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"Não há cativo que não queira ser livre!": Significados da escravidão e da liberdade entre marinheiros do Senegal, século XIX1 1 Este artigo apresenta resultados parciais de um de projeto de pesquisa mais amplo, sob o título Entre signares e nharas: gênero, escravidão e liberdade na Senegâmbia (séculos XVIII e XIX), desenvolvido no âmbito do estágio pós- doutoral em História da África no Centro de História da Universidade de Lisboa, no período de março de 2018 a março de 2019, com uma bolsa de Pós-doutorado no Exterior (PDE) do CNPq. As pesquisas foram realizadas em arquivos e instituições do Senegal, da França e de Lisboa. Atualmente, prossigo com as investigações nos acervos e arquivos do Senegal, como investigadora integrada ao projeto SLAFNET - Escravatura em África: um diálogo entre Europa e África, vinculada ao Centro de História da Universidade de Lisboa e à Universidade Cheikh Anta Diop, em Dakar, com financiamento do MSCA-RISE - Marie Skłodowska-Curie Research and Innovation Staff Exchange (RISE).

"There is No Captive Who Does Not Want to Be Free!": Meanings of Slavery and Freedom Among Senegalese Sailors, 19th Century

Resumo

Partindo de um extenso inquérito sobre a abolição da escravidão no Senegal, realizado pela administração francesa no ano de 1844, este artigo busca compreender os significados que a escravidão e a liberdade tinham para os trabalhadores das frotas fluviais e marítimas da cidade de Saint-Louis, conhecidos como laptots (e justamente os principais escravizados e ex-escravos entrevistados), nas primeiras décadas do século XIX. Nesse percurso, tentarei ouvir suas vozes a partir dos registros feitos em 1844, mas também de outros documentos, de naturezas e períodos diversos, incluindo relatórios, processos cíveis e criminais, censos populacionais e mesmo relatos de viajantes estrangeiros que estiveram em Saint-Louis nas primeiras décadas do século XIX, coligidos em acervos e instituições de pesquisa do Senegal e da França.

Palavras-chave
Senegal; escravidão; liberdade

Abstract

From an extensive inquiry into the abolition of slavery in Senegal by the French administration in 1844, this article seeks to understand the meaning that slavery and freedom had for river and sea fleet workers in the city of Saint-Louis, known as laptots (and precisely the main interviewees), in the first decades of the nineteenth century. I will try to hear their voices from the records made in 1844, but also from other documents of various natures and periods, including reports, civil and criminal cases, population censuses, and even reports of foreign travelers who were in Saint-Louis in the early decades of the nineteenth century, collected in archives and research institutions of Senegal and France.

Key-words
Senegal; slavery; freedom

"EU GOSTARIA DE SER LIVRE"

Sou a favor da emancipação; antes de ser livre, eu fui cativo e entendi a diferença entre escravidão e liberdade. Foi a liberdade que fez o que sou, que me deu coração e força para o trabalho; é através dela que tenho algo, é com ela que vou preservá-lo.[...] Por isso, dou uma opinião favorável à emancipação, porque sou negro e os negros são meus irmãos. (Clédov, ex-escravo, intérprete juramentado Saint-Louis, 28 fev. 1844)

- Você será livre?

- Se eu quiser, nada é mais fácil para mim; Todas as pessoas estão indo para Galam, meu país, por isso, eu gostaria de ser livre, porque todo o fruto do meu trabalho pertenceria a mim. (Amon Shala, "cativo negro", nascido em Galam, "vive em Saint-Louis desde 1816, laptot por profissão", Escale do Rio Senegal, mar. 1844)

Nada está acima da liberdade; se eu fosse livre, voltaria ao meu país. (Birama Coute, "cativo negro", nascido em Galam "está há muito tempo em Saint-Louis", laptot, Escale do Rio Senegal, mar. 1844)

Um dia de liberdade me parece melhor que a vida toda. (N’Diarar, cativo negro, nascido entre os mouros, laptot e calafate Escale do Rio Senegal, mar. 1844)

Esses são pequenos trechos de depoimentos que parte da população escravizada e liberta das ilhas atlânticas de Saint-Louis e Gorée, no Senegal, concedeu nos meses de fevereiro e março de 1844. Em ruas, casas ou em seus locais de trabalho à beira do rio Senegal, homens, em sua maioria, e também algumas mulheres, puderam falar sobre o que pensavam do trabalho escravo, de seu cotidiano, sua família e, sobretudo, do que esperavam e acreditavam ser uma vida livre do cativeiro. Ouvir a opinião de cativos e cativas sobre escravidão e liberdade não era prática muito comum. Ainda assim, essas declarações fizeram parte de uma extensa investigação sobre a emancipação realizada no Senegal. Ao final de três meses, mais de 360 pessoas de diferentes "classes" e "raças" tiveram suas palavras registradas, incluindo negociantes europeus e "nativos", signares (mulheres "mestiças" negociantes), "negros livres" e "negros cativos".2 2 Archives Nationales d’Outre-mer (doravante ANOM), Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties. Apesar da riqueza de detalhes, esse inquérito continua praticamente inexplorado pela historiografia dedicada à escravidão e à abolição no Senegal. Entre os trabalhos que o mencionam e analisam algumas de suas partes, podemos apontar os trabalhos de Roger Pasquier (1967; 1987), M’Baye Guye (1998) e Ghislaine Lydon (1997).

Nessa época, as possessões coloniais francesas na costa ocidental africana consistiam apenas naquelas duas bases insulares e alguns fortes ao longo do rio Senegal e da costa superior da Guiné. E desde 1818, não eram mais um "comptoir" (espécie de entreposto comercial) da França, e sim espaços coloniais, com orçamento próprio e governador e funcionários enviados diretamente de Paris. Contudo, à diferença das colônias francesas nas Antilhas, que chegavam a reunir, cada uma, mais de 70 mil escravos, Saint-Louis e Gorée abrigavam uma população cativa bem mais reduzida, e que não se dedicava a uma agricultura de exportação. Juntas, as duas cidades contavam aproximadamente 18.000 moradores, dos quais mais da metade eram escravizados.3 3 No censo realizado em 1845, por exemplo, dos 9.849 escravos registrados no Senegal, 6.008 viviam em Saint-Louis e 3.735, em Gorée, cf. BECKER; SCHMITZ; CHASTANET, 1983.

Sem dúvida, o Senegal podia ser uma "pequena consideração para os abolicionistas franceses", como assinala o historiador Martin Klein (1998, p.21)KLEIN, Martin. Slavery and colonial rule in French West African. New York: Cambridge University Press, 1998.. Mas isso não quer dizer que os debates sobre o fim do cativeiro não estivessem presentes em ruas, gabinetes e espaços de trabalho das duas cidades senegalesas. Ou tampouco que sua população desconhecesse o que circulava no mundo atlântico. Pelo contrário. Em diversos registros e relatórios das primeiras décadas do século XIX, encontramos referências feitas por autoridades coloniais, "habitantes notáveis", negociantes e mesmo cativos e libertos a discussões e experiências de escravidão e emancipação nas mais diversas regiões do globo, como Gâmbia, Argélia, Tunísia, França, Inglaterra, Martinica e até mesmo o Paraguai. De outra parte, abolicionistas franceses, como o pouco conhecido, mas muito atuante advogado Adolphe Gatine, também se ocupavam de ações de liberdades de cativos do Senegal. Pelo menos duas vezes, na década de 1840, Gatine esteve na Corte de Cassação de Paris brigando pela alforria de homens e mulheres escravizados de Saint-Louis, em casos que criaram novas jurisprudências e interpretações sobre o cativeiro.4 4 Cf. CANELLAS, 2017; GATINE, Adolphe. L’abolition de l’esclavage à la Guadaloupe (1848): quatre mois de gouvernement dans cette colonies. Paris: Karthala, 2012; GATINE, Adolphe. Nombreuses libérations au cours de l’année judiciaire 1844-1845: Guadeloupe, Martinique, Guyane, Sénégal. Plaidoiries, mémoires et arrêts de cassation. Paris: Ph. Cordier, ago. 1845.

De um jeito ou de outro, desde que assumira a administração do Senegal em 1843, o governador francês Louis-Edouard Bouët-Willaumez mostrava-se empenhado em investir contra a "instituição servil". Mas, para seguir com esse projeto, parecia-lhe fundamental saber o que a população pensava sobre o assunto. Ainda que muito reveladora em seu resultado final, a investigação que propôs em janeiro de 1844 não era exatamente original. Logo no início do caudaloso documento que lhe foi encaminhado alguns meses depois, os onze membros nomeados por Bouët - incluindo negociantes franceses e "nativos" e também funcionários do governo - ressaltaram que esse "modo de proceder" fora "emprestado das colônias inglesas" e apresentava-se como "o mais adequado para preparar uma solução refletida", pois tinha a "vantagem de expor a opinião de todas as partes interessadas nos problemas".5 5 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

Conforme veremos adiante, os objetivos do governador e das autoridades francesas iam bem além do que esse diagnóstico preliminar sugere. Ainda assim, os procedimentos adotados eram mesmo similares aos que já haviam sido realizados nas chamadas Índias Ocidentais britânicas, no início da década de 1830, quando os debates sobre a abolição atingiram seu clímax na Grã- Bretanha. Preocupados com a vida pós-liberdade em suas áreas coloniais, a exemplo da Jamaica, os parlamentares ingleses questionavam se os cativos, quando emancipados, conseguiriam prover sua subsistência, mantendo-se industriosos ou mesmo "dispostos a comprar propriedades com seu trabalho". Para averiguar melhor essas e outras questões, foi formado um comitê parlamentar, que interrogou "devidamente testemunhas consideradas bem informadas sobre o assunto" (Cooper; Holt; Scott, 2005COOPER, Frederick; HOLT, Thomas C.; SCOTT, Rebecca J. Além da escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p.68-69).

Nesse processo, a intenção também era "descobrir" os meios mais eficazes para a passagem de uma vivência em cativeiro, que privava homens e mulheres de uma disciplina pessoal e degradava o trabalho, às condições reais do trabalho assalariado, em que ex-escravos teriam que administrar seus próprios interesses e labutar pontualmente todos os dias. Assim, para evitar que os cativos libertados "vagabundeassem" ou se entregassem à "preguiça selvagem", concluíram que essa transição deveria ser feita por meio de uma "aprendizagem", que os forçaria a "adquirir os hábitos dos trabalhadores livres e preparar-se para gozar a inteira liberdade".6 6 Relatório do Select Committee on the Extinction of Slavery throughout the Bristish Dominions, Parliamentary Papers, 1831-1832, 20: 721. Apud COOPER; HOLT; SCOTT, 2005, p.68-69. Beatriz Mamigonian, em seu livro Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil, também examina um desses inquéritos produzidos pela Grã-Bretanha na década de 1820, para averiguar as condições dos africanos postos sob regime de aprendizado com base na legislação que proibia o tráfico nas colônias do Caribe (MAMIGONIAN, 2017, p.165-181).

Como essas discussões também evidenciavam, as novas concepções de liberdade econômica e cidadania política, em gestação desde pelo menos meados do século XVIII, eram determinadas, em diferentes medidas, pelos desafios colocados pela problemática da emancipação. Nas sociedades escravistas que se espalhavam por diversos espaços do Atlântico, conflitos em torno das diversas formas de exploração do trabalho, classificações e identidades racializadas e ainda das possibilidades de limitação ou ampliação de direitos de cidadania estavam no centro dos debates (Cooper; Holt; Scott, 2005COOPER, Frederick; HOLT, Thomas C.; SCOTT, Rebecca J. Além da escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p.15-16). E tudo isso de alguma forma também chegou até a colônia francesa da África ocidental.

Assim, quando se reuniram no dia 30 de janeiro de 1844 na sala de audiências do tribunal de Saint-Louis, os membros da comissão nomeada por Bouët enfatizaram que, antes de colocar a proposta em execução, era necessário formular, de antemão, as "questões para as quais seriam chamadas a responder as pessoas que deveriam ser interrogadas".7 7 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties. Contudo, nem todos seriam inquiridos da mesma forma: as perguntas seriam modificadas "de acordo com a posição e o grau de inteligência daqueles a quem serão endereçadas [o grifo é meu]". Seguindo essa suposta hierarquia, decidiu-se ouvir, em primeiro lugar, europeus e "nativos" (indigènes) e, por fim, os "negros" (noirs), livres e cativos. Entretanto, para o último grupo, seriam esboçadas "questões suscetíveis a serem entendidas por eles" e, posteriormente, ainda poderiam ser submetidas a uma "deliberação especial". Sendo assim, na sessão de 19 de fevereiro, o presidente da comissão, Sr. M. Larcher, chefe do serviço judiciário de Saint-Louis, apresentou as 31 perguntas que norteariam o inquérito e, mais uma vez, fez questão de assinalar que eram destinadas à "porção mais esclarecida da população".8 8 As 362 pessoas entrevistadas em Saint-Louis e Gorée podem ser assim divididas, de acordo com as categorias (chamadas de "raça" e "classe") registradas no próprio documento: Negociantes europeus: 39; Negros livres (Noirs libres): 166; negros cativos (noirs captifs): 52; Negras livres (Nègresses libres): 7; Negros recém-libertos (Nègres nouvellement affranchis): 16; Cativas (captives): 16; Signares (Dames indigènes): 49; Habitantes Notáveis (em geral, "mestiços"): 23. Neste artigo, me concentrarei nas entrevistas realizadas em Saint-Louis, onde todos os laptots foram ouvidos. Vale ressaltar que as inquirições realizadas em Gorée foram breves, sem qualquer entrevista que contemplasse as 31 perguntas elaboradas pela comissão. Em verdade, praticamente todos os grupos contatados ali - independente da condição social - seguiram o mesmo comportamento: um primeiro depoimento básico que, consecutivamente, foi afiançado pelos demais. E com uma frase direta: "mesma resposta". Eventualmente, quem queria acrescentar, ou até contestar, alguma informação, acabava se manifestando. ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relativas à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

Descartando momentaneamente essa insistente conjetura, fica evidente, quando lemos o questionário em conjunto, que os propósitos eram, de fato, bem mais amplos do que sugerira o governador. E mais ainda: a inspiração em modelos britânicos não se referia exatamente a seu formato, mas, sobretudo, ao conteúdo da investigação. Basta mencionar que boa parte dos questionamentos estava centrada na relação com o trabalho e no comportamento moral que os cativos porventura teriam após a emancipação. E isso se tornava ainda premente diante do momento em que viviam no Senegal. A crise no comércio da goma, com suas consequências econômicas e sociais para a população de Saint-Louis, já vinha se desenvolvendo desde finais dos anos 1830 e atingiu seu auge em meados da década de 1840. Pouco a pouco, as vagas no trato do rio e na própria cidade começaram a escassear. Nas ruas de Saint-Louis, os desempregados tentavam furtar comidas e roupas e se valer dos mais diferentes expedientes para sobreviver. Por sua vez, os laptots que não conseguiam garantir suas vagas nas campanhas se apropriavam de peças de guiné ou sacas de goma. Em janeiro de 1844, para controlar essas "desordens", o governador Bouët criou uma brigada de "gendarmerie", espécie de força policial armada, "para acabar com os furtos/escapadas noturnos que geralmente infestavam Saint-Louis como resultado do estado das dívidas [dos comerciantes da goma] e das fracas colheitas".9 9 ANOM Sénégal IX 4, Lettre du 20 jan. 1844 au ministre, n. 24.

Assim, para os "notáveis" de Saint-Louis, era importante saber se os antigos cativos continuariam se dedicando aos mesmos ofícios. Conseguiriam juntar dinheiro suficiente para manter a si próprios e a suas famílias? Ou decidiriam retornar para suas terras de origem? Para evitar a "vagabundagem" (lembremos da "preguiça selvagem" nas Índias Ocidentais britânicas), não seria melhor estabelecer um controle maior sobre a população liberta ou um tipo de educação especial? E como se tratava de regiões em que a maioria da população era muçulmana, os receios eram ainda maiores, ao ponto de questionarem se a religião que professavam "não seria um obstáculo sério à melhoria social"10 10 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties. ou mesmo à instituição de um banco de poupança.

Não há dúvidas de que o inquérito senegalês tinha muitas aproximações com o "modo de proceder" britânico e suas apreensões com os cativos emancipados. Entretanto, para além das declaradas preocupações moral e econômica com a religião muçulmana, outras singularidades chamavam atenção. Embora os membros da comissão tentassem desqualificar as declarações de escravos e ex-escravos, conseguimos "ouvir" suas vozes. Só em Saint-Louis falaram 32 cativos e 49 libertos. Em Gorée, foram 36 escravizados (entre homens e mulheres) e dez ex-escravos. Diferente do que acreditavam os pesquisadores indicados pelo governador do Senegal, seus depoimentos, ainda que comparativamente muito curtos, não eram insignificantes. Eles e elas expressaram seus desejos de liberdade, falaram de sua vida familiar, suas condições de trabalho e a vontade de retornarem a seus "países". Não era pouca coisa.

Amon Shala, Birama Coute e N’Diarar, cujos depoimentos introduzem este artigo, eram cativos laptots, expressão que designava os marinheiros dos rios e dos mares no Senegal. Muito valorizados no sistema de trabalho que se desenvolvia nas ilhas senegalesas, não por acaso eles constituíram o principal grupo de trabalhadores de Saint-Louis entrevistados em 1844. E mais do que isso: a comissão nomeada pelo governador Bouët decidiu ir até seus locais de trabalho. Como os laptots só retornavam a Saint-Louis depois de meses negociando e transportando mercadorias, os investigadores partiram para colher seus depoimentos diretamente nas escales (espécies de pequenos mercados temporários) do rio Senegal. Havia dias em que cerca de quarenta navios ou barcos a vapor estacionavam nesses postos. Sendo assim, ficou decidido que ao menos dois cativos de cada embarcação deveriam ser contatados.

Poucos membros da comissão sabiam falar wolof (a língua da maior parte da população negra das ilhas) e, por isso, tiveram que recorrer a intérpretes. Como mesmo assim não conseguiam entender todas as respostas, eles alegaram que eram os entrevistados que, pelo contrário, não compreendiam as questões. E demonstraram isso textualmente, inserindo, na transcrição das falas, comentários jocosos, ironias e críticas ao comportamento dos escravizados. Não sabemos se por constrangimento, já que às vezes os senhores podiam estar a seu lado, ou mera repetição, alguns escravos acabavam muitas vezes repetindo as respostas de quem havia falado anteriormente.

Porém, uma leitura cuidadosa e comparativa dos mais de 360 depoimentos registrados no inquérito deixa evidente que não se tratava exatamente de diferentes escalas de discernimento, como queriam fazer crer os membros da comissão, e sim de objetivos e metodologias de pesquisa diferenciados. Basta mencionar que, enquanto aos negociantes europeus e a muitos "nativos" foram dirigidas, demoradamente, todas as questões formuladas pela comissão, aos cativos foram feitas poucas perguntas, de forma breve e direta. Apenas em algumas circunstâncias pontuais ou, conforme o "nível" do entrevistado, os questionamentos podiam ser ampliados. Dessa forma, embora a frase "Eu gostaria de ser livre", repetida seguidamente por alguns cativos, pudesse, de fato, soar como um simples eco de declarações anteriores, as vozes de Amon, Birama, N’Diarar e de outros tantos escravizados e também de alguns libertos, mesmo parcialmente abafadas, mostravam que eles compreendiam, e bem, os meandros da sociedade em que viviam.

Mas quem eram exatamente os laptots? Que tipo de trabalho realizavam em Saint-Louis e Gorée? Como viviam e se organizavam nessas cidades? E o que esperavam de uma vida livre do cativeiro? Entre as tantas questões suscitadas pelo inquérito de 1844, meu objetivo neste texto é justamente partir da investigação realizada em Saint-Louis (onde viviam todos os laptots entrevistados), para compreender alguns dos significados que a escravidão e a liberdade tinham para esses trabalhadores das frotas fluviais e marítimas do Senegal nas primeiras décadas do século XIX. Nesse percurso, tentarei ouvir suas vozes a partir dos registros feitos em 1844, mas também de outros documentos, de naturezas e períodos diversos, incluindo relatórios, processos cíveis e criminais, censos populacionais e mesmo relatos de viajantes estrangeiros que estiveram em Saint-Louis nas primeiras décadas do século XIX, coligidos em acervos e instituições de pesquisa do Senegal e da França.

Como assinalou Martin Klein, uma das maiores dificuldades nas pesquisas sobre escravidão africana é justamente entender as experiências de escravizados na África a partir de sua própria voz (Klein, 2014KLEIN, Martin. Understanding the slave experience in West Africa. In: LINDSAY, Lisa A.; SWEET, John Wood. Biography and the black Atlantic. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press, 2014. p.248-65., p.57). Desde 2007, Klein e outros pesquisadores e pesquisadoras da Europa, África e das Américas vêm organizando workshops e publicações sobre narrativas em que os próprios africanos e africanas falam diretamente sobre processos e memórias de escravização, comércio de cativos, abolição. Sentindo que as análises historiográficas sobre esses temas se baseavam demais em documentação europeia, eles acreditam ser essencial compreender como "os próprios africanos se lembravam" e vivenciavam essas experiências (Bellagamba; Greene; Klein, 2017BELLAGAMBA, Alice; GREENE, Sandra; KLEIN, Martin (eds.). African slaves, african masters. Politics, Memories, Social Life. Trenton: Africa World Press, 2017., p.4). Mas outros dois desafios também se colocavam: coligir e examinar "fontes africanas".

A tarefa nem sempre é muito simples, sobretudo quando se trata de registros escritos do século XIX. "Narrativas de escravos" que lidam diretamente com a África são bem raras. Algumas são redigidas por mulheres e homens que deixaram o continente há muito tempo e, por isso, têm pouco a dizer sobre suas "terras de origem". Outras, embora elaboradas a partir da África, são breves (Klein, 2014KLEIN, Martin. Understanding the slave experience in West Africa. In: LINDSAY, Lisa A.; SWEET, John Wood. Biography and the black Atlantic. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press, 2014. p.248-65., p.48). Como é o caso do relato de Samuel Ajayi Crowther, o líder religioso africano "mais importante" do século XIX, que deixou apenas uma longa carta, com 17 páginas, das quais boa parte coberta por citações e anotações.11 11 AJAYI, J. F. Ade. Samuel Ayadi Crowther of Oyo. In: CURTIN, Philip (ed.). Africa Remebered. Madison: University of Wisconsin Press, 1967, p.289-316. Ainda assim, como é possível observar nos diferentes volumes organizados em conjunto por Martin Klein, Alice Bellagamba e Sandra Greene, os estudiosos têm explorado fontes bem mais amplas e diversificadas, o que inclui tradições orais, canções, louvores, provérbios. Como é o caso do trabalho de Ann O’Hear, que examina um "tipo formal de memória", os orikis (poemas de louvor em iorubá), para compreender a escravidão e sua extinção em Ilorin, cidade no noroeste da chamada Iorubalândia (Bellagamba; Greene; Klein, 2017BELLAGAMBA, Alice; GREENE, Sandra; KLEIN, Martin (eds.). African slaves, african masters. Politics, Memories, Social Life. Trenton: Africa World Press, 2017., p.10).

De todo modo, se nem sempre conseguimos acessar registros feitos diretamente por homens e mulheres africanos escravizados, muitos se configuram como manifestações palpáveis de suas aspirações e memórias. É o que podemos considerar acerca do inquérito realizado em Saint-Louis e Gorée em 1844, documento praticamente inexplorado na historiografia sobre escravidão e emancipação no Senegal. Conforme veremos mais adiante, não temos como asseverar que as falas dos "negros cativos" laptots ali transcritas seguiam rigorosamente tudo o que foi dito nas entrevistas ou o quanto algumas considerações que escaparam aos interlocutores foram reelaboradas ou subtraídas. Entretanto, um exame rigoroso (atento às entrelinhas) e comparativo do conjunto de depoimentos nos permite ir além do aparentemente manifesto ou esperado.

Nesse sentido também, os diversos estudos sobre escravidão, tráfico transatlântico de escravos, comércio da goma, abolição, entre outros temas sobre o Senegal dos séculos XVIII e XIX, serão igualmente fundamentais para a análise daquelas declarações de 1844. Embora ainda sejam escassos os trabalhos mais específicos sobre os laptots de Saint-Louis, Gorée e outras áreas próximas, há discussões e informações importantes sobre esses trabalhadores em relatos oitocentistas e nos livros e teses de Roger Pasquier (1987)PASQUIER, Roger. Le Sénégal au milleu du XIXe siècle: La crise économique et sociale. Thèse (Doctorat des Lettres) - Université Paris Sorbonne (Paris IV). Paris, 1987., James Searing (1993)SEARING, James F. West African slavery and Atlantic commerce: The Senegal River Valley, 1700-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. e Mouhamadou Touré Fall (2009)FALL, Mouhamadou Touré. Les auxiliares indigènes de le traite des esclaves sur le fleuve Sénégal: 1664-1848. Mémoire de maîtrise (Maîtrise em Histoire) - Université Cheikh Anta Diop. Dakar, 2009.. Além desses autores, os livros de Boubacar Barry (1997BARRY, Boubacar. Senegambia and the slave trade. New York: Cambridge University Press, 1997.; 1992)BARRY, Boubacar; HARDING, Leonhard (eds.). Commerce et commerçants em Afrique de L’ouest. Le Sénégal. Paris: L’Harmattan, 1992. também trazem interpretações e dados essenciais sobre comércio no rio Senegal e as interconexões socioculturais, políticas e econômicas entre os diversos povos e regiões ao longo do vale do rio. Por sua vez, Hilary Jones (2019JONES, Hilary. Women, Family & Daily Life in Senegal’s Nineteenth- Century Atlantic Towns. In: CANDIDO, Mariana; JONES, Adam (eds.). African women in the Atlantic word: property, vulnerability & mobility, 1660-1880. New York: James Currey, 2019. p.233-247.; 2013)JONES, Hilary. The métis of Senegal: urban life and politics in French west Africa. Bloomington: Indiana University Press, 2013. e Aissata Kane Lo (2014)KANE LO, Aissata. De la Signare à la Diriyanké sénégalaise: trajectoires féminines et visions partagées. Dakar: L’Harmattan Sénégal, 2014. são algumas das autoras que têm feito investigações sobre trajetórias e a destacada inserção das signares e suas famílias mestiças na cidade de Saint-Louis nos séculos XIX e XX.

Por fim, cabe ressaltar algumas análises importantes sobre emancipação no Senegal, remontando às décadas de 1960 e 1970, a exemplo dos trabalhos pioneiros dos historiadores Roger Pasquier (1967)PASQUIER, Roger. À propos de l’émancipation des esclaves au Sénégal en 1848. Revue Française d’Histoire d’Outre-mer, vol. 54, n.194-197, p.188-208, 1967. e M’Baye Guèye (1968)GUEYE, M’Baye. Des affranchissements définitifs à l’émancipation de 1848. In: Les abolitions de l’esclavage: de L. F. Sonthonax à V. Schoelder 1793, 1794, 1848. Actes du colloque international tenu à l’Université de Paris VIII, les 3,4,5 février 1994. Paris: UNESCO/Presses Universitaires de Vicennes, 1998. p.358-370. e do padre e missionário francês François Renault (1971)RENAULT, François. L’abolition de l’esclavage au Sénégal: l’atitude de l’administration française (1848-1905). Revue française d’Histoire d’Outre-mer, n.59, p.5-12, 1971.. Partindo dessas obras, Martin Klein, na década de 1990, renovou os estudos sobre abolição ao incorporar novas dimensões, evidenciando iniciativas africanas e expandindo geograficamente seu campo de observação para outras regiões da costa ocidental africana. Para o historiador Trevor Getz, também especialista na temática, trata-se de "um modelo para abordar a justaposição da imposição colonial de reformas da escravidão e as iniciativas de escravos". Contudo, como também assinala Getz, seu "alcance generoso", mesmo produzindo uma síntese necessária, acabou concentrado em certas transformações regionais (Getz, 2004GETZ, Trevor R. Slavery and Reform in West Africa: Toward emancipation in nineteenth-century Senegal and the Gold Coast. Athens: Ohio University Press, 2004., p.15-16). Não obstante, suas análises igualmente inspirariam as interpretações de Trevor Getz. Comparando duas regiões geográfica e etnicamente distintas, o Senegal e a Costa do Ouro britânica, esse historiador avançou na compreensão do papel central dos africanos - cativos e proprietários - nos processos de reforma e emancipação. Nesse percurso, assinalou, entre outras questões, a agência dos escravizados na formulação de modos de libertação e deserção, na negociação e no desenvolvimento de meios de existência no pós-emancipação (Getz, 2004GETZ, Trevor R. Slavery and Reform in West Africa: Toward emancipation in nineteenth-century Senegal and the Gold Coast. Athens: Ohio University Press, 2004.). De um jeito ou de outro, dando continuidade às perspectivas de Klein e Getz, também pretendo aqui ressaltar a agência de africanos cativos e libertos nos processos de emancipação no Senegal do século XIX. Todavia, mais do que propriamente esmiuçar esses movimentos, com todos os atores envolvidos e suas nuances políticas e sociais, interessa-me, neste artigo, compreender as visões sobre escravidão e liberdade de um grupo específico de homens escravizados, os laptots, expressas num momento em que a perspectiva de uma vida livre do cativeiro lhes parecia bem mais "real".

"LAPTOTS DE PROFISSÃO"

A partir do século XVIII, as ilhas de Saint-Louis e Gorée, áreas praticamente desabitadas até princípios do setecentos, foram se destacando como importantes assentamentos urbanos na costa ocidental africana. Para além de simples entrepostos para o comércio atlântico de mercadorias e escravizados, desenvolvia-se ali um sistema de trabalho e culturas que eram importantes por si só. Embora estivessem totalmente integradas à economia marítima que se expandia pelo Atlântico, mantiveram fortes laços culturais e históricos com as sociedades do continente africano. Em Saint-Louis, a população - tanto livre quanto escravizada - era majoritariamente muçulmana e falante de wolof. Apenas um pequeno número de famílias mestiças professava o catolicismo. Quando publicou seu livro Esquisses sénégalais, em 1853, o abade David Boilat, primeiro sacerdote católico nascido no Senegal, filho de uma signare, continuava reconhecendo a fragilidade do francês e da religião cristã e a predominância do islã e do wolof entre a população da ilha.12 12 BOILAT, David. Esquisses sénégalais, Physionomie du pays, peuplades, commerce, religions, passé et avenir, récits et légends. Paris: Bertrand, 1853.

Nesse contexto, Saint-Louis foi se firmando como o centro de um "império" mercantil em expansão, um dos "portos de comércio mais importantes da África ocidental", como destaca Searing, impulsionado pela crescente produção e exportação da goma arábica (Searing, 1993SEARING, James F. West African slavery and Atlantic commerce: The Senegal River Valley, 1700-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1993., p.169). Essa espécie de resina natural, extraída de uma árvore espinhosa, conhecida como Acácia Senegal, proliferava nas terras que beiravam o rio Senegal e sua comercialização era comandada pelos mouros. Levada para Saint-Louis, ela seguia para a cidade de Bordeaux, onde era essencial não só para os mercados da França, como de toda a Europa. Da costa francesa, as sacas de goma seguiam para a Inglaterra, Países Baixos, Bélgica, cidades hanseáticas e Rússia, onde eram usadas nas indústrias farmacêuticas, na confeitaria, no acabamento de lingerie e rendas finas ou na estampagem de tecidos (Cf. Jones, 2013JONES, Hilary. The métis of Senegal: urban life and politics in French west Africa. Bloomington: Indiana University Press, 2013., p.40-70; Pasquier, 1987PASQUIER, Roger. Le Sénégal au milleu du XIXe siècle: La crise économique et sociale. Thèse (Doctorat des Lettres) - Université Paris Sorbonne (Paris IV). Paris, 1987., p.690-700). De outra parte, como não tinha qualquer tipo de produção agrícola, os moradores da cidade de Saint-Louis também dependiam das provisões que vinham do interior do continente através das rotas fluviais. A exemplo do painço (milho ou milheto), base da alimentação local. Quando chegava o final do mês de julho, uma flotilha de pequenos barcos subia o rio para comprar goma, couros, milheto, ouro, gado e escravos. Em 1839, cerca de 160 barcos seguiram em um desses comboios, e em torno de 3 mil pessoas viviam dos negócios da goma.

Assim, esses movimentos pelo rio Senegal acabavam ditando o ritmo da vida em Saint-Louis. E os laptots eram como maestros de seus tortuosos caminhos. Mas a navegação nessas águas, cercada de obstáculos, não era tarefa fácil. Por isso, um sistema de trabalho próprio, realizado, em sua maior parte, por homens escravizados, foi especialmente desenvolvido na região. Acompanhando esses caminhos fluviais, seguia-se numa linha de fronteira entre as terras dos mouros, identificadas na Carta (hidrográfica) 1 através das escales (pequenos mercados ou postos comerciais) de Trazas e Braknas, e os estados do norte da Senegâmbia, também chamados de "países dos rios", como Waalo, Fouta Toro ou Gajaaga (em Galam).13 13 A expressão "país de Galam", utilizada pelos europeus, não corresponde a mesma extensão geográfica entre os autores. Para Carrère, Galam se refere a duas grandes províncias, Guidiaga e Kassô, já o abade Boilat incluiu apenas a primeira. Essa é também a definição dada pelo tenente Flize e, segundo Roger Pasquier, parece ser a mais aceita. FLIZE, L. Le Gadiaga, Moniteur du Sénégal, n. 42, 15 jan. 1857. Cf. CHASTANET, 1976, p.303; PASQUIER, 1987, p.94. Próximo ao último, mais exatamente no forte de Bakel (posto comercial francês), desenhava-se uma curva que seguia até a sua foz, onde se situava a pequena ilha de Saint-Louis.

Como toda essa área estava numa zona tropical, o regime hídrico dependia das torrentes que alimentavam a maior parte de seus muitos afluentes, provocando também diferentes volumes e períodos de inundação. Durante a estação seca, entre os meses de outubro e junho, atravessar o rio tornava-se impraticável. As águas recuavam e deixavam ainda mais evidentes as sucessões de rochas e bancos de areia. Em alguns pontos, a sinuosidade e a cobertura de troncos de árvores chegavam a interditar a passagem. Algumas, de tão altas, cobriam as bordas, barrando os ventos favoráveis para a subida. O resultado era que as embarcações à vela também não conseguiam seguir seu curso.

Carta 1
Rio Senegal

Continuando na direção leste, as dificuldades persistiam na foz próxima a Saint-Louis. Conforme notamos pela Carta 1 e no detalhe da Carta 2, na pequena ilha atlântica, o rio separava- se do mar por uma estreita faixa de areia, chamada de "Langue de Barbarie". E entre essa banda e o rio ainda havia uma embocadura que, sob a força contínua de ondas e correntes, repelia o mar e movimentava as areias, formando um fundo alto que tornava essa passagem inacessível a grandes embarcações. Em consequência, os barcos de alta tonelagem vindos do Atlântico não podiam passar a barra para atracar no cais de Saint-Louis, e uma frota com menor capacidade teve que ser especialmente construída para o Senegal. Tudo isso levou negociantes e especialistas franceses à produção de manuais de instruções fluviais e náuticas, com cartas e informações detalhadas sobre navegação e tipos de barcos adequados para baixa ou alta temporada.

Contudo, os verdadeiros "senhores" dessas águas eram os trabalhadores africanos, nascidos nos "países do rio", detentores de saberes e técnicas que lhes permitiam cruzar e explorar essas águas ao longo de boa parte do ano. Não obstante esses homens, escravizados ou livres, fossem provenientes de diferentes grupos étnicos e regiões ao longo do vale do rio Senegal, conforme veremos mais adiante, é possível afirmar que eles compartilhavam muitos desses conhecimentos, tendo em vista a complementaridade regional, ecológica e econômica entre os povos dessa área da Senegâmbia, tal como proposto pelo historiador Boubacar Barry (1997BARRY, Boubacar. Senegambia and the slave trade. New York: Cambridge University Press, 1997.).

Carta 2
Barra da Embocadura do rio Senegal

Em Saint-Louis e Gorée, eles eram conhecidos como laptots. Uma das hipóteses para a origem do termo estaria na combinação da palavra matelot, marinheiro em francês, com a expressão wolof lappato bi, que apontava mais claramente para uma de suas funções essenciais, a de intérpretes ou intermediários. Embora quase sempre referidos simplesmente como marinheiros dos rios ou do mar, suas atividades extrapolavam as fainas da navegação. Segundo Mouhamadou Fall, essa era uma profissão difícil de definir, já que esses homens (o certo é que era uma atividade essencialmente masculina) podiam atuar, ao mesmo tempo, como barqueiros, mestres de línguas, enfermeiros, cozinheiros e seguranças das embarcações (Fall, 2009FALL, Mouhamadou Touré. Les auxiliares indigènes de le traite des esclaves sur le fleuve Sénégal: 1664-1848. Mémoire de maîtrise (Maîtrise em Histoire) - Université Cheikh Anta Diop. Dakar, 2009., p.62-63). E mais ainda: não se exigia uma qualificação ou um aprendizado do ofício.14 14 RAFFANEL, A. Nouveau voyage dans le pays des negres suivi d’etudes sur la colonie du Senegal…Tome 2. Paris: Imprimerie et Librairie Centrale des Chemins de Fer, 1856, p.179. Ainda assim, diante dos tantos riscos que enfrentavam, algumas habilidades, se não eram pré-requisitos, mostravam-se essenciais para esses trabalhadores. Não por acaso, quando foram entrevistados no inquérito de 1844, ele se auto-identificaram, e também foram designados pela comissão, como "laptots de profissão".

Desde pelo menos o século XVII, encontramos referências a eles nos relatos de agentes coloniais e viajantes europeus que percorreram a Senegâmbia. Até o início do setecentos, eles eram sobretudo homens livres de Waalo e do norte de Kajoor e Fouta, que trabalhavam ao lado de marinheiros e soldados franceses e da Compagnie du Senegal (que tinha o monopólio comercial na região). Entretanto, à medida que os habitantes de Gorée e Saint- Louis se envolviam nas atividades comerciais, fosse nos negócios atlânticos ou nas trocas para subsistência, a necessidade de mão de obra se tornava cada vez maior. Assim, acompanhando o desenvolvimento das atividades fluviais relacionadas com o comércio de cativos e goma, o recrutamento de laptots escravizados só fazia crescer.

Na década de 1820, o governo francês realizou várias pesquisas sobre os trabalhadores do comércio marítimo e fluvial. E os resultados mostraram, de forma eloquente, como os escravos constituíam a força de trabalho predominante nas ilhas. Para termos uma dimensão desse universo, vejamos os dados coligidos em 1821 entre os navios mercantes de Saint-Louis e Gorée, conforme apresentados na Tabela 1. Do total de 1.944 trabalhadores quantificados, 1.691 eram escravizados, que dominavam todas as categorias15 15 Os termos que constam no documento são: maïtres de cabotage, patron de pirogues e marins. , de marinheiros (identificados, em francês, como marins, e não pelo termo nativo laptots) a comandantes das embarcações.16 16 Archives Nationales du Sénégal (ANS), 03, Navigation et Marine, 1819-39, Piece 8. Como uma pesquisa ainda em fase de processamento, a ideia é, mais adiante, estabelecer uma análise comparada dos dados sobre essa composição da força de trabalho empregada no comércio marítimo e fluvial, abarcando todos os anos em que foram realizadas pesquisas em Saint-Louis e Gorée, e cujos resultados constam de documentos diversos no referido códice.

Tabela 1
Trabalhadores do comércio marítimo e fluvial – Saint-Louis e Gorée, 1821

Aparentemente, não havia muitas diferenças entre os marinheiros que trabalhavam no rio Senegal e aqueles que eram empregados nas lides marítimas. Contudo, em maio de 1843, o governador Bouët lançou uma ordem administrativa que os dividia em duas "classes": "laptots marítimos" e "laptots fluviais". As justificativas para essa classificação estavam relacionadas aos diferentes tipos de refeições servidas a bordo das "embarcações de guerra" (bâttiments de guerre) e ao "infeliz efeito que uma distinção similar produz entre pessoas chamadas ao mesmo serviço". Em termos práticos, a disposição governamental implicava apenas na concessão de "rações" de acordo com as categorias: enquanto os embarcados no mar receberiam o mesmo que os "marinheiros brancos" (matelots blancs), os que se empregavam nos rios, conforme sua própria preferência, permaneceriam como estavam.17 17 ANS, Arrêté administratif, Saint-Louis, le 11 mai 1843, qui divise les laptots en deux Classes. Bulletin Administratif, 1840 -1848, Saint-Louis du Sénégal.

Embora circunscrita a apenas um aspecto, essa distinção oficial também era reflexo de costumes e hierarquias forjados entre os próprios trabalhadores. E essas diferenciações não passavam despercebidas por ali, como se pode constatar nos registros de Anne-Jean-Baptiste Raffanel (1809-1858), oficial colonial francês que, em 1846, realizou uma viagem de exploração pelo Senegal. Conforme assinalou em seu relato publicado em 1856, os laptots marítimos de Saint- Louis, "como na França, soberbamente desdenha[vam] de seu companheiro do rio, aplicando-lhe o epíteto de marinheiro de água doce".18 18 RAFFANEL, A. Nouveau voyage dans le pays des negres suivi d’etudes sur la colonie du Senegal… Tome 2. Paris: Imprimerie et Librairie Centrale des Chemins de Fer, 1856, p.179. Mesmo que essas separações pudessem de fato provocar rusgas e, no limite, algumas rachaduras, havia laptots empregados, indiferentemente, em águas doces e salgadas.

Como escravos dos chamados habitants (sobretudo dos noirs libres e das signares), eles podiam trabalhar para seus próprios senhores, serem alugados a outros negociantes indigènes (nativos) e europeus ou mesmo a companhias comerciais. Em 1806, o cativo Senegal (esse era seu nome!) foi alugado por sua senhora, a signare Catherine Wilcook, para trabalhar como intérprete da língua wolof para um negociante português, identificado apenas como Loring. Embora tenhamos poucas informações sobre as atividades executadas a bordo, ou mesmo sobre quem mais tripulava ou seguia na embarcação, sabemos que Senegal havia nascido em Bissau e, na viagem com Loring, chegou até Montevidéu, no Uruguai, e a Lisboa, em Portugal. Circulando pelo Atlântico, acrescentou uma nova língua ao seu já múltiplo vocabulário: além de falar português, wolof e francês, passou também a compreender e se expressar em espanhol. Em 1844, vamos encontrá-lo entre os cativos entrevistados no inquérito sobre a emancipação. Dessa feita, trabalhava como laptot no rio Senegal, na escale dos mouros Bracknas. Além de ser um "marinheiro do rio", ele também foi descrito como um "excelente chefe, e idólatra (sic)". Seu senhor, Crespin Joseph, marido de Catherine, aparentemente não lhe fornecia nada para a subsistência, como o próprio Senegal fez questão de afirmar. Entretanto, com tantos talentos, ele certamente conseguia reunir recursos com suas atividades. Como veremos adiante, isso era bem comum entre esses laptots.19 19 Cf. ANS, Z, 25 out. 1806, "Engagement Loring-Senegal (...) Catherine Wilcook, habitant du Sénégal, m’a donné en qualité d’interprète de langue Yoloffe, son nègre appellé Sénégal (...) puis pour Lisbonne, d’oú Sénégal serait renvoyé au Sénégal"; Archives Nationales d’Outre-mer (ANOM), Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relativas à l’abolition de l’ésclavage, 1844.

No rio Senegal, eles trabalhavam tanto no transporte e no comércio de provisões para a manutenção das ilhas, como no trato feito nas escales. Nestes pequenos mercados ribeirinhos, armados de forma temporária, as negociações eram realizadas com os mouros que habitavam as regiões do norte do Senegal e da atual Mauritânia. Ao permanecerem nessas áreas, os cativos seguiam por vezes ao lado de seus senhores. Mas também era bem comum que partissem sozinhos e, nessas ocasiões, cuidassem eles mesmos dos interesses senhoriais.

Alguns relatos dos séculos XVIII e XIX enfatizavam o pesado trabalho físico e os perigos que eles enfrentavam nessas rotas fluviais. Havia notícias de afogamentos e ataques de crocodilo. Em alguns momentos, eles se viam obrigados a controlar os barcos com a força de seus braços ou com o auxílio de cordas. Reconhecidos como guerreiros, levavam armas para impedir ataques aos comboios e proteger os franceses quando eles deixavam as embarcações para negociar no continente. Com um espírito de equipe, sabiam perscrutar o ambiente e decidir os diferentes passos a serem tomados para garantir as manobras ou orientar as ações em situações de risco. Por essa razão, eles tinham uma posição nas sociedades das ilhas dita como similar à dos soldados escravos ceddo dos reinos do continente, e isso os diferenciava dos "escravos comuns". Não à toa, por esse e outros motivos, eles eram descritos em muitos documentos como "cativos de elite" (Searing, 1993SEARING, James F. West African slavery and Atlantic commerce: The Senegal River Valley, 1700-1860. Cambridge: Cambridge University Press, 1993., p.123; Barry, 1997BARRY, Boubacar. Senegambia and the slave trade. New York: Cambridge University Press, 1997.).

Saindo do rio Senegal, os laptots ocupados nas lides do mar cuidavam da travessia da barra, transportavam os comerciantes franceses e as mercadorias europeias, embarcavam negreiros e também escravizados nos porões dos navios fundeados no mar, prontos para partir para as Américas. Também chamados de "gente do mar", esses marinheiros eram, em geral, habitantes de Guet Ndar, vila de pescadores situada nas proximidades de Saint-Louis. Como parte de suas atividades profissionais, eles eram apoiados pela administração francesa. Assim, ao final de cada mês, alguns recebiam salários, pagos com determinadas quantidades de ferro.

Já os ditos "laptots de barra" tinham pequenos barcos para uma tripulação de não mais do que cinco pessoas. Durante as manobras na barra, se as condições estivessem muito favoráveis, eles podiam sair com barcos à vela. Mas, se o vento ficasse contrário à subida, eles tinham de fazer o caminho inverso, da barra para a cidade. Esse cruzamento era uma manobra difícil e lenta, e especialmente perigosa para os trabalhadores nativos, que costumavam adoecer ou se afogar. Apesar de já estarem bem treinados, não era raro que barco e tripulação perecessem, ainda que, na maioria das vezes, eles conseguissem escapar de naufrágios. Marinheiros nativos e nadadores habilidosos, eles usavam canoas apropriadas e barcos a remo para esse tipo de navegação. Graças a suas embarcações, eles asseguravam a passagem dos navios do mar ao nível do rio, ao mesmo tempo em que lhes forneciam água e comida.

Fosse no rio Senegal ou no oceano Atlântico, as atividades realizadas pelos laptots eram tão essenciais às ilhas senegalesas que, quando as frotas regressavam após longo período fora, as cidades paravam para recebê-los. Em 1835, o abade David Boilat registrou em detalhes um desses desembarques "triunfais". Assim, ficamos sabendo que, quando os viajantes se aproximavam da ilha, salvas de canhão anunciavam sua chegada. Sem demora, os moradores de Saint-Louis corriam para a beira do Senegal, à espera do reencontro com parentes e amigos ou simplesmente para ter notícias daqueles que partiram quatro, cinco meses antes. Mas também era a hora de descobrir quem tinha desertado ou mesmo falecido. À primeira visão das proas, seguia-se o "espetáculo" de uma tripulação vestida com belos koussabes (chapéus) de Galam e cintos "magníficos". A bordo, os laptots tocavam seus tambores, variavam melodias e criavam novos acentos para suas canções, "como se precisassem recompensar todas as dificuldades da viagem". Quando, afinal, desembarcavam, suas bandeiras eram plantadas no meio das ruas e eles convidavam mulheres e meninas para dançar. Cinco ou seis griots também se juntavam com seus tambores grandes. A comemoração ganhava a cidade com danças, músicas, comidas e bebidas. Embora procurasse criticar alguns "excessos" cometidos nesses dias, o sacerdote Boilat, com seu olhar moralizante, lembrava que esses eram momentos de viver o ritmo dos folgars, ou bailes.20 20 BOILAT, David. Esquisses sénégalais, Physionomie du pays, peuplades, commerce, religions, passé et avenir, récits et légends. Paris: Bertrand, Libraire-Éditeur, 1853. De tal modo que, ainda hoje, eles são lembrados na região pelo nome, em wolof, de Takkusaanu Ndar, ou tarde de Saint-Louis.

"A LIBERDADE É CARA PARA A RAÇA NEGRA"?

Como vimos, os laptots passavam a maior parte do ano nas escales do rio Senegal. Por isso, alguns membros da comissão do inquérito de 1844 decidiram ir até esses locais de trabalho para entrevistá-los. Mas, na hora de transcreverem suas palavras, abandonaram o padrão de perguntas e respostas adotado para os negociantes europeus e também para alguns habitants e "negros livres". Afinal, como eles recorrentemente afirmavam, para os "negros cativos", bastavam questionamentos diretos e curtos. Afora um ou outro em que se estenderam mais do que o previsto inicialmente, suas declarações foram apresentadas a partir de uma espécie de transcrição, entremeada de citações literais e breves comentários sobre o comportamento de alguns dos escravizados. Nesse modelo, não temos como saber qual das 31 perguntas foram exatamente feitas a todos os laptots, ou tampouco se o que foi anotado era apenas uma parte de suas respostas. Ainda assim, é possível fazer uma análise conjunta de seus depoimentos, destacando situações que se repetem, pequenas histórias de vida e mesmo opiniões que foram além do proposto pela comissão.

Quando instados a falar, boa parte dos marinheiros do rio fez questão de comentar sobre a partida de Saint-Louis e o trabalho no rio Senegal, quanto ganhavam por essas viagens e de que forma garantiam sua sobrevivência. Dos 33 cativos contatados, 19 tiveram seus locais de nascimento indicados, e 11 deles vindo do distante "país de Galam", de onde também eram levados muitos dos homens e mulheres escravizados que seguiam para o Caribe Francês. Numa mistura de referências, que incluía local-estado de procedência ou origem étnica, havia cinco de Baol; quatro woloff; quatro nascidos em Saint-Louis (certamente também filhos de cativas) e três originários da terra dos mouros. Alguns deles recebiam roupas e alimentos de seus senhores. Outros tinham que se arranjar com o que ganhavam, praticando diversos ofícios.

Coumaja Pierre Sara havia nascido em Galam e, desde 1827, vivia como cativo em Saint- Louis. Trabalhando como laptot, ganhava vinte francos por mês: ficava com dez e o restante entregava a sua senhora. Se fosse libertado, tinha uma certeza: "voltar ao meu país porque meu pai é um chefe da aldeia, onde sou mais estimado que em Saint-Louis". Famoussa também era procedente de Galam, mas - ao chegar em Saint-Louis - foi nomeado de Alexandre. Pintava velas de navios e outras embarcações e dizia não receber nada de seu senhor. Mas garantia usar "da melhor maneira possível" o que ganhava e guardava.21 21 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relativas à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

Por esses registros, não conseguimos inferir se esses laptots viviam em casas ou "cabanas", como costumavam chamar, próximas a seus senhores. Ainda assim, salta aos olhos a autonomia e a mobilidade de que dispunham. Para começar, eles ficavam meses labutando no rio Senegal, quase sempre longe do domínio senhorial. Também recebiam um "salário", assim referido na documentação, que, em geral, era concedido (em dinheiro, bens ou peças de guiné)22 22 Principal moeda de troca no trato da goma, as chamadas peças de guiné (guinées, em francês) eram tecidos de algodão, originários da costa de Cormandel, no leste da Índia, que eram usados como vestuário por um número considerável de populações, desde o continente asiático, a exemplo de Sumatra, Java ou Filipinas, passando pelas costas leste e oeste da África, incluindo a ilha de Saint-Louis no Senegal, até as Américas, no Brasil, México e nos Estados Unidos. Ao longo do rio Senegal, eram muito apreciados pelos mouros, e sua cotação acompanhava as flutuações do próprio comércio da goma. Uma das principais razões da crise econômica que se abateu sobre o Senegal entre fins da década de 1830 e meados dos anos 1840 foi justamente as relações entre a oferta-demanda das guinés no trato da goma. Para alguns registros sobre o tema, ver essas publicações elaboradas na década de 1840 (uma delas de autoria de Boeut-Willaumez, o já mencionado governador que propôs a realização do inquérito de 1844): Commerce des toiles bleus dites guinées. De l’industrie française de Pondichéry et de la métropole. Dans ses rapports avec le Sénégal, l´ile de Bourbon et l’étranger. Observations de J.-P. Duchon-Doris Junior, de Bordeaux. Paris: Imprimerie de Wittershem, 1842-1843, p.3-4 ss; BOUËT-WILLAUMEZ, E. Commerce et traite des noirs aux cotes occidentales d’Afrique. Paris: Imprimerie Nationale, 1848, p.6-10. por quem alugava o cativo. Quando o pagamento era feito por terceiros, eles retinham apenas a metade, já que a outra parte ficava para seu senhor. Há que se levar em conta que essa posição "privilegiada" também refletia, como já vimos, os perigos e as habilidades que seus trabalhos demandavam. Contudo, vale questionar também se essa condição não acabava inibindo as deserções.

Seja como for, algumas trajetórias deixam mais evidente as diferentes possibilidades que esses homens escravizados encontravam com o trabalho nos rios, na cidade e mesmo em outras paragens atlânticas. Lembremos do laptot Senegal, escravo multilíngue, que conhecia três continentes e falava, ao menos, quatro línguas. Infelizmente, sua aptidão não foi explorada pelos membros da comissão, e o cativo da signare Catherine Wilcook falou pouco sobre sua vida entre tantos mundos. Diferente de Amon Shala, que teve seu depoimento registrado no padrão de perguntas e respostas. Em sua apresentação, ele foi descrito desta forma: "nasceu em Galam, vive em Saint-Louis desde 1816, é laptot por profissão e pertence ao Sr. Alin, prefeito de Saint-Louis, grande proprietário, comerciante e cavaleiro da legião de honra".23 23 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties. Será que as credenciais de seu senhor influíram nos questionamentos? De qualquer maneira, ao ser perguntado sobre como fazia para sustentar sua família, ele afirmou o seguinte: "Meu senhor, durante a saída para o trato [da goma], me dá dois pedaços de guinés, de uma vez por todas, e é com estes dois pedaços de guiné, e mais o produto da venda que me diz respeito nas ‘escales’, que sustento minha família; minha esposa também está trabalhando como ‘pileuse’ (pilando o milho)".24 24 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

Só que os investigadores insistiam: "mas como você vive quando não há negócio, ou quando termina o trato"? "Eu não incluí outros recursos além daqueles que eu posso obter com dois pedaços de guiné e aqueles que minha esposa ganhe, passe e trabalhe para meu senhor. Muitos donos de cativos, no Senegal, não lhes dão absolutamente nada e deixam que eles se virem como quiserem".25 25 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

Shala era daqueles laptots que recebiam recursos para sua subsistência e ainda ganhava a mais com a venda do que lhe dizia "respeito nas escales", talvez no próprio negócio da goma. Ao contrário de outros escravizados no Senegal, cujos "donos" os obrigavam a se virarem como quisessem ou conseguissem. Esses, como Amon Shala igualmente indicava, também podiam se ocupar em outros ofícios em Saint-Louis e assim angariar fundos para si próprio e sua família. Outra opção estava no comércio de milho e demais gêneros alimentícios realizado entre as ilhas e o continente. Todo ano, entre 400 e mil toneladas de painço, desciam o rio. Nesse ponto, é preciso apontar outra informação destacada por Shala, extrapolando um pouco as declarações contidas no inquérito e recorrendo a outros registros. O laptot indicou que sua mulher - também escravizada, mas não nomeada - ocupava o ofício de pileuse, com o qual podia obter recursos extras.

Embora as atividades dos marinheiros dos rios e do mar fossem fundamentais para a economia e para a própria manutenção da vida nas ilhas, o trabalho feminino - praticamente invisível no inquérito feito em Saint-Louis - também era essencial. É certo que muitos entrevistados mencionam, quase sempre sem nomear, suas mulheres, mães, filhas ou parentes com quem compartilhavam experiências de cativeiro e liberdade. Ainda assim, suas trajetórias pareceram não importar muito aos membros da comissão. Aliás, essa parecia ser uma prática recorrente entre as autoridades francesas no Senegal que, normalmente, registravam mais estatísticas para a "população útil masculina das cidades", mas também para certos estudiosos. Como assinala a historiadora Hilary Jones, muitas análises sobre a vida em Saint-Louis no século XIX encobrem os papeis das mulheres muçulmanas, assim como raramente abordam as escravizadas a partir de suas próprias trajetórias e personalidades individuais (Jones, 2019JONES, Hilary. Women, Family & Daily Life in Senegal’s Nineteenth- Century Atlantic Towns. In: CANDIDO, Mariana; JONES, Adam (eds.). African women in the Atlantic word: property, vulnerability & mobility, 1660-1880. New York: James Currey, 2019. p.233-247., p.233).

De qualquer maneira, elas eram maioria entre a população escravizada que trabalhava nas casas de Saint-Louis e Gorée, e o ofício de pileuse, de pilar ou bater o milho, era uma das atividades em que mais se destacavam. O painço, milho miúdo ou milheto, era a base da alimentação nas ilhas. No processo de preparação, seus grãos precisavam ser descascados e batidos para se obter os diferentes tipos de farinha usados para fazer cuscuz (em wolof, cere) ou mingau (em wolof, laax). Muitas dessas pileuses exerciam múltiplas funções, entre as quais as de cozinheiras e lavadeiras nas tripulações das embarcações que subiam até Galam. E assim como os laptots, aproveitavam essas viagens para obter ganhos extras com essas atividades ou mesmo no comércio de grãos.

Desde 1836, essa prática costumeira dos cativos já havia sido regulamentada pelo governo metropolitano. Em fevereiro daquele ano, uma ordenação real, transmitida ao Senegal por um despacho ministerial, admitia que os "escravos dos dois sexos", com idade acima de 21 anos, ficavam aptos a se tornarem proprietários de espécies definidas como móveis pelo Código Civil, e podiam dispor delas conforme as regras desse mesmo conjunto de normas. Também se definia que os frutos da terra cultivados pelos cativos por sua própria conta, com o consentimento de seus senhores, eram igualmente propriedade de homens e mulheres escravizados. Mas entre esses bens não podiam constar navios e outras embarcações, outros escravos ou armas de fogo. Por intermédio do procurador real, eles podiam depositar esses recursos numa poupança constituída para esse fim, desde que se justificasse como legítimo possuidor do dinheiro. E através desse mesmo intermediário, podiam retirar parte ou todo o depósito.26 26 ANOM, Projets d’Ordenances concernant le pécule des esclaves, le rachat forcé; avis de conseils coloniaux, 1836. Diferente das colônias de Guadalupe e da Martinica, os assentamentos coloniais franceses na África ocidental eram governados por decretos do rei, as chamadas ordenanças reais.

À diferença das colônias da Martinica e de Guadalupe, o Code Noir, um abrangente código de leis relativas à escravidão lançado pela França em 1685, nunca foi promulgado no Senegal. Ainda assim, reconhecia-se que várias de suas disposições eram aplicadas em Saint-Louis e Gorée pelos usos e costumes, constituindo assim "o direito de escravidão no Senegal". Por este conjunto de leis, as pessoas escravizadas não poderiam ter propriedade de nenhuma natureza, nem formar um pecúlio. Não obstante, conforme a historiadora Letícia Canelas (2017), havia indícios de que, no Caribe Francês, a situação, na prática, era bem diferente. Uma lei similar à ordenança publicada em 1836 no Senegal só foi lançada na Martinica em 18 de julho de 1845. Contudo, essa nova legislação também teria transformado algo que já corria costumeiramente num "direito dos escravos".

De um jeito ou de outro, nas possessões francesas na costa ocidental africana, além do Code Noir ser aplicado ao sabor das circunstâncias, o sistema de trabalho das ilhas atlânticas, com características muito particulares, sempre favoreceu a formação de pecúlio pelos cativos e cativas, especialmente entre aqueles que atuavam como laptots. Assim, por mais que os senhores resistissem à nova lei que, no limite, podia levá-los à liberdade, era uma situação que já não tinham como evitar. Mas o despacho de 1836 continha outras determinações que, em verdade, provocaram mais discussões entre senhores e autoridades de Saint-Louis e Gorée.

A mesma ordenança lançada em 1836 regulava o rachat forcé des esclaves ("regaste forçado dos escravos"), ou seja, o direito do cativo comprar a sua própria liberdade, e também a de seus pais, filhos ou cônjuges, mediante pagamento em dinheiro. Se o senhor não estivesse de acordo com o preço do resgate, o cativo poderia requerer a intervenção do procurador real, para que arbitrasse um valor, de preferência, amigavelmente. No entanto, para isso, a mulher ou o homem escravizado também deveria justificar a posse legítima da soma suficiente para comprar sua alforria. Não seriam admitidos aqueles que tivessem sofrido uma ou mais condenações por roubo ou por guardar bens roubados, e ainda por crimes qualificados pela lei criminal relativa a escravos. Se não houvesse acordo, o juiz real ouviria todos os envolvidos até que se estimasse um valor para a libertação.27 27 ANOM, Projets d’Ordenances concernant le pécule des esclaves, le rachat forcé; avis de conseils coloniaux, 1836.

Segundo M’Baye Gueye, depois da publicação dessas ordens, houve um aumento considerável das alforrias. Entre 1840 e 1847, foram registrados 567 casos de libertação por resgate em Saint-Louis. Certamente esses números estavam abaixo da realidade. Em 1838, o presidente do Tribunal de Apelação de Saint-Louis já havia feito um alerta, informando que os senhores nem sempre achavam necessário entregar os "atos de liberdade" conferidos pela autoridade administrativa aos escravos que haviam se resgatado. De todo modo, apenas os cativos que tinham uma boa qualificação profissional, a exemplo do laptots, conseguiam pagar por seu "regaste". Além disso, como acrescenta Gueye, mesmo que mulheres e crianças constituíssem a principal mão de obra escravizada das ilhas, elas não tinham os recursos suficientes para recuperar a sua própria liberdade.

Dada a dispersão desses registros em inúmeros volumes depositados nos arquivos do Senegal e da França, ainda não dispomos de uma avaliação mais completa sobre essas alforrias.28 28 Para o século XIX, venho coligindo esses registros, que se encontram dispersos pelas dezenas de volumes de atos notariais de Gorée e Saint-Louis, que se iniciam nas primeiras décadas do oitocentos. Há algumas lacunas nessas séries conservadas nos Archives du Sénégal e também nos Archives Nationales d’outre-mer, em Aix-en-Provence, na França, sobretudo por conta do período em que o Senegal esteve sob domínio da Grã-Bretanha. Assim, os arquivos do período inglês estendem-se por dois interlúdios: de 1763 a 1779, depois de 1809 a 1815. Muitos dos documentos desses intervalos de tempo foram transferidos para Londres. Não obstante, os laptots entrevistados em 1844 podem nos fornecer algumas informações sobre essas práticas e discussões. Mesmo sem terem sido questionados sobre o assunto, muitos ex-escravos que trabalhavam nas escales do rio Senegal fizeram questão de destacar que resgataram sua liberdade, e por vezes as de familiares, mediante pagamento em dinheiro. Em muitos casos, mencionavam os valores despendidos, quase sempre pecúlio reunido com seu próprio labor, mas também a partir de empréstimos tomados a comerciantes europeus.

O ex-escravo laptot Macoumba afirmou que pagou o preço de 1000 francos por sua liberdade e, partindo de sua experiência, avaliava "quantos cativos poderiam fazer" o mesmo, se lhes fosse permitido usar "o produto de seu trabalho para pagar sua pessoa". Os libertos Maconde Sav e Gabav Fontoura, também marinheiros do rio, foram taxativos: "pelo meu trabalho, eu me resgatei". E Gabav ainda acrescentou que igualmente comprara a liberdade de sua mulher e dos três filhos. "Foi assim que entendi o trabalho livre e o bem da liberdade", concluiu.29 29 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relativas à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

Como vimos, os membros da comissão acreditavam que os negros, fossem escravos ou livres, nem sempre tinham discernimento suficiente para compreender e avaliar todas as questões. Não só isso não era verdade, como muitas vezes eles acrescentavam debates que não estavam previstos em seus roteiros. Logo no início de suas entrevistas, alguns laptots livres também lançaram o questionamento: o resgate forçado seria preferível à emancipação total, com indenização dos proprietários? A discussão já estava aberta entre os negociantes europeus e os "habitantes notáveis" interrogados. E talvez por isso os marinheiros tenham se manifestado. Ou quem sabe fizesse parte das perguntas não reveladas na transcrição, mas mesmo assim colocadas para eles. De qualquer maneira, o debate dividiu as opiniões, com uma sensível, e mais evidente, vantagem para uma abolição geral, sobretudo da parte dos ex-escravos e daqueles que não possuíam cativos. Do lado das autoridades coloniais, e sobretudo dos proprietários de escravos, o assunto era importante, pois colaborava para a definição de uma libertação gradual, que tinha apoio de muitos habitantes de Saint-Louis e Gorée.

Ely Mohamed, capitão do rio (patron de rivière), economizou nas palavras, mas foi direto: "resgate os cativos e use-os como marinheiros." O laptot Massamba Tramboye, que possuía alguns escravos, também preferia o resgate forçado, pois esse "esquema" lhe parecia ter "mais vantagens". Como uma espécie de "bônus de encorajamento para a conduta e para o trabalho", seria "mais honroso para os cativos que devem sua liberdade a si mesmos". Já Mamady Conkal tinha um ponto de vista diferente. Piloto de navio a vapor, ele havia sido escravo e, como apreciava o preço da liberdade, também a queria para os outros. Mas não achava o resgate forçado preferível a uma emancipação total. Para ele, "o senhor usaria muitas facilidades para impedir o trabalho do cativo e impediria a aplicação dos frutos que ele pode retirar desse trabalho". E ainda contestava as certezas de alguns senhores de escravos (embora ele próprio também fosse um proprietário):

Eu não sou daqueles que pensam que os negros estão fugindo do trabalho; eu os vejo todos os dias sob o exemplo oposto; eles o amam quando ele é acompanhado por um bom tratamento. Se eles fossem tratados nos navios como os brancos se tratam uns aos outros, eles seriam levados a um gosto decidido pela navegação e poderiam ser usados com grande utilidade. […] Eles são bons sujeitos e sabem do que são capazes.30 30 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

Embora partidário do resgaste forçado, N’Diaye-Anne, um grande marabuto (chamado de tamsir) e senhor de alguns cativos, se aproximava de Conkal e Tramboye nesse resgate da humanidade dos negros escravizados. Em suas palavras, "Sou a favor da emancipação, porque a humanidade a exige e não será apenas um bom fruto para Saint-Louis, mas também para os povos que nos rodeiam. […] Na minha opinião, o resgate forçado traria muito melhor esse resultado; o negro traria um sentimento de orgulho legítimo à sua própria liberdade [grifo meu], mas, como na emancipação, ele deveria estar certo disso".31 31 ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

"SOU NEGRO E OS NEGROS SÃO MEUS IRMÃOS"

De quase todos os depoimentos aqui destacados, depreendemos que o trabalho estava no centro da vida nos tempos do cativeiro e também da liberdade. A diferença era que, livres, esses homens poderiam desfrutar dos próprios ganhos ou repartir com sua família. Com essa autonomia, ainda teriam a chance de escolher entre permanecer em Saint-Louis ou voltar para suas terras de origem, de onde boa parte saíra ainda muito jovem. Como não temos mais informações sobre as circunstâncias em que as entrevistas foram realizadas, fica difícil asseverar se essas constantes referências ao trabalho eram de fato espontâneas. Quem garante que as perguntas dirigidas aos laptots não foram exatamente sobre esses temas? Infelizmente, as transcrições do inquérito nos deixam com essas incertezas. Mas podemos ir além do aparentemente manifesto. Senão, vejamos.

Os proprietários e proprietárias de escravos de Saint-Louis, em sua maior parte "nativos" (indigènes) africanos, negros ou mestiços, como o próprio Tramboye, sabiam que, com as pressões da Grã-Bretanha e da França, a abolição da escravidão parecia cada vez mais inevitável. Contudo, diante do acirramento da crise econômica que se prenunciava com o fim do trabalho cativo, o verdadeiro "motor" a impulsionar a economia das ilhas senegalesas, eles defendiam que as medidas fossem paulatinas, e por isso a preferência de muitos pelo resgate forçado. Junte-se a isso as apreensões em torno da execução das atividades no rio Senegal e na própria cidade de Saint-Louis.

Se quisermos ir mais longe, constataremos que essas preocupações já vinham circulando por outros espaços atlânticos. Na década de 1830, o movimento emancipacionista que se reestruturava na França, embora sem a base social do abolicionismo na Inglaterra, também apostava nas teses gradualistas inglesas, preconizando que a emancipação só chegaria ao final de uma sequência de reformas, cuja primeira etapa havia sido a proibição do tráfico em 1818. Até os anos 1840, essa saída progressiva permaneceria como um credo para os abolicionistas franceses. Uma virada só aconteceria mais tarde, impulsionada sobretudo pelo abolicionista francês Victor Schoelcher, após seu retorno de um périplo pelas Américas, onde percorrera o sul dos Estados Unidos, as Antilhas francesas e o Haiti. Esse giro atlântico o levou a uma conclusão: a única saída para as colônias francesas seria a abolição imediata da escravidão. Só assim se evitaria a multiplicação de revoltas escravas e, especialmente, a repetição do episódio de São Domingos (o velho "fantasma do Haiti"). O título do livro que publicou logo ao regressar, em 1843, foi como uma palavra de ordem: Colonies françaises: abolition immédiate (Colônias francesas: abolição imediata).

Se o Senegal podia ser considerado nesses debates abolicionistas como uma questão menor, como afirmava Martin Klein, os principais interessados nesse processo - notadamente homens e mulheres escravizados e também antigos cativos - não só estavam conectados às discussões sobre diferentes processos de libertação, como reelaboravam alguns de seus pontos centrais e também construíam seus próprios significados. Assim, quando realinhamos as declarações de N’Diaye-Anne, Conkal, Tramboye, Cledov, Amon Shala e outros tantos escravizados e libertos, conseguimos perceber outras percepções e identificações. Ao longo de toda a enquete, observamos, nos depoimentos dos laptots, o uso das expressões noir (negro), race noir ("raça negra") ou ma couleur ("minha cor") para se referirem a si mesmos ou a outros marinheiros e parceiros de trabalho, fossem escravos, livres ou alforriados. Ao passo que os membros da comissão, negociantes europeus e também alguns "habitantes notáveis", utilizavam, em diferentes momentos, os termos noir, nègres e nègresses como sinônimos. Se as traduções de noir e nègre para o português podem indicar uma mesma palavra, "negro", em francês, as duas designações tinham - e ainda têm - conotações diferenciadas.

Buscando as definições de nègre em dicionários franceses, Sue Peabody assinala que, a partir de meados do século XVIII, quando os escravos na França começaram a passar por um maior escrutínio público, a palavra já era separada em suas duas partes constitutivas: cor (noir) e status (esclave). Em 1750, o dicionário de Prevost a distinguia mais claramente entre seus usos gerais e específicos. Assim, nègre era apontado como o termo derivado do latim Níger, que significava "preto". E este nome era, em geral, conferido a "todas as criaturas humanas que têm a pele negra", mas - em particular - aos "habitantes infelizes de várias partes da África que os europeus compram para o serviço de suas colônias" (Delasse, 1972DELASSE, Simone; VALENSI, Lucette. Le mot nègre dans les dictionaires français d’ancien régime: histoire et lexicographie. Langue française, n.15, p.79-104, 1972., p.100; Peabody, 1996PEABODY, Sue. There are no slaves in France: the political culture of race and slavery in the Ancien Regime. New York: Oxford University Press, 1996., p.60-61).

Mesmo que a expressão "raça" tenha sido introduzida na França no final do século XV, uma transformação em seu significado só ocorreria ao longo da segunda metade do século XVII, na esteira do desenvolvimento das ciências naturais e da ampliação do conhecimento dos europeus sobre o mundo além da Europa. Entretanto, o início da produção açucareira no Caribe e sua associação com a escravidão dos negros africanos (em geral, saídos de diferentes regiões da Senegâmbia) conferiram a essas ideias uma ideologia racialista. Como consequência, passou-se a legitimar a dominação de um grupo humano sobre outro, tendo como base uma suposta superioridade moral e intelectual (dos brancos), que seria correspondente a distinções físicas e fenotípicas, tidas como "imutáveis" e necessariamente transmissíveis a seus descendentes. Das colônias, essas concepções seriam propagadas para o seio da elite francesa (Boulle, 2002BOULLE, Pierre-Henri. La construction du concept de race dans la France d’Ancien Régime. Outre-mer, vol. 89, n.336-337, p.155-175, 2002., p.158).

De fato, ao inventariarmos os léxicos raciais enunciados na investigação realizada no Senegal em 1844, notamos como os membros da comissão e, especialmente, os negociantes europeus, traçaram uma relação direta entre nègres (que podiam ser também noirs), escravidão africana e comportamentos tidos como reprováveis, como a "preguiça natural", a "vagabundagem" e a "libertinagem". Contrapondo-se a essa classificação depreciativa, muitos laptots - e também os "negros livres" ou "cativos" de outras profissões - consideravam importante reafirmar sua "cor", sua "raça negra", numa espécie de racialização da liberdade. Ainda que essa positivação passasse por uma certa ideologia do trabalho, ao ressaltarem suas capacidades para realizá-lo de forma conscienciosa, acabaram por restituir mais uma vez sua liberdade como seres humanos.

  • 1
    Este artigo apresenta resultados parciais de um de projeto de pesquisa mais amplo, sob o título Entre signares e nharas: gênero, escravidão e liberdade na Senegâmbia (séculos XVIII e XIX), desenvolvido no âmbito do estágio pós- doutoral em História da África no Centro de História da Universidade de Lisboa, no período de março de 2018 a março de 2019, com uma bolsa de Pós-doutorado no Exterior (PDE) do CNPq. As pesquisas foram realizadas em arquivos e instituições do Senegal, da França e de Lisboa. Atualmente, prossigo com as investigações nos acervos e arquivos do Senegal, como investigadora integrada ao projeto SLAFNET - Escravatura em África: um diálogo entre Europa e África, vinculada ao Centro de História da Universidade de Lisboa e à Universidade Cheikh Anta Diop, em Dakar, com financiamento do MSCA-RISE - Marie Skłodowska-Curie Research and Innovation Staff Exchange (RISE).
  • 2
    Archives Nationales d’Outre-mer (doravante ANOM), Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties. Apesar da riqueza de detalhes, esse inquérito continua praticamente inexplorado pela historiografia dedicada à escravidão e à abolição no Senegal. Entre os trabalhos que o mencionam e analisam algumas de suas partes, podemos apontar os trabalhos de Roger Pasquier (1967PASQUIER, Roger. À propos de l’émancipation des esclaves au Sénégal en 1848. Revue Française d’Histoire d’Outre-mer, vol. 54, n.194-197, p.188-208, 1967.; 1987)PASQUIER, Roger. Le Sénégal au milleu du XIXe siècle: La crise économique et sociale. Thèse (Doctorat des Lettres) - Université Paris Sorbonne (Paris IV). Paris, 1987., M’Baye Guye (1998)GUEYE, M’Baye. Des affranchissements définitifs à l’émancipation de 1848. In: Les abolitions de l’esclavage: de L. F. Sonthonax à V. Schoelder 1793, 1794, 1848. Actes du colloque international tenu à l’Université de Paris VIII, les 3,4,5 février 1994. Paris: UNESCO/Presses Universitaires de Vicennes, 1998. p.358-370. e Ghislaine Lydon (1997)LYDON, Ghislaine. Les péripéties d’une institution financière: la Banque du Sénégal, 1844-1901. In: BECKER, Charles; MBAYE, Saliou; THIOUB, Ibrahima (eds.). AOF: réalités et héritages: sociétés ouest-africaines et ordre colonial, 1895-1960. Dakar: Direction des Archives Nationales du Sénégal, 1997. p.475-91..
  • 3
    No censo realizado em 1845, por exemplo, dos 9.849 escravos registrados no Senegal, 6.008 viviam em Saint-Louis e 3.735, em Gorée, cf. BECKER; SCHMITZ; CHASTANET, 1983BECKER, Charles; SCHMITZ, Jean; CHASTANET, Monique. Les premiers recensements au Sénégal. Dakar: ORSTOM, 1983..
  • 4
    Cf. CANELLAS, 2017CANELLAS, Letícia Gregório. Escravidão e liberdade no Caribe francês: A alforria na Martinica sob uma perspectiva de gênero, raça e classe (1830-1848) . Tese (Doutorado em História) - Unicamp. Campinas, 2017.; GATINE, Adolphe. L’abolition de l’esclavage à la Guadaloupe (1848): quatre mois de gouvernement dans cette colonies. Paris: Karthala, 2012; GATINE, Adolphe. Nombreuses libérations au cours de l’année judiciaire 1844-1845: Guadeloupe, Martinique, Guyane, Sénégal. Plaidoiries, mémoires et arrêts de cassation. Paris: Ph. Cordier, ago. 1845.
  • 5
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 6
    Relatório do Select Committee on the Extinction of Slavery throughout the Bristish Dominions, Parliamentary Papers, 1831-1832, 20: 721. Apud COOPER; HOLT; SCOTT, 2005COOPER, Frederick; HOLT, Thomas C.; SCOTT, Rebecca J. Além da escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p.68-69. Beatriz Mamigonian, em seu livro Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil, também examina um desses inquéritos produzidos pela Grã-Bretanha na década de 1820, para averiguar as condições dos africanos postos sob regime de aprendizado com base na legislação que proibia o tráfico nas colônias do Caribe (MAMIGONIAN, 2017MAMIGONIAN, Beatriz. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017., p.165-181).
  • 7
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 8
    As 362 pessoas entrevistadas em Saint-Louis e Gorée podem ser assim divididas, de acordo com as categorias (chamadas de "raça" e "classe") registradas no próprio documento: Negociantes europeus: 39; Negros livres (Noirs libres): 166; negros cativos (noirs captifs): 52; Negras livres (Nègresses libres): 7; Negros recém-libertos (Nègres nouvellement affranchis): 16; Cativas (captives): 16; Signares (Dames indigènes): 49; Habitantes Notáveis (em geral, "mestiços"): 23. Neste artigo, me concentrarei nas entrevistas realizadas em Saint-Louis, onde todos os laptots foram ouvidos. Vale ressaltar que as inquirições realizadas em Gorée foram breves, sem qualquer entrevista que contemplasse as 31 perguntas elaboradas pela comissão. Em verdade, praticamente todos os grupos contatados ali - independente da condição social - seguiram o mesmo comportamento: um primeiro depoimento básico que, consecutivamente, foi afiançado pelos demais. E com uma frase direta: "mesma resposta". Eventualmente, quem queria acrescentar, ou até contestar, alguma informação, acabava se manifestando. ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relativas à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 9
    ANOM Sénégal IX 4, Lettre du 20 jan. 1844 au ministre, n. 24.
  • 10
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 11
    AJAYI, J. F. Ade. Samuel Ayadi Crowther of Oyo. In: CURTIN, Philip (ed.). Africa Remebered. Madison: University of Wisconsin Press, 1967, p.289-316.
  • 12
    BOILAT, David. Esquisses sénégalais, Physionomie du pays, peuplades, commerce, religions, passé et avenir, récits et légends. Paris: Bertrand, 1853.
  • 13
    A expressão "país de Galam", utilizada pelos europeus, não corresponde a mesma extensão geográfica entre os autores. Para Carrère, Galam se refere a duas grandes províncias, Guidiaga e Kassô, já o abade Boilat incluiu apenas a primeira. Essa é também a definição dada pelo tenente Flize e, segundo Roger Pasquier, parece ser a mais aceita. FLIZE, L. Le Gadiaga, Moniteur du Sénégal, n. 42, 15 jan. 1857. Cf. CHASTANET, 1976CHASTANET, Monique, L’état du Gadiaga de 1818-1858 face à l’expansion commerciale française au Sénégal. Mémoire de maîtrise (Maîtrise em Histoire) - Université Paris l. Paris 1976., p.303; PASQUIER, 1987PASQUIER, Roger. Le Sénégal au milleu du XIXe siècle: La crise économique et sociale. Thèse (Doctorat des Lettres) - Université Paris Sorbonne (Paris IV). Paris, 1987., p.94.
  • 14
    RAFFANEL, A. Nouveau voyage dans le pays des negres suivi d’etudes sur la colonie du Senegal…Tome 2. Paris: Imprimerie et Librairie Centrale des Chemins de Fer, 1856, p.179.
  • 15
    Os termos que constam no documento são: maïtres de cabotage, patron de pirogues e marins.
  • 16
    Archives Nationales du Sénégal (ANS), 03, Navigation et Marine, 1819-39, Piece 8. Como uma pesquisa ainda em fase de processamento, a ideia é, mais adiante, estabelecer uma análise comparada dos dados sobre essa composição da força de trabalho empregada no comércio marítimo e fluvial, abarcando todos os anos em que foram realizadas pesquisas em Saint-Louis e Gorée, e cujos resultados constam de documentos diversos no referido códice.
  • 17
    ANS, Arrêté administratif, Saint-Louis, le 11 mai 1843, qui divise les laptots en deux Classes. Bulletin Administratif, 1840 -1848, Saint-Louis du Sénégal.
  • 18
    RAFFANEL, A. Nouveau voyage dans le pays des negres suivi d’etudes sur la colonie du Senegal… Tome 2. Paris: Imprimerie et Librairie Centrale des Chemins de Fer, 1856, p.179.
  • 19
    Cf. ANS, Z, 25 out. 1806, "Engagement Loring-Senegal (...) Catherine Wilcook, habitant du Sénégal, m’a donné en qualité d’interprète de langue Yoloffe, son nègre appellé Sénégal (...) puis pour Lisbonne, d’oú Sénégal serait renvoyé au Sénégal"; Archives Nationales d’Outre-mer (ANOM), Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relativas à l’abolition de l’ésclavage, 1844.
  • 20
    BOILAT, David. Esquisses sénégalais, Physionomie du pays, peuplades, commerce, religions, passé et avenir, récits et légends. Paris: Bertrand, Libraire-Éditeur, 1853.
  • 21
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relativas à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 22
    Principal moeda de troca no trato da goma, as chamadas peças de guiné (guinées, em francês) eram tecidos de algodão, originários da costa de Cormandel, no leste da Índia, que eram usados como vestuário por um número considerável de populações, desde o continente asiático, a exemplo de Sumatra, Java ou Filipinas, passando pelas costas leste e oeste da África, incluindo a ilha de Saint-Louis no Senegal, até as Américas, no Brasil, México e nos Estados Unidos. Ao longo do rio Senegal, eram muito apreciados pelos mouros, e sua cotação acompanhava as flutuações do próprio comércio da goma. Uma das principais razões da crise econômica que se abateu sobre o Senegal entre fins da década de 1830 e meados dos anos 1840 foi justamente as relações entre a oferta-demanda das guinés no trato da goma. Para alguns registros sobre o tema, ver essas publicações elaboradas na década de 1840 (uma delas de autoria de Boeut-Willaumez, o já mencionado governador que propôs a realização do inquérito de 1844): Commerce des toiles bleus dites guinées. De l’industrie française de Pondichéry et de la métropole. Dans ses rapports avec le Sénégal, l´ile de Bourbon et l’étranger. Observations de J.-P. Duchon-Doris Junior, de Bordeaux. Paris: Imprimerie de Wittershem, 1842-1843, p.3-4 ss; BOUËT-WILLAUMEZ, E. Commerce et traite des noirs aux cotes occidentales d’Afrique. Paris: Imprimerie Nationale, 1848, p.6-10.
  • 23
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 24
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 25
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 26
    ANOM, Projets d’Ordenances concernant le pécule des esclaves, le rachat forcé; avis de conseils coloniaux, 1836. Diferente das colônias de Guadalupe e da Martinica, os assentamentos coloniais franceses na África ocidental eram governados por decretos do rei, as chamadas ordenanças reais.
  • 27
    ANOM, Projets d’Ordenances concernant le pécule des esclaves, le rachat forcé; avis de conseils coloniaux, 1836.
  • 28
    Para o século XIX, venho coligindo esses registros, que se encontram dispersos pelas dezenas de volumes de atos notariais de Gorée e Saint-Louis, que se iniciam nas primeiras décadas do oitocentos. Há algumas lacunas nessas séries conservadas nos Archives du Sénégal e também nos Archives Nationales d’outre-mer, em Aix-en-Provence, na França, sobretudo por conta do período em que o Senegal esteve sob domínio da Grã-Bretanha. Assim, os arquivos do período inglês estendem-se por dois interlúdios: de 1763 a 1779, depois de 1809 a 1815. Muitos dos documentos desses intervalos de tempo foram transferidos para Londres.
  • 29
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relativas à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 30
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.
  • 31
    ANOM, Senegal XIV, 13, Commission de enquête - Questions relatives à l’abolition de l’ésclavage, 1844, 5 parties.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2020
  • Revisado
    10 Abr 2020
  • Aceito
    20 Abr 2020
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