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Editorial Sobre dossiês

Editorial About Special Issues

Mas nós não podemos fazer tudo de uma vez; é uma sequência. Um processo desdobrado. Nós podemos somente controlar o fim fazendo uma escolha a cada passo.1 1 Trad. livre da autora: “But we cannot do it all at once; it is a sequence. An unfolding process. We can only control the end by making a choice at each step.” (DICK, 2011DICK, Philip K. The Man in the High Castle. Boston; New York: Mariner Books, 2011., p. 260)

Dossiês apresentam facetas múltiplas: ponto de convergência de trabalhos afins, celebração de efemérides, tributo a pesquisadores, tranquilidade ou pesadelo para editores. Para os autores e organizadores, o dossiê sinaliza um espaço de diálogo e construção plural do conhecimento, sobretudo na preparação que antecede a submissão dos artigos e permite que seus organizadores forneçam uma identidade própria ao volume. Para os leitores, o dossiê representa uma reunião de pesquisas em tema de interesse que, estima-se, traga a atualidade da produção na área e forneça pistas sobre caminhos de pesquisa a seguir. Entre organizadores, autores, pareceristas e leitores, o editor exerce um papel de mediador, já salientado por Caldeira (2018, p. 684), que aponta essa figura como “um ponto de convergência e também de tensão”. Sem perder de vista os interesses específicos de cada dossiê, ao editor cabe atentar aos interesses mais amplos da publicação e seu público leitor, maiores do que a soma das individualidades que formam uma edição especial. Sobretudo, cabe-lhe zelar pelas boas práticas acadêmicas que constroem a reputação de um periódico e sua classificação. Nesse sentido, um dossiê requer cuidados redobrados, na medida em que, a partir de uma proposta fechada, as expectativas dos autores reunidos é, compreensivelmente, pela aceitação de seus textos - aceitação que, não raro, é confundida com a aceitação de si mesmo.

Entre a proposta de um dossiê e sua publicação, as diferentes etapas do processo editorial aplicáveis aos artigos livres se repetem: uma varredura que garanta um texto sem plágio ou autoplágio; uma avaliação duplo-cego que privilegie a leitura de especialistas na temática, permitindo que o dossiê transcenda a reunião de trabalhos de um mesmo grupo que se lê e aplaude os seus repetidamente; uma revisão rigorosa do texto pelo conselho editorial, que não está sujeito ao renome deste ou daquele autor, mas aos interesses da revista; a revisão por autores e autoras, seja ela minor ou major, quando solicitado.

O momento da revisão, uma experiência que, sabemos, algumas vezes apresenta frustrações e desencontros, tem o propósito primordial de melhorar o texto, e frequentemente atende a esse objetivo com a indicação de leituras e discussões que passaram despercebidas pelos autores. Todo texto revisto, em alguma instância é um texto melhorado. Pelo crivo dos pareceristas anônimos passam todos os artigos submetidos a uma revista de alto extrato, que não deve privilegiar determinados manuscritos unicamente por se apresentarem dentro de um dossiê. Por mais lisonjeira que a participação de determinado autor possa ser, a avaliação em Varia Historia tem focado naquilo que é seu objetivo: levar textos de qualidade a seus leitores, textos que dialoguem com a historio­grafia estabelecida, sejam originais e inovadores. Uma avaliação às cegas permanece, assim, no cerne da avaliação de todo e qualquer artigo que venha a ser publicado, e um dossiê de sucesso deve conjugar autores que acatem as normas da revista e que estejam dispostos a ser avaliados. Naturalmente, a devida reflexão sobre o sentido de auto-­importância tão presente na academia faz parte desse processo.

Dossiês também têm o potencial de contribuir para a internacionalização dos periódicos. Mas até que ponto esse potencial se traduz atualmente na circulação no exterior, fator essencial já apontado por Horta (2016, p. 9), e não apenas na muito bem-vinda assinatura de pesquisadores estrangeiros nos artigos publicados? As métricas objetivas que nos impelem à internacionalização também ditam a transparência empregada no processo de submissão e avaliação dos textos, características incontornáveis para os indexadores, às quais se acrescenta uma declaração de boas práticas acadêmicas ou código ético2 2 Ver, nesse sentido: <http://www.variahistoria.org/cdigo-tico>. Acesso em: 05 set. 2021. . Para que um bom artigo seja um artigo lido, os dossiês demandam o triplo esforço de autores, organizadores e editores para que a revista mantenha seu padrão de qualidade e sua visibilidade, no Brasil e no exterior, pois os indexadores dizem respeito não apenas à qualidade, mas também ao alcance. Ao circular por novas paragens, os dossiês têm o potencial de se tornarem vitrines do periódico, ao mesmo tempo em que ele é sua razão de existir. Essa parceria deve, portanto, ser conduzida de forma respeitosa e transparente.

Ao longo dos últimos dois anos, após ter sido adotado um sistema de escolha de dossiês a partir de edital, Varia Historia procurou eliminar os últimos traços de endogenia ainda presentes na revista e democratizar o processo de submissão de propostas. Os dossiês se tornaram presentes regularmente em duas das três edições anuais do periódico, com a atuação de pesquisadores os mais diversos possíveis. Selecionados a partir de escrutínio da equipe editorial que analisa a coe­rência da proposta, os autores incluídos (o que não implica que textos avulsos não possam ser submetidos) e o reconhecimento acadêmico dos proponentes, os dossiês têm agregado temáticas e experiências plurais. Trata-se de um sistema em aperfeiçoamento, que ofereceu, em alguns casos, parcerias reais e diálogos profícuos entre a equipe editorial, organizadores, autores e avaliadores. Ao final deste período de avaliação, resta-nos concluir que não há uma fórmula ideal para um dossiê em uma revista de alto extrato: sejam frutos de endogenia, de ação de organizadores convidados ou democratizados, edições especiais são formadas por pesquisadores que estão preocupados com suas próprias redes de relacionamentos e publicações, não com o periódico. A transparência do processo editorial é o meio de campo em que as vontades podem se encontrar, permitindo que artigos sejam publicados mais pela qualidade, do que pela filiação de seus autores; mais pela originalidade, do que pelo vínculo entre autor e organizador. Mas essa transparência só funciona quando todos os envolvidos jogam o mesmo jogo.

Neste meu último editorial à frente da Varia Historia, findando um período que começou poucos meses antes do início de uma pandemia e termina com ela ainda atravessando o país e arrastando consigo centenas de milhares de mortos, graças a uma política negacionista e fragorosamente indiferente ao valor da vida humana, agradeço a confiança que me foi depositada pelos colegas do departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais. Agradeço também aos autores e pareceristas que construíram os últimos números da revista e que possibilitaram trocas que me acompanharão pela minha trajetória. Assumir a editoria-chefe de um periódico da magnitude da Varia Historia, em um contexto marcado por crises financeiras e reformulação da equipe, acarreta em um crescimento pessoal e acadêmico, clichés à parte. Agradeço à equipe da revista que se desdobra cotidianamente na varredura dos artigos, padronização daqueles que são aceitos e difusão das publicações nas mídias sociais. Nathálya Ferreira, Kelly Appelt, Lívia Roberge, Gabrielle Noacco, Ygor Gabriel e Paula Pacheco, vocês são parte essencial da revista. O conselho editorial, sempre prestativo e atento às necessidades de avaliação contínua, especialmente nas figuras de Ana Paula Sampaio Caldeira e Anny Jackeline Torres Silveira, fornece uma base insuperável de apoio. Com ambas fica minha maior dívida. À Mariana Silveira, futura editora-chefe da revista no biênio 2022-2023, meus melhores votos para que os anos vindouros sejam de resiliência.

O número 75 de Varia Historia é composto pelo dossiê “Oceanos como espaços de conhecimento”, organizado por Maria Margaret Lopes, artigos livres e resenhas. Abrindo a seção de artigos livres, Antonio Cesar de Almeida Santos investiga as múltiplas dimensões do decoro no vocabulário político do século XVIII e a destacada influência de Cícero. Pablo Magalhães apresenta sua descoberta de uma tradução inédita de Voltaire feita por José de Santa Rita Durão e submetida à Real Mesa Censória em 1783. Ainda nos domínios portugueses, Hugo Pereira reflete sobre a construção da paisagem do Moçambique colonizado pelas lentes do fotógrafo Romão Pereira. Retomando o tema do oceano que abre este número, Daniel Faria relaciona as experiências de três autores com o mar - mar que é trânsito, ameaça e evasão -, e o extravasamento poético. Ainda pelos caminhos literários, Cleber Vinicius do Amaral Felipe analisa experiências marítimas relacionadas ao topos “depois da tempestade, a calmaria” em Primo Levi e em autores que atravessam sua obra. Nossa seção de resenhas fecha o número com análises de livro de Francis Manzoni, por Philippe Alvaro dos Reis, e de obra editada por Andrea Andujar e Ernesto Bohoslavsky, por Ivia Minelli. Varia Historia é uma revista de acesso aberto e gratuito, para seus autores e leitores.

Referências bibliográficas

  • CALDEIRA, Ana Paula Sampaio. Editorial. O editor como mediador. Varia Historia, vol. 35, n. 69, p. 683-687, set.-dez. 2019
  • DICK, Philip K. The Man in the High Castle. Boston; New York: Mariner Books, 2011.
  • DUARTE, Regina Horta. Editorial. Internacional: “To be or not to be?”. Varia Historia, vol. 32, n. 58, p. 9-12, jan.-abr. 2016.
  • 1
    Trad. livre da autora: “But we cannot do it all at once; it is a sequence. An unfolding process. We can only control the end by making a choice at each step.”
  • 2
    Ver, nesse sentido: <http://www.variahistoria.org/cdigo-tico>. Acesso em: 05 set. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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