficiada, enquanto a pobreza torna-se cada vez maior.30 30 Tribuna da Imprensa - RJ. 12 abr. 1972, p.2. Hemeroteca Digital Brasileira.

Essa crítica levava em consideração também os impactos no meio rural, de especial interesse para nossa pesquisa:

O propósito do meu partido é policiar a ação das multinacionais também nas chamadas empresas rurais, que estão agravando a precariedade da distribuição fundiária no País, através da proliferação de grandes latifúndios (...). As multinacionais estão ampliando regular e ostensivamente os seus domínios.31 31 Correio Brasiliense. 8 jan. 1975, p.23. Hemeroteca Digital Brasileira.

A postura oposicionista de Tito destaca-se no interior do seu partido, o MDB, que ele por vezes caracterizou como "acomodado" diante da negação governamental em redemocratizar os espaços de poder. Assim, acreditava que o MDB deveria pressionar mais, forçar a abertura desses espaços, sem os quais o partido teria fortes limites para representar os anseios sociais emergentes e perderia a confiança da população.

Antes do término do seu mandato como deputado federal, Tito teve sérios problemas por ter lido na tribuna um manifesto supostamente contido no Jornal Voz Operária, do Partido Comunista. Denunciado pelo deputado Sirval Boaventura (Arena-MG), Tito se defendeu alegando ter lido uma carta enviada por um eleitor, sem conhecer sua verdadeira fonte, e pediu a retirada do discurso dos anais da Câmara. No entanto, o caso ganhou grande repercussão e Marcos Tico foi cassado pelo presidente Ernesto Geisel em 1977, com base no AI5, e teve seus direitos políticos suspensos por dez anos.32 32 Em 1978, Marcos Tito fez parte do Comitê Brasileiro pela Anistia e foi advogado de presos políticos. Em 1979, com a Lei da Anistia, pôde ingressar no PMDB, se candidatando a novos mandatos e ocupando outros cargos públicos. Ao olharmos a trajetória de Marcos Tito, assim como sua atuação junto a Martinho, podemos perceber que o campo institucional do período, mesmo fortemente fechado aos anseios populares, tinha certas brechas que os posseiros de Cachoeirinha buscaram explorar.

Além dessas interações entre a resistência local e atores institucionais, membros de organizações como Fetaemg e Contag, impedidos de agir localmente na organização dos trabalhadores, acompanhavam à distância e buscavam denunciar a violência e acionar mecanismo legais que pudessem contribuir na luta dos posseiros. Em 16/07/1967 a Contag enviou ofício ao DOPS denunciando as injustiças e violências sofridas pelos posseiros, valendo-se de argumentos legais, em consonância com os princípios da "Revolução de março" de 1964.33 33 APM/COSEG. Imagens 1143 a 1153. Evidentemente, essas iniciativas que apostavam na sensibilização das autoridades do regime surtiram pouco efeito prático.

Pelo que pudemos perceber grande parte das ações convergentes com o processo de resistência em Cachoeirinha nas décadas de 1960 e 1970 tiveram como alvo principal a imprensa e o espaço institucional, pautando-se principalmente na denúncia sobre a injustiça e ilegalidade sofrida pelos posseiros. As lutas dentro da lei durante o regime militar têm sido negligenciadas, ficando em segundo plano e permanecendo obscuras para a maior parte das análises. Os significados das leis são disputados no jogo político, são apropriados e tensionados pelos diferentes atores, tendo relevância em seus desfechos, especialmente em contextos nos quais outras estratégias não dispõem de espaço frente à forte repressão (Medeiros, 2014MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Trabalhadores do campo, luta pela terra e o regime civil-militar. In: PINHEIRO, Milton (Org.) Ditadura: o que resta da transição. São Paulo; Boitempo, 2014.).

Mesmo nos anos mais duros do regime militar, vários atores buscaram conectar as demandas específicas constituídas nas lutas locais dos posseiros e as disputas noutros espaços, como a imprensa e o poder público. Essas foram mediações fragmentadas, com efeitos pouco visíveis, mas que possibilitaram que os posseiros mantivessem seus vínculos entre si e com aquelas terras, assim como alcançassem alguma repercussão que permitiu macular a falsa imagem de harmonia e homogeneidade que os defensores do status quo buscavam projetar para a sociedade.

Intensificação e visibilidade das mediações na transição

No final da década de 1970 e início da década de 1980, em meio às disputas pela redemocratização das instituições políticas no Brasil, há um revigoramento da luta pela terra, em consonância com a emergência de novos atores, estratégias e demandas. Nesse contexto, o caso de Cachoeirinha teve caráter emblemático. No dia 8 de abril de 1981, setenta e nove trabalhadores rurais expulsos ocuparam novamente suas terras em Cachoeirinha, agora com apoio direto da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG)34 34 No final da década de 1970 e início da década de 1980, a Fetaemg passa a atuar de forma mais intensa nas ações de luta pela terra, participando diretamente da organização de resistências e ocupações de terra. e da Comissão Pastoral da Terra (CPT),35 35 A Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada em 1975, é uma organização ligada a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), A CPT atuou diretamente organização e mobilização de trabalhadores rurais nesse período, sendo importante “instrumento na promoção de justiça social e direitos humanos no campo” (POLETTO, 2010, p.138), Essa organização contribuiu na criação de sindicatos, realização de protestos, resistência e ocupações de terra. bem como maior respaldo institucional e midiático. A reação dos fazendeiros e policiais foi imediata, prendendo 10 trabalhadores, retirando e ameaçando outros. No entanto, num contexto político no qual o pretexto de eliminação do comunismo já não surtia tanto efeito e houve maior cobertura da imprensa, as arbitrariedades não podiam ser realizadas de forma explícita, direcionando o conflito principalmente para o campo jurídico e político (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985.).

Nesse contexto, a Fetaemg e a CPT puderam apoiar a organização dos trabalhadores de forma mais intensa, o que trouxe uma nova esperança para os posseiros. Essas organizações informaram sobre seus direitos e sobre os caminhos institucionais para conseguirem ter suas demandas atendidas, mostrando que deveriam fazer barulho:

A Fetaemg, a primeira. Nós que caminhou e achou eles. Aí eles ajudou nós, em Belo Horizonte. Nós chegava um grupão de posseiro e invadia, e nós invadia, até cartório nós invadia, né? E gritava, e gritava, e batia, batia aqueles doutor, being being nós quer terra! Eu esqueci era as músicas como é que nós cantava. Nós bagunçou também, bagunçou. Porque pra nós ganhar essa área de terra nós fez bagunça, não fez Sula? Passava fome, porque a Fetaemg dava nós um pãozinho...Aquelas bóia parece que era umas boia gelada, né Sula? Dormia, passou noite que nós dormia no cimento. Nós sofreu, nos sofreu não é Sula?!!? Jadé levava nós, aí nós tomava conta lá da Fetaemg. Aí o povo lá foi conhecendo nós, né? E foi caçando caminho lá no sindicato. Aí nos foi caçando recurso, com o sindicatozinho, que o documento que nós tirou é do sindicato, né? Com isso nós foi tomando parte, foi levando a vida assim, que foi que adquiriu essas área de terra aqui agora (Depoimento de posseira, concedido a Antunes, 2010ANTUNES, Mércio Mota. A teoria da experiência hermenêutica na adequação normativa em conflitos agrários e o papel da fraternidade na racionalidade jurisdicional. 168 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de Brasília, Brasília, 2010.).

Ao falarem que aprenderam a fazer "bagunça", os posseiros se referem à estratégia de chamar atenção da opinião pública e das autoridades através de manifestações, ocupações, protestos que quebravam o cotidiano da burocracia e situavam o caso de Cachoeirinha como situação problema. A Fetaemg passou a representar os lavradores junto ao poder público, levando suas reivindicações, realizando audiências e pressionando através da imprensa, tendo impacto decisivo em suas lutas:

Agora, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Montes Claros e a Fetaemg se põem em movimento. O advogado do Polo Educacional passa a representar judicialmente os lavradores na ação movida pelos fazendeiros. Enquanto isso, a Fetaemg patrocina uma série de denuncias à imprensa (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985., p.73).

Na interação com membros da Fetaemg, os posseiros passaram a situar suas lutas pelas terras também como uma busca mais ampla, pela reforma agrária, articulando suas demandas em relação aos caminhos institucionais disponíveis no período, num conflito que adquiriu repercussão política em Minas Gerais.

A Fetaemg atuou no conflito por longo período, que se tornou uma questão pública pela inserção na grande mídia estadual. Apesar de Ferreira Neto argumentar que atuações como essas não eram "mediação efetiva" - pelo pouco envolvimento nas atividades organizativas, na constituição das demandas etc. - ele afirma que:

Assim, a partir de 1981, a FETAEMG passa a acompanhar as ações dos posseiros, auxiliando-os no processo de encaminhamento jurídico da questão e na tramitação de ofícios junto ao poder executivo e legislativo, para que estes se sensibilizassem com a situação. (Ferreira Neto, 1999FERREIRA NETO, José Ambrósio. Lideranças Sindicais e Ação Coletiva: A FETAEMG e a luta pela terra em Minas Gerais. Rio de Janeiro. 413 p. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). CPDA/UFRRJ, 1999., p.271).

No entanto, existem fortes indícios de que a atuação da Federação - ou pelo menos de alguns sindicalistas a ela ligados - foi além desse acompanhamento, como pode se perceber no depoimento de um posseiro, citado acima, no qual está evidente como esses contatos passaram a trazer novas estratégias de luta, como a mobilização para chamar atenção do poder público. A atuação da Fetaemg contribuiu para a constituição de novas significações nesse contexto local, possibilitando que os trabalhadores rurais articulassem suas demandas específicas pela permanência em suas terras com bandeiras mais amplas, ascendentes nesse período, como a reforma agrária, o combate a desigualdade social, democratização política etc.

Diante dessa repercussão, o governo se tornou mais aberto à negociação36 36 Foram oferecidas outras terras para os lavradores, que resistiram a aceitá-las, em vista da má qualidade das terras propostas e das relações sociais estabelecidas por décadas na antiga comunidade. Foram realizadas outras reocupações e expulsões em Cachoeirinha, demonstrando a instabilidade e indefinição do poder público em relação ao caso. Santos, 1985. com os trabalhadores, através da intermediação da Fetaemg. Essa entidade, ao mesmo tempo em que visou abrir espaços de interlocução com o Estado para solucionar o problema de acesso à terra, buscou também evitar que os trabalhadores mantivessem posturas incisivas de enfrentamento, principalmente quanto às reocupações da terra, o que poderia comprometer as boas relações do movimento sindical com o governo. Nessa figuração (Elias; Scotson, 2000ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. L. Estabelecidos e outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.), marcada pela ascensão política de grupos que formariam a "Nova República", as relações de interdependência que ligavam a Fetaemg aos trabalhadores rurais e ao projeto político do Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB) passaram a se chocar, ficando os sindicalistas numa situação delicada. Por um lado, potencializaram as ações dos trabalhadores rurais mobilizados, o que aumentava seu poder de representação em várias instâncias. Por outro lado, diante da radicalização dos conflitos - marcada pela iminência de novas reocupações - teve suas relações com o governo ameaçadas, buscando acalmar os ânimos e canalizar as ações locais para o fortalecimento de um projeto eleitoral.

Foi significativa a participação de membros da Fetaemg nas eleições de 1982, alguns inclusive se candidatando, em clara convergência com as bandeiras do PMDB. Grande parte do esforço da Federação, no caso de Cachoeirinha, se deu no sentido de mobilizar os lavradores para a campanha eleitoral que, supostamente, contribuiria para suas lutas. Assim, evitavam conflitos que poderiam prejudicar a campanha eleitoral e suas relações com o futuro governo, tentando convencer os lavradores a não realizarem novas reocupações e optarem pela negociação (Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985.).

Encontramos diversos comunicados37 37 Diversos comunicados dos anos de 1982 e 1983. Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 65, 71,74 e 80. em que setores da Igreja Católica (CNBB, CPT, CEBs e dioceses específicas) declararam apoio à causa dos posseiros, denunciando a violência e injustiça sofrida e pressionando os agentes públicos para uma solução. As relações entre as mobilizações em Cachoeirinha e o projeto eleitoral do PMDB ficaram claras também num comunicado enviado pelo Padre José Silveira dos Anjos, que continuava atuando junto aos posseiros nesse período. Posicionando-se como "a voz desses humildes irmãos, brasileiros como nós", o padre, denunciando as injustiças sofridas ao poder público e à sociedade, afirma que "os posseiros, já desde as eleições passadas, em que deram apoio maciço ao PMDB, acalentam a esperança de uma solução justa na atitude cristã do atual GOVERNADOR DE MINAS GERAIS".38 38 O Padre refere-se à eleição de Tancredo Neves (PMDB) como governador de Minas Gerais em 1982. Comunicado de 21 de junho de 1983. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES). Imagens 1941 e 1942. Destaca-se também uma carta enviada ao governador Tancredo Neves por Dom Geraldo Majela de Castro, bispo coadjutor de Montes Claros, na qual o bispo pressiona pelo assentamento dos posseiros nas mesmas terras de onde foram expulsos em 1967 e, em tom de cobrança, destaca que "confiado na promessa de V. Excia feita a mim quando de minha visita em palácio e na justiça cristã que sempre quer mostrar, desejo que Deus ilumine V. Excia.".39 39 Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 64 e 65.

Apesar do maior respaldo, as lideranças também tiveram que enfrentar constantes ameaças, vigilância, prisões arbitrárias e constrangimentos, como pode ser observado em várias notícias do período.40 40 Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 91, 107 e 108. A forte repressão ao ato público realizado em 1982 em Cachoeirinha tem caráter emblemático, pois mobilizou um contingente policial enorme, inclusive do DOPS, e uma série de abusos contra os participantes que se deslocaram para o local, visando intimidação e desmobilização.41 41 Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 75, 76, 77, 79, 81 e 84. Ver também Santos (1985) A presença do DOPS na região pôde ser identificada também no ano seguinte, assim como os contingentes da polícia local e regional, realizando prisões e inibindo as ocupações dos posseiros, enquanto o processo se arrastava na justiça.42 42 Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 35, 42,43 e 52.

A lentidão, indefinição e ambiguidade do Estado em relação ao caso de Cachoeirinha fez com que a região fosse marcada pela constante tensão, envolvendo atritos cujas relações com o conflito pelas terras são dúbias. Em 1986, o fotógrafo Milton Barbosa dos Reis atirou contra o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Varzelândia, Valdeci Alves de Almeida, o alvejando duas vezes. Apesar das motivações do crime serem duvidosas, muitos alegando questões pessoais, vários trabalhadores rurais e organizações supõem que o crime tenha fundamento no conflito de Cachoeirinha, sendo que o fotógrafo tinha amizade com fazendeiros da região e o sindicalista vinha sofrendo constantes ameaças em decorrência de sua atuação junto aos posseiros.43 43 Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 16, 22, 23 e 24.

Apesar dos longos impasses jurídicos e administrativos, alguns deles durando até a atualidade, os posseiros de Cachoeirinha e seus descendentes tiveram conquistas importantes, concretizando assentamentos como o União, o Caitité e o Vitória. No entanto, poucos remanescentes da expulsão na década de 1960 puderam ter o sonho de retorno as suas terras realizado. Assim, a negligência estatal, permitindo que o conflito se arrastasse por tantas décadas sem solução, talvez tenha sido a mais constante e corrosiva forma de violência desferida contra esses posseiros.

Considerações finais

O golpe militar de 1964 foi, em grande medida, uma reação ao avanço da mobilização dos trabalhadores e às iniciativas reformistas do Governo João Goulart, entre outras forças em ascensão no período, reprimindo violentamente essas lutas e desestruturando as formas de organização que vinham se constituindo. Dessa forma, visou impedir qualquer formação de oposições ao regime, perseguindo e reprimindo os atores que destoavam de sua busca pela "ordem". Essa violência foi sofrida também por grande número de trabalhadores rurais sem qualquer vinculação com movimentos e organizações políticas, expulsos em função da busca estatal e privada pela intensa concentração fundiária que daria vazão aos projetos modernizadores impostos pelo status quo. Especialmente nesses casos, o combate ao comunismo foi um grande pretexto para a violência generalizada contra a população rural mais pobre, tratada como obstáculo para um projeto de desenvolvimento elitista e predatório.

No entanto, mesmo nesse contexto adverso, vários atores buscaram dar continuidade e constituir novas formas de luta. Essas lutas e seus resultados concretos, ainda pouco conhecidos, mantiveram a chama acesa e colocam um contraponto ao poder estabelecido, o que contribuiu para macular a imagem de ordem, consenso e harmonia que o governo militar tanto se esforçava para manter. Desvendar essas lutas pode contribuir para quebrar também a imagem de apatia e silêncio dos movimentos sociais no campo diante da repressão violenta, demonstrando que, mesmo diante de fortes riscos, vários atores buscaram agir em prol das mobilizações dos trabalhadores rurais.

Essa imagem de apatia dos movimentos no campo, presente também em muitas análises acadêmicas, acaba por dar pouca atenção para as estratégias de luta alternativas desenvolvidas nesse período, ou seja, formas de mediação (Neves, 2008NEVES, Delma Pessanha. (Org.). Desenvolvimento social e mediadores políticos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2008.) em sentidos diferentes dos habituais. As utopias, bandeiras e projetos de sociedade que estimularam essas iniciativas - como a luta pela reforma agrária, o catolicismo progressista, o socialismo etc. - não se realizaram em suas acepções originais, porém, num processo dinâmico de interações entre diversos atores, foram fundamentais na construção de mobilizações alternativas aos modelos vigentes, trazendo instrumentos na busca por deslegitimar o status quo, introduzir noções de direitos, sentimentos de injustiça, possibilidades de acesso à opinião pública e instituições políticas, formação de um sentimento de força pela união dos mais fracos etc.. As mobilizações estimuladas por essas iniciativas contribuíram substancialmente para formas de resistência na terra, defesa de direitos, sindicalização, manutenção de questionamentos sobre a legitimidade das expulsões e novas ocupações de terra.

Mesmo sem alcançar seus objetivos de forma plena, essas experiências de enfrentamento deram base para novas formas de organização, especialmente no processo de transição política do início da década de 1980, contexto no qual as mobilizações de luta pela terra tiveram maior espaço. Assim, o caso de Cachoeirinha é significativo também para pensarmos os laços entre as experiências de luta no tempo, que permitem continuidades e ressignificações que ampliam as possibilidades de sucesso dos movimentos. Como demonstrou Thompson (1987)THOMPSON, Edward Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., grupos sociais e políticos são formados através de vivências, tradições e memórias que forjam um sentimento de identidade diante dos processos de enfrentamento com outros grupos ao longo do tempo.

Assim, processos de luta, mesmo quando não atingem seus objetivos mais visíveis e concretos, podem ser fontes de aprendizado, contribuindo para suas futuras formas de organização e enfrentamento. Os atores coletivos, em meio aos conflitos, articulam fragmentos de significados, preservados por memórias muitas vezes dispersas, no sentido de um sentimento de pertencimento e indignação moral (Honneth, 2003HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.), potencializando suas lutas futuras. Assim, mesmo as mobilizações fracassadas, lembradas com angústia e frustração, podem ser rearticuladas e resignificadas em prol de novas lutas, sendo experiências valiosas para os grupos em suas disputas atuais.

  • 1
    Em 1995 Cachoeirinha passou a fazer parte do município de Verdelândia, criado pela Lei Estadual 12030.
  • 2
    Intrigante como o tamanho das terras nas documentações apresentadas pelos fazendeiros aumentou ao longo dos anos, sem explicação plausível. Por sua vez, o Coronel Giorgino Jorge de Souza, advogado dos fazendeiros e comandante do batalhão que expulsou e perseguiu os posseiros, também se tornou proprietário de parte das terras em Cachoeirinha, como pagamento por seus serviços. Essa transação é ainda mais suspeita na medida em que Giorgino adquire as mesmas terras duas vezes, uma de Manoelito em 1968, outra da Ruralminas em 1975. Porque compraria duas vezes? Se as terras foram vendidas como devolutas pela Ruralminas em 1975, como poderiam pertencer aos fazendeiros em 1964?
  • 3
    Em entrevistas cedidas a SANTOS (1985)SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985. alguns posseiros narraram as perseguições cotidianas que sofreram durante anos, como quando eram impedidos de se comunicar entre si e com atores externos, plantar, coletar madeira na região, assim como buscou-se apagar sua memória social.
  • 4
    A pesquisa contou com o respaldo metodológico de alguns instrumentos da história oral e da micro-história, que pautaram as entrevistas com diversos atores e a consulta aos documentos escritos do Arquivo Público Mineiro (APM), do Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES) e da Hemeroteca Digital Brasileira.
  • 5
    Entrevista concedida por Pedro Queiroz, posseiro de Cachoeirinha, em 18 fev. 2018.
  • 6
    A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg) foi criada em 1970, porém o entrevistado pode estar se referindo à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), organização que buscou atuar na região na década de 1960.
  • 7
    A Ação Católica foi um movimento no interior de Igreja Católica - desenvolvido a partir das primeiras décadas do século XX, inicialmente na Europa, ramificando-se na América Latina - que visava congregar leigos, aproximando essas pessoas da estrutura organizacional e atividades da Igreja. Esses grupos eram divididos em setores - como Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) - considerados instâncias preparatórias para a inserção na Ação Católica Geral.
  • 8
    Esse desconhecimento é evidente tanto no meio acadêmico quanto pelos próprios atores historicamente engajados nas lutas dos trabalhadores rurais. Por se tratar de uma mobilização oculta e fragmentada, assim como por ter sido interrompida em sua fase inicial pelo acirramento da repressão com o AI5, essas ações não tiveram a devida visibilidade até o momento.
  • 9
    O caso de Salustiano Gomes Ferreira (Saluzinho) teve grande repercussão por esse posseiro de Varzelândia (região de Serra Azul) ter resistido às tentativas de expulsão e prisão, alojando-se por cinco dias numa gruta, onde enfrentou sozinho um grande contingente policial fortemente armado. Em seguida, Saluzinho passou por diversas prisões (inclusive no DOPS) e foi perseguido e estigmatizado pelo resto de sua vida.
  • 10
    Depoimento de Carlos Melgaço Valadares concedido ao autor e à COVEMG em 26 mai. 2017.
  • 11
    Pasta 0040, rolo 4. Documentação do Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (DOPS/MG). Arquivo Público Mineiro.
  • 12
    Depoimento de Oldack Miranda concedido à Comissão da Verdade da Bahia. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=37uJXA35PiE>. Consulta em 15 dez. 2017.
  • 13
    Depoimento de Carlos Melgaço Valadares concedido ao autor e à COVEMG em 26 mai. 2017.
  • 14
    Depoimento de Carlos Melgaço Valadares concedido ao autor e à COVEMG em 26 mai. 2017.
  • 15
    Com a intensificação da repressão, principalmente com o AI5, esse trabalho foi desativado na região. Carlos e Loreta, entre outros membros da AP, foram presos e barbaramente torturados. Grande parte desses militantes se deslocou para outros estados e se integrou ao PCdoB em 1973.
  • 16
    Tribuna da Imprensa (RJ), 29-30 jan. 1972 (Edição 06614, p.8). Hemeroteca Digital Brasileira.
  • 17
    Arquivo Público Mineiro. Documentação do DOPS/MG. Rolo 27/pasta 1065.
  • 18
    Arquivo Público Mineiro. DOPS/MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • 19
    Diário de Montes Claros, 20 nov. 1973. Arquivo Público Mineiro. DOPS/MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • 20
    Estado de Minas, 17 out. 1973. Arquivo Público Mineiro. DOPS/MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • 21
    O jornal de Montes Claros, 06 dez. 1973. Arquivo Público Mineiro. DOPS/MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • 22
    O Estado de São Paulo, 16 out. 1973. Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagem 103.
  • 23
    Cachoeirinha, terra de esperança, 1983. Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagem 55 a 63
  • 24
    Tribuna Operária, 04 jul. 1981. Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagem 95.
  • 25
    APM. DOPS/MG. Pasta 1065-Giorgino Jorge de Souza. Imagem 120.
  • 26
    Jornal Opinião, 20 fev. 1976, p.2. Hemeroteca Digital Brasileira.
  • 27
    O Fluminense (Niterói), 13 out. 1973, p.2. Hemeroteca Digital Brasileira.
  • 28
    Tribuna da Imprensa - RJ. 22 jan. 1972, p.3. Hemeroteca digital Brasileira.
  • 29
    Tribuna da Imprensa - RJ. 10 out. 1975, p.3. Hemeroteca Digital Brasileira.
  • 30
    Tribuna da Imprensa - RJ. 12 abr. 1972, p.2. Hemeroteca Digital Brasileira.
  • 31
    Correio Brasiliense. 8 jan. 1975, p.23. Hemeroteca Digital Brasileira.
  • 32
    Em 1978, Marcos Tito fez parte do Comitê Brasileiro pela Anistia e foi advogado de presos políticos. Em 1979, com a Lei da Anistia, pôde ingressar no PMDB, se candidatando a novos mandatos e ocupando outros cargos públicos.
  • 33
    APM/COSEG. Imagens 1143 a 1153.
  • 34
    No final da década de 1970 e início da década de 1980, a Fetaemg passa a atuar de forma mais intensa nas ações de luta pela terra, participando diretamente da organização de resistências e ocupações de terra.
  • 35
    A Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada em 1975, é uma organização ligada a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), A CPT atuou diretamente organização e mobilização de trabalhadores rurais nesse período, sendo importante “instrumento na promoção de justiça social e direitos humanos no campo” (POLETTO, 2010POLETTO, Ivo. A Igreja, a CPT e a Mobilização pela Reforma Agrária. In: CARTER, Miguel (Org.). Combatendo a Desigualdade Social: o MST e a Reforma Agrária no Brasil. São Paulo: Ed UNESP, 2010. p.137-158., p.138), Essa organização contribuiu na criação de sindicatos, realização de protestos, resistência e ocupações de terra.
  • 36
    Foram oferecidas outras terras para os lavradores, que resistiram a aceitá-las, em vista da má qualidade das terras propostas e das relações sociais estabelecidas por décadas na antiga comunidade. Foram realizadas outras reocupações e expulsões em Cachoeirinha, demonstrando a instabilidade e indefinição do poder público em relação ao caso. Santos, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985..
  • 37
    Diversos comunicados dos anos de 1982 e 1983. Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 65, 71,74 e 80.
  • 38
    O Padre refere-se à eleição de Tancredo Neves (PMDB) como governador de Minas Gerais em 1982. Comunicado de 21 de junho de 1983. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES). Imagens 1941 e 1942.
  • 39
    Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 64 e 65.
  • 40
    Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 91, 107 e 108.
  • 41
    Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 75, 76, 77, 79, 81 e 84. Ver também Santos (1985)SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas). UFMG, 1985.
  • 42
    Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 35, 42,43 e 52.
  • 43
    Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT), pasta 0044, imagens 16, 22, 23 e 24.

Agradecimentos

A pesquisa foi realizada entre os anos de 2016 e 2019, contando com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Agradeço à colaboração das pesquisadoras Raymara Santos, Lerrannya Lasmar e à Comissão da Verdade de Minas Gerais (COVEMG), cuja colaboração foi fundamental para a realização desse estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2019
  • Aceito
    22 Maio 2019
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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