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Um jogo absorvente: Paticídio e cultura popular no Círio de Nazaré

Resumo

O artigo tem como objetivo analisar os sentidos sociais presentes na prática do paticídio, matança ritual do pato ocorrida na festa do Círio de Nazaré, em Belém do Pará, entre meados do século XIX e início do século XX. Com base em anúncios de jornais, constatou-se que a morte do pato era um jogo coletivo que seguia um protocolo tradicional e que era uma das principais diversões da festa de Nazaré. Por outro lado, servia como importante mecanismo de constituição e reforço dos laços coletivos entre os devotos de Nossa Senhora de Nazaré, o que permite conhecer melhor essa dimensão da cultura popular da época.

Palavras-chave:
Círio de Nazaré; paticídio; Belém do Pará

Abstract

The article aims to analyze the practice of the slaughtering of ducks, the ritual killing of ducks for meat during the Círio de Nazaré festival, in Belém do Pará, between the mid 19th and early 20th centuries. Based on newspaper items, it was found that the slaughter of ducks was a collective game that followed a traditional format and was one of the main amusements of the Nazaré festival. What is more, it served as an important mechanism for the constitution and reinforcement of collective ties between the devout followers of Our Lady of Nazaré, and provides a better understanding of popular culture in that period.

Keywords:
Círio de Nazaré; slaughter of ducks; Belém do Pará

Nossa Senhora de Nazaré e a morte do pato

Imaginem um assustado pato enterrado no chão de terra batida, tendo apenas a cabeça à mostra. À sua frente, um moleque cujos olhos foram vendados com um pano bastante apertado tem em suas mãos uma enorme vara de pau, instrumento com o qual deve atingir a cabeça do indefeso animal. Se conseguir alcançar tal façanha, ele garante o almoço do dia seguinte, eis que receberá o pato como prêmio. Mas, a tarefa não é fácil. Depois de ter os olhos vendados, faz-se o moleque rodopiar várias vezes, deixando-o estonteado e zonzo, a ponto de se confundir quanto à exata localização do pato cuja cabeça ele deve acertar numa das três tentativas que lhe são permitidas.

Para complicar ainda mais as coisas, barulhenta multidão se espreme ao redor, acompanhando tudo com estridente algazarra. A cada instante em que o moleque se distancia do pato, a multidão tenta induzi-lo ao erro, aos gritos de "É agora! Acerta! Bate! Vai! Vai!". Alguns fazem isso por pura diversão. Outros, porque desejam ocupar o lugar do moleque tão logo ele desperdice a terceira e última tentativa. A cada erro, a multidão responde com risos, gritos e vaias. Mesmo quando acerta a cabeça do pato, o vencedor precisa disputar seu prêmio com o resto da molecada que tenta se apoderar dele antes mesmo que o vencedor retire a venda dos olhos. E, assim, a multidão se dispersa, eufórica, até o seguinte paticídio.

O paticídio fazia parte do programa oficial das homenagens prestadas a Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará, durante a festividade do Círio de Nazaré. A morte do pato ocorria em frente à igreja de Nazaré, no espaço chamado de arraial, onde ocorria a parte profana da festa. Nos documentos da época, nenhum indício de que alguém lamentava a condição do pato. Nenhuma denúncia de maus tratos ao animal, seja nos jornais ou no sermão do padre. Nenhuma batida policial tentava pôr fim ao tormento daquela ave indefesa, supliciada na praça pública, para o delírio da multidão de devotos. Ao contrário, destacava-se o aspecto festivo do ato, o riso escancarado, a diversão que o episódio proporcionava. Os padres, quando criticavam o paticídio, o faziam em função do aspecto profano do evento e não porque estivessem preocupados com a sorte do pato.

De todo modo, é preciso ter cuidado para não cair no risco da generalização. O fato de não haver denúncias contra a matança dos patos não significa dizer que ninguém se incomodava com o paticídio. No máximo, pode-se concluir que, se essa insatisfação existia, ela não chegava às páginas dos jornais. Lembre-se, por exemplo, que deste ritual participavam pessoas oriundas de culturas diversas, especialmente culturas afro-brasileiras e indígenas, que desenvolveram outras formas de relação com o mundo animal, nas quais não predominava a ideia da supremacia do homem diante da natureza e dos não-humanos. E, mesmo entre os cristãos, tanto os do passado como os do presente, sempre foi possível encontrar quem não acreditasse que o mundo fora feito exclusivamente para o homem (Thomas, 1988THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1988.).

Apesar de a prática ser anunciada nos jornais como "paticídio" ou "a morte do pato", não era necessário matar o pato para ser considerado vencedor, mas simplesmente acertar a cabeça do animal. De todo modo, a depender da força e da precisão do golpe desfechado era natural que, vez ou outra, o animal terminasse morto. Para o leitor de hoje, essa brincadeira, talvez, não tenha a menor graça. Mais do que fazer rir, a morte do pato nessas condições provocaria, atualmente, sentimentos de repulsa, indignação e compaixão pelo animal.1 1 Um vídeo disponível no canal Youtube exibe a morte do pato que ocorreu na cidade de Luzilândia, Piauí, durante a Semana Santa de 2011. A legenda inicial diz: "A morte do pato, tradição repugnante". Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=S1sBpvo-Jp8>, acesso em 13 fev. 2019.

Segundo a expressiva frase de Hartley, "o passado é um país estrangeiro e eles fazem coisas diferentes por lá" (Hartley apudRowland, 1997ROWLAND, Robert. Antropologia, História e diferença: alguns aspectos. Porto: edições Afrontamento, 1997., p.7). Quando voltamos nosso olhar para as maneiras de pensar e de se expressar de nossos antepassados, mesmo daqueles que viveram em nossa cidade ou país, vemos que eles interpretavam o mundo e conferiam-lhe significado de modo bastante distinto do nosso. Eles valorizavam coisas que, para nós, seriam indiferentes e riam de coisas nas quais nós não veríamos graça alguma e que, muitas vezes, nos causariam espanto, ódio ou compaixão. Assim, os modos de viver, de sentir e de pensar de nossos antepassados aparecem diante de nós como se fossem culturas diferentes, como se eles nos revelassem, de fato, um país estrangeiro.

Os antropólogos chamam isso de estranhamento, processo que faz com que algo que nos é familiar se torne exótico (Velho, 1978VELHO, Gilberto. "Observando o Familiar". In: NUNES, Edson de Oliveira. A Aventura Sociológica. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1978, p.123-132.; DaMatta, 1978; 1981). Assim se dá quando nos deparamos com narrativas mais antigas sobre as práticas culturais realizadas no Círio de Nazaré, como o paticídio. Essa festa que nos parecia tão familiar ganha contornos de estranhamento, de desconforto até, como se pertencesse a outro tempo e lugar. E, de fato, assim o era. Ao nos aproximarmos mais amiúde da alegria ruidosa em torno da morte do pato, Belém surge diante de nós como um lugar estrangeiro, habitado por pessoas com modos que nos parecem bastante estranhos.

Mas, há, também, o processo inverso, em que o antropólogo investe no estudo de culturas que lhes são exóticas, mas penetra de tal modo na engrenagem de funcionamento dessa cultura que ele passa a identificar e compreender sua lógica própria, o que faz com que ela passe a lhe parecer familiar (Malinowski, 1978MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril, 1978.; Geertz, 1978GEERTZ, Clifford. "Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa". In: GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar , 1978, p.185-213.). Pois bem, os historiadores aprenderam - com os antropólogos - que podem utilizar este método para estudar sociedades passadas, inclusive aquelas ligadas à nossa própria civilização. Conforme afirmou Clifford Geertz, "a antropologia pode ser treinada no exame da cultura da qual ela própria é parte - e o é de maneira crescente" (1978, p.11). Inspirado nessa possibilidade, o historiador Robert Darnton (1986)DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986. se propôs a fazer uma "história de tendência etnográfica", analisando o "massacre de gatos" na França do século XVIII, trabalho que gerou muitas polêmicas, mas que é bastante inspirador.2 2 Para uma crítica à perspectiva adotada por Darnton, conferir LEVI, 1999; DAIBERT JR., 2004. Sobre a polêmica entre Levi e Darnton, conferir SEAWRIGHT, 2018.

Neste artigo, valho-me da condição de historiador etnográfico para, a partir do paticídio, analisar a maneira como os devotos de Nossa Senhora de Nazaré e demais participantes vivenciavam a parte profana da festa de Nazaré, realizada na cidade de Belém do Pará, desde 1793, e que, no século XIX, já era considerada por muitos como "a mais popular e, no seu gênero, a mais importante que se celebra em todo o Brasil".3 3 O Liberal do Pará, Belém, 5 nov. 1872, p.2. Optei por atualizar a grafia de todos os documentos citados neste artigo. Para essa pesquisa, foi fundamental a consulta ao acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro <http://bndigital.bn.gov.br/>. Desde o início, essa celebração expressa fortes marcas do catolicismo popular. Faço uso da expressão catolicismo popular no sentido utilizado por Heraldo Maués: "aquele conjunto de crenças e práticas socialmente reconhecidas como católicas, de que partilham sobretudo os não especialistas do sagrado, quer pertençam às classes subalternas ou às classes dominantes" (Maués, 1995MAUÉS, Raymundo Heraldo. Almoço do Círio: um banquete sacrificial em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 36 n. 2, p.220-243, 2016., p.17). De fato, a morte do pato reunia tanto a "gente do povo" quanto pessoas dos setores privilegiados de Belém, propiciando "relações integradoras entre as classes" (Fernandes, 1984FERNANDES, Rubem César. Religiões populares: uma visão parcial da literatura recente. BIB (18): p.3-26, Rio de Janeiro, 2º semestre de 1984., p.7).4 4 Conforme observou (FERNANDES, 1984, p.5), "a polissemia é uma característica comum às ideias fortes nas Ciências Sociais". Assim ocorre com a noção de "catolicismo popular" ou "religião popular", que não deve pressupor uma oposição radical entre "dominantes" / "eruditos" (o clero) e "dominados" / "populares" (o povo). De acordo com Chartier (1995, p.6), "não se pode mais aceitar acriticamente uma sociologia da distribuição que supõe implicitamente que à hierarquia das classes ou grupos corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos culturais". O "popular", portanto, aponta para os modos de apropriação das práticas culturais entre grupos distintos, para seu aspecto relacional. Conferir, também, BOURDIEU, 1983.

O fio condutor de minha abordagem será a "morte do pato", uma das principais diversões da festa de Nazaré até o início do século XX.5 5 O último registro de paticídio no Círio de Nazaré é de 1916 (Estado do Pará, Belém, 6 nov. 1916, p.2). A forma como os devotos vivenciavam o "paticídio" revela muito sobre a maneira como eles organizavam a realidade em suas mentes e como a expressavam em seu comportamento. Parto do princípio de que a "morte do pato" carrega um sistema de significados que para nós é estranho, mas que revela muito sobre a cultura popular da Amazônia do século XIX e início do século XX.

Episódios como o paticídio constituem interessante possibilidade para termos acesso aos modos de pensar, sentir e brincar das massas analfabetas que desapareceram no passado sem deixar vestígios, especialmente registros escritos. Assim como Darnton (1986)DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986. observou com relação ao "massacre de gatos" na França do século XVIII, nossas relações com os animais, sejam eles gatos, cães, galos ou patos, são "boas para pensar", de acordo com a sugestiva afirmação de Levi Strauss (1980).

O antropólogo Heraldo Maués afirma que o paticídio continua existindo no chamado almoço do Círio6 6 O Almoço do Círio ocorre logo após a chegada da imagem da santa na Basílica Santuário de Nazaré. É o momento de reunião de familiares e amigos, com mesa farta de comida e bebida. São considerados pratos tradicionais desse dia o pato no tucupi e a maniçoba. e sugere que este seja tratado como um "banquete sacrificial" (2016, p.234) em que seus participantes não necessariamente têm consciência do ato que estão praticando. Na documentação disponível, pelo menos um registro aponta para essa dimensão: "Domingo, 9, dia da festa. (...) Às 5 horas, principiarão os festejos populares: um porco e um pato serão sacrificados à guloseima do primeiro espertalhão que conseguir apossar-se deles por meios lícitos (...)".7 7 A República, Belém, 9 nov. 1890, p.1. A documentação da época também se refere à ocorrência de "porquicídio" na festa de Nazaré, mas em proporção muito menor do que a de paticídio.

De acordo com Mauss e Hubert (2005, p.19)MAUSS, Marcel; HUBERT, Henry. Sobre o sacrifício. São Paulo: Cosac Naify, 2005., "o sacrifício é um ato religioso que, mediante a consagração de uma vítima, modifica o estado da pessoa moral que o efetua ou de certos objetos pelos quais ela se interessa". Essa modificação sacraliza o ato violento que se autojustifica pela purificação que executa. Os autores apontam a "natureza e função social do sacrifício" (2005, p.21), caracterizado por uma força motriz que provoca a remissão de pecados e comunhão, além de ter uma finalidade na sociedade na qual ele se realiza. Os patos adquiriram ao longo destes mais de 200 anos de celebração do Círio de Nazaré valor ritual, constituindo elemento central da cerimônia, seja no paticídio de tempos passados, seja no tradicional pato no tucupi. Neste artigo, a análise será concentrada nos rituais de paticídio de tempos passados, entre meados do século XIX e o início do século XX.

O pato

Em 1868, um projeto apresentado à Assembleia Legislativa do Pará propôs a redução dos impostos para a "família galinácea". No debate que se estabeleceu na ocasião da aprovação do projeto, o autor da proposta, Deputado Cantão, apresentou o seguinte argumento:

entendo que só devem ser dispensadas dos direitos as galinhas por serem consideradas, pode-se assim dizer, objeto de 1ª necessidade.

(...) Porque sabemos que as galinhas servem de alimentação dos doentes; entretanto que os patos e outras aves que não pertencem a esta família e muitas que a ela pertencem, como sejam o peru, a picota, mas não se costuma dar aos doentes, devem ser consideradas mais como objetos de luxo, do que de necessidade. Quem come peru é somente quem pode gastar, é uma alimentação de regalo, não é de necessidade, e por esta razão eu entendo que esta ave deve continuar sujeita aos direitos, assim como o pato e outras.8 8 Diário de Belém, Belém, 10 nov. 1868, p.1.

Patos e perus eram considerados "objetos de luxo", "alimentação de regalo", de "quem pode gastar", ao contrário das galinhas servidas nos hospitais, para as quais o deputado reivindicava a diminuição dos impostos. Por essa razão, o pato não era alimento comum na mesa do "povo miúdo".

O pato era costumeiramente anunciado no cardápio dos restaurantes de Belém, como o "Restaurante Souza", que oferecia, entre outras coisas, "pato de cabidela".9 9 Correio Paraense, Belém, 5 nov. 1893, p.2, grifos do original. O "popular restaurante Quatro Cantos" oferecia "gorda, fresca e excelente carne de mamote, mão de vaca, leitão assado de forno, perus, galinha, pato, borrachinhos, peixe, mariscos, etc.".10 10 Correio Paraense, Belém, 28 jan. 1894, p.2. O adjetivo "popular" não significava que era um espaço acessível aos populares, pois o cardápio oferecia alimentos considerados de luxo, dificilmente ao alcance cotidiano do "povo miúdo". Em 1890, o "Café Chic" convidava o público para:

uma linda soiré musical que terá lugar hoje à noite no salão do mesmo estabelecimento, sendo a orquestra do popular maestro Roberto de Barros, o qual apresentará um repertório digno do seu merecimento. O chefe da cozinha, querendo, também, mostrar quanto é entendido na arte culinária promete apresentar uma carta do restaurant variadíssima, figurando na mesma O GORDO PERU, A TENRA VITELA e o magnífico PATO NO TUCUPI.

Ao Chic, pois, apreciadores do que é bom.11 11 A República, Belém, 13 jul.. 1890, p.4, grifos do original.

Expressões como "soiré musical", "salão do mesmo estabelecimento", "orquestra", "maestro", "chefe da cozinha", "arte culinária", "carta do restaurant" deixam evidente a preocupação do anúncio em associar o restaurante "Café Chic" a um ambiente refinado, de "bom gosto", destinados àqueles que são "apreciadores do que é bom", características que não se costumava atribuir ao "povo miúdo" (Bourdieu, 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007.). O pato era, portanto, alimento destinado ao consumo de "gente que pode pagar".

Em muitas situações, a figura do pato era utilizada como metáfora para se referir a uma pessoa que se deixa enganar facilmente. Em 1874, crítica dirigida ao bispo D. Macedo Costa se referia ao povo como "pato iludido na Fé".12 12 O Santo Ofício, Belém, 19 jan. 1874, p.3. Matéria a respeito de um eleitor enganado por um candidato concluía: "pobre do eleitor, que caiu como um pato no laço que lhe armaram".13 13 A Constituição, Belém, 21 nov. 1884, p.2. O pato era visto como um animal tolo, que poderia ser enganado facilmente, como os que eram sacrificados no paticídio. No campo das relações amorosas essa associação também era comum, geralmente utilizada para se referir aos parceiros do sexo masculino: "animada de umas iras sibilinas, que bem mereciam, para acalmá-las, um pequeno, mas valente refrigério de pau, a Joanna da Conceição pintou a saracura com o seu pato (pato quer dizer homem), amarrotando-lhe os queixos".14 14 A República, Belém, 16 mai. 1891, p.2. No ano seguinte, este mesmo jornal publicou matéria em que dava conselhos para as mulheres que queriam casar depressa: "as moças que estiverem em risco de nada pescar, peguem-se com Santo Antônio, São Gonçalo e outros santos onzeneiros, não se esquecendo, na forma da lei, de empregar todos os recursos de sedução que podem fazer cair o pato - desde o faniquito até a competente melancolia e vontade de morrer...".15 15 A República, Belém, 30 dez. 1892, p.2. Nesse caso, a figura do pato aparecia na condição de insulto animal, quando um ser humano é equiparado a um animal de outra espécie, a fim de descrever qualidades humanas associadas ao animal (Leach, 1983LEACH, Edmund. Aspectos antropológicos da linguagem: categorias animais e insulto verbal. São Paulo: Ática, 1983, p.170-98.).

Há, também, registros da utilização do pato em rituais religiosos: "Júlia Merandolina insulta a Thereza Rosa na estrada da Constituição, por ter encontrado uma cabeça de pato, que por feitiçaria esta lhe deitou à porta...".16 16 Correio Paraense, Belém, 16 out. 1893, p.2. Mais comum, ainda, era a expressão "pagar o pato", utilizada para se referir a uma pessoa que pagou por algo que não cometeu. Assim, matéria publicada em 1882 dizia o seguinte: "consta-nos que o Sr. Dr. Chefe de Polícia mandara processar ao Sr. Izidoro Ferreira da Costa por ter casa de tabulagem em Nazaré, em virtude do inquérito a que procedeu sobre a nota falsa de cinqüenta mil réis, que apareceu na circulação. O Sr. Izidoro foi quem pagou o pato...".17 17 A Constituição, Belém, 10 jan. 1882, p.1.

Outras vezes atribuíam-se características humanas ao pato, como o jornalista que dizia que, de tanto se queixar do calor de Belém, apanhou um resfriado e concluía, "estou rouco como um pato...".18 18 Correio Paraense, Belém, 25 ago. 1893, p.2. Um ano antes, estrofe de rima publicada no jornal A República dizia: "Primo Juca, não me importa / Quando bebo como um pato / Se usasse o ébrio moletas / Não havia pau no mato".19 19 A República, Belém, 25 out. 1892, p.1. Note-se que não havia muita justificação objetiva para o modo pelo qual os animais eram percebidos. "Quando bebo como um pato", dizia a estrofe da rima. Mas, quem jamais viu um pato bêbado? Tratava-se de um modo do homem atribuir aos animais os impulsos da natureza que mais teme em si mesmo. Os sentimentos para com os animais, em geral, são projeção de atitudes diante do homem (Thomas, 1988THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1988.).20 20 Para o processo de antropomorfização dos peixes na Amazônia, especialmente o pirarucu, conferir MURRIETA, 2001. Enquanto o pato é definido como tolo, o pirarucu é visto como "inteligente", "velhaco". Vale a pena conferir, também, o papel destinado ao jabuti nos mitos indígenas amazônicos, em que ele aparece vencendo poderosos inimigos fazendo uso de sua "astúcia" e "inteligência" (HENRIQUE, 2003). Para um dossiê com artigos que abordam temas diversos em torno das interações humano-animal na Amazônia, conferir SILVEIRA; OSÓRIO, 2016.

Ao contrário de cachorros, gatos e cavalos, os patos não participam de nossa sociedade como sujeitos, eles não costumam ter nomes próprios, nem costumamos conversar com eles. Também não são nossos coabitantes domésticos, de modo que a distância cultural existente entre patos e homens os relega, sem grandes crises morais, à condição de alimentos comestíveis, passíveis de serem sacrificados para o deleite humano. É o que Marshall Sahlins definiu como "a presença de uma razão cultural em nossos hábitos alimentares" (2003)SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003..

Para a edificação do "povo miúdo"

Se o paticídio choca os leitores de hoje, penalizados com a violência da qual eram vítimas dezenas de indefesos patos todos os anos, em nome do gozo dos devotos de Nossa Senhora de Nazaré, para as pessoas daquela época tudo não passava de um divertimento. Na verdade, trata-se de antiga tradição, que poderia ser vista em festas populares de outras partes do Brasil. Em 1880, um jornal de Fortaleza, Ceará, anunciava:

Este brinquedo é feito da seguinte maneira: enterra-se no chão um pato vivo com a cabeça de fora e quatro ou mais meninos de olhos vendados, de cacete em punho, procurarão acertar sobre a cabeça do pato.

Aquele que conseguir acertar não só ficará com o pato, como terá, ainda, um lindo brinquedo...21 21 Gazeta do Norte, Fortaleza, 23 set. 1880, p.4. Para o Piauí, conferir A Noite, Rio de Janeiro, 6 set. 1922, p.8. Para São Luís, no Maranhão, O Combate, São Luís, Maranhão, 28 jul. 1934, p.4.

No norte do Brasil, cite-se o exemplo de Manaus, Amazonas, com o anúncio, em 1908, de "grande divertimento, distração popular, prêmio 20:000rs ao que primeiro bater no pato".22 22 Jornal do Comércio, Manaus, 18 jul. 1908, p.2. A referência mais antiga à prática do paticídio no Círio de Nazaré é de 1869:

A diretoria da festa de N. S. de Nazaré oferece, hoje, os divertimentos seguintes à apreciação dos concorrentes ao arraial, que principiarão às 5 horas da tarde: mastro de cocagne, onde sempre há um prêmio que suaviza as fadigas daquele que lá subir; jogo do pato, divertimento inocente que proporciona excelente alimento para um dia àquele que com os olhos vendados conseguir cortar a existência a essa ave doméstica.23 23 Diário de Belém, Belém, 10 out. 1869, p.2.

De todos os registros é possível perceber que a linguagem adotada pelos jornais não deixava dúvida sobre o tipo de sensibilidade que envolvia o paticídio para os devotos: a morte do pato era considerada um divertimento inocente, um ato de regozijo público. A linguagem também era clara com relação ao funcionamento deste "jogo": era necessário bater, matar, degolar o pato, sem o que não haveria paticídio nem prêmios para o vencedor. Apesar do imaginário agressivamente despótico explícito no discurso de posse, conquista e domínio do animal, os devotos encaravam a tarefa como inocente do ponto de vista moral. Conforme o argumento de Thomas (1988)THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1988., acreditava-se na existência de uma diferença fundamental, em gênero, entre a humanidade e as outras formas de vida. Isso fazia com que os homens e mulheres daquela época não tivessem escrúpulos quanto ao tratamento de outras espécies. Afinal de contas, o homem era considerado uma espécie superior e Deus teria colocado toda a criação ao seu dispor. Tudo indica que era essa mesma postura de indiferença com relação aos animais que movia os devotos de Nazaré no ato do paticídio.

Em fins do século XIX, os jornais de Belém faziam referência ao "engraçado jogo do paticídio".24 24 Folha do Norte, Belém, 18 out. 1896, p.2. Poucos anos depois, matéria publicada por ocasião da festa de Nazaré anunciava "corrida de velocípedes, jogo do pato, apostas do pitoró e muitos outros folguedos inocentes".25 25 A República, Belém, 4 nov. 1900, p.2. As fontes disponíveis não deixam dúvida quanto à dimensão lúdica que envolvia o paticídio e que o pato era uma figura completamente desprezada. Na verdade, o paticídio fazia parte de um conjunto mais amplo de divertimentos que a diretoria da festa de Nazaré oferecia aos devotos, tais como mastro de cocagne (pau de sebo), corrida do saco, corrida do porco, corrida de velocípedes, porco ensebado, fogos de artifício, exibição de imagens em cosmorama, peças teatrais, bandas de música, grupos de dança, entre outros. Tais divertimentos tinham início 15 dias antes do início da festa de Nazaré.

Desde 1793 até 1910, cabia à Irmandade de Nossa Senhora de Nazaré do Desterro a função de administrar a festa. A chamada diretoria era, portanto, constituída por leigos de ambos os sexos. Eram eles que faziam toda a programação, divulgação e execução do evento. Na diretoria da festa de Nazaré havia os cargos de juízes e diretores, que podiam ser ocupados tanto por homens quanto por mulheres, a exemplo de Theodolina Amália de Freitas Bulhões, juíza da festa em 1854.26 26 "Grande Festa", Belém, Treze de Maio, Belém, 5 out. 1854, p.1. Com a criação da Diretoria da Festa, em 1910, as mulheres foram proibidas de assumir o papel de diretoras. Conferir HENRIQUE, 2016; 2018. Segundo matéria publicada em 1873,

(...) é sabida a origem dos divertimentos pelo tempo das festividades ali feitas, pois sendo aquela ermida nos arrabaldes da cidade, e tendo o povo de fazer um longo caminho, houveram os festeiros de proporcionar ao povo que vai ali desobrigar sua alma ante os pés da Virgem Mãe entretenimentos para que não lhes parecesse tão penosa a jornada.27 27 O Liberal do Pará, Belém, 23 nov. 1873, p.2.

Naquele tempo, a igreja de Nazaré era considerada distante do núcleo inicial que deu origem à cidade de Belém e, ao seu redor, havia poucos moradores. Estando nos "arrabaldes" da cidade, os devotos eram obrigados a percorrer um caminho relativamente longo até a igreja, razão pela qual a diretoria da festa de Nazaré procurava lhes proporcionar algumas compensações lúdicas. Ora, se a intenção era divertir o povo, os entretenimentos também seriam populares, como os que vimos mais acima. A festa de Nazaré possuía "um aspecto cômico popular e público, consagrado também pela tradição" (Bakhtin, 1996BAKHTIN, Mikail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília: UNB, 1996., p.4). De todo modo, os jornais e a própria diretoria, muitas vezes, atribuíam aos divertimentos proporcionados aos devotos o sentido de uma estratégia de civilização das classes populares. Havia uma dimensão pedagógica naqueles "inocentes folguedos". Assim, em 1876, o jornal A Constituição publicou o programa da festa, em que se dizia que, depois dos atos propriamente religiosos, haveria a apresentação de um "novo e extraordinário fogo de artifício precedido de danças no Pavilhão, danças na corda, jogos de arraial, e paticídio, e mastro de cocagne para edificação do povo miúdo".28 28 A Constituição, Belém, 26 out. 1876, p.2, grifos meus.

O mesmo tom se repete no boletim da festa de Nazaré, em 1884, com a divulgação de um "novo e extraordinário balão, precedido de jogos de arraial, paticídio, torneio do saco e mastro de cocagne para edificação do povo miúdo".29 29 Diário de Belém, Belém, 4. dez. 1884, p.3, grifos meus. De algum modo, pensava-se que os "inocentes folguedos" contribuiriam para a edificação moral e cultural do "povo miúdo", igualmente visto como inocente e inculto.30 30 Philippe Ariès observou que, na Europa do século XVII, os jogos infantis eram vistos como úteis às "pessoas rústicas", cujo espírito não seria mais elevado que o das crianças (1981, p.116). Além disso, havia na programação da festa de Nazaré a exibição de imagens em cosmorama (instrumentos ópticos de ampliação), apresentações teatrais e orquestras com música clássica. Mas, os atrativos da festa no arraial eram acessíveis a todos, espaço de circularidade e de trocas culturais entre negros, índios e brancos.

A quem cabia a definição de "povo miúdo" nesse contexto? Escrevendo a respeito de uma crise alimentícia em Belém, causada pela alta no preço dos gêneros secos e molhados do consumo público, especialmente da farinha, certo Argus dizia, em 1892, que "o povo miúdo, isto é, a pobreza ou o povo que se chama proletário, vivendo apenas do seu trabalho diário, que simplesmente ganha com pesado sacrifício para sustentar a família, não depende nem do governo nem dos cofres públicos".31 31 Correio Paraense, Belém, 22 jul. 1892, p.3. Sobre a problemática da alimentação em Belém, no século XIX, conferir SILVA, 2009. Nesse sentido, o "povo miúdo" é associado ao pobre, ao proletário que com sacrifício consegue sustentar sua família e que, em situações de calamidade pública, depende da ajuda dos cofres públicos para manter sua existência.

Em outras situações, o "povo miúdo" era referido como o "elemento baixo, o Zé Povinho, na acepção lata do termo", "a plebe propriamente dita", em oposição à "burguesia". Com relação às festas populares ou "festas do Zé Povinho", dizia-se que: "o povo miúdo faz as suas festas com um certo método e com um certo interregno de umas para outras, de modo que dos pequenos salários podem ajuntar economias, sem o sacrifício do estômago, para o fato novo, para as contribuições, etc.".32 32 Correio Paraense, Belém, 20 ago. 1893, p.1. Era a essa parcela da população que se associavam as festas populares, especialmente as festas de santo organizadas pelas irmandades religiosas. Assim, dizia matéria publicada no A Boa Nova, em 1882: "o circenses para o Zépovinho que não frequenta bailes, nem teatros, é a festa de Nazaré".33 33 A Boa Nova, Belém, 4 nov. 1882, p.1.

As brincadeiras no arraial de Nazaré começavam por volta das 16 horas e se estendiam pela noite. A quantidade de divertimentos oferecidos pela diretoria servia de parâmetro para a expectativa criada em torno do evento. E, para a molecada, o programa permitia saber dia e hora do paticídio e das demais brincadeiras que animavam o arraial. Ao narrar o modo como sua imaginação voltou no tempo de sua meninice ao ler o programa da festa de Nazaré de 1959, o poeta paraense Bruno de Menezes afirmou:

Suponho que meus olhos perquiriam, interessados e insistentes, onde estava impressa a relação das recreações, como o pau-de-sebo, o quebra-pote, a matação do pato, a corrida de sacos, a cangorra, em que cada bando procurava dominar o adversário e que, nesses tempos desaparecidos e olvidados constituíam as primeiras demonstrações do espírito popular que presidia a programagem dessa festa cristã e profana.34 34 A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2.

Bruno de Menezes nasceu em 1893, tendo vivenciado na condição de menino, portanto, os círios dos últimos anos do século XIX. O relato emocionado que ele fez constitui belo registro desses "tempos desaparecidos e olvidados" em que a abertura da festa de Nazaré era voltada, em grande medida, para as crianças. De fato, a "matação do pato", como referiu o poeta, tinha como público alvo, a princípio, a molecada. Em artigo que criticava os gastos feitos pela Irmandade de Nazaré durante a festa, o jornal católico A Boa Nova perguntava: "Para que servem as esmolas dadas à festa de Nazaré?". E, como resposta, dizia: "(...) a gloriosa mesa regedora emprega as somas arrecadadas em foguetes, mastros de cocagne, em sebos para untar os ditos mastros, em bandeirolas, penachos, em honorário dos sujeitos que tocam sino, em prêmios aos moleques que matarem o pato (...)."35 35 A Boa Nova, Belém, 18 out. 1879, p.3.

São várias as publicações que revelam as crianças como público alvo do paticídio e de outros "folguedos inocentes". Bruno de Menezes se referia ao programa da festa como "os pródromos da Festa tradicional de Belém de antanho, de que faziam parte tantos divertimentos estimuladores de uma ávida concorrência entre a meninada".36 36 A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2. Em outro trecho, o poeta nos permite compreender que a matação do pato fazia parte, também, de um exercício de masculinidade por parte dos garotos, apesar de que a participação das garotas não era proibida. Ao encarnar o menino Bernardino em sua rememoração, Bruno de Menezes constrói o seguinte diálogo:

- Cadê, então, o pato que tu mataste na molecagem do arraial de Nazaré?

- Acertei na cabeça dele, mamãe... Mas, quando o homem da "matança" ia me entregar o pato, era tanto moleque em cima de mim, que terminaram me tomando o pato. Nem vi quem levou...

- Te tomaram, não... Pois deixa teu pai saber, que levas uma surra daquelas boas, para não seres mole...37 37 A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2.

Frequentemente, falava-se em "degolar o pato", "matar o pato", "cortar a existência dessa ave", num vocabulário viril e agressivo semelhante ao que Keith Thomas relata no caso do consumo de carne na Inglaterra do século XVIII ou que Marshall Sahlins (2003, p.171)SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. identificou no consumo de carne nos Estados Unidos, ao apontar a relação entre a centralidade da carne, que é também indicação de sua "força" e a virilidade masculina. O moleque que acertasse a cabeça do pato e conseguisse chegar em casa com seu prêmio era visto como forte, ao contrário da cena imaginária com Bernardino que, ao chegar em casa sem o pato, depois de tê-lo acertado, foi chamado de "mole" pela mãe. Mas, antes de perder o prêmio, diz ele: "relembro agora, que me tornara herói daquela tarde, porquanto, na última das três tentativas que cabiam aos concorrentes, acertara de raspão na ‘vítima’".38 38 A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2. De algum modo, o ritual do paticídio era uma forma de dizer aos garotos: "na vida, não seja pato!", numa projeção de atributos humanos aos animais. Por outro lado, ao manifestar sua sensação de ter o sido herói daquela tarde, Bernardino nos remete à mudança de estado da pessoa moral do sacrificador, de acordo com a definição de sacrifício de Mauss e Hubert (2005)MAUSS, Marcel; HUBERT, Henry. Sobre o sacrifício. São Paulo: Cosac Naify, 2005.. Bruno de Menezes se refere aos "divertimentos da gurizada, inocente na sua pobreza, que acorria dos bairros próximos, do Umarizal, da Pratinha, do Jurunas, da Jaqueira, para disputar a subida no mastro ensebado e receber o dinheiro ambicionado...".39 39 Idem. Nessa ocasião, o menino pobre das áreas mais periféricas de Belém tinha a chance de sair do arraial de Nazaré como herói e, ao mesmo tempo, garantir o almoço da família no dia seguinte, com o pato recebido como prêmio.

A divulgação do programa da festa de Nazaré fazia com que os moradores entrassem no "clima de Círio", alterando o cotidiano da cidade. Na quinzena da festa, eram comuns denúncias de fugas de escravos, ávidos por participar das brincadeiras e ver o movimento de gente no arraial. Em outubro de 1876, o preto livre Manoel Antonio foi preso por furto: "lá foi Manoel Antonio parar no xadrez e sem esperanças mais de matar o pato no dia seguinte no arraial de Nazaré".40 40 A Constituição, Belém, 9 out. 1876, p.2. Essa mesma matéria informava que "o preto menor Luiz suspendeu-se ontem de casa para ir matar o pato, mas com tal infelicidade que, às 6 horas da tarde, caiu na mão da polícia por suspeito de andar fugido".41 41 Idem. Outros negros se metiam em brigas no arraial e acabavam sendo presos pela polícia. Assim aconteceu com "(...) dois mata-patos, isto é, o mulato livre Manoel de Belém e o preto Paulino, escravo de Joaquim Ângelo Gonçalves, por via de patos entraram em vias de fato para ajustar a conta. Ao rufo da pancadaria acudiu a patrulha do arraial de Nazaré que à ordem do subdelegado do 4º distrito, tocou os dois galos de campina para a capoeira".42 42 Ibidem.

Mais uma vez, buscavam-se nos animais categorias com as quais se pudessem descrever atitudes humanas, eis que os dois negros foram transformados em "galos de campina" por terem sido flagrados brigando no arraial. Em 6 de novembro de 1881, o senhor Leônidas Barbosa se deu conta da fuga de um escravo seu chamado Nicolau, logo em seguida preso pela polícia. Ao tornar pública a fuga, matéria no jornal Gazeta de Notícias dizia que a polícia cogitava quais motivos teriam levado Nicolau a pôr-se em fuga e acrescentava: "auxiliamo-la afiançando-lhe que ele fugiu na intenção de figurar nas pugnas do paticídio".43 43 Gazeta de Notícias, Belém, 6 nov. 1881, p.2. Um dos principais alvos de roubo à época do Círio de Nazaré era exatamente o pato, fato bastante noticiado nos jornais. Assim, dizia um boletim policial de 1900 que "foi preso, ontem, o gatuno Manoel Souto Menor, que havia furtado um pato ao mestre do vapor Guarani".44 44 O Jornal, Belém, 6 out. 1900, p.2.

De todo modo, enquanto alguns negros precisavam fugir para participar da festividade de Nazaré, outros tantos participavam de eventos incluídos na programação da festa, ao lado de muitos índios. Os jornais da época anunciavam: "dança da turma tapuia (imitação)",45 45 Diário de Belém, Belém, 17 out. 1869, p.1. "os Guaranis tecerão ao som do boré no Pavilhão de Flora, convertido em taba, as danças mais apreciadas de sua nação",46 46 Diário de Notícias, Belém, 14 out. 1885, p.2. "danças dos Apinagés e dos Mumbicas",47 47 A Constituição, Belém, 4 nov. 1886, p.1. "executarão danças especiais os Zuavos, Africanos e Mandaris",48 48 A Constituição, Belém, 14 nov. 1886, p.4. "dança dos Mundurucus e dos africanos no Pavilhão de Flora".49 49 Diário de Belém, Belém, 31 out. 1886, p.3. No ano da abolição da escravidão no Brasil houve no arraial de Nazaré "música, paticídio, porquicídio" e, à noite, "poliorama, Congos, Guaranis, bonecos chorões, africanos...".50 50 O Liberal do Pará, Belém, 28 out. 1888, p.1. Assim, o arraial se tornava palco de múltiplas batalhas simbólicas pelo domínio do espaço público, com africanos e indígenas reivindicando e exercitando seu protagonismo. Em grande medida, o Círio de Nazaré de hoje é resultado dessas intensas trocas culturais (Iphan, 2006IPHAN. Círio de Nazaré. Dossiê Iphan. Rio de Janeiro: Iphan, 2006.; Henrique, 2011HENRIQUE, Márcio Couto. Do ponto de vista do pesquisador: o processo de registro do Círio de Nazaré como patrimônio cultural brasileiro. Amazônica - Revista de Antropologia (on-line), v. 3, Belém, p.324-346, 2011.).

Note-se que o paticídio fazia parte de um conjunto de atividades culturais muito mais amplo e rico. Era um Círio de Nazaré muito mais popular do que o que acontece nos dias de hoje, eis que, naquele tempo, era organizado pelo e para o povo (Henrique, 2018HENRIQUE, Márcio Couto. Participação e exclusão popular no Círio de Nazaré. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, v. 38, p.271-289, 2018.). O arraial constituía um espaço de trocas culturais, de circularidade de culturas. Nesse conjunto, o próprio paticídio era pensado como "uma brincadeira que o povo conserva como herança colonial".51 51 A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2. É importante lembrar que o Círio de Nazaré, em seu modelo festivo, foi trazido para Belém do Pará pelos portugueses, ainda no período colonial. Conferir COELHO, 1998. Brincadeira semelhante ao paticídio, a cabra-cega fazia parte das diversões infantis no início do século XVII. Conferir ARIÈS, 1981. Além da programação religiosa no interior da igreja e das procissões ao ar livre, no espaço do arraial os devotos se divertiam com o paticídio, assistiam apresentações teatrais, viam imagens dos museus europeus e de guerras no cosmorama, assistiam a apresentação de danças de origem indígena e africana e, também, ouviam música clássica.

Este Círio de "festas profanas e alegrias ruidosas" (Montarroyos, 1992MONTARROYOS, Heraldo. Festas profanas e alegrias ruidosas. Belém: Falângola, 1992.) tornou-se alvo de duras críticas ao longo do século XIX. Matéria publicada em 1886 dizia:

Os jornais do Pará anunciaram e noticiaram a festa de Nazaré, como os jornais de outras localidades costumam anunciar e noticiar outras festas religiosas, isto é, como qualquer diversão ou espetáculo público; e por outro lado, o povo concorreu à festa como concorre a outras diversões, ou vai assistir a qualquer espetáculo teatral; e o mais triste a que muitos dos que tomam parte nessas festas, chamadas religiosas, juram que servem a Deus.

É assim que os jornais do Pará anunciam, em conexão com a festa de Nazaré, ‘bandas de música, paticídio, dança de Mundurucus e africanos e fogos de artifício’.52 52 Imprensa Evangélica, São Paulo, 18 dez. 1886, p.401.

Aos olhos da "Imprensa evangélica", aquilo que os devotos de Nazaré viam como "inocente passatempo" não passava de uma mistificação do Cristianismo. A ênfase da crítica era sobre a falta de separação nítida entre o sagrado e o profano no Círio de Nazaré, o que fazia com que os devotos da santa participassem de sua festa da mesma forma que participavam de qualquer outra festa ou espetáculo teatral. De fato, do ponto de vista dos devotos os divertimentos eram parte constituinte da festa religiosa. Muitas críticas vinham, também, do clero católico, especialmente no período em que D. Macedo Costa esteve à frente do bispado do Pará (1861-1890). Matéria publicada em 1882 é bastante expressiva do modo como o clero católico enxergava a festa popular no arraial de Nazaré.

O burburinho é formado por vozes que choram, que falam, que riem, que segredam e que gritam. O barulho é proveniente de foguetes que estouram, de bandas de música que estrondam, de tamboresinhos, gaitinhas, cornetinhas e pianosinhos de vidro que rufam, guincham, assoviam e tinem, dando uma ideia menos pálida de que será o inferno. A multidão é composta de homens e mulheres, pretos e brancos, servos e senhores, crianças e adultos, bons e maus, ricos e pobres, tolos e espertos, incautos e ladrões.53 53 A Boa Nova, Belém, 4 nov. 1882, p.1. Esse era o contexto da chamada "romanização", ação de setores do clero católico que pretendia, entre outras coisas, estreitar os laços da igreja católica brasileira com as diretrizes de Roma, moralizar o clero e diminuir a autonomia dos devotos. Dom Macedo Costa foi um dos principais nomes desse movimento, que ficou conhecido como "ultramontanismo". Conferir NEVES, 2009.

Burburinho, choro, riso, grito, barulho, estrondo, rufo, assovios da multidão extasiada no arraial, a mistura desordenada de todas as classes sociais, eis a imagem daquilo que, aos olhos da igreja, seria o próprio inferno. Para o povo, este era o modo popular de fazer festa.

O paticídio e a política

Na programação profana do Círio de Nazaré no século XIX, era comum a exposição de imagens no chamado Pavilhão de Flora, no espaço do arraial. Em 1877, os devotos exibiram quadros em que apareciam imagens de mulheres nuas.54 54 A Boa Nova, Belém, 31 out. 1877, p.2. Muito provavelmente, tratava-se de reproduções do tema de Vênus, como no quadro "As três graças", pintado por Rubens, em que três mulheres aparecem nuas (Simson, 1996SIMSON, Otto von. Peter Paul Rubens 1577-1640: humanist, maler und diplomat. Mainz: Philip von Zabern, 1996.). Indignado, Dom Macedo Costa proibiu a continuidade das orações na igreja de Nazaré. Por sua vez, o povo arrombou a porta da igreja e continuou as rezas, mesmo sem a presença dos padres. O conflito permaneceu em 1878 e 1879, anos em que ocorreram os chamados "círios civis", ou seja, o Círio foi realizado apenas pelos devotos conduzindo a imagem da santa, sem a presença de membros da igreja. Em 1878, o jornal O Liberal do Pará publicou matéria em que dizia que "estas figuras não são mais do que a reprodução daquelas que o mundo inteiro vê nos museus e até no próprio Vaticano, já representando personagens mitológicas, já os chefes da obra de celebrados artistas".55 55 O Liberal do Pará, Belém, 26 nov. 1878, p.1. No mesmo ano, uma litografia de Wiegandt56 56 Hans Karl Wiegandt, litógrafo e caricaturista alemão que viveu em Belém, onde morreu em 1908. Registrou vários "costumes nazarenos" em ilustrações publicadas no jornal O Puraquê, que circulou em Belém em 1878. Conferir A Província do Pará, Belém, 11 e 12 out. 1992, 2º caderno, Magazine, p.15. aludiu à "malhação" de João Crisóstomo da Mata Bacelar, um dos membros da diretoria da festa de Nazaré que se insurgiu contra a proibição da festa por D. Macedo Costa. Bacelar, além de médico, era maçom, fato que o colocava na mira do bispo do Pará:

Figura 1
O Paticídio.

O Dr. João Crisóstomo da Mata Bacelar, cujo rosto é possível distinguir claramente, é retratado como um pato em fuga, com uma estrela no peito, talvez numa referência à maçonaria. Atrás dele, veem-se vários homens com os olhos vendados, segurando enormes varas de pau, com as quais tentam acertar sua cabeça. No corpo de alguns destes homens é possível identificar os nomes de alguns dos jornais da época, tais como A Constituição, Diário de Belém, A Boa Nova e o próprio O Puraquê, responsáveis pela malhação de Bacelar em suas páginas. Mais ao fundo, a multidão observa tudo. A associação com o paticídio não é literal, pois, neste caso, eram homens e não garotos os que procuravam acertar o alvo. E este, o pato, tinha a vantagem de poder fugir, ao contrário do pato animal, que ficava enterrado, apenas com a cabeça à mostra.

Um ano depois, o jornal católico A Boa Nova criticava a realização de um dos "círios civis": "O programa nazareno vai mais longe e prometeu-se tirar a vida aos Ministros de Deus. Correu aqui de mão em mão uma litografia-lição em que o Dr. João Crisóstomo da Mata Bacelar, de cacete em punho, ia matando os padres que encontrava".57 57 A Boa Nova, Belém, 26 nov. 1879, p.1.

Infelizmente, essa litografia não chegou aos nossos dias ou se encontra perdida em algum arquivo. A expressão "de cacete em punho" é uma referência clara ao paticídio e os padres ocupariam o lugar dos patos a serem abatidos. É evidente o cunho político da "litografia-lição", atingindo em cheio a autoridade do clero, em seu afã romanizador que procurava diminuir a autonomia dos devotos na organização das festas de santo. Neste caso, os papeis se invertem e Bacelar sai da condição de "pato", que passa ser assumida pelos padres. Deve-se destacar o uso do paticídio como instrumento político de ambos os lados. Se este foi o divertimento escolhido para o ataque simbólico ao outro, é porque sua linguagem era claramente perceptível pelo grande público. Como toda festa, o Círio é, também, política (Pantel, 1998PANTEL, Pauline Schmitt. As refeições gregas, um ritual cívico. In: FLANDRIN, J-L; MONTANARI, M. (org.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p.155-169.).

A análise do paticídio nos permite penetrar no tema dos rituais e do simbolismo popular. Ela revela que patos são "bons para pensar" porque nossa relação com eles, nosso modo de significação deste animal revela muito sobre nós mesmos, sobre nossas formas de sociabilidade e nossos sistemas de classificação. Nesse sentido, pode-se dizer que o paticídio que ocorria no Círio de Nazaré também era uma "entidade sociológica", que agenciava as experiências variadas da vida cotidiana, sendo colocado à parte dessa vida como "apenas um jogo", um divertimento e religada a ela como "mais do que um jogo" (Geertz, 1978GEERTZ, Clifford. "Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa". In: GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar , 1978, p.185-213., p.211).

Assim como Darnton observou no "massacre de gatos", inspirado nas ideias de Mikhail Bakhtin, nota-se na festa de Nazaré de tempos passados a mesma "risada rabelaisiana", a mesma "hilaridade tumultuada" que "podia transformar-se em motim, uma cultura carnavalesca de sexualidade e insubordinação na qual o elemento revolucionário podia estar contido em símbolos e metáforas, ou explodir num levante geral" (1986, p.133). Na França, temos o exemplo da Revolução Francesa, que eclodiu em 1789. Na Amazônia do século XIX, temos o exemplo da "Cabanagem" (Harris, 2010HARRIS, Mark. Rebelion on the Amazon: the cabanagem, race and popular culture in the North of Brazil, 1798-1840. Nova York: Cambridge University Press, 2010.) e dos "Círios civis", com suas exibições de figuras de mulheres nuas em frente à igreja de Nazaré.

De acordo com Bakthin, "as festividades tiveram sempre um conteúdo essencial, um sentido profundo, exprimiram sempre uma concepção do mundo" (1996, p.7). Por um lado, elas se revestem de uma espécie de "segunda vida do povo", que penetra temporariamente no reino utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância, em que as hierarquias sociais são momentaneamente abolidas.58 58 Para uma análise semelhante aplicada ao Carnaval brasileiro, conferir DaMATTA, 1997. Mas, por outro lado, elas consagram e sancionam o regime em vigor, à medida que mostram ao devoto, no caso do Círio de Nazaré, que aquela liberdade só é possível num tempo de exceção, festivo. Nas palavras de Mary Del Priore, "sem deter o tempo, nem contradizê-lo, mas, sim, articulando-o, a festa termina por dar à vida diária a sua armadura habitual" (1994, p.11).

Considerações finais

Nossa incapacidade de enxergar humor na matança dos patos é um indício da distância cultural que nos separa daqueles homens e mulheres. Essas pessoas não odiavam os patos. E, também, não eram menos humanos do que nós ao permitir e participar de um ritual que, para nós, constitui um crime de maus tratos contra os animais. O sentimento de humanidade não mudou, mas sim a definição da área dentro da qual se permitia operá-lo, ampliando-se a fronteira que delimitava a região de preocupação moral, de modo a compreender outras espécies, além da humana. Em artigo em que discute a mudança de sensibilidade diante da presença de animais em espetáculos circenses, Regina Horta Duarte afirma que "a historicidade de valores morais evidencia-se também na relação entre os homens e os animais" (2002, p.196), de modo que o que é condenável para uma sociedade pode não ser para outra. Os devotos de Nazaré que viam no paticídio um "divertimento inocente" viviam num tempo e lugar em que estes animais - e muitos outros - ainda não haviam sido incorporados na esfera de nossa consideração moral: "tratava-se de um mundo no qual muito do que posteriormente seria visto como ‘crueldade’ ainda não fora definido como tal" (Thomas, 1988THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p.177).59 59 Os códigos de posturas de Belém, no século XIX, proibiam maus tratos aos animais, especialmente aqueles que eram utilizados como animais de tração, ou seja, cavalos e bois. De todo modo, a proibição estava mais relacionada à preocupação com a utilidade do serviço e à higienização da cidade do que com os animais em si. Vale lembrar que na mesma Belém ocorriam as touradas, a partir do final do século XIX, consideradas pela elite local como símbolo de civilidade. Conferir SARGES, 2008; VIEIRA, 2015. Para a experiência pioneira de São Paulo na defesa dos direitos dos animais, conferir OSTOS, 2017. No Brasil, medidas de proteção aos animais só foram estabelecidas a partir do Decreto Nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto- 24645-10-julho-1934-516837-publicacaooriginal-1-pe.html>, acesso em: 13 fev. 2019. Sobre o tema, conferir MÓL; VENÂNCIO, 2014. Para o debate em outros países, conferir AGULHON, 1981; FAVRE; TSANG, 1993; AMARO et al, 2013; MONZOTE, 2013.

O paticídio, na condição de um dos principais atrativos da festa de Nazaré, era parte importante deste amplo circuito cultural. Dizia o poeta Bruno de Menezes que este era o tempo em que "os moleques e mesmo os meninos de família se misturavam com os filhos das lavadeiras, das cozinheiras, das engomadeiras, das amassadeiras de açaí, das vendeiras de tacacá, das mulheres solteiras, que moravam na Jaqueira".60 60 A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2. O evento permitia a troca de experiências entre negros, índios, mestiços das mais variadas nuances. Mas, também entre o "povo miúdo" e a gente chic de Belém. Por essa razão, compreendo o paticídio como "um jogo absorvente", fazendo uso da classificação que Geertz fez da briga de galos balinesa que ele analisou.61 61 A briga de galos balinesa analisada por Geertz constitui um "jogo absorvente" por envolver "um conjunto de pessoas absorvidas num fluxo de atividade comum e se relacionando umas com as outras em termos desse fluxo" (1978, p.193). Assim como Philippe Ariès (1981)ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1981. observou com relação aos jogos na Europa moderna, o arraial de Nazaré do século XIX e princípio do XX nos remete a um tempo em que os jogos tinham uma importância muito maior na sociabilidade coletiva e no qual não havia uma separação tão rígida entre brincadeiras infantis e brincadeiras de adultos. Diz o autor que

Os jogos e os divertimentos estendiam-se muito além dos momentos furtivos que lhes dedicamos: formavam um dos principais meios de que dispunha uma sociedade para estreitar seus laços coletivos, para se sentir unida. Isso se aplicava a quase todos os jogos, mas esse papel social aparecia melhor nas grandes festas sazonais e tradicionais. (Ariès, 1981ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1981., p.94)

De fato, essas festas envolviam toda a sociedade, constituindo uma forma de expressão periódica de sua vitalidade. Nelas, as crianças participavam em pé de igualdade com os adultos, ocupando um lugar reservado pela tradição e, no caso do Círio de Nazaré, oficializado nos programas de divulgação da festa. A princípio dedicado às crianças, o paticídio era um jogo coletivo que seguia um protocolo tradicional.

A festa no arraial de Nazaré permitia extravasar a tensão cotidiana, sendo permitido rir alto, gritar e vaiar os outros sem se preocupar com a repressão policial. Afinal, a mistura de gentes e cores que constituía aquele "carnaval devoto" (Alves, 1980ALVES, Isidoro. O carnaval devoto. Petrópolis, Vozes, 1980.) era reconhecida como a marca principal do Círio de Nazaré. Marcada pela diversidade, a festa de Nazaré apresentava diversas formas do humor cômico popular: além do paticídio, os jornais da época se referem a "porquicídio", "baile dos anões amarelos", porco ensebado, "travessuras dos gaiatos de Lisboa", "negrinhos travessos e endiabrados", marionetes, pau de sebo, corrida do saco, entre outros.

De algum modo, a festa de Nazaré expressava características da cultura cômica popular que Bakthin (1996) analisou na obra de Rabelais. Era a cultura específica da praça pública e o humor popular em toda a riqueza das suas manifestações, opondo-se à cultura oficial, ao tom sério e religioso que a igreja católica tentava impor ao evento. O espaço do Círio era o espaço do povo. Na concepção popular o sagrado e o profano constituíam elementos indissolúveis da homenagem a Nossa Senhora de Nazaré. E, na cadeia de todo o ritual, o pato era fundamental, eis que garantia a diversão dos devotos, felizes pelas graças que julgavam ter alcançado de Maria e, ao mesmo tempo, sinalizava a mesa farta, rompendo a frugalidade alimentar cotidiana do "povo miúdo".

O arraial era um espaço de expressão da diversidade cultural brasileira, com forte presença de índios e negros em uma devoção para cá trazida por brancos portugueses, em diálogo com elementos de outras culturas do mundo. Muitos dos divertimentos que ocorriam neste espaço estavam ligados a uma sociedade de base rural. Nessa sociedade predominantemente agrícola, os animais figuravam, em grande medida, como força de trabalho, o que influenciava no modo como eles eram tratados pelos humanos. Com o processo de urbanização de Belém e o combate feito pela igreja aos divertimentos populares, o arraial foi se modificando, assim como nossa sensibilidade para com os animais.

  • 1
    Um vídeo disponível no canal Youtube exibe a morte do pato que ocorreu na cidade de Luzilândia, Piauí, durante a Semana Santa de 2011. A legenda inicial diz: "A morte do pato, tradição repugnante". Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=S1sBpvo-Jp8>, acesso em 13 fev. 2019.
  • 2
    Para uma crítica à perspectiva adotada por Darnton, conferir LEVI, 1999; DAIBERT JR., 2004. Sobre a polêmica entre Levi e Darnton, conferir SEAWRIGHT, 2018.
  • 3
    O Liberal do Pará, Belém, 5 nov. 1872, p.2. Optei por atualizar a grafia de todos os documentos citados neste artigo. Para essa pesquisa, foi fundamental a consulta ao acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro <http://bndigital.bn.gov.br/>.
  • 4
    Conforme observou (FERNANDES, 1984FERNANDES, Rubem César. Religiões populares: uma visão parcial da literatura recente. BIB (18): p.3-26, Rio de Janeiro, 2º semestre de 1984., p.5), "a polissemia é uma característica comum às ideias fortes nas Ciências Sociais". Assim ocorre com a noção de "catolicismo popular" ou "religião popular", que não deve pressupor uma oposição radical entre "dominantes" / "eruditos" (o clero) e "dominados" / "populares" (o povo). De acordo com Chartier (1995, p.6)CHARTIER, Roger. "Cultura Popular" revisitando um conceito historiográfico". In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, 1995, p.179-192., "não se pode mais aceitar acriticamente uma sociologia da distribuição que supõe implicitamente que à hierarquia das classes ou grupos corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos culturais". O "popular", portanto, aponta para os modos de apropriação das práticas culturais entre grupos distintos, para seu aspecto relacional. Conferir, também, BOURDIEU, 1983BOURDIEU, Pierre. "Vouz avez dit ‘populaire’? Actes de La Recherche en Sciences Sociales, n. 46, p.98-103, 1983..
  • 5
    O último registro de paticídio no Círio de Nazaré é de 1916 (Estado do Pará, Belém, 6 nov. 1916, p.2).
  • 6
    O Almoço do Círio ocorre logo após a chegada da imagem da santa na Basílica Santuário de Nazaré. É o momento de reunião de familiares e amigos, com mesa farta de comida e bebida. São considerados pratos tradicionais desse dia o pato no tucupi e a maniçoba.
  • 7
    A República, Belém, 9 nov. 1890, p.1. A documentação da época também se refere à ocorrência de "porquicídio" na festa de Nazaré, mas em proporção muito menor do que a de paticídio.
  • 8
    Diário de Belém, Belém, 10 nov. 1868, p.1.
  • 9
    Correio Paraense, Belém, 5 nov. 1893, p.2, grifos do original.
  • 10
    Correio Paraense, Belém, 28 jan. 1894, p.2.
  • 11
    A República, Belém, 13 jul.. 1890, p.4, grifos do original.
  • 12
    O Santo Ofício, Belém, 19 jan. 1874, p.3.
  • 13
    A Constituição, Belém, 21 nov. 1884, p.2.
  • 14
    A República, Belém, 16 mai. 1891, p.2.
  • 15
    A República, Belém, 30 dez. 1892, p.2.
  • 16
    Correio Paraense, Belém, 16 out. 1893, p.2.
  • 17
    A Constituição, Belém, 10 jan. 1882, p.1.
  • 18
    Correio Paraense, Belém, 25 ago. 1893, p.2.
  • 19
    A República, Belém, 25 out. 1892, p.1.
  • 20
    Para o processo de antropomorfização dos peixes na Amazônia, especialmente o pirarucu, conferir MURRIETA, 2001MURRIETA, Rui Sérgio S. A mística do Pirarucu: pesca, ethos e paisagem em comunidades rurais do baixo Amazonas. Horiz. antropol., Porto Alegre, v. 7, n. 16, p.113-130, Dec. 2001. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832001000200006&lng=en&nrm=iso> access on 20 Feb. 2019.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    . Enquanto o pato é definido como tolo, o pirarucu é visto como "inteligente", "velhaco". Vale a pena conferir, também, o papel destinado ao jabuti nos mitos indígenas amazônicos, em que ele aparece vencendo poderosos inimigos fazendo uso de sua "astúcia" e "inteligência" (HENRIQUE, 2003HENRIQUE, Márcio Couto. O general e os tapuios: linguagem, raça e mestiçagem em Couto de Magalhães (1864-1876). Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFPA. Belém, 2003.). Para um dossiê com artigos que abordam temas diversos em torno das interações humano-animal na Amazônia, conferir SILVEIRA; OSÓRIO, 2016.
  • 21
    Gazeta do Norte, Fortaleza, 23 set. 1880, p.4. Para o Piauí, conferir A Noite, Rio de Janeiro, 6 set. 1922, p.8. Para São Luís, no Maranhão, O Combate, São Luís, Maranhão, 28 jul. 1934, p.4.
  • 22
    Jornal do Comércio, Manaus, 18 jul. 1908, p.2.
  • 23
    Diário de Belém, Belém, 10 out. 1869, p.2.
  • 24
    Folha do Norte, Belém, 18 out. 1896, p.2.
  • 25
    A República, Belém, 4 nov. 1900, p.2.
  • 26
    "Grande Festa", Belém, Treze de Maio, Belém, 5 out. 1854, p.1. Com a criação da Diretoria da Festa, em 1910, as mulheres foram proibidas de assumir o papel de diretoras. Conferir HENRIQUE, 2016HENRIQUE, Márcio Couto. Círio de Nazaré: entre a fé e o espetáculo. In: FREITAS, Ricardo Ferreira; LINS, Flávio; SANTOS, Maria Helena Carmo dos. In: Megaeventos, comunicação e cidade. Curitiba: CRV, 2016, p.289-318.; 2018HENRIQUE, Márcio Couto. Participação e exclusão popular no Círio de Nazaré. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, v. 38, p.271-289, 2018..
  • 27
    O Liberal do Pará, Belém, 23 nov. 1873, p.2.
  • 28
    A Constituição, Belém, 26 out. 1876, p.2, grifos meus.
  • 29
    Diário de Belém, Belém, 4. dez. 1884, p.3, grifos meus.
  • 30
    Philippe Ariès observou que, na Europa do século XVII, os jogos infantis eram vistos como úteis às "pessoas rústicas", cujo espírito não seria mais elevado que o das crianças (1981, p.116).
  • 31
    Correio Paraense, Belém, 22 jul. 1892, p.3. Sobre a problemática da alimentação em Belém, no século XIX, conferir SILVA, 2009.
  • 32
    Correio Paraense, Belém, 20 ago. 1893, p.1.
  • 33
    A Boa Nova, Belém, 4 nov. 1882, p.1.
  • 34
    A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2.
  • 35
    A Boa Nova, Belém, 18 out. 1879, p.3.
  • 36
    A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2.
  • 37
    A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2.
  • 38
    A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2.
  • 39
    Idem.
  • 40
    A Constituição, Belém, 9 out. 1876, p.2.
  • 41
    Idem.
  • 42
    Ibidem.
  • 43
    Gazeta de Notícias, Belém, 6 nov. 1881, p.2.
  • 44
    O Jornal, Belém, 6 out. 1900, p.2.
  • 45
    Diário de Belém, Belém, 17 out. 1869, p.1.
  • 46
    Diário de Notícias, Belém, 14 out. 1885, p.2.
  • 47
    A Constituição, Belém, 4 nov. 1886, p.1.
  • 48
    A Constituição, Belém, 14 nov. 1886, p.4.
  • 49
    Diário de Belém, Belém, 31 out. 1886, p.3.
  • 50
    O Liberal do Pará, Belém, 28 out. 1888, p.1.
  • 51
    A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2. É importante lembrar que o Círio de Nazaré, em seu modelo festivo, foi trazido para Belém do Pará pelos portugueses, ainda no período colonial. Conferir COELHO, 1998. Brincadeira semelhante ao paticídio, a cabra-cega fazia parte das diversões infantis no início do século XVII. Conferir ARIÈS, 1981.
  • 52
    Imprensa Evangélica, São Paulo, 18 dez. 1886, p.401.
  • 53
    A Boa Nova, Belém, 4 nov. 1882, p.1. Esse era o contexto da chamada "romanização", ação de setores do clero católico que pretendia, entre outras coisas, estreitar os laços da igreja católica brasileira com as diretrizes de Roma, moralizar o clero e diminuir a autonomia dos devotos. Dom Macedo Costa foi um dos principais nomes desse movimento, que ficou conhecido como "ultramontanismo". Conferir NEVES, 2009.
  • 54
    A Boa Nova, Belém, 31 out. 1877, p.2.
  • 55
    O Liberal do Pará, Belém, 26 nov. 1878, p.1.
  • 56
    Hans Karl Wiegandt, litógrafo e caricaturista alemão que viveu em Belém, onde morreu em 1908. Registrou vários "costumes nazarenos" em ilustrações publicadas no jornal O Puraquê, que circulou em Belém em 1878. Conferir A Província do Pará, Belém, 11 e 12 out. 1992, 2º caderno, Magazine, p.15.
  • 57
    A Boa Nova, Belém, 26 nov. 1879, p.1.
  • 58
    Para uma análise semelhante aplicada ao Carnaval brasileiro, conferir DaMATTA, 1997.
  • 59
    Os códigos de posturas de Belém, no século XIX, proibiam maus tratos aos animais, especialmente aqueles que eram utilizados como animais de tração, ou seja, cavalos e bois. De todo modo, a proibição estava mais relacionada à preocupação com a utilidade do serviço e à higienização da cidade do que com os animais em si. Vale lembrar que na mesma Belém ocorriam as touradas, a partir do final do século XIX, consideradas pela elite local como símbolo de civilidade. Conferir SARGES, 2008SARGES, Maria de Nazaré. O Colyseu: arena de touros e toureiros do além-mar - Belém do Pará (1894-1900). In: MATOS, Maria Izilda et al. Deslocamentos e histórias: os portugueses. Bauru: EDUSC, 2008.; VIEIRA, 2015VIEIRA, David Durval Jesus. A cidade e os "bichos": poder público, sociedade e animais em Belém (1892-1917). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém, 2015.. Para a experiência pioneira de São Paulo na defesa dos direitos dos animais, conferir OSTOS, 2017. No Brasil, medidas de proteção aos animais só foram estabelecidas a partir do Decreto Nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto- 24645-10-julho-1934-516837-publicacaooriginal-1-pe.html>, acesso em: 13 fev. 2019. Sobre o tema, conferir MÓL; VENÂNCIO, 2014. Para o debate em outros países, conferir AGULHON, 1981AGULHON, Maurice. Le sang des bêtes. Le problème de la protection des animaux en France au XIXème siècle. Romantisme. Paris, n. 31, p.81-110, 1981.; FAVRE; TSANG, 1993FAVRE, David; TSANG, Vivien. The Development of Anti-Cruelty Laws During the 1800s. Detroit College of Law Review, Detroit, v. 1, p.1-35, 1993.; AMARO et al, 2013AMARO, Alexandra; FELGUEIRAS, Margarida Louro; LENCASTRE, Marina Prieto. A educação e o movimento de defesa dos animais não humanos em Portugal na transição do século XIX para o século XX. Revista Tempos e Espaços em Educação, Lisboa, v. 6, n. 10, p.9-25, jan./jun. 2013.; MONZOTE, 2013MONZOTE, Reinaldo Funes. Animal labor and protection in Cuba. Changes in Relationship with animals in the nineteenth century. In: FEW, Martha; TORTORICI, Zeb (Ed.) Centering Animals in Latin American History. Durham: Duke University Press, 2013. p.209-242..
  • 60
    A Província do Pará, Belém, 11 out. 1959, p.2.
  • 61
    A briga de galos balinesa analisada por Geertz constitui um "jogo absorvente" por envolver "um conjunto de pessoas absorvidas num fluxo de atividade comum e se relacionando umas com as outras em termos desse fluxo" (1978, p.193).

AGRADECIMENTOS

Pesquisa financiada por bolsa de produtividade do CNPq. Agradeço a Cristina Donza Cancela, Antônio Maurício Dias Costa e aos pareceristas anônimos pelas valiosas contribuições que fizeram a este artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2019
  • Revisado
    20 Nov 2019
  • Aceito
    29 Nov 2019
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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