Acessibilidade / Reportar erro

O Apocalipse da natureza de Walking Stewart (1747-1822): Um excêntrico no Iluminismo?

“Walking” Stewart and the Apocalypse of Nature (1747-1822): An Eccentric in the Enlightenment?

Resumo

Este artigo versa sobre o viajante e pensador londrino John Walking Stewart (1747-1822), figura pouco estudada entre os historiadores. Quase todos os registros encontrados sobre o andarilho consideram-no, tanto em sua época como na posteridade, um “excêntrico”. De acordo com Benjamin Rush, o próprio autor teria dito que, “enquanto o centro da conduta ordinária for o erro”, ele estaria em “estado de excentricidade para sempre”. Seus textos são permeados por temas como o vitalismo, o espinosismo e o fascínio pela Índia, o que levou os historiadores a o qualificarem como um antecessor do “vegetarianismo romântico”, do “pós-estruturalismo”, do “socialismo owenita” e do “pós-humanismo”. Apoiado na escassa historiografia sobre o assunto, nos escritos do autor (em especial, Apocalypse of Nature e The Revelation of Nature) e nas diversas fontes primárias a que tivemos acesso (principalmente seu obituário, os textos de seu amigo De Quincey e de seu parente Brande), este artigo propõe-se a compreender e superar o paradigma da excentricidade na interpretação da vida e obra de Stewart, auxiliando no entendimento tanto do autor em seu próprio tempo, quanto da própria natureza do Iluminismo Tardio. Pretende-se, em resumo, oferecer outros caminhos de compreensão da vida e da obra de Walking Stewart.

Palavras-chave:
Iluminismo Tardio; História Intelectual; Era das Revoluções

Abstract

This article focuses on an author scarcely studied by historians: the traveler and thinker John “Walking” Stewart (1747-1822). Almost all available records (produced during his lifetime or later on) portray him as an “eccentric”. According to Benjamin Rush, the author himself would have said that “as long as the center of ordinary conduct is error”, he would remain in “eccentricity forever”. His texts are permeated by themes such as vitalism, Spinozism and a fascination with India, which led historians to qualify him as a predecessor of “romantic vegetarianism”, “post-structuralism”, “Owenite socialism”, and “Post-humanism”. Based on existing historiography on the subject, texts by the author (in particular, Apocalypse of Nature and The Revelation of Nature), and several primary sources (mainly his obituary and texts by his friend De Quincey and his relative Brande), this article aims to understand and to overcome the paradigm of eccentricity in the interpretation of Stewart’s life and works. This effort will allow us to better understand the importance of the author and the very nature of Late Enlightenment. The key intention is, therefore, to offer alternative ways of understanding the life and the works of “Walking” Stewart.

Keywords:
Late Enlightenment; Intellectual History; Age of Revolutions

Nem todos aqueles que vagueiam estão perdidos (TOLKIEN, 2012TOLKIEN, John Ronald Reuel. The Fellowship of the Ring: Being the First Part of the Lord of the Rings. Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2012., p. 136)1 1 Trad. livre do autor: “Not all those who wander are lost”.

O habitante de Júpiter

No romance de Disraeli, Flim-flams! - Or, The Life and Errors of My Uncle, and The Amours of My Aunt (1805DISRAELI, Isaac. Flim-Flams! or, the Life and Errors of my Uncle, and the Amours of my Aunt. Londres: John Murray, 1805.), John Walking Stewart é concebido como um gentleman cujo caminhar pontual e cujo semblante bronzeado fazem-no parecer um legítimo habitante de Júpiter (CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 658). A representação não era inusual. Ainda em vida, pesou sobre Stewart a imagem de um homem excêntrico, deslocado de seu próprio tempo e espaço. Em 1786, o célebre amigo de Mozart Michael Kelly lembrou-se de um encontro com o “universalmente conhecido andarilho”, descrito como “esquisito”, “bem informado” e entusiasta de uma dieta feita “inteiramente de vegetais” (STUART, 2007STUART, Tristram. The Bloodless Revolution: a Cultural History of Vegetarianism from 1600 to Modern Times. Nova York: WW Norton & Company, 2007., p. 352).

Dessa maneira, o historiador que se debruçar sobre a vida e a obra de John Stewart irá logo deparar-se com um paradigma hegemônico tanto nas referências da época quanto nos escassos2 2 Importante observar que, até o momento, encontrei menos de uma dúzia de estudos específicos a respeito desse autor. Seriam eles: Salt (1891); Bronson (1968); Heisler (2003); Stuart (2007); Grovier (2007); Claeys (2014); Fischer (2015); Jones (2015); Mole (2020). Todos eles, aliás, são artigos ou capítulos de livros, e muitos provêm da área da literatura. Não existe, portanto, um único livro específico dedicado ao andarilho. estudos sobre o autor: trata-se da leitura dos pensamentos e práticas do andarilho a partir da chave da excentricidade.

Seu obituário (John Stewart, Esquire, Better Known by the Name of “Walking Stewart”, de 1823) apresenta-o como um homem generoso, hospitaleiro e verborrágico, conhecedor de oito línguas, que fazia pouco caso do conhecimento acadêmico. O texto conta-nos que ele ganhou “notoriedade” após atravessar a Turquia e a Pérsia a pé, “raramente permitindo a si próprio o uso do cavalo”. Dotado de “ideias peculiares”, Stewart escreveu textos “ininteligíveis”, “compreendidos por poucos” e “aceitos por ninguém”. Todo o texto apresenta-o, assim, como alguém que foi, como homem, sábio e generoso e, como pensador, uma “monstruosidade metafísica”3 3 Trad. livre do autor: “he traversed a great part of Persia and Turkey, chiefly on foot, rarely allowing himself the luxury of a horse”; “peculiar opinions”; “wholly unintelligible”; “could be comprehended by very few; and really approved of by none”; “metaphysical monster”. (THE ANNUAL, 1823THE ANNUAL Biography and Obituary. V. 7. Londres: Longman, 1823., p. 101-109).

O obituário, contudo, não utiliza a palavra “excêntrico”, existente no período e frequentemente utilizada nas fontes para se referir ao autor. De Quincey (citado por CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 642), por exemplo, afirmou sobre o autor que “suas conversas eram menos excêntricas do que seus escritos”. Mas qual a acepção da palavra “excêntrico” na passagem do século XVIII para o século XIX? Algumas pistas podem ser encontradas nas menções feitas pelo médico e revolucionário da Filadélfia Benjamin Rush, que conviveu com o andarilho na Pensilvânia em outubro de 1791. Em suas anotações, Rush contou que havia chamado Stewart de excêntrico e obteve a seguinte resposta: “enquanto o centro da conduta cotidiana for o Erro, eu pretendo viver em estado de excentricidade para sempre”.4 4 Trad. livre do autor: “while the centre of ordinary conduct was Error, he wished to be in a state of eccentricity from it for ever”. Rush também fez apontamentos sobre o discurso de Stewart não ser “inteligível” e se mostrou desapontado com seu materialismo (citado por FISCHER, 2015FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.).

Na passagem acima, é notável como Stewart remete ao sentido matemático-astronômico original da palavra excêntrico (literalmente, algo descentralizado, como um planeta fora de órbita) para usá-la no sentido ético-político (a ideia de um homem e um pensamento inusuais). Ocorre que, no final do século XVIII e no início do século XIX, a palavra excêntrico (de maneira análoga à palavra revolução) parece mover-se de seu sentido original da astronomia e da matemática para o sentido ético-político de singularidade, irregularidade, particularidade e desvio (o que nos aponta para o tema, bastante debatido, da ascensão da moderna ideia de indivíduo e de suas qualidades psicológicas).

A evolução dos dicionários de Samuel Johnson exemplifica esse movimento: a edição de 1768JOHNSON, Samuel. A Dictionary of the English Language. Dublin: W. G. Jones, 1768. (p. 104) remete apenas ao sentido físico e matemático do termo excêntrico; a edição de 1792JOHNSON, Samuel. A Dictionary of the English Language. Londres: Rivington, Davis, Longman, Law, Dodiley, Dilly, Robinson, Cadell, Robson, Goldsmith, Bew, Murray, Baldwin, Hayes, Wilkie, Stalker, 1792. (p. 108) mantém o significado original, mas acrescenta, sem maiores explicações, duas palavras, “irregular” e “anômalo”; por fim, a edição de 1828 alude à ideia de “particularidade”, “irregularidade”, “desvio de métodos estabelecidos” e “ocorrências cotidianas não comuns” (JOHNSON; WALKER, 1828JOHNSON, Samuel; WALKER, John. A Dictionary of the English Language. Londres: George Cowie and Co. Poultry, 1828., p. 236).

Na língua francesa, o fenômeno é semelhante: o Dictionnaire universel de 1690 apresenta as palavras excêntrico e excentricidade como puramente astronômicas e matemáticas (FURETIÈRE, 1690FURETIÈRE, Antoine. Dictionnaire universel, contenant généralement tous les mots français tant vieux que modernes et les termes de toutes les sciences et des arts. T. I. Haia; Roterdã: Arnout & Reinier Leers, 1690., p. 808), significado mantido, por exemplo, no Manuel Lexique, de 1788MANUEL lexique, ou dictionnaire portatif des mots françois, dont la signification n’est pas familière à tout le monde. T. I. Paris: Les Libraires Associés; Liège: Jean-Jacques Tutot, 1788. (p. 412). Contudo, o Dictionnaire universel de la langue française, de 1828, já admite o uso da expressão “homem excêntrico” para remeter a alguém fora de um padrão de normalidade (BOISTE, 1828BOISTE, Pierre-Claude-Victor. Dictionnaire universel de la langue française, avec latin et les étymologies, extrait comparatif, concordance et supplément de tous ses dictionnaires. Manuel encyclopédique et de grammaire, d’orthographe, de vieux langage, de néologie. T. I. Bruxelas: Fréchet, 1828., p. 649).

Mas, além do obituário, Thomas de Quincey também publicou um texto sobre o autor recém-falecido em The London Magazine.De Quincey (1823DE QUINCEY, Thomas. Walking Stewart. The London Magazine, v. VIII, p. 253-260, Jul./Dec. 1823., p. 253) afirmou ter conhecido Stewart em 1807 e convivido com ele até 1812: Stewart “não era louco; mas, se era, eu diria que a loucura é algo desejável”. De Quincey apresenta o velho andarilho como um agradável contador de histórias de viagem, sempre a caminhar por Londres. Sua presença era tão marcante que parecia existirem “três Walking Stewarts na cidade”5 5 Trad. livre do autor: “three Walking Stewarts in London”. (p. 255). De Quincey disse que textos do autor eram dotados de um “rude e impreciso espinosismo”6 6 Trad. livre do autor: “he held a sort of rude and unscientific Spinosism”. (p. 256), como se ele quisesse “metafisicalizar contra a metafísica”7 7 Trad. livre do autor: “he was everlastingly metaphysicing against metaphysics”. (p. 254). O pensador, segundo De Quincey tinha uma “enorme estima de si próprio”8 8 Trad. livre do autor: “magnificent self-estimation”. (p. 257), declarando-se frequentemente - como está na capa de alguns de seus livros - “o único homem da natureza que jamais apareceu no mundo”9 9 Trad. livre do autor: “the only man of nature that ever appeared in the world”. (p. 257) Ele também assegurou que Stewart acreditava que seria compreendido apenas no futuro e chegou a sugerir que seus livros fossem enterrados para que não fossem queimados. Nesse sentido, a excentricidade ou a loucura do autor, no texto de De Quincey, opera por uma combinação de autoestima exacerbada, complexo de perseguição e ideias singulares, mas sempre associadas com o espírito generoso e inteligente: “Sua mente era o espelho do universo sensciente”10 10 Trad. livre do autor: “His mind was a mirror of the sentient universe”. (p. 259). Uma pessoa agradável, portanto, mas cujas ideias não deveriam ser levadas a sério: “ele era um homem de gênio, mas não de talento”11 11 Trad. livre do autor: “he was a man of genius, but not a man of talents”. (p. 260).

Outras pistas podem ser encontradas no livro de John Timbs, English Eccentrics and Eccentricities, de 1866. O texto apresenta uma longa galeria de excêntricos ingleses “modernos” (isto é, desde o século XV) e de suas biografias. Na apresentação, ele esclarece que seu livro, “verdadeiro e divertido”12 12 Trad. livre do autor: “truthful as well as entertaining”. (TIMBS, 1866TIMBS, John. English Eccentrics and Eccentricities. Londres: Chatto and Windus, 1866., p. IV), pretende oferecer risadas e lições sobre frugalidade, tendo como novidade o fato de ele apresentar excêntricos modernos. Repetidas vezes, Timbs reafirma o quão monótona seria a vida sem um grão de loucura. Por fim, ele também afirma que seu objetivo é mostrar como a “estranheza de caráter pode coexistir com a bondade do coração”13 13 Trad. livre do autor: “with oddity of character may co-exist much goodness of heart”. (TIMBS, 1866TIMBS, John. English Eccentrics and Eccentricities. Londres: Chatto and Windus, 1866., p. III).

O texto dedicado a Walking Stewart encontra-se no segundo volume. O capítulo se inicia evocando sua figura nos anos finais de vida: “quem não se lembra de Walking Stewart, sentado e apoiado em sua bengala, como se ele nunca tivesse caminhado em sua vida?”14 14 Trad. livre do autor: “who does not thus remember Walking Stewart, sitting, and leaning on his stick, as though he had never walked in his life” (grifos no original). (TIMBS, 1875TIMBS, John. English Eccentrics and Eccentricities. Londres: Chatto and Windus, 1875., p. 300). Em seguida, o autor remete ao panfleto de 1822 de autoria de William Thomas Brande, químico do Royal Institution de Londres e parente do autor, The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including his Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Timbs, então, reproduz as viagens de Stewart tal como descritas pelo panfleto, feitas a pé e atravessando a Índia, a Pérsia e a Turquia. No texto, Stewart é, portanto, apresentado como um idoso bastante conhecido na cidade, que escondia um passado repleto de aventuras, sendo essa a sua marca de excentricidade. Ao contrário do que ocorre em seu obituário, suas ideias não são apresentadas como marcas excêntricas (TIMBS, 1875TIMBS, John. English Eccentrics and Eccentricities. Londres: Chatto and Windus, 1875., p. 300-304).

Cabe, então, recorrer ao panfleto de Brande de 1822, cuja narrativa sobre Stewart, escrita logo após sua morte, permanece como a principal fonte sobre as aventuras do andarilho. O panfleto assim se inicia: “Quando um homem de gênio, notável talento ou conhecido por sua excentricidade, deixa este mundo para sempre, a mente do público imediatamente quer tomar conhecimento de seus costumes privados”, dado que é um homem “conhecido por cada habitante desta metrópole”15 15 Trad. livre do autor: “When a man of genius, remarkable for talent or noted for eccentricity, leaves this world for ever and ever, the public mind immediately hankers after a knowledge of his private manners (…) Every inhabitant of this metropolis is no doubt familiar with Mr. [Stewart]”. (BRANDE, 1822BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., p. 3). O autor afirma também que as histórias das viagens do andarilho eram desconhecidas do público e que ele, como seu parente, havia recolhido alguns detalhes.

O autor arroga para si a autoridade de verdadeiro biógrafo: “posso assegurar, de consciência segura, que ninguém a não ser eu possuía a confiança do Sr. Stewart, e qualquer publicação futura será uma falsificação”16 16 Trad. livre do autor: “I can assert with a safe conscience, no on possessed Mr. Stewart’s confidence but myself, any future publication of his life, in whatever shape it may appear, I pronounce a forgery upon the public”. (BRANDE, 1822BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., p. 15). No panfleto, as ideias de Stewart são relacionadas a dois pensadores: Mirabeau, em primeiro lugar, e Bolingbroke, em segundo. O terceiro autor citado no texto, Alexander Pope, é apresentado como seu poeta preferido, cujo verso do Essay on Man seria sempre repetido pelo andarilho: “Toda matéria e movimento, se corretamente entendidos, correspondem ao interesse próprio e ao bem universal”17 17 Trad. livre do autor: “All matter, motion, rightly understood, Proves true self-interest, universal good”. (citado por BRANDE, 1822BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., p. 14). Mais uma vez, o autor é apresentado como um homem generoso, forte e belo, conhecido em Londres e portador de um passado oculto, marcado por grandes viagens pelo mundo, todas a pé. Sua trajetória, mais do que seu pensamento, é apresentada como marca de sua excentricidade.

Como argumento em favor da veracidade de sua biografia, Brande afirma que a renda proveniente da venda seria destinada à caridade e que seu bookseller, Wheatley, voluntariamente se dispôs a comercializar esse panfleto sem obter lucros. Curiosamente, após o elogio de Wheatley, ele critica os Edinburgh Reviewers, os quais confundem a própria profissão com a dos “açougueiros, a de cortar”18 18 Trad. livre do autor: “butcher-like, to cut up”. (BRANDE, 1822BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., p. 15). A prática de vender panfletos a preço de custo como maneira de reforçar a sinceridade de suas ideias e buscar demonstrar “desprendimento” era prática corrente de muitos pensadores do período, como foi o caso de um amigo de Stewart, Thomas Paine, que dispensava toda forma de remuneração pela venda de seus escritos (DAVIDSON; SCHEICK, 1994DAVIDSON, Edward H.; SCHEICK, William J.. Paine, Scripture, and Authority. The Age of Reason as Religious and Political Idea. Bethlehem: Lehigh University Press, 1994., p. 108-116). De qualquer forma, cabe ressaltar que o autor do panfleto, como as passagens finais sobre Byron (BRANDE, 1822BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., p. 16) revelam, estava envolvido nos circuitos dos autores e do mercado livreiro de seu período. Esses dados sobre o panfleto de Brande - até então nunca explicitados por nenhum dos estudiosos de Stewart, que apenas reproduzem, como verdadeira, a narrativa de Brande - podem-nos indicar alguns problemas, que veremos adiante.

Historiografia e idiossincrasia

O uso do paradigma da “excentricidade”, legado pelas fontes e pelo próprio autor, é curiosamente mantido como princípio explicativo pela historiografia. Bronson (1968BRONSON, Bertrand Harris. Facets of the Enlightenment: Studies in English Literature and its Contexts. Berkeley: University of California Press, 1968., p. 288-290), em um estudo pioneiro, retratou Stewart como “livre de influências literárias”,19 19 Trad. livre do autor: “free from literary influences”. fazendo questão de dar razão a De Quincey no que diz respeito à excentricidade de seus escritos. Embora Bronson tenha buscado pensar o autor dentro do quadro do Iluminismo, ele mencionou Voltaire, Hume e os Enciclopedistas, e deixou de lado os pensadores que o viajante de fato conheceu, como Godwin, Paine e Owen.

Alguns chegaram a projetar a suposta excentricidade de Stewart como fator inscrito em sua essência. É o caso de Heisler (2003HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003., p. 16), ao dizer que “sua natureza idiossincrática o tornou disfuncional nos anos escolares”.20 20 Trad. livre do autor: “His idiosyncratic nature took a quite dysfunctional turn in his school years”. O pesquisador afirmou, ainda, que “ele rejeitou a ideo­logia empirista”21 21 Trad. livre do autor: “he rejected the empiricist ideology”. e teria antecipado elementos da dialética de Hegel, do anarquismo e do marxismo (HEISLER, 2003HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003. p. 18). Heisler, na verdade, parece reproduzir a avaliação feita pelo filósofo Henry Salt (1891)SALT, Henry S. Walking Stewart, a Sketch of an Eccentric Pedestrian. Temple Bar, v. 93, s/p, Dec. 1891., citado em seu artigo, que também fala em uma “disposição excêntrica”22 22 Trad. livre do autor: “eccentric disposition”. desde a infância do autor.

Em outro caso modelar de “mitologia da prolepse” (SKINNER, 2017SKINNER, Quentin. Significado e interpretação na História das Ideias. Tempo e Argumento, v. 9, n. 20, p. 358-399, jan./abr. 2017., p. 378), Grovier (2005GROVIER, Kelly. “Shades of the Prison-House”: “Walking” Stewart, Michel Foucault and the Making of Wordsworth’s “Two Consciousnesses”. Studies in Romanticism, v. 44, n. 3, p. 341-366, 2005., p. 346) dedicou um artigo inteiro a aproximar Stewart e Foucault, apresentando o primeiro como tendo “antecipado o pós-estruturalismo”.23 23 Trad. livre do autor: “anticipates fundamental post-structuralist emphases”. O motivo é que Stewart teria invertido a proposição clássica, segundo a qual a alma estaria presa no corpo, e teria mostrado o movimento como a força, ou a alma da matéria.

Claeys (2014)CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014. empenhou-se mais do que qualquer outro historiador em mostrar a relevância de Stewart para a história das ideias na passagem do século XVIII para o século XIX. De seu ponto de vista, Stewart endossava uma forma de radicalismo social utilitarista, que visava a diminuir a dor em todos os seres, ao mesmo tempo em que ele estava situado em uma crucial fase de transição entre um “republicanismo mais utópico da década de 1790” e o comunitarismo de “Robert Owen, do qual o socialismo britânico emergiu a partir da década de 1820”24 24 Trad. Livre do autor: “more utopian republicanism of the 1790s and the communitarianism of (…) Robert Owen, from which British socialism would emerge between 1820 and 1850”. (CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 638). Claeys (2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 638), contudo, utilizou como chave compreensiva a ideia de um pensador importante apesar de suas excentricidades: “suas curiosas excentricidades não devem esconder o papel que ele desempenhou nessa transição [para o socialismo britânico]”.25 25 Trad. livre do autor: “The curious eccentricities for which he has chiefly been remembered, then, should not obscure the interesting and hitherto completely unnoticed theoretical role he played in this transition”. Para reforçar o argumento central de Claeys - qual seja, a importância do pensamento de Stewart - aqui propomos que a ideia de “excentricidade”, se não colocada em perspectiva histórica, pode tornar nebulosa nossa compreensão sobre o período.

Fischer (2015)FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015., estudiosa do pensamento revolucionário norte-americano para além dos “pais fundadores” (founding fathers), pela primeira vez investigou com maior detalhamento o papel de Stewart nos Estados Unidos, revelando, por exemplo, a acentuada presença de seu nome nos jornais na época. Contudo, se a autora sublinhou os lugares em que o autor circulou e os autores que ele de fato conheceu, essa contextualização é meramente biográfica: suas ideias foram apresentadas por ela como “inconvencionais” e “idiossincráticas”, moldadas por “por seu encontro com o hinduísmo na Índia nas décadas de 1760 e 1770”.26 26 Trad. livre do autor: “unconventional”; “idiosyncratic”; “his encounter with Hinduism in India in the 1760s and ’70s”. Tais idiossincrasias do autor levaram-na a caracterizá-lo como um antecessor do “pós-humanismo”.

No artigo mais recente sobre Stewart, publicado em um livro sobre o romantismo, Mole (2020MOLE, Tom. Catching up with Walking Stewart. In: LENNARTZ, Norbert (Ed.). The Lost Romantics. Forgotten Poets, Neglected Works and One-Hit Wonders. Cham: Palgrave Macmillan 2020. p. 111-129., p. 113) reproduz a biografia de Brande e menciona que, para Stewart, o conhecimento e a comparação entre as nações eram maneiras de elas próprias terem consciência de suas especificidades, o que o tornaria um nome importante para o “romantismo global”.27 27 Trad. livre do autor: “global romanticism”. Como se verá, os contatos de Stewart com autores considerados pertencentes ao início do romantismo de fato ocorreram. Contudo, não há motivos que sustentem essa noção de “romantismo global”, dado que, no século XVIII, estavam na ordem do dia as literaturas de viagem, bem como as histórias e comparações de costumes distintos, como se verifica nas consagradas obras de Voltaire, Montesquieu e Gibbon. O autor também afirma que Stewart “evadiu a demanda capitalista burguesa por uma carreira”28 28 Trad. livre do autor: “evading the bourgeois capitalist demand for a career”. (MOLE, 2020MOLE, Tom. Catching up with Walking Stewart. In: LENNARTZ, Norbert (Ed.). The Lost Romantics. Forgotten Poets, Neglected Works and One-Hit Wonders. Cham: Palgrave Macmillan 2020. p. 111-129., p. 118), o que, sem dúvida, é um anacronismo despropositado.

A excentricidade como autorrepresentação?

Quem foi Walking Stewart? Ele nasceu em Londres e seu pai era um escocês que trabalhava como supervisor na produção de tecidos (“e isso é tudo o que se sabe sobre ele”29 29 Trad. livre do autor: “His father was a Scottish linendraper, of whom nothing else is known”. ) (BRONSON, 1968BRONSON, Bertrand Harris. Facets of the Enlightenment: Studies in English Literature and its Contexts. Berkeley: University of California Press, 1968., p. 268). Quando jovem, frustrou a disciplina escolar - a qual, em seus escritos futuros, qualificará como “nonsense” (HEISLER, 2003HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003., p. 16) - e foi reprovado duas vezes em seus internatos.

Em 1763, aos 16 anos, seu pai, auxiliado pelo Lorde Bute, favorito de Jorge III, o enviou para Madras, na Índia, para trabalhar como escritor na Companhia Britânica das Índias. Em seus textos futuros, o autor - assim como Burke, depois dele - denunciou extorsões e torturas ali praticadas em carta à Corte dos Diretores da Companha. Suas denúncias foram ignoradas (BRONSON, 1968BRONSON, Bertrand Harris. Facets of the Enlightenment: Studies in English Literature and its Contexts. Berkeley: University of California Press, 1968., p. 267-268).

Em 1765, deixou a empresa e, vagando pelo território governado pelo anti-britânico de Mysore, Hyder Ali, ele se teria tornado intérprete, comandante militar e, quando ameaçado de morte, ele se teria salvado por meio de um rápido mergulho em um rio. Em seguida, tornou-se secretário e primeiro-ministro de Muhammed Ali Khan Wallajah, e teria viajado, principalmente a pé, pela Índia, pela Turquia e pela Pérsia.

Embora tenha retornado a Londres em 1783, é possível que ele tenha feito outras viagens no período. “Na Inglaterra, tornou-se instantaneamente uma celebridade, com o suporte de Joseph Banks, que o tornou fellow da Royal Society em 1776”30 30 Trad. livre do autor: “In England he became an instant celebrity and, no doubt with the backing of Sir Joseph Banks, was made a fellow of the Royal Society in 1776”. (HEISLER, 2003HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003., p. 16) e, possivelmente, era ele que William Blake satirizava por meio de seu personagem Steelyard the Lawgiver na peça An Island in the Moon.

Em 1791, sua próxima viagem o teria levado ao Canadá e aos Estados Unidos. Nesse período, publicou seu primeiro livro filosófico, The Apocalypse of Nature (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-].), no qual apresentou pela primeira vez princípios que sustentaria pelo resto da vida.31 31 Há uma imprecisão no que diz respeito ao ano de publicação. O livro foi publicado como o segundo volume de Travels Over the Most Interesting Parts of the Globe. O registro na HathiTrust apresenta o ano de 1790 como data de edição, porém de forma aproximada. O catálogo da Library of Congress diz que sua publicação ocorreu no início de 1791, ao passo que o Consortium of Online Public Access Catalogues (COPAC) provisoriamente atribui o ano de 1792. Em 1835, George H. Evans publicou uma edição revisada com o título The Revelation of Nature. Para outras informações sobre a publicação, ver Claeys (2014, p. 650).

Antes de prosseguir em sua biografia, é importante notar que o relato acima fundamenta-se nas seguintes fontes: em primeiro lugar, algumas histórias contadas pelo próprio autor em passagens de seus livros;32 32 Principalmente, em The Scripture of Reason and Nature (STEWART, 1813) e The Tocsin of Britannia (STEWART, 1794a). em segundo lugar, a biografia de Thomas Brande (1822)BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822. (sem dúvida, a principal fonte das histórias na Índia), o obituário de 1823 (THE ANNUAL, 1823THE ANNUAL Biography and Obituary. V. 7. Londres: Longman, 1823.) e o texto de De Quincey (1823)DE QUINCEY, Thomas. Walking Stewart. The London Magazine, v. VIII, p. 253-260, Jul./Dec. 1823.; em terceiro lugar, algumas referências bastante esparsas feitas por testemunhas, por jornais europeus e norte-americanos e por outros autores, como Benjamin Rush, William Godwin e Thomas Paine, as quais, evidentemente, tratam apenas de seu período na Europa e na América do Norte. Isso significa, portanto, que são raras as fontes (e inexistentes os testemunhos) a respeito das “aventuras” de Stewart na Índia. O próprio autor recusava-se a escrever a história sistemática de suas viagens, argumentando que eram “viagens da mente”33 33 Trad. livre do autor: “the travels of the mind”. (BRANDE, 1822BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., p. 12-13).

Por isso, é notório que, até o momento, a historiografia nunca tenha posto em xeque essas histórias, tendo em vista não apenas que elas não apenas contrariam o bom senso, mas também que são semelhantes à literatura de viagem do período (lembrando que, como se viu, Brande, próximo a Byron e inserido nos meios editoriais, dirige-se ao público de Londres logo na abertura do texto). Como evidência de que a desconfiança merece lugar, vale lembrar que Brande (1822)BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., em sua narrativa, reafirma que as histórias de Stewart eram desconhecidas da maioria das pessoas em sua própria época. A única autora que parece ter notado isso foi Nestrovski (2018NESTROVSKI, Sofia Scarinci. O Único lugar, afinal, onde podemos encontrar a felicidade: o mundo e William Wordsworth. 2018. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 94), a qual, em estudo sobre Wordsworth, refere-se rapidamente à “carga romanesca” da biografia de Brande.34 34 Pagden (2015), no quinto capítulo de seu livro La Ilustración: y por qué sigue siendo importante para nosotros, deixa claro como, na “Era das Luzes”, era um lugar-comum a ideia das viagens como fontes de discussões e aprimoramentos filosóficos, e o termo voyage philosophique estava na ordem do dia. O barão de Lahotan, Anquetil-Duperron, Georg Forster e Bougainville (que serviu de fonte para muitas reflexões de Diderot), muito antes de Stewart, já enxergavam as viagens como meio de ampliar o conhecimento sobre o homem e nos livrarmos de nossos preconceitos. A existência de uma ampla literatura de e sobre viagens, bem como a presença de um mercado para tal, impõe-nos dúvidas sobre a reprodução literal que a historiografia sobre Stewart usualmente faz a respeito de suas “aventuras”. A aventura de Robinson Crusoé principia com uma desobediência para com o pai, a qual acarreta uma série de aventuras sempre acompanhadas de uma forte reflexão do autor sobre Deus, a Bíblia e sua própria consciência; o ciclo desobediência- punição-repetição (HUNTER, 1966) culmina em libertação e redenção, inclusive com o enriquecimento a partir das terras no Brasil. No caso de nosso autor, a aventura, tal qual narrada por Brande (1822), inicia também com um mau comportamento (na escola), que culmina em seu envio para a Índia. Após ser enviado para um lugar inóspito e passar por uma série de aventuras e caminhadas, o autor torna-se livre de ambições e portador de uma nova visão sobre o universo, a qual ele se encarrega de transmitir aos demais após sua volta à Inglaterra.

Cabe observar, ainda, que o próprio Stewart reforçava a imagem de sua excentricidade, seja na velhice, como um conhecido narrador de suas histórias, seja em seus textos, com a constante afirmação de ser um homem de pensamentos ímpares. Ele frequentemente chamava a si próprio de “o único homem da natureza que jamais existiu”35 35 Trad. livre do autor: “The only man of nature that ever appeared in the world”. (citado por CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 638), e seu pensamento, de “a mais importante descoberta e instrução já oferecida à natureza humana”36 36 Trad. livre do autor: “most important discovery and instruction, that ever was offered to human nature”. (citado por FISCHER, 2015FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.).

Antoine Lilti (2018)LILTI, Antoine. A Invenção da celebridade (1750-1850). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. mostrou como, no século XVIII, a ideia de “celebridade”, palavra corrente nos textos e discursos de Voltaire e Rousseau, ganhava seus contornos modernos. Os estudos desse historiador demonstraram como, antes da emergência de uma indústria cultural moderna de tipo capitalista, já estavam presentes os mecanismos de produção de celebridades, o que põe em xeque a noção habermasiana de uma “era de ouro do espaço público” no século XVIII (HABERMAS, 1984HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.). Textos apócrifos de Voltaire, boatos sobre a vida privada de Rousseau, controvérsias públicas (como a de Hume e Rousseau) e biografias “não autorizadas” (como a de Buffon) faziam parte do mundo oitocentista. O próprio título do panfleto de Brande (1822)BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., aliás, remete ao “célebre Walking Stewart”.37 37 Trad. livre do autor: “the celebrated Walking Stewart”. De acordo com Lilti (2018), a ideia de celebridade, no século XVIII, teria como marca a difusão de um nome, para além do conhecimento de seus feitos (o que seria a diferença entre a celebridade e a glória e a reputação). Tal ideia de celebridade estaria expressa, por exemplo, em uma fala da princesa Czartoryska: “nunca li Rousseau, mas todas as moças querem ser como a Júlia” (LILTI, 2018, p. 192). De acordo com Lilti (2018)LILTI, Antoine. A Invenção da celebridade (1750-1850). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., os pensadores do Iluminismo, conscientes desse processo de produção da celebridade, fazem uso dele, como se revela, por exemplo, em textos e cartas de Rousseau (“prefiro que falem mal, mas falem de mim”, disse em carta citada por LILTI, 2018LILTI, Antoine. A Invenção da celebridade (1750-1850). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., p. 214) e na correspondência de George Washington, sempre preocupado com a construção da imagem do homem livre de interesses pessoais (WEEMS, 1962WEEMS, Mason Locke. The Life of Washington. Cambridge: Harvard University Press, 1962.).

Então, a partir dos estudos de Lilti, impõe-se um duplo problema: a estratégia de mostrar-se como um pensador “único” e “mal compreendido”, longe de ser uma marca de excentricidade, era uma forma de apresentação de si mais comum do que se imaginou; da mesma maneira, a curiosidade pela vida privada dos autores célebres também estava na ordem do dia. Isso nos leva a questionar o quanto a historiografia não caiu na armadilha de apenas reproduzir uma certa construção a respeito de Stewart.

Por onde andava o andarilho?

Voltemos, então, à trajetória do autor após a volta para a Europa, que é mais bem documentada. Após 1790, ele teria viajado diversas vezes entre Paris, Londres e Filadélfia e participado dos eventos revolucionários nas três localidades. O autor, então, circulou junto a um grupo bem conhecido de reformadores ingleses, franceses e norte-americanos.

Stewart foi amigo de longa data de Thomas Paine, com quem se hospedou no White Bear, de Picadilly. Além de Paine, era íntimo de William Godwin,38 38 Os encontros entre Stewart e Godwin estão registrados em Philp (1986, p. 240-243). Mary Wollstonecraft (cujas defesas das mulheres ele cita diretamente em seus livros), Thomas Clio Rickman, Joel Barlow, John Horne Tooke e John Oswald. Na França, integrará o Cercle Social, ao lado de Condorcet, Brissot e outros girondinos (HEISLER, 2003HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003., p. 16-18). Nesse período, teria conhecido também o jovem Wordsworth, e o incentivado a fugir da França durante o assim chamado "período" do terror.39 39 Nestrovski (2018) e Grovier (2005; 2007) sustentam ter existido enorme influência de Stewart sobre Wordsworth. Em suma, o autor integrava um conhecido circuito de pensadores partidários de ideias críticas ao establishment inglês, favoráveis às revoluções, defensores dos direitos dos animais, dos direitos das mulheres e do abolicionismo.

Nesse sentido, é preciso notar que a defesa que Stewart faz do vegetarianismo,40 40 O termo “vegetarianismo” foi utilizado pela primeira vez de que se tem registro no século XIX (KOVACS, 2019, p. 12), em estreita ligação com o romantismo (MORTON, 1998). bem como as influências que a Índia exerceu sobre ele, não eram, no século XVIII, tão “excêntricas” quanto poderiam parecer. Ainda no século XVII, Pierre Gassendi, Henry More e Robert Boyle colocaram em xeque o mecanicismo associado a Descartes e a noção de uma natureza que existiria apenas em função do ser humano. No século XVIII, foram comuns as críticas aos experimentos médicos que faziam uso de animais. Fizeram esse tipo de crítica Samuel Johnson, Alexander Pope (de quem Stewart era confesso admirador), Hume, Gibbon, Smith e Thomas Tryon, o qual foi, talvez, o primeiro a aplicar a noção de “direitos naturais” também às outras criaturas da natureza. Tryon foi seguido pelo italiano Antonio Cocchi, pelo sueco Emanuel Swedenborg e pelo jovem Benjamin Franklin (PREECE, 2008PREECE, Rod. Sins of the Flesh: A History of Ethical Vegetarian Thought. Vancouver: UBC Press, 2008., p. 158-187).

Durante a Revolução Francesa, ganharam terreno as discussões sobre vegetarianismo e a luta contra a tortura dos animais, a qual envolve, no campo intelectual, Richard Phillips (preso por publicar os Direitos do Homem de Paine), John Oswald, Robert Pigott, Marquês de Valady e Jacques Henri Bernadin de Saint-Pierre (PREECE, 2008PREECE, Rod. Sins of the Flesh: A History of Ethical Vegetarian Thought. Vancouver: UBC Press, 2008., p. 232-266), os quais conspiravam por uma “república vegetariana”41 41 Trad. livre do autor: “vegetarian republic”. (STUART, 2007STUART, Tristram. The Bloodless Revolution: a Cultural History of Vegetarianism from 1600 to Modern Times. Nova York: WW Norton & Company, 2007., p. 320). Em 1802, foi publicada, inclusive, uma utopia vegetariana anônima, Bruce’s Voyage to Naples (1994BRUCE’S Voyage to Naples. In: CLAEYS, Gregory (Ed.). Utopias of the British Enlightenment. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. p. 249-297.).

Dentro desse debate, o mais próximo a Stewart foi John Oswald.42 42 Sobre as relações entre Stewart e Oswald, ver Erdman (1986). Oswald também viajou à Índia, chegando a Bombaim em 1782 como oficial da infantaria escocesa enviada para enfrentar Hyder Ali. Como Burke e Stewart, tornou-se crítico da ação britânica na Índia (para um certo setor da elite britânica, portanto, não há nada de excêntrico em passar uma temporada na Índia). Oswald voltou a Londres em 1783 (no mesmo ano que Stewart), viveu entre os brâmanes, tornou-se vegetariano, defensor dos direitos dos animais e do voto universal. No mesmo ano em que Paine publicou Rights of Man (1791PAINE, Thomas. Rights of Man: Being an Answer to Mr. Burke’s Attack on the French Revolution. Part 1. Londres: J. Johnson, 1791.), Oswald publicou The Cry of Nature, or an Appeal to Mercy and to Justice on Behalf of the Persecuted Animals (1791OSWALD, John. The Cry of Nature; Or, an Appeal to Mercy and to Justice, on Behalf of the Persecuted Animals. Londres: J. Johnson, 1791.), no qual sustenta, em chave smitheana, que o consumo de carne é uma negação da simpatia universal - “Que o sistema de benevolência se espalhe para todos os cantos do globo; que aprendamos a reconhecer e a respeitar nos outros animais os sentimentos que vibram em nós”43 43 Trad. livre do autor: “May the benevolent system spread to every corner of the globe; may we learn to recognize and to respect in other animals the feelings which vibrate in ourselves”. (citado por PREECE, 2008PREECE, Rod. Sins of the Flesh: A History of Ethical Vegetarian Thought. Vancouver: UBC Press, 2008., p. 237). Ao contrário de seus colegas Paine, Brissot e Stewart, Oswald tornou-se jacobino e entusiasta da guilhotina, o que levou Paine a dizer: “você viveu tanto tempo sem saborear carne que agora tem um apetite voraz por sangue”44 44 Trad. livre do autor: “you have lived so long without tasting flesh, that you now have a most voracious appetite for blood”. (citado por FISCHER, 2015FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.). Oswald morreu em batalha pela causa revolucionária.

Por isso, as posições de Stewart são menos antecipações do “pós-estruturalismo” do que parte de uma discussão sobre sensibilidades, natureza e direitos, componente fundamental da cultura no século XVIII. Isso também vale para o fascínio de nosso autor pela Índia,45 45 A palavra buddhism foi utilizada pela primeira vez na Inglaterra por volta de 1820, em estreita conexão com os interesses imperiais sobre o Oriente (e, por isso, evitamos a empregar para o século XVIII). O termo foi utilizado para descrever religiões e crenças muito distintas na Ásia. Décadas antes do aparecimento do termo, as religiões do “Oriente” tornavam-se objeto de estudo, como pode ser observado nos textos de Stewart sobre a religião do Tibete (An Account of the Kingdom of Thibet) ou nos textos de Robert Percival e William Chambers sobre o Ceilão. Nesses textos, o que hoje chamamos de budismo é apresentado como uma religião racional corrompida (caso de Stewart e Percival) e como um ramo da religião dos Hindoos. Por vezes Buddha era apresentado como uma encarnação de Vishnu, como no texto de Sir William Jones, de 1790. Percival, por sua vez, pensava em possíveis origens africanas de Buddha, o qual parecia ser representado, em suas palavras, como um African Negro (MARSHALL, 1970, p. 7-32). que estava na ordem do dia na Grã-Bretanha do século XVIII. Antes de Stewart, Zephaniah Holwell foi outro grande entusiasta da cultura indiana, que também residiu no subcontinente como representante britânico e que Voltaire disse ter revelado segredos sobre a Índia. Sua fascinação pelo hinduísmo o levou a uma defesa radical da ética vegetariana dentro do mundo britânico e à construção de casas em estilo indiano na Inglaterra. O próprio Bentham, aliás, recorreu a exemplos do hinduísmo quando afirmou, em An Introduction to the Principles of Morals and Legislation (1789), aguardar o dia em que o resto da criação animal ganhará direitos (STUART, 2007STUART, Tristram. The Bloodless Revolution: a Cultural History of Vegetarianism from 1600 to Modern Times. Nova York: WW Norton & Company, 2007., p. 275-294, p. 299, p. 356). Thomas Paine, em The Age of Reason (1945bPAINE, Thomas. The Age of Reason. Being an Investigation of True and Fabulous Theology. In: FONER, Philip (Ed.). The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: Citadel Press, 1945b. p. 463-604., p. 512), originalmente publicado em 1794, afirmara também que “cada atitude cruel aos animais é uma violação do dever moral”.46 46 Trad. livre do autor: “everything of cruelty to animals, ia a violation of moral duty”.

Quando Stewart ([179-], p. XIV), conforme se verá, definir o Iluminismo como a identificação do Self47 47 Manteremos a expressão em inglês para deixarmos clara a sua diferença para com a identidade pessoal, conforme esclareceremos adiante. com toda a natureza, não se tratará, portanto, de um pensamento “fora de seu tempo”. Além disso, apesar de suas apropriações do hinduísmo, Stewart jamais abandonou a ideia de que o bom senso impera na Grã-Bretanha mais do que em qualquer outro lugar do planeta, consoante ele expressa no texto Good Sense: Addressed to the British Nation, de 1794. O título, aliás, é uma resposta ao panfleto de Paine (1945a)PAINE, Thomas. Common sense. In: FONER, Philip (Ed.). The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: Citadel Press, 1945a. p. 1-46., Common sense, addressed to the inhabitants of America, publicado originalmente em 1776, dado que Stewart (1794bSTEWART, John. Good Sense: Addressed to the British Nation, as their Pre-eminent and Peculiar Characteristic, in the in the Present Awful Crisis, or War of Social Existence. Exhibiting the Actual and Eventful State of Various Nations. Londres: J. Owen, 1794b., p. 50) critica a defesa feita por ele da independência das Treze Colônias, chamando-o de um “homem muito comum, mas com um senso comum muito comum”.48 48 Trata-se de um trocadilho com a ambivalência da expressão common sense, que remete ao que seriam, em língua portuguesa, o bom senso e o senso comum. No original, a “very common Man, of but very common common sense”.

Durante a Revolução Francesa, Stewart tornou-se crítico do governo dos jacobinos e, por isso, teria voltado a Londres. Ao contrário de Paine, que se manteve defensor do voto universal mesmo após ser preso por Robespierre, Stewart, como Rush, recrudesceu em suas posições contrárias aos excessos. Seu entusiasmo inicial com a Revolução foi substituído pela defesa de um governo de uma elite esclarecida e uma crítica feroz a Paine. Stewart (1794, p. 51) diz que “o mais enraivecido democrata inglês não seria nada além de alimento fácil para a guilhotina francesa”49 49 Trad. livre do autor: “the most enraged English democrat would make but cheap food for the French guillotine”. (nesse momento, Paine, alvo direto dessa crítica, havia sido preso pelos jacobinos).50 50 Há, ao longo da obra, outros momentos de crítica à Revolução Francesa (STEWART, 1794a, p. 13-14, p. 20, p. 39, p. 50-51). No resto de sua vida, na esteira do liberalismo doutrinário francês, Stewart continuará a condenar a democracia como fonte do despotismo - e defenderá um governo misto e equilibrado nos moldes britânicos (e aqui seu contraste com Paine não poderia ser maior) como a “mais refinada obra jamais produzida pela razão”51 51 Trad. livre do autor: “most exquisite workmanship of human reason”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 304). Stewart, enfim, entendia, o pacifismo universal como resultado de sua cosmologia, e não de uma revolução - “essa foi sua resposta a promessa e a paranoia da época revolucionária”52 52 Trad. livre do autor: “It was his response to the promise and the paranoia of this revolutionary age”. (FISCHER, 2015FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.).53 53 O contraste entre Paine e Stewart é expresso também na forma da escrita. Se o texto de Paine, simples e acessível, acompanhou seu ideal democrático - “Paine tornou a pregação da democracia democrática” (RUSSELL, 2011, p. 91) -, a escrita em Stewart - rebuscada, confusa e repleta de neologismos - é mais inacessível que seu sistema político. O jornal The British Mercury (citado por HEISLER, 2003, p. 19) chegou a dizer que “não é possível saber em que língua o autor escreve” (trad. livre do autor: “It ist not yet absolutely known in what language it is written”).

Mas tudo isso não nos deve levar a crer que o autor estava destituído de qualquer forma de utopia. Pelo contrário, ele propugnava por uma espécie de comunitarismo.54 54 Seu comunitarismo, contudo, era diferente daquele de Thomas Spence, o qual, em seu Rights of Infants, uma resposta a Thomas Paine, havia defendido a nacionalização de todas as terras. No texto Agrarian Justice, Paine havia proposto uma renda a todos os habitantes da França a partir de uma taxação de 10% sobre a herança. Spence, em resposta, não via motivos para não serem confis­cados dos mais ricos os outros 90%. Sobre o debate entre Paine e Spence, ver Marangos (2008). Stewart era admirador das comunidades quaker, moravianas e dunkers, as quais ele, como Owen depois, visitou na América do Norte (CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 652). Em seu Apocaplypse of Nature, do início da década de 1790, Stewart propunha - associando-se a uma longa tradição de utopias republicanas inglesas que passaria por Thomas More e por Harrington - a formação de comunidades compostas por unidades de cem homens e cem mulheres, que, ancorados em seus fundamentos filosóficos, “viveriam na mesma casa, comeriam na mesma mesa e dividiriam os trabalhos e os prazeres, tomando a volição como seu guia”.55 55 Trad. livre do autor: “they should live in one house, eat at the same table, participate in labour and pleasure in common, and cultivate a general volition as their guide”. Vinte unidades formariam uma comunidade, vinte comunidades uma província, vinte províncias uma república, vinte repúblicas uma união e vinte uniões a população mundial (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 223-224). As comunidades primitivas, assim, solucionariam o problema da política de seu tempo ao deixar de lado a grande comunidade política e as desigualdades que dela resultavam.

Mas retornemos às últimas décadas da trajetória do autor. Após a Revolução Francesa, e de volta a Londres, ele, sem dinheiro, encontrou-se com Godwin, buscando angariar recursos a partir de palestras e cursos. Stewart, então, viajou para os Estados Unidos, onde, segundo edições de 1798 da Gazette of the United States, publicada na Filadélfia, envolveu-se em debates e leituras itinerantes em troca de dinheiro. No final de 1799, retornou para a Inglaterra mais uma vez, notícia anunciada pelos jornais londrinos e por ao menos oito jornais nos Estados Unidos (FISCHER, 2015FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.).

Nos últimos anos de vida, sustentado por uma renda proveniente da Companhia das Índias Orientais, tornou-se presença marcante em Londres, consoante se viu no início deste artigo, e desfrutava da companhia de Wordsworth, De Quincey, Robert Owen e Thomas Taylor. Este último era também próximo a Mary Wollstonecraft e William Godwin, além de associado a uma seita milenarista liderada por Richard Brothers e autor de A Vindication of the Rights of Brutes, panfleto satírico em defesa dos direitos dos animais (MORTON, 1998MORTON, Timothy. The Pulses of the Body: Romantic Vegetarian Rhetoric and its Cultural Contexts. In: COPE, Kevin (Ed.). 1650-1850: Ideas, Aesthetics, and Inquiries in the Early Modern Era. V. 4. Nova York: AMS Press, 1998. p. 53-88., p. 12).

Nesse período, a insistência de Stewart em suas propostas comunitaristas torna-se ainda mais frequente (CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 654). Parece bastante plausível, portanto, a interpretação de Claeys (2014)CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., segundo a qual existe uma afinidade entre as ideias e propostas de Stewart e as de Owen, as quais eram distintas das ideias mais individualistas de Godwin e da nacionalização das terras exigida por Spence. Em perspectiva mais ampla, pode-se sugerir que o pensamento e a trajetória de Stewart representam um dos elos fundamentais para desvendarmos a passagem do Iluminismo Tardio para os assim chamados socialismos utópicos, o que, em última análise, significaria que o pensamento socialista do século XIX possuiria raízes bastante complexas que envolveriam distintas tradições.

Stewart morreu em 20 de fevereiro de 1821 em seu apartamento na Northumberland Street, profusamente decorado com quadros chineses. Stewart nunca se casou, pois, para ele, “abandonar os laços familiares”56 56 Trad. livre do autor: “he found it necessary to happiness to withdraw himself from all connections of this nature”. é necessário para a felicidade (BRANDE, 1822BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., p. 14).

O que pensava John Stewart?

O filósofo Henry Salt, em 1891, após chamar Stewart de “indubitavelmente insano”, cujos pensamentos deveriam ser mais “objeto de estudo da psicologia que da filosofia”,57 57 Trad. livre do autor: “insane as he undoubtedly was on some points”; “the character and writings of Walking Stewart afford a very curious and interesting study for the psychologist if not for the philosopher”. SALT, Henry S. Walking Stewart (a sketch of an eccentric pedestrian). Temple Bar, v. 93, Dec. 1891. In: Henry S. Salt Author & Humanitarian Reformer. Disponível em: < https://www.henrysalt.co.uk/library/essay/walking-stewart/ >. Acesso em: 07 jan. 2022. destacou também que o andarilho possuía algumas ideias - especialmente sobre o corpo e a mente - que nós deveríamos levar a sério.

Entre 1790 e 1818, Stewart publicou uma sequência de trabalhos para explicitar sua cosmologia, cuja ideia-chave seria “o conhecimento do Self e a sua conexão com a Natureza”58 58 Trad. livre do autor: “the knowledge of the self, and its connections with nature”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. XIV) como condição para a “existência intelectual” ou “estado de Natureza iluminada”,59 59 Trad. livre do autor: “state of enlightened Nature”. expressão que ele cita na abertura de Apocalypse of Nature e repete diversas vezes no texto (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 130, p. 242, p. 243). Remetendo à cosmologia que aprendeu na Índia, o autor afirma que o “Self, parte de toda a natureza, é imortal e universal”60 60 Trad. livre do autor: “Self, as a part of all nature, is immortal and universal”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 55), e não se confunde com nossa identidade, mortal e passageira.

O primeiro trabalho a expor suas ideias foi The Apocalypse of Nature: Wherein the Source of Moral Motion is Discovered, publicado por Ridgway em Londres no início da década de 1790, e reeditado em 1835 (apocalipse aqui é entendido no sentido original do termo, isso é, o de revelação). Quando Stewart voltou a Nova York, em 1795, veio à luz um longo poema em que condensou a mesma filosofia, The Revelation of Nature, publicado por Mott & Lyon no “quinto ano da existência intelectual, ou a publicação do apocalipse da natureza, a 3000 anos das olimpíadas gregas e a 4800 das tábuas dos eclipses chineses”,61 61 Trad. livre do autor: “In the fifth year of intellectual existence, or the publication of the apocalypse of nature, 3000 years from the Grecian olympiads, and 4800 from recorded knowledge in the Chinese tables of eclipses”. conforme ele afirma na capa da obra. O poema se abre com a “voz da natureza”:

Ouça a voz da natureza, O universo que sou, Um todo de matéria indestrutível

Todos os modos do ser, minhas partes constituintes;

Elos conectados, em ciclos de cadeias.

Trocando de modos, pela morte, renovando a vida62 62 Trad. livre do autor: “Hear nature’s voice, The universe I am, One whole of matter indestructible All modes of being my constituent parts; Connected links on matters circled chain. Exchanging modes, by death renewing life”. (STEWART, 1795STEWART, John. The Revelation of Nature, with the Prophecy of Reason. Nova York: Mott & Lyon, 1795., p. 3-4).

A razão, “único remédio para nossas fraquezas”, crescerá por meio da “livre comunicação de pensamentos” e revelará “a verdade em toda sua nudeza”63 63 Trad. livre do autor: “increase instead of remedy of those miseries”; “arising from the free communication of thought”; “That truth will appear in the beauty of its nakedness”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. VIII-IX). O autor, então, endossa uma visão monista da natureza e, na chave espinosista, analisa todos os seres particulares como “modos” de uma única substância. A natureza é a totalidade do ser, sem início e sem fim, e seria composta por partículas minúsculas em constante movimento, este definido como “substância em ação”64 64 Trad. livre do autor: “substance in action”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 18). Tais partículas - e aqui a linguagem epicurista, tão marcante no século XVIII, faz-se presente - se disporiam em incontáveis combinações. A morte, por conseguinte, representaria uma reorganização dessas partículas, de forma que nada na natureza realmente se perde.

Em 1810, ele escreveu que “a matéria e seus átomos dispersos viajam com a mente, de modo que em poucos dias ou semanas ela estaria dispersa por toda a face do globo”65 65 Trad. livre do autor: “Matter and its dispersed atoms travel with the mind, and, in the course of a few days or weeks, is dispersed over the whole face of the globe”. (citado por CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 644). O movimento, assim, seria “a alma da matéria, a causa de todas as ações”66 66 Trad. livre do autor: “Is the vis, or soul of matter, and cause of all action”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 21). Mole encontrou aí a poesia que sintetiza o legado do autor: um andarilho que via no movimento “não apenas um meio de locomoção, um meio de chegar ao seu próprio destino. Tratava-se de uma prática filosófica corporificada, um auxílio ao pensamento e uma forma de investigação”67 67 Trad. livre do autor: “But walking for him was not only a mode of locomotion, a means to get to his destination. It was an embodied practice of philosophy, an aid to thinking and a form of research”. (MOLE, 2020MOLE, Tom. Catching up with Walking Stewart. In: LENNARTZ, Norbert (Ed.). The Lost Romantics. Forgotten Poets, Neglected Works and One-Hit Wonders. Cham: Palgrave Macmillan 2020. p. 111-129., p. 112). A verdadeira origem do movimento é inacessível ao conhecimento humano e, por isso, não deve ser adorada.

O átomo humano que nesse momento escreve, Talvez no futuro esteja balindo na planície, Então, torna-se erva, terra ou ar, Ou se moverá entre os planetas, na esfera solar68 68 Trad. livre do autor: “The human atom that this moment writes, The next perhaps is bleating on the plain, Then ce enters herb, or earth, or air, Or moves thro’ planets in the solar sphere”. (STEWART, 1795STEWART, John. The Revelation of Nature, with the Prophecy of Reason. Nova York: Mott & Lyon, 1795., p. 6-7).

Seu monismo, então, leva-o a uma segunda percepção: todas as coisas estão conectadas. Assim, o coração de sua teoria - que nos permite passar da física à ética e à política - é a noção de que os átomos registram sensações, como a dor e a alegria. Tal registro nos permite dizer, portanto, que a matéria, longe de ser inerte ou morta, carrega moralidade - e aqui, cabe notar, ele se afasta bastante do pensamento de Espinosa.69 69 Na primeira parte de sua Ética, Espinosa (2010) também concebe a substância como aquilo que existe em si mesmo e que por isso mesmo é concebido. Da mesma forma, ele também concebe as coisas existentes como sendo modos dessa substância. Contudo, em toda a discussão sobre os afetos na terceira parte do texto, não há espaço para a noção de uma transmissão das afecções para além do próprio corpo que as sente. Como esses átomos são intercambiáveis, pode-se concluir que a dor que infringimos nos outros espalha-se e perpetua-se por toda a natureza, no presente e no futuro. Por isso, ele utilizou a imagem de um escritor que, ao passear, deixa átomos, no ar, na grama e nas ovelhas.

É a volição humana, definida como “o uso de nossas faculdades intelectuais”70 70 Trad. livre do autor: “operation of the intellectual faculties”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 23), por conseguinte, a origem de todo bem e de todo mal. E, tendo em vista a teoria dos registros das sensações em nível atômico, a dissolução de nossa identidade não pode remover nosso interesse pelo futuro bem e pelo futuro mal que serão sentidos pelas novas formas de matéria agregada - nosso interesse pela paz e pelo bem se funda na matéria, e não na identidade ou na vida após a morte.

Se cada átomo que é torturado aumenta a brutalidade sobre a totalidade da natureza, são imperiosos o fim do assassinato de outros animais, o fim da tortura, o fim da pena de morte, o fim da escravidão e a busca por uma vida pacífica - “nossos poderes intelectuais devem ser guiados pela utilidade até entrarmos na órbita da felicidade”71 71 Trad. livre do autor: “The operation of the intellectual powers is to be guided and governed by utility, till it has discovered the line or orbit of happiness”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 19). Assim, é preciso, por meio das ações derivadas de nosso conhecimento, aumentar o bem e diminuir o mal em cada estágio da vida sensitiva, de modo que “a utilidade é o deus da Natureza”72 72 Trad. livre do autor: “utility, which is the god of nature”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 199). A civilização deve ser um “asilo” (asylum) (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 29),73 73 A metáfora da civilização como asilo também é utilizada por Thomas Paine (1945a, p. 19) em Common Sense, panfleto originalmente publicado em 1776. no qual as forças da lei protegem da dor.74 74 Se a moralidade, como ele constantemente reafirma, é uma propriedade humana, derivada da volição, é possível inferir que as ações praticadas por outros animais não seriam criadoras deste “karma atômico” sugerido pelo autor. Disso poderíamos inferir que a extinção da espécie humana, embora crie dor em um primeiro momento, a longo prazo proporcionaria harmonia na natureza - solução, contudo, que Stewart não defende. Para isso, claro, é preciso considerar que a dor inscrita nos átomos se dissolve ao longo do tempo, o que também parece ser um pressuposto de suas proposições morais. Se podemos ver nesse princípio ecos de cosmovisão indiana, também é possível relacioná-lo com o princípio da grande felicidade, de Helvétius (1769)HELVÉTIUS, Claude Adrien. De l’Esprit. Paris: Durand, 1769., ou com o utilitarismo de Bentham e Godwin. Nas palavras de Stewart (1795STEWART, John. The Revelation of Nature, with the Prophecy of Reason. Nova York: Mott & Lyon, 1795., p. 4):

Não pense, ó homem! minha querida parte co-igual, Essa mudança aguarda uma dissolução em morte lenta;

Oh não! aquele braço que ousa erguer o aguilhão

No animal ou no homem, algum átomo miserável voa.75 75 Trad. livre do autor: “Think not O man! my dear coequal part, That change awaits a slow dissolving death; O no! that arm that dares uplift the goad On brute or man, some wretched atom flies”.

Por isso, as normas de conduta moral baseadas na religião não eram apenas equivocadas, mas principalmente desnecessárias. Não há, na “religião da natureza”76 76 Trad. livre do autor: “religion of nature”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 206), espaço para um Deus criador, almas imateriais ou um juiz divino. “Em cada lugar para o qual viajei, pude observar que a moralidade e a religião eram constantes inimigos: onde uma reinava, a outra vivia em exílio”77 77 Trad. livre do autor: “In every country that I have travelled into, I have always observed that morality and religion were constantly in enmity, and where the one reigned, the other was exiled”. (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 195). Contudo, não se pode esquecer: a maioria das pessoas - incapazes de compreenderem sua cosmologia - ainda precisaria da religião tradicional como freio moral (CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 646-647).

Tal qual Paine, sempre orgulhoso de não ter formação universitária, Stewart se proclamava um autodidata (BRANDE, 1822BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., p. 4), deplorava a memorização e via o conhecimento acadêmico como “tecido em volumes de erros escritos”78 78 Trad. livre do autor: “spun out in musty volumes of recorded error”. (citado por FISCHER, 2015FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.). Contudo, ao contrário de Paine, ele não via a necessidade de evidências empíricas para fundamentar seus argumentos - frequentemente, ele zombava das “tolas doutrinas” do “senhor Locke” segundo as quais “a mente não pode ter certezas para além da experiência”79 79 Trad. livre do autor: “silly doctrines”; “Mr. Locke”; “mind can have no certitude beyond experience”. (citado por HEISLER, 2003HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003., p. 18, p. 19). É nesse sentido que Stewart criticou Holbach por, apesar de ser materialista, ter ficado preso ao circuito da causa e do efeito (STEWART, [179-]STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-]., p. 102).

Não se trata, portanto, de um anti-intelectualismo como concebemos hoje; pelo contrário, trata-se de uma rejeição do excesso de empirismo e de uma defesa da meditação e da contemplação como forma de entendimento. Tais ideias estavam em profunda sintonia com uma forma de ciência que ganha espaço na passagem do século XVIII, sobre a qual falaremos no momento derradeiro deste texto.

Ciências e razões do Iluminismo

As relações entre Stewart e uma forma de ciência iluminista não eram mera afinidade de ideias: Stewart era próximo ao dr. Frank Newton, membro de um grupo ocultista liderado pelo platônico Thomas Taylor. Newton, em seu livro The Return to Nature; or, a Defence of the Vegetable Regime (1811NEWTON, John Frank. The Return to Nature, or, a Defence of the Vegetable Regimen. Londres: T. Cadell and W. Davies, 1811.), pensava numa sociedade comunitária que emergiria com a era de aquário. Outro membro do grupo era Love Peacock, que rejeitava o uso de qualquer produto derivado dos animais. Peacock foi abrigado por Mary Wollstonecraft e exerceu forte influência sobre Shelley e Blake (CLAEYS, 2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 636-637).

Elihu Palmer, antigo ministro presbiteriano e líder da sociedade deísta de Nova York, defendeu princípios semelhantes aos do andarilho em Principles of Nature (2016PALMER, Elihu. Principles of Nature; or, a Development of the Moral Causes of Happiness and Misery Among the Human Species. Filadélfia: World Union of Deists, 2016.). O autor, que conheceu Stewart em Nova York, reconhece sua dívida para com este pensador - ao lado de Paine, Price e Godwin - em Prospect: or View of the Moral World, publicado entre 1803 e 1805. Segundo Palmer, a força divina que engendrou o mundo é unicamente material, ideia de onde deriva a defesa de seu vitalismo, o qual inspiraria uma benevolência universal e o fim de toda forma de escravidão (FISCHER, 2016FISCHER, Kirsten. Vitalism in America: Elihu Palmer’s Radical Religion in the Early Republic. The William and Mary Quarterly, v. 73, n. 3, p. 501-530, July 2016., p. 529).

O próprio Benjamin Rush, próximo a Stewart, sustentava posições que ligavam a saúde do corpo humano à saúde do corpo político, a partir da noção de uma “unicidade de todas as doenças”:80 80 Trad. livre do autor: “one-ness of all disease”. “a verdade é simples no que tange a todos os assuntos, mas, no que diz respeito àqueles que são essenciais à felicidade da humanidade, ela é óbvia”81 81 Trad. livre do autor: “Truth is simple upon all subjects, but upon those which are essential to the general happiness of mankind, it is obvious to the menes capacities”. (citado por MAY, 1976MAY, Henry Farnham. The Enlightenment in America. Nova York: Oxford University Press, 1976., p. 208), de modo que “multiplicar doenças é como multiplicar as fontes de soberania política, o que qualquer homem sabe que está errado, dado que a soberania vem do povo”82 82 Trad. livre do autor: “Multiplying diseases, he claimed, was like multiplying the sources of political sovereignty, which every reasonable man knew was wrong, since sovereignty was found only in the people”. (D’ELIA, 1966D’ELIA, Donald J.. Dr. Benjamin Rush and the American Medical Revolution. Proceedings of the American Philosophical Society, v. 110, n. 4, p. 227-234, Aug. 1966., p. 229). O autor, que atuou no surto de febre amarela da Filadélfia em 1793, era contra as prescrições médicas em latim e acreditava que, no futuro, devido ao avanço da educação, os médicos seriam necessários apenas em casos mais graves. Não é por acaso que, no Apocalypse of Nature, Stewart ([179-], p. 176) dedica um longo capítulo ao estudo dos remédios universais da natureza recomendados pelos médicos contra os vômitos e sangrias.

Por vezes, proposições como as de Volney, Rush, Stewart, assim como o mesmerismo e o vitalismo de Marat e Brissot, foram associadas pelos historiadores a uma decadência do Iluminismo.83 83 Remeto ao estudo pioneiro de Darnton (1988, p. 119), quando ele associa o espiritualismo à “morte do Iluminismo”, ao opô-lo à “velha crença na marcha da razão”. Essa observação, certamente, não diminui a importância do autor, inclusive, para as discussões aqui propostas. Afinal, o próprio autor apresenta o mesmerismo como nada estranho e nada absurdo no contexto da ciência do século XVIII, e destaca o flogismo de Priestley (o qual pertencia aos círculos de Stewart), o vitalismo de Berkley e as passagens, por assim dizer, menos ortodoxas da obra de Newton e Franklin (DARNTON, 1988, p. 13-47). Tal concepção passa por uma tradição de interpretação da filosofia das luzes que identifica o Iluminismo seja “com um paradigma científico único, e sobretudo com um critério singular de racionalidade”84 84 Trad. livre do autor: “tend to identify the Enlightenment with a single scientific paradigm, and above all with a single criterion of rationality”. (FERRONE, 2017FERRONE, Vincenzo. The Enlightenment: History of an Idea. Princeton: Princeton University Press, 2017., p. 77), derivado dos Principia, de Newton,85 85 De acordo com Cassirer (1992, p. 74), graças a Newton o século XVIII “pensou ter enfim encontrado um solo firme, a fundação que nenhuma descoberta ulterior da física iria abalar”. É evidente que Cassirer reconhecia a existência de uma polifonia de razões (vitalistas, holísticas, radicais) no Iluminismo, mas não deixou de ver no newtonianismo sua melodia principal. seja com um movimento de “secularização”.86 86 Hunter (2015) nos lembra que a palavra secularização adquire um significado próximo do atual apenas no século XIX. Nesse sentido, o autor nos alerta para o perigo de confundir secularização e multiconfessionalismo, este último uma demanda mais própria da época das luzes.

Em contrapartida, Ferrone (2017)FERRONE, Vincenzo. The Enlightenment: History of an Idea. Princeton: Princeton University Press, 2017. sustenta que o Iluminismo conviveu com vários paradigmas científicos, tais como o modelo vitalista e a medicina neohipocrática, sustentada por Theophile de Bordeu e Jean-Jacques Menuret. Diderot, no quinto volume da Enciclopédia, de 1755, já relatava a dificuldade de encontrar uma síntese plausível entre as diferentes imagens da ciência, como a dele próprio, fundada numa visão vitalista da natureza, e a de D’Alambert, fundada no mecanicismo. Da mesma forma, Buffon, no Essai d’arithmétique morale (1977BUFFON, Georges Louis Leclerc de. Essai d’arithmétique morale (1777). Paris: Hermann, 1977.), originalmente publicado em 1777, teorizou a existência, na natureza, de verdades de diferentes gêneros, e Marat, em De l’homme, ou des principes et des loix de l’influence de l’ame sur le corps et du corps sur l’ame (1775MARAT, Jean-Paul. De L’Homme ou des principes et des loix de l’influence de l’âme sur le corps, et du corps sur l’âme. T. I. Amsterdam: Marc-Michel Rey, 1775.), dialogou com abordagens holísticas e a substituição do homme machine pelo homme sensible. Para Ferrone (2017)FERRONE, Vincenzo. The Enlightenment: History of an Idea. Princeton: Princeton University Press, 2017., essas abordagens fariam parte do Iluminismo Tardio (geração de Goya, Filangieri, Pagano, Jefferson, Franklin, Goethe, Paine e Jovellanos), caracterizado, justamente, por uma maior politização da república das letras e pela diversidade de abordagens científicas (FERRONE, 2017FERRONE, Vincenzo. The Enlightenment: History of an Idea. Princeton: Princeton University Press, 2017., p. 143).

De forma semelhante a Ferrone, Reill (2005REILL, Peter Hanns. Vitalizing Nature in the Enlightenment. Berkeley; Los Angeles; Londres: University of California Press, 2005., p. 252) pensou o Iluminismo Tardio a partir de duas vertentes, quais sejam, o neomecanicismo de D’Alambert, Condorcet e La Place e o Vitalismo, largamente “ignorado nas histórias do Iluminismo”.87 87 Trad. livre do autor: “it has been virtually ignored in standard histories of the Enlightenment”. Para ele, como para Ferrone, as diferentes “constelações” (constellations) que envolvem o Iluminismo desafiam quaisquer possibilidades de unidade do século XVIII em termos de episteme (a crítica aqui se dirige aos projetos arqueológicos dos primeiros textos de Foucault) ou de um movimento de um espírito de sistema para um espírito sistemático (nesse caso, a crítica se dirige à interpretação de Cassirer).

Um dos fatores que nos levariam a enxergar o pensamento de Stewart como “excêntrico”, como se observa, deriva de uma desconsideração desse movimento do qual ele fazia parte. Por fim, apesar de seu espinosismo, não nos parece muito esclarecedor pensar Stewart dentro do paradigma do Iluminismo Radical, proposto pelo historiador Jonathan Israel.88 88 O que não significa negar a importância da obra de Israel na historiografia contemporânea. O presente estudo, sem dúvida, deve muito a esse autor que, com maestria, demonstrou a presença do materialismo como força “política” na Ilustração e os perigos de pensar o Iluminismo, como ainda é corrente, em termos “nacionais”. Em que pesem as influências de certas dinâmicas “nacionais” nos pensamentos, este artigo apresentou uma série de pensadores e revolucionários que circularam no eixo Pensilvânia-Paris-Londres e, em alguns casos, para além dele. Entender Paine ou Stewart em uma dinâmica nacional certamente seria menos frutífero do que os pensar ao menos em uma dinâmica transatlântica. Em primeiro lugar, embora Espinosa seja uma influência clara em nosso autor (e reconhecida já em sua época), seu monismo não sustenta a democracia política, parte fundamental dos “pacotes de valores básicos”89 89 Trad. livre do autor: “package of basic values”. que Israel (2006ISRAEL, Jonathan. Enlightenment Contested: Philosophy, Modernity, and the Emancipation of Man 1670-1752. Oxford: Oxford University Press, 2006., p. 11) associa ao Iluminismo Radical. Pelo contrário, o espinosismo de Stewart convive com muitos princípios que Israel chamou de Iluminismo Moderado, como a defesa do governo elitista dos esclarecidos e a ideia da religião como freio moral para a população. Em segundo lugar, e mais fundamental, a chave do Iluminismo Radical pode eclipsar muitas outras tradições e valores que foram fundamentais para compor o pensamento de Stewart para além de Espinosa, como as tradições e apropriações do pensamento da Índia, os outros materialismos do século XVIII e, consoante se viu, a própria dinâmica da noção de ciência em sua época.90 90 Para uma excelente crítica às ideias de Israel, em especial à suposta recuperação de Espinosa, ver o sétimo capítulo de Lilti (2019).

Metade Dom Quixote, metade cavaleiro árabe

Em um compêndio de pensadores “radicais” publicado em Nova York em 1842, a figura de Stewart é incluída ao lado de outros deístas e materialistas, como Espinosa, Helvétius, Pope, Paine e Bolingbroke (FISCHER, 2015FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.). Em certa medida, este artigo seguiu a pista desse compêndio. Tentou-se provar que a chave da “excentricidade” não parece ser um bom caminho para a compreensão de nosso andarilho em sua própria época, de modo que o entendimento do Iluminismo Tardio, do vegetarianismo revolucionário, dos mecanismos de celebridade, da literatura e da filosofia de viagens, aliados a um bom uso das fontes primárias, possibilita-nos outras formas de compreensão.

Isso não significa, claro, que estejamos negando a fertilidade do pensamento do autor para o presente; inegavelmente sua vida e obra são intrigantes para o século XXI, quando a relação entre o homem e a natureza parece ser um dos temas primordiais (foram essas ligações, afinal, que despertaram o interesse do autor deste artigo). De todo modo, procuramos enfatizar que Stewart é parte do grande laboratório político e intelectual que constituiu o Iluminismo e a Era das Revoluções Democráticas.

Grovier (2007GROVIER, Kelly. Dream Walker: A Wordsworth Mystery Solved. Romanticism, v. 13, n. 2, p. 156-163, July 2007., p. 157-163) sugere que Stewart foi transformado em um personagem que habita um sonho do Prelúdio de Wordsworth, junto a uma figura metade D. Quixote, metade cavaleiro árabe - “nenhuma existência poderia ser mais fluida”, afirmou Nestrovski (2018NESTROVSKI, Sofia Scarinci. O Único lugar, afinal, onde podemos encontrar a felicidade: o mundo e William Wordsworth. 2018. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 99) a esse respeito. O fato é que, independentemente de a interpretação de Grovier estar correta, a historiografia que buscar entender o autor irá deparar-se com um emaranhado de pensamentos produzidos por seus biógrafos, seus contemporâneos e, claro, a própria narrativa do autor sobre si próprio. O autor, afinal, continua caminhando pelo mundo, a percorrer vários sonhos e, talvez, isso não lhe seja um destino inapropriado.

  • 1
    Trad. livre do autor: “Not all those who wander are lost”.
  • 2
    Importante observar que, até o momento, encontrei menos de uma dúzia de estudos específicos a respeito desse autor. Seriam eles: Salt (1891)SALT, Henry S. Walking Stewart, a Sketch of an Eccentric Pedestrian. Temple Bar, v. 93, s/p, Dec. 1891.; Bronson (1968)BRONSON, Bertrand Harris. Facets of the Enlightenment: Studies in English Literature and its Contexts. Berkeley: University of California Press, 1968.; Heisler (2003)HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003.; Stuart (2007)STUART, Tristram. The Bloodless Revolution: a Cultural History of Vegetarianism from 1600 to Modern Times. Nova York: WW Norton & Company, 2007.; Grovier (2007)GROVIER, Kelly. Dream Walker: A Wordsworth Mystery Solved. Romanticism, v. 13, n. 2, p. 156-163, July 2007.; Claeys (2014)CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014.; Fischer (2015)FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.; Jones (2015)JONES, Ewan James. John “Walking” Stewart and the Ethics of Motion. Romanticism, v. 21, n. 2, p. 119-131, 2015.; Mole (2020)MOLE, Tom. Catching up with Walking Stewart. In: LENNARTZ, Norbert (Ed.). The Lost Romantics. Forgotten Poets, Neglected Works and One-Hit Wonders. Cham: Palgrave Macmillan 2020. p. 111-129.. Todos eles, aliás, são artigos ou capítulos de livros, e muitos provêm da área da literatura. Não existe, portanto, um único livro específico dedicado ao andarilho.
  • 3
    Trad. livre do autor: “he traversed a great part of Persia and Turkey, chiefly on foot, rarely allowing himself the luxury of a horse”; “peculiar opinions”; “wholly unintelligible”; “could be comprehended by very few; and really approved of by none”; “metaphysical monster”.
  • 4
    Trad. livre do autor: “while the centre of ordinary conduct was Error, he wished to be in a state of eccentricity from it for ever”.
  • 5
    Trad. livre do autor: “three Walking Stewarts in London”.
  • 6
    Trad. livre do autor: “he held a sort of rude and unscientific Spinosism”.
  • 7
    Trad. livre do autor: “he was everlastingly metaphysicing against metaphysics”.
  • 8
    Trad. livre do autor: “magnificent self-estimation”.
  • 9
    Trad. livre do autor: “the only man of nature that ever appeared in the world”.
  • 10
    Trad. livre do autor: “His mind was a mirror of the sentient universe”.
  • 11
    Trad. livre do autor: “he was a man of genius, but not a man of talents”.
  • 12
    Trad. livre do autor: “truthful as well as entertaining”.
  • 13
    Trad. livre do autor: “with oddity of character may co-exist much goodness of heart”.
  • 14
    Trad. livre do autor: “who does not thus remember Walking Stewart, sitting, and leaning on his stick, as though he had never walked in his life” (grifos no original).
  • 15
    Trad. livre do autor: “When a man of genius, remarkable for talent or noted for eccentricity, leaves this world for ever and ever, the public mind immediately hankers after a knowledge of his private manners (…) Every inhabitant of this metropolis is no doubt familiar with Mr. [Stewart]”.
  • 16
    Trad. livre do autor: “I can assert with a safe conscience, no on possessed Mr. Stewart’s confidence but myself, any future publication of his life, in whatever shape it may appear, I pronounce a forgery upon the public”.
  • 17
    Trad. livre do autor: “All matter, motion, rightly understood, Proves true self-interest, universal good”.
  • 18
    Trad. livre do autor: “butcher-like, to cut up”.
  • 19
    Trad. livre do autor: “free from literary influences”.
  • 20
    Trad. livre do autor: “His idiosyncratic nature took a quite dysfunctional turn in his school years”.
  • 21
    Trad. livre do autor: “he rejected the empiricist ideology”.
  • 22
    Trad. livre do autor: “eccentric disposition”.
  • 23
    Trad. livre do autor: “anticipates fundamental post-structuralist emphases”.
  • 24
    Trad. Livre do autor: “more utopian republicanism of the 1790s and the communitarianism of (…) Robert Owen, from which British socialism would emerge between 1820 and 1850”.
  • 25
    Trad. livre do autor: “The curious eccentricities for which he has chiefly been remembered, then, should not obscure the interesting and hitherto completely unnoticed theoretical role he played in this transition”.
  • 26
    Trad. livre do autor: “unconventional”; “idiosyncratic”; “his encounter with Hinduism in India in the 1760s and ’70s”.
  • 27
    Trad. livre do autor: “global romanticism”.
  • 28
    Trad. livre do autor: “evading the bourgeois capitalist demand for a career”.
  • 29
    Trad. livre do autor: “His father was a Scottish linendraper, of whom nothing else is known”.
  • 30
    Trad. livre do autor: “In England he became an instant celebrity and, no doubt with the backing of Sir Joseph Banks, was made a fellow of the Royal Society in 1776”.
  • 31
    Há uma imprecisão no que diz respeito ao ano de publicação. O livro foi publicado como o segundo volume de Travels Over the Most Interesting Parts of the Globe. O registro na HathiTrust apresenta o ano de 1790 como data de edição, porém de forma aproximada. O catálogo da Library of Congress diz que sua publicação ocorreu no início de 1791, ao passo que o Consortium of Online Public Access Catalogues (COPAC) provisoriamente atribui o ano de 1792. Em 1835, George H. Evans publicou uma edição revisada com o título The Revelation of Nature. Para outras informações sobre a publicação, ver Claeys (2014CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014., p. 650).
  • 32
    Principalmente, em The Scripture of Reason and Nature (STEWART, 1813STEWART, John. The Scripture of Reason and Nature the Laws of Intellect: the Laws of Virtue; the Laws of Policy; the Laws of Physiology, or, the Philosophy of Sense; Developing the Origin, end, Essence and Constitution of Nature. [S. l. ]: T. Egerton, 1813.) e The Tocsin of Britannia (STEWART, 1794aSTEWART, John. The Tocsin of Britannia, with a Novel Plan for a Constitutional Army. Londres: J. Owen, 1794a.).
  • 33
    Trad. livre do autor: “the travels of the mind”.
  • 34
    Pagden (2015)PAGDEN, Anthony. La Ilustración: y por qué sigue siendo importante para nosotros. Madrid: Alianza, 2015., no quinto capítulo de seu livro La Ilustración: y por qué sigue siendo importante para nosotros, deixa claro como, na “Era das Luzes”, era um lugar-comum a ideia das viagens como fontes de discussões e aprimoramentos filosóficos, e o termo voyage philosophique estava na ordem do dia. O barão de Lahotan, Anquetil-Duperron, Georg Forster e Bougainville (que serviu de fonte para muitas reflexões de Diderot), muito antes de Stewart, já enxergavam as viagens como meio de ampliar o conhecimento sobre o homem e nos livrarmos de nossos preconceitos. A existência de uma ampla literatura de e sobre viagens, bem como a presença de um mercado para tal, impõe-nos dúvidas sobre a reprodução literal que a historiografia sobre Stewart usualmente faz a respeito de suas “aventuras”. A aventura de Robinson Crusoé principia com uma desobediência para com o pai, a qual acarreta uma série de aventuras sempre acompanhadas de uma forte reflexão do autor sobre Deus, a Bíblia e sua própria consciência; o ciclo desobediência- punição-repetição (HUNTER, 1966HUNTER, Paul. The Reluctant Pilgrim: Defoe’s Emblematic Method and Quest for Form in “Robinson Crusoe”. Baltimore: Johns Hopkins Press, 1966.) culmina em libertação e redenção, inclusive com o enriquecimento a partir das terras no Brasil. No caso de nosso autor, a aventura, tal qual narrada por Brande (1822)BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822., inicia também com um mau comportamento (na escola), que culmina em seu envio para a Índia. Após ser enviado para um lugar inóspito e passar por uma série de aventuras e caminhadas, o autor torna-se livre de ambições e portador de uma nova visão sobre o universo, a qual ele se encarrega de transmitir aos demais após sua volta à Inglaterra.
  • 35
    Trad. livre do autor: “The only man of nature that ever appeared in the world”.
  • 36
    Trad. livre do autor: “most important discovery and instruction, that ever was offered to human nature”.
  • 37
    Trad. livre do autor: “the celebrated Walking Stewart”. De acordo com Lilti (2018)LILTI, Antoine. A Invenção da celebridade (1750-1850). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., a ideia de celebridade, no século XVIII, teria como marca a difusão de um nome, para além do conhecimento de seus feitos (o que seria a diferença entre a celebridade e a glória e a reputação). Tal ideia de celebridade estaria expressa, por exemplo, em uma fala da princesa Czartoryska: “nunca li Rousseau, mas todas as moças querem ser como a Júlia” (LILTI, 2018LILTI, Antoine. A Invenção da celebridade (1750-1850). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., p. 192).
  • 38
    Os encontros entre Stewart e Godwin estão registrados em Philp (1986PHILP, Mark. Godwin’s Political Justice. Londres: Duckworth, 1986., p. 240-243).
  • 39
    Nestrovski (2018)NESTROVSKI, Sofia Scarinci. O Único lugar, afinal, onde podemos encontrar a felicidade: o mundo e William Wordsworth. 2018. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. e Grovier (2005GROVIER, Kelly. “Shades of the Prison-House”: “Walking” Stewart, Michel Foucault and the Making of Wordsworth’s “Two Consciousnesses”. Studies in Romanticism, v. 44, n. 3, p. 341-366, 2005.; 2007) sustentam ter existido enorme influência de Stewart sobre Wordsworth.
  • 40
    O termo “vegetarianismo” foi utilizado pela primeira vez de que se tem registro no século XIX (KOVACS, 2019KOVACS, Alexandra. A Historiography of Vegetarianism in Antiquity. Mare Nostrum, v. 10, n. 1, p. 10-30, 2019., p. 12), em estreita ligação com o romantismo (MORTON, 1998MORTON, Timothy. The Pulses of the Body: Romantic Vegetarian Rhetoric and its Cultural Contexts. In: COPE, Kevin (Ed.). 1650-1850: Ideas, Aesthetics, and Inquiries in the Early Modern Era. V. 4. Nova York: AMS Press, 1998. p. 53-88.).
  • 41
    Trad. livre do autor: “vegetarian republic”.
  • 42
    Sobre as relações entre Stewart e Oswald, ver Erdman (1986)ERDMAN, David V.. Commerce des lumières: John Oswald and the British in Paris, 1790-1793. Columbia: University of Missouri Press, 1986..
  • 43
    Trad. livre do autor: “May the benevolent system spread to every corner of the globe; may we learn to recognize and to respect in other animals the feelings which vibrate in ourselves”.
  • 44
    Trad. livre do autor: “you have lived so long without tasting flesh, that you now have a most voracious appetite for blood”.
  • 45
    A palavra buddhism foi utilizada pela primeira vez na Inglaterra por volta de 1820, em estreita conexão com os interesses imperiais sobre o Oriente (e, por isso, evitamos a empregar para o século XVIII). O termo foi utilizado para descrever religiões e crenças muito distintas na Ásia. Décadas antes do aparecimento do termo, as religiões do “Oriente” tornavam-se objeto de estudo, como pode ser observado nos textos de Stewart sobre a religião do Tibete (An Account of the Kingdom of Thibet) ou nos textos de Robert Percival e William Chambers sobre o Ceilão. Nesses textos, o que hoje chamamos de budismo é apresentado como uma religião racional corrompida (caso de Stewart e Percival) e como um ramo da religião dos Hindoos. Por vezes Buddha era apresentado como uma encarnação de Vishnu, como no texto de Sir William Jones, de 1790. Percival, por sua vez, pensava em possíveis origens africanas de Buddha, o qual parecia ser representado, em suas palavras, como um African Negro (MARSHALL, 1970MARSHALL, Peter James. The British Discovery of Hinduism in the Eighteenth Century. Cambridge: Cambridge University Press, 1970., p. 7-32).
  • 46
    Trad. livre do autor: “everything of cruelty to animals, ia a violation of moral duty”.
  • 47
    Manteremos a expressão em inglês para deixarmos clara a sua diferença para com a identidade pessoal, conforme esclareceremos adiante.
  • 48
    Trata-se de um trocadilho com a ambivalência da expressão common sense, que remete ao que seriam, em língua portuguesa, o bom senso e o senso comum. No original, a “very common Man, of but very common common sense”.
  • 49
    Trad. livre do autor: “the most enraged English democrat would make but cheap food for the French guillotine”.
  • 50
    Há, ao longo da obra, outros momentos de crítica à Revolução Francesa (STEWART, 1794aSTEWART, John. The Tocsin of Britannia, with a Novel Plan for a Constitutional Army. Londres: J. Owen, 1794a., p. 13-14, p. 20, p. 39, p. 50-51).
  • 51
    Trad. livre do autor: “most exquisite workmanship of human reason”.
  • 52
    Trad. livre do autor: “It was his response to the promise and the paranoia of this revolutionary age”.
  • 53
    O contraste entre Paine e Stewart é expresso também na forma da escrita. Se o texto de Paine, simples e acessível, acompanhou seu ideal democrático - “Paine tornou a pregação da democracia democrática” (RUSSELL, 2011RUSSELL, Bertrand. Por que não sou cristão. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2011., p. 91) -, a escrita em Stewart - rebuscada, confusa e repleta de neologismos - é mais inacessível que seu sistema político. O jornal The British Mercury (citado por HEISLER, 2003HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003., p. 19) chegou a dizer que “não é possível saber em que língua o autor escreve” (trad. livre do autor: “It ist not yet absolutely known in what language it is written”).
  • 54
    Seu comunitarismo, contudo, era diferente daquele de Thomas Spence, o qual, em seu Rights of Infants, uma resposta a Thomas Paine, havia defendido a nacionalização de todas as terras. No texto Agrarian Justice, Paine havia proposto uma renda a todos os habitantes da França a partir de uma taxação de 10% sobre a herança. Spence, em resposta, não via motivos para não serem confis­cados dos mais ricos os outros 90%. Sobre o debate entre Paine e Spence, ver Marangos (2008)MARANGOS, John. Thomas Paine (1737-1809) and Thomas Spence (1750-1814) on land ownership, land taxes and the provision of citizens’ dividend. International Journal of Social Economics, v. 35, n. 5, p. 313-325, 2008..
  • 55
    Trad. livre do autor: “they should live in one house, eat at the same table, participate in labour and pleasure in common, and cultivate a general volition as their guide”.
  • 56
    Trad. livre do autor: “he found it necessary to happiness to withdraw himself from all connections of this nature”.
  • 57
    Trad. livre do autor: “insane as he undoubtedly was on some points”; “the character and writings of Walking Stewart afford a very curious and interesting study for the psychologist if not for the philosopher”. SALT, Henry S. Walking Stewart (a sketch of an eccentric pedestrian). Temple Bar, v. 93, Dec. 1891. In: Henry S. Salt Author & Humanitarian Reformer. Disponível em: < https://www.henrysalt.co.uk/library/essay/walking-stewart/ >. Acesso em: 07 jan. 2022.
  • 58
    Trad. livre do autor: “the knowledge of the self, and its connections with nature”.
  • 59
    Trad. livre do autor: “state of enlightened Nature”.
  • 60
    Trad. livre do autor: “Self, as a part of all nature, is immortal and universal”.
  • 61
    Trad. livre do autor: “In the fifth year of intellectual existence, or the publication of the apocalypse of nature, 3000 years from the Grecian olympiads, and 4800 from recorded knowledge in the Chinese tables of eclipses”.
  • 62
    Trad. livre do autor: “Hear nature’s voice, The universe I am, One whole of matter indestructible All modes of being my constituent parts; Connected links on matters circled chain. Exchanging modes, by death renewing life”.
  • 63
    Trad. livre do autor: “increase instead of remedy of those miseries”; “arising from the free communication of thought”; “That truth will appear in the beauty of its nakedness”.
  • 64
    Trad. livre do autor: “substance in action”.
  • 65
    Trad. livre do autor: “Matter and its dispersed atoms travel with the mind, and, in the course of a few days or weeks, is dispersed over the whole face of the globe”.
  • 66
    Trad. livre do autor: “Is the vis, or soul of matter, and cause of all action”.
  • 67
    Trad. livre do autor: “But walking for him was not only a mode of locomotion, a means to get to his destination. It was an embodied practice of philosophy, an aid to thinking and a form of research”.
  • 68
    Trad. livre do autor: “The human atom that this moment writes, The next perhaps is bleating on the plain, Then ce enters herb, or earth, or air, Or moves thro’ planets in the solar sphere”.
  • 69
    Na primeira parte de sua Ética, Espinosa (2010)ESPINOSA, Bento de. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. também concebe a substância como aquilo que existe em si mesmo e que por isso mesmo é concebido. Da mesma forma, ele também concebe as coisas existentes como sendo modos dessa substância. Contudo, em toda a discussão sobre os afetos na terceira parte do texto, não há espaço para a noção de uma transmissão das afecções para além do próprio corpo que as sente.
  • 70
    Trad. livre do autor: “operation of the intellectual faculties”.
  • 71
    Trad. livre do autor: “The operation of the intellectual powers is to be guided and governed by utility, till it has discovered the line or orbit of happiness”.
  • 72
    Trad. livre do autor: “utility, which is the god of nature”.
  • 73
    A metáfora da civilização como asilo também é utilizada por Thomas Paine (1945aPAINE, Thomas. Common sense. In: FONER, Philip (Ed.). The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: Citadel Press, 1945a. p. 1-46., p. 19) em Common Sense, panfleto originalmente publicado em 1776.
  • 74
    Se a moralidade, como ele constantemente reafirma, é uma propriedade humana, derivada da volição, é possível inferir que as ações praticadas por outros animais não seriam criadoras deste “karma atômico” sugerido pelo autor. Disso poderíamos inferir que a extinção da espécie humana, embora crie dor em um primeiro momento, a longo prazo proporcionaria harmonia na natureza - solução, contudo, que Stewart não defende. Para isso, claro, é preciso considerar que a dor inscrita nos átomos se dissolve ao longo do tempo, o que também parece ser um pressuposto de suas proposições morais.
  • 75
    Trad. livre do autor: “Think not O man! my dear coequal part, That change awaits a slow dissolving death; O no! that arm that dares uplift the goad On brute or man, some wretched atom flies”.
  • 76
    Trad. livre do autor: “religion of nature”.
  • 77
    Trad. livre do autor: “In every country that I have travelled into, I have always observed that morality and religion were constantly in enmity, and where the one reigned, the other was exiled”.
  • 78
    Trad. livre do autor: “spun out in musty volumes of recorded error”.
  • 79
    Trad. livre do autor: “silly doctrines”; “Mr. Locke”; “mind can have no certitude beyond experience”.
  • 80
    Trad. livre do autor: “one-ness of all disease”.
  • 81
    Trad. livre do autor: “Truth is simple upon all subjects, but upon those which are essential to the general happiness of mankind, it is obvious to the menes capacities”.
  • 82
    Trad. livre do autor: “Multiplying diseases, he claimed, was like multiplying the sources of political sovereignty, which every reasonable man knew was wrong, since sovereignty was found only in the people”.
  • 83
    Remeto ao estudo pioneiro de Darnton (1988DARNTON, Robert. O Lado oculto da Revolução: Mesmer e o final do Iluminismo na França. São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 119), quando ele associa o espiritualismo à “morte do Iluminismo”, ao opô-lo à “velha crença na marcha da razão”. Essa observação, certamente, não diminui a importância do autor, inclusive, para as discussões aqui propostas. Afinal, o próprio autor apresenta o mesmerismo como nada estranho e nada absurdo no contexto da ciência do século XVIII, e destaca o flogismo de Priestley (o qual pertencia aos círculos de Stewart), o vitalismo de Berkley e as passagens, por assim dizer, menos ortodoxas da obra de Newton e Franklin (DARNTON, 1988DARNTON, Robert. O Lado oculto da Revolução: Mesmer e o final do Iluminismo na França. São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 13-47).
  • 84
    Trad. livre do autor: “tend to identify the Enlightenment with a single scientific paradigm, and above all with a single criterion of rationality”.
  • 85
    De acordo com Cassirer (1992CASSIRER, Ernst. A Filosofia do Iluminismo. Campinas: UNICAMP, 1992., p. 74), graças a Newton o século XVIII “pensou ter enfim encontrado um solo firme, a fundação que nenhuma descoberta ulterior da física iria abalar”. É evidente que Cassirer reconhecia a existência de uma polifonia de razões (vitalistas, holísticas, radicais) no Iluminismo, mas não deixou de ver no newtonianismo sua melodia principal.
  • 86
    Hunter (2015)HUNTER, Ian. Secularization: the Birth of a Modern Combat Concept. Modern Intellectual History, v. 12, n. 1, p. 1-32, Apr. 2015. nos lembra que a palavra secularização adquire um significado próximo do atual apenas no século XIX. Nesse sentido, o autor nos alerta para o perigo de confundir secularização e multiconfessionalismo, este último uma demanda mais própria da época das luzes.
  • 87
    Trad. livre do autor: “it has been virtually ignored in standard histories of the Enlightenment”.
  • 88
    O que não significa negar a importância da obra de Israel na historiografia contemporânea. O presente estudo, sem dúvida, deve muito a esse autor que, com maestria, demonstrou a presença do materialismo como força “política” na Ilustração e os perigos de pensar o Iluminismo, como ainda é corrente, em termos “nacionais”. Em que pesem as influências de certas dinâmicas “nacionais” nos pensamentos, este artigo apresentou uma série de pensadores e revolucionários que circularam no eixo Pensilvânia-Paris-Londres e, em alguns casos, para além dele. Entender Paine ou Stewart em uma dinâmica nacional certamente seria menos frutífero do que os pensar ao menos em uma dinâmica transatlântica.
  • 89
    Trad. livre do autor: “package of basic values”.
  • 90
    Para uma excelente crítica às ideias de Israel, em especial à suposta recuperação de Espinosa, ver o sétimo capítulo de Lilti (2019)LILTI, Antoine. L’Héritage des lumières. Ambivalences de la modernité. Paris: Média Diffusion, 2019..

Agradecimentos

Sou grato pelas leituras e sugestões feitas pelos amigos Luiz César de Sá e Verônica Calsoni Lima a respeito deste artigo. Agradeço também os membros do Laboratório de História Social (LHS) da Universidade de Brasília, cujas discussões foram fundamentais para o refinamento deste texto.

Referências bibliográficas

  • BOISTE, Pierre-Claude-Victor. Dictionnaire universel de la langue française, avec latin et les étymologies, extrait comparatif, concordance et supplément de tous ses dictionnaires. Manuel encyclopédique et de grammaire, d’orthographe, de vieux langage, de néologie. T. I. Bruxelas: Fréchet, 1828.
  • BRANDE, William Thomas. The Life and Adventures of the Celebrated Walking Stewart: Including His Travels in the East Indies, Turkey, Germany, & America. Londres: E. Wheatley, 1822.
  • BRONSON, Bertrand Harris. Facets of the Enlightenment: Studies in English Literature and its Contexts. Berkeley: University of California Press, 1968.
  • BRUCE’S Voyage to Naples. In: CLAEYS, Gregory (Ed.). Utopias of the British Enlightenment Cambridge: Cambridge University Press, 1994. p. 249-297.
  • BUFFON, Georges Louis Leclerc de. Essai d’arithmétique morale (1777). Paris: Hermann, 1977.
  • CASSIRER, Ernst. A Filosofia do Iluminismo Campinas: UNICAMP, 1992.
  • CLAEYS, Gregory. “The Only Man of Nature that Ever Appeared in the World”: “Walking” John Stewart and the Trajectories of Social Radicalism, 1790-1822. Journal of British Studies, v. 53, p. 636-659, July 2014.
  • DARNTON, Robert. O Lado oculto da Revolução: Mesmer e o final do Iluminismo na França. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
  • DAVIDSON, Edward H.; SCHEICK, William J.. Paine, Scripture, and Authority. The Age of Reason as Religious and Political Idea. Bethlehem: Lehigh University Press, 1994.
  • D’ELIA, Donald J.. Dr. Benjamin Rush and the American Medical Revolution. Proceedings of the American Philosophical Society, v. 110, n. 4, p. 227-234, Aug. 1966.
  • DE QUINCEY, Thomas. Walking Stewart. The London Magazine, v. VIII, p. 253-260, Jul./Dec. 1823.
  • DISRAELI, Isaac. Flim-Flams! or, the Life and Errors of my Uncle, and the Amours of my Aunt. Londres: John Murray, 1805.
  • ERDMAN, David V.. Commerce des lumières: John Oswald and the British in Paris, 1790-1793. Columbia: University of Missouri Press, 1986.
  • ESPINOSA, Bento de. Ética Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
  • FERRONE, Vincenzo. The Enlightenment: History of an Idea. Princeton: Princeton University Press, 2017.
  • FISCHER, Kirsten. Cosmic Kinship: John Stewart’s “Sensate Matter” in the Early Republic. Commonplace: the Journal of Early American Life, v. 15, n. 3, 2015.
  • FISCHER, Kirsten. Vitalism in America: Elihu Palmer’s Radical Religion in the Early Republic. The William and Mary Quarterly, v. 73, n. 3, p. 501-530, July 2016.
  • FURETIÈRE, Antoine. Dictionnaire universel, contenant généralement tous les mots français tant vieux que modernes et les termes de toutes les sciences et des arts. T. I. Haia; Roterdã: Arnout & Reinier Leers, 1690.
  • GROVIER, Kelly. Dream Walker: A Wordsworth Mystery Solved. Romanticism, v. 13, n. 2, p. 156-163, July 2007.
  • GROVIER, Kelly. “Shades of the Prison-House”: “Walking” Stewart, Michel Foucault and the Making of Wordsworth’s “Two Consciousnesses”. Studies in Romanticism, v. 44, n. 3, p. 341-366, 2005.
  • HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública Investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
  • HEISLER, Ron. Walking Stewart: a Forgotten Great Freethinker. Principia Dialectica, v. 1, n. 1, p. 16-19, Jun. 2003.
  • HELVÉTIUS, Claude Adrien. De l’Esprit Paris: Durand, 1769.
  • HUNTER, Ian. Secularization: the Birth of a Modern Combat Concept. Modern Intellectual History, v. 12, n. 1, p. 1-32, Apr. 2015.
  • HUNTER, Paul. The Reluctant Pilgrim: Defoe’s Emblematic Method and Quest for Form in “Robinson Crusoe”. Baltimore: Johns Hopkins Press, 1966.
  • ISRAEL, Jonathan. Enlightenment Contested: Philosophy, Modernity, and the Emancipation of Man 1670-1752. Oxford: Oxford University Press, 2006.
  • JOHNSON, Samuel. A Dictionary of the English Language Dublin: W. G. Jones, 1768.
  • JOHNSON, Samuel. A Dictionary of the English Language Londres: Rivington, Davis, Longman, Law, Dodiley, Dilly, Robinson, Cadell, Robson, Goldsmith, Bew, Murray, Baldwin, Hayes, Wilkie, Stalker, 1792.
  • JOHNSON, Samuel; WALKER, John. A Dictionary of the English Language Londres: George Cowie and Co. Poultry, 1828.
  • JONES, Ewan James. John “Walking” Stewart and the Ethics of Motion. Romanticism, v. 21, n. 2, p. 119-131, 2015.
  • KOVACS, Alexandra. A Historiography of Vegetarianism in Antiquity. Mare Nostrum, v. 10, n. 1, p. 10-30, 2019.
  • LILTI, Antoine. A Invenção da celebridade (1750-1850). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
  • LILTI, Antoine. L’Héritage des lumières Ambivalences de la modernité. Paris: Média Diffusion, 2019.
  • MANUEL lexique, ou dictionnaire portatif des mots françois, dont la signification n’est pas familière à tout le monde. T. I. Paris: Les Libraires Associés; Liège: Jean-Jacques Tutot, 1788.
  • MARANGOS, John. Thomas Paine (1737-1809) and Thomas Spence (1750-1814) on land ownership, land taxes and the provision of citizens’ dividend. International Journal of Social Economics, v. 35, n. 5, p. 313-325, 2008.
  • MARAT, Jean-Paul. De L’Homme ou des principes et des loix de l’influence de l’âme sur le corps, et du corps sur lâme. T. I. Amsterdam: Marc-Michel Rey, 1775.
  • MARSHALL, Peter James. The British Discovery of Hinduism in the Eighteenth Century Cambridge: Cambridge University Press, 1970.
  • MAY, Henry Farnham. The Enlightenment in America. Nova York: Oxford University Press, 1976.
  • MOLE, Tom. Catching up with Walking Stewart. In: LENNARTZ, Norbert (Ed.). The Lost Romantics Forgotten Poets, Neglected Works and One-Hit Wonders. Cham: Palgrave Macmillan 2020. p. 111-129.
  • MORTON, Timothy. The Pulses of the Body: Romantic Vegetarian Rhetoric and its Cultural Contexts. In: COPE, Kevin (Ed.). 1650-1850: Ideas, Aesthetics, and Inquiries in the Early Modern Era. V. 4. Nova York: AMS Press, 1998. p. 53-88.
  • NESTROVSKI, Sofia Scarinci. O Único lugar, afinal, onde podemos encontrar a felicidade: o mundo e William Wordsworth. 2018. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
  • NEWTON, John Frank. The Return to Nature, or, a Defence of the Vegetable Regimen Londres: T. Cadell and W. Davies, 1811.
  • OSWALD, John. The Cry of Nature; Or, an Appeal to Mercy and to Justice, on Behalf of the Persecuted Animals Londres: J. Johnson, 1791.
  • PAGDEN, Anthony. La Ilustración: y por qué sigue siendo importante para nosotros. Madrid: Alianza, 2015.
  • PAINE, Thomas. Rights of Man: Being an Answer to Mr. Burke’s Attack on the French Revolution. Part 1. Londres: J. Johnson, 1791.
  • PAINE, Thomas. Common sense. In: FONER, Philip (Ed.). The Complete Writings of Thomas Paine Nova York: Citadel Press, 1945a. p. 1-46.
  • PAINE, Thomas. The Age of Reason. Being an Investigation of True and Fabulous Theology. In: FONER, Philip (Ed.). The Complete Writings of Thomas Paine Nova York: Citadel Press, 1945b. p. 463-604.
  • PALMER, Elihu. Principles of Nature; or, a Development of the Moral Causes of Happiness and Misery Among the Human Species Filadélfia: World Union of Deists, 2016.
  • PHILP, Mark. Godwin’s Political Justice Londres: Duckworth, 1986.
  • PREECE, Rod. Sins of the Flesh: A History of Ethical Vegetarian Thought. Vancouver: UBC Press, 2008.
  • REILL, Peter Hanns. Vitalizing Nature in the Enlightenment. Berkeley; Los Angeles; Londres: University of California Press, 2005.
  • RUSSELL, Bertrand. Por que não sou cristão Porto Alegre: L&PM Pocket, 2011.
  • SALT, Henry S. Walking Stewart, a Sketch of an Eccentric Pedestrian. Temple Bar, v. 93, s/p, Dec. 1891.
  • SKINNER, Quentin. Significado e interpretação na História das Ideias. Tempo e Argumento, v. 9, n. 20, p. 358-399, jan./abr. 2017.
  • STEWART, John. The Apocalypse of Nature; Wherein the Source of Moral Motion Is Discovered. Londres: J. Ridgway, [179-].
  • STEWART, John. The Tocsin of Britannia, with a Novel Plan for a Constitutional Army Londres: J. Owen, 1794a.
  • STEWART, John. Good Sense: Addressed to the British Nation, as their Pre-eminent and Peculiar Characteristic, in the in the Present Awful Crisis, or War of Social Existence. Exhibiting the Actual and Eventful State of Various Nations. Londres: J. Owen, 1794b.
  • STEWART, John. The Revelation of Nature, with the Prophecy of Reason Nova York: Mott & Lyon, 1795.
  • STEWART, John. The Scripture of Reason and Nature the Laws of Intellect: the Laws of Virtue; the Laws of Policy; the Laws of Physiology, or, the Philosophy of Sense; Developing the Origin, end, Essence and Constitution of Nature. [S. l. ]: T. Egerton, 1813.
  • STUART, Tristram. The Bloodless Revolution: a Cultural History of Vegetarianism from 1600 to Modern Times. Nova York: WW Norton & Company, 2007.
  • THE ANNUAL Biography and Obituary. V. 7. Londres: Longman, 1823.
  • TIMBS, John. English Eccentrics and Eccentricities Londres: Chatto and Windus, 1866.
  • TIMBS, John. English Eccentrics and Eccentricities Londres: Chatto and Windus, 1875.
  • TOLKIEN, John Ronald Reuel. The Fellowship of the Ring: Being the First Part of the Lord of the Rings. Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2012.
  • WEEMS, Mason Locke. The Life of Washington Cambridge: Harvard University Press, 1962.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2021
  • Revisado
    18 Abr 2021
  • Aceito
    10 Maio 2021
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: variahis@gmail.com