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A Mobilização do relatório Brasil: Nunca Mais nas sugestões encaminhadas pela população à Assembleia Nacional Constituinte

The Mobilization of the Brasil: Nunca Mais Report in the Suggestions Sent by the Population to the National Constituent Assembly

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sobre as recepções e apropriações do relatório Brasil: Nunca Mais a partir das sugestões apresentadas por seus leitores à Assembleia Nacional Constituinte. O objetivo é explicitar a importância do relatório na formulação e na transmissão de uma perspectiva sobre o passado que confrontava a política de esquecimento imposta pela ditadura civil-militar. Utiliza-se o fundo documental do Projeto Diga Gente, que deu origem ao Sistema de Apoio Informático à Constituinte (SAIC), disponível no sítio do Senado Federal. Argumenta-se que essas pessoas, ao mobilizarem sua leitura do Brasil: Nunca Mais, evidenciam certas representações sobre o passado ditatorial articuladas a determinadas expectativas de futuro e apresentam motivações específicas para a transmissão da experiência do terrorismo de Estado em uma conjuntura de transformações institucionais e políticas. Dessa forma, é possível compreender, parcialmente, a difusão, a circulação, a recepção e os usos do Brasil: Nunca mais e sua importância na conformação de uma memória da ditadura durante a transição política.

Palavras-chave:
Brasil: Nunca Mais; Assembleia Nacional Constituinte; Projeto Diga Gente

Abstract

This article proposes a reflection on the receptions and appropriations of the Brasil: Nunca Mais report based on the suggestions presented by its readers to the National Constituent Assembly. The objective is to explain the importance of the report in formulating and transmitting a perspective on the past that confronted the policy of forgetfulness imposed by the Brazilian civil-military dictatorship. The Diga Gente project, available on the website of the Federal Senate, that originated the computer support system for the Constituent Assembly, is the main source for this research. It is argued that readers of Brasil: Nunca Mais, when mobilizing the report, convey certain representations about the dictatorial past articulated to certain expectations of the future. These people also present specific motivations for the transmission of the experience of State terrorism in a context of institutional and political transformation. It is therefore possible to partially understand the diffusion, circulation, reception, and uses of Brasil: Nunca Mais and its importance in shaping a memory of the dictatorship during the political transition.

Keywords:
Brasil: Nunca Mais; National Constituent Assembly; Diga Gente Project

Introdução

Esta reflexão situa-se em um ponto de intersecção entre dois projetos de pesquisa. Anteriormente, estudei o livro Brasil: Nunca Mais (BNM), problematizando a construção da memória sobre a ditadura civil-­militar brasileira durante a transição política. As representações do passado presentes na obra desempenharam um papel importante naquela conjuntura, buscando influenciar o processo transicional, principalmente na elaboração de políticas de memória. Atualmente, sigo pesquisando os anos 1980 e a memória da ditadura, porém explorando as manifestações e os usos desse passado por diferentes sujeitos durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte (ANC).

Um dos principais fundos documentais utilizados para esta pesquisa é o Sistema de Apoio Informático à Constituinte (SAIC), disponível nas Bases Históricas do Portal da Constituição Cidadã da Câmara Federal.1 1 Cf. BASES HISTÓRICAS. Portal da Constituição Cidadã. In: Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras /constituicao-cidada/o-processo-constituinte/bases-historicas>. Acesso em: 14 mar. 2021. Surpreendentemente, esse fundo documental é pouco explorado pela historiografia, sendo as principais produções oriundas da Educação Física (SANTOS, 2011) e do Direito (SANTOS, 2015). O SAIC armazena 72.719 cartas-resposta enviadas ao Congresso Nacional no âmbito do Projeto Diga Gente, que incentivava a população a participar do projeto de elaboração da constituição enviando sugestões aos constituintes. A partir do mecanismo de busca presente no sítio da Câmara, realizo buscas por palavras-chave relacionadas à ditadura civil-militar e, dessa forma, encontro algumas evidências de como o passado ditatorial é mobilizado para a elaboração das sugestões à constituição.

O encaminhamento de uma proposta de constituinte pelo então presidente José Sarney (junho de 1985), o lançamento do livro BNM (julho de 1985), e o início do Projeto Diga Gente (março de 1986) eram cronologicamente muito próximos, e a leitura da obra poderia ter influenciado alguns indivíduos. Realizando uma pesquisa pela palavra-chave “Brasil: Nunca Mais” no SAIC, encontrei sete cartas-resposta, escritas por cinco pessoas diferentes, que faziam referência ao livro.

Suas sugestões apresentadas à ANC, desta forma, poderiam conter indícios sobre as recepções e apropriações do BNM. Além disso, auxiliariam na compreensão do papel do relatório na formulação e na transmissão de uma narrativa sobre o passado que confrontava a política de esquecimento da ditadura civil-militar, materializada pela lei de anistia e perpetuada pela administração civil de Sarney.

Ao mobilizarem a leitura do BNM para elaborar suas contribuições à constituição, essas pessoas explicitam determinadas representações sobre o passado ditatorial, bem como certas expectativas de futuro, apresentando motivações específicas para a transmissão da experiência do terrorismo de Estado em uma conjuntura de transformações institucionais e políticas. Este artigo procura analisar essa recepção e essa apropriação do BNM.

Recepção, tradição, fortuna, influência ou legado, o BNM pode ser estudado através de distintas abordagens,2 2 Para uma revisão bibliográfica sobre os estudos de recepção, passando por diferentes campos e diversos autores, como Paul Ricoeur, Hans-Robert Jauss, Wolfgang Iser, Michel de Certeau e Julia Kristeva, ver Burke (2019). o que resultaria em diferentes compreensões sobre seu papel na conjuntura de transição política civil.3 3 Por “transição política civil”, compreendo o período da presidência de José Sarney, em que, formalmente, conclui-se o processo de transição com a reorganização do Estado através da constituição de 1988 e a realização de eleições diretas e livres em 1989, a despeito das continuidades presentes no texto constitucional e das “metamorfoses ideológicas” de certos partidos e políticos. Acredito que este artigo possa contribuir para os estudos sobre a recepção e a apropriação do BNM e sua importância na conformação de uma memória da ditadura naquela conjuntura.

No desenvolvimento da pesquisa sobre o livro, deparei-me com muitas dificuldades em encontrar registros de leituras que pudessem ser transformados em fontes: a Editora Vozes não possuía um acervo de correspondências recebidas, onde poderia encontrar alguma carta de um leitor; nas seções de jornais e revistas abertas à participação do público ou nas resenhas de livros, foram poucas as menções ao BNM; e, na documentação da Arquidiocese de São Paulo disponível no sítio BNM Digit@l,4 4 Ver BNM Digit@l. Disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/>. Acesso em: 31 jan. 2022. há apenas o registro de agradecimentos de entidades que receberam a publicação enviada por correio. Encontrar os leitores de determinada obra e seus registros de leitura é um desafio para os historiadores, ainda mais sendo a atividade leitora uma produção silenciosa (CHARTIER, 1998bCHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Ed. UnB, 1998b.), raramente confidenciada (CHARTIER, 2011CHARTIER, Roger. Prefácio. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011a. p. 19-22., p. 20-21).

As cartas-resposta apresentaram-se como uma possibilidade de “encontrar” esses leitores, mas também possuem limitações e implicaram uma série de desafios para a elaboração desta análise.

Sendo os únicos vestígios de leitura a que tive acesso, foi importante não incorrer em generalizações nem considerar essas experiências particulares de recepção e apropriação como uma regra. Chartier (2011bCHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011b. p. 77-105., p. 100) chama a atenção para “a pluralidade das leituras possíveis do mesmo texto, em função das disposições individuais, culturais e sociais de cada um dos leitores”. Mesmo que o ato de ler o BNM seja uma experiência compartilhada, existem condições diferenciadas de apropriação do texto e de mobilização de seu conteúdo vinculadas a diferentes marcadores sociais e questões subjetivas. Além disso, as recepções e apropriações não geraram apenas adesão, como explicitado pelo conjunto documental abordado neste artigo, mas também atos de desconfiança e rechaço, como, por exemplo, as avaliações realizadas pelo aparato repressivo da ditadura, ainda em atividade; os processos judiciais movidos por pessoas citadas na obra, que se sentiram lesadas com as denúncias; ou com a elaboração de respostas negacionistas, como a publicação do livro Brasil: Sempre (GIORDANI, 1986GIORDANI, Marco Pollo. Brasil Sempre. Porto Alegre: Tchê!, 1986.).

Portanto, para evitar incorrer em uma “coleção de estudos de caso”, segui a recomendação de Chartier (2011bCHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011b. p. 77-105., p. 96-97) para procurar na obra um “protocolo de leitura”, uma forma esperada de se ler o livro, que corresponderia às expectativas e aos objetivos dos participantes do projeto, dos autores e dos editores:

Com efeito, podemos definir como relevante à produção de textos as senhas, explícitas ou implícitas, que um autor inscreve em sua obra a fim de produzir uma leitura correta dela, ou seja, aquela que estará de acordo com sua intenção. Essas instruções, dirigidas claramente ou impostas inconscientemente ao leitor, visam a definir o que deve ser uma relação correta com o texto e impor seu sentido. Elas repousam em uma dupla estratégia de escrita: inscrever no texto as convenções, sociais ou literárias, que permitirão a sua sinalização, classificação e compreensão empregar toda uma panóplia de técnicas, narrativas ou poéticas, que, como uma maquinaria, deverão produzir efeitos obrigatórios, garantindo a boa leitura. Existe aí um primeiro conjunto de dispositivos resultantes da escrita, puramente textuais, desejados pelo autor, que tendem a impor um protocolo de leitura, seja aproximando o leitor a uma maneira de ler que lhe é indicada, seja fazendo agir sobre ele uma mecânica literária que o coloca onde o autor deseja que esteja.

Para finalizar esta parte introdutória, duas informações. Primeira­mente, mantive a grafia das cartas-resposta como transcritas para a base de dados SAIC, respeitando o mesmo procedimento realizado pelos servidores participantes do Projeto Diga Gente, que mantiveram os erros gramaticais e ortográficos das sugestões. Depois, que os leitores, embora identificados nas cartas-resposta, terão suas identidades preservadas. Durante a realização da pesquisa, tentei contatá-los através de e-mails e de redes sociais, perguntando se tinham interesse em acessar suas sugestões e me conceder um relato sobre suas memórias da leitura do BNM e de sua participação enviando sugestões à ANC. Buscava, dessa forma, produzir outra fonte que me permitisse trabalhar a memória da leitura, mas também da participação no Projeto Diga Gente. Apenas uma pessoa me respondeu e, após receber uma cópia de seu cartão-­resposta, não retornou meus contatos.

A transição política e a memória da ditadura

Parece haver consenso nos estudos sobre a transição política5 5 Cf. as análises presentes em Santos; Teles; Teles (2009, v. 1 e v. 2). sobre o caráter amnésico da lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1979, a lei de anistia, o que permite compreendê-la como uma política de esquecimento e silenciamento da ditadura civil-militar, que buscava a interdição do passado através da supressão dos direitos à memória e à verdade. Da mesma forma, pode ser considerada como uma medida jurídica que materializou os anseios conciliatórios das Forças Armadas e de setores civis que apoiaram o regime ditatorial, tantas vezes conclamados em manifestações públicas. Diferentes setores, mais ou menos cônscios dessa estratégia de interdição do passado, deram início à construção de uma memória alternativa à versão oficial propalada pela ditadura, como uma forma de enfrentamento ao esquecimento e ao silenciamento. Ex-presos e perseguidos e familiares de mortos e desaparecidos políticos, que foram obrigados a conviver com suas experiências traumáticas como se fossem um fenômeno unicamente privado, configurando um processo de “privatização da memória” (LIRA, 2009LIRA, Elizabeth. Las resistencias de la memoria. Olvidos jurídicos y memorias sociales. In: VINYES, Ricard (Ed.). El Estado y la memoria: gobiernos y ciudadanos frente a los traumas de la historia. Barcelona: RBA, 2009. p. 67-116., p. 72), reivindicavam que suas experiências fossem reconhecidas e inscritas na memória social.

Documentários e filmes, programas radiofônicos e televisivos, publicações de diferentes matizes e reportagens jornalísticas registravam essas e outras “memórias subterrâneas”, e, paulatinamente, constituíram um “arquivo da ditadura” (FIGUEIREDO, 2017FIGUEIREDO, Eurídice. A literatura como arquivo da ditadura brasileira. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2017.), uma coletânea de experiências não inscritas socialmente porque negadas pelo regime. Esse processo foi impulsionado pela revogação do ato institucional n. 5, da censura prévia e da lei de imprensa, ainda que a lei de segurança nacional seguisse vigente e o aparato repressivo da ditadura demonstrasse inconformidade com os rumos da transição política.

Em relação às publicações, Flamarion Maués (2014)MAUÉS, Flamarion. Livros, editoras e oposição à ditadura. Estudos Avançados, v. 28, n. 80, p. 91-104, 2014. afirma que, em meados dos anos 1970, surgiu um movimento editorial oposicionista, sendo lançados livros de parlamentares de oposição, depoimentos de exilados e ex-presos políticos, livros e romances-reportagem, memórias e outras obras de denúncia contra o governo. Maués (2014MAUÉS, Flamarion. Livros, editoras e oposição à ditadura. Estudos Avançados, v. 28, n. 80, p. 91-104, 2014., p. 92-93) elabora a hipótese de que as publicações dessa conjuntura editorial não podem ser vistas como um mero reflexo das transformações políticas e sociais, mas como coadjuvantes no curso dos acontecimentos:

As editoras de oposição - e os livros que publicaram - conformaram o que podemos chamar de edição política no país. Ao realizar um trabalho editorial que vinculava de modo direto engajamento político e ação editorial, essas editoras - e seus editores - atuaram com clara intenção política de intervenção social, tornando-se sujeitos ativos no processo político brasileiro no período final da ditadura. (...) Assim, parece que nenhum livro de oposição era apenas um produto editorial e comercial. Ele era uma manifestação política pública, que se dirigia aos formadores de opinião, ou ao menos tinha essa pretensão. É claro que tal projeto, que estava como que impresso em cada página dos livros de oposição, trazia em si as limitações inerentes ao veículo livro, limitações essas relacionadas ao público leitor, à distribuição e ao alcance efetivo dessas obras, a seu impacto real na conjuntura política do país etc.

Já nos anos 1980, esses debates sobre a ditadura foram potencializados pela transição política argentina e a responsabilização penal das Juntas Militares, amedrontando as elites brasileiras quanto a um possível “aprendizado por contágio” (BAUER, 2014BAUER, Caroline Silveira. Conciliação e revanchismo ao término da ditadura civil-militar brasileira: a perpetuação do medo através do perigo da “argentinização” da transição política. Diálogos, v. 18, n.1, p. 121-145, jan./abr. 2014.); pela pressão de setores da sociedade para que Sarney ratificasse a convenção interamericana para prevenir e punir a tortura e a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; e pelo lançamento do BNM e a posterior divulgação de uma lista de 444 torturadores arrolados a partir das investigações realizadas pelo grupo nos processos localizados no Supremo Tribunal Militar (STM).

Essa contextualização é importante para compreender a conjuntura cultural e política de lançamento do BNM. De certa forma, o livro buscava intervir nos rumos da transição política brasileira e influenciar a tomada de decisão quanto a assuntos vinculados à ditadura. Nesse sentido, merece destaque não somente o grupo, mas a própria editora Vozes, que, desde o final dos anos 1960, “com frei Ludovico Gomes de Castro como diretor geral e Rose Marie Muraro e Leonardo Boff na área editorial” (MAUÉS, 2014MAUÉS, Flamarion. Livros, editoras e oposição à ditadura. Estudos Avançados, v. 28, n. 80, p. 91-104, 2014., p. 99), passou a publicar obras de autores do campo da esquerda e literatura feminista.

Como parte desse “arquivo” da ditadura, o BNM contribuiu para a conformação de narrativas sobre a ditadura civil-militar brasileira, que configuraram certa cultura histórica. O BNM, portanto, interage com essa conjuntura cultural, não somente com a política, com a qual estava em franca oposição.

Lembre-se que o livro foi lançado apenas três meses após a posse de Sarney, que manteve o pacto do ex-senador Tancredo Neves com as Forças Armadas, expresso nesta manifestação de janeiro de 1985:

Reabrir esse problema [dos crimes cometidos pelos militares durante a ditadura] seria implantar no Brasil um revanchismo, e nós não cuidaríamos do presente nem do futuro. Todo nosso tempo seria pequeno para voltarmos realmente a esse rebuscar, a essa revisão, a esse processo de inquirição sobre o passado. Não creio que a sociedade brasileira aspire por isso (citado por FIGUEIREDO, 2015FIGUEIREDO, Lucas. Lugar nenhum: militares e civis na ocultação dos documentos da ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 49-50).

Antes do lançamento do livro BNM ou do “boom memorial” do final dos anos 1970, houve uma série de iniciativas para construir um conhecimento social sobre o terrorismo de Estado, enfrentando o negacionismo e o silenciamento do regime. A publicação de Tortura e Torturados, de Marcio Moreira Alves, em 1966ALVES, Márcio Moreira. Torturas e torturados. Rio de Janeiro: Idade Nova, 1966., apenas dois anos após o golpe civil-militar, uma coletânea de seus textos publicados no Correio da Manhã; as reportagens investigativas de jornais e revistas, que muitas vezes estamparam suas capas; a publicação de diversas “listas de torturadores”; e as denúncias realizadas no exterior são exemplos de enfrentamento à ditadura e à censura, e de rompimento do silêncio do Estado.

Contudo, o impacto social desses temas foi muito maior em uma conjuntura em que era possível deliberar sobre eles e, durante os trabalhos da ANC, as temáticas concernentes à ditadura e ao terrorismo de Estado voltaram à pauta, principalmente quando se discutiram seções da constituição que poderiam demarcar uma ruptura com a ordem ditatorial precedente. Além disso, como assinala Aldo Marchesi (2015MARCHESI, Aldo. Memórias para cidadãos: uma leitura política dos informes Nunca mais do Cone Sul (1983-1991). In: QUADRAT, Samantha Viz; ROLLEMBERG, Denise (Org.). História e memória das ditaduras do século XX. V. 2. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2015. p. 265-280., p. 266), “nenhum trabalho prévio havia adquirido o nível de sistematização da informação, acesso a fontes e legitimidade em sua produção que esses informes [Nunca Mais] alcançaram”.

Novamente reivindicaram-se sentidos do passado forjados desde a conjuntura de votação da lei de anistia, e se criaram outras interpretações que colaboraram para o caráter continuísta, incompleto e metaforizado da transição política brasileira.

O livro

Diversos pesquisadores analisaram a constituição do grupo que trabalhou no projeto, na elaboração da pesquisa e na publicação de BNM (WESCHLER, 1990WESCHLER, Laurence. Um milagre, um universo: o acerto de contas com os torturadores. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.; SERBIN, 2001SERBIN, Kenneth P.. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.; LIMA, 2003LIMA, Samarone. Clamor: a vitória de uma conspiração brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.; BAUER, 2008BAUER, Caroline Silveira. A Produção dos relatórios Nunca Mais na Argentina e no Brasil: aspectos das transições políticas e da constituição da memória sobre a repressão. Revista de História Comparada, v. 2, n. 1, p. 1-19, 2008.; GREEN, 2009GREEN, James. Apesar de vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.; MAUÉS, 2013MAUÉS, Flamarion. Livros contra a ditadura: editoras de oposição no Brasil. São Paulo: Publisher, 2013.; BRITO, 2014BRITO, André Souza. “Cristianismo ateu”: o movimento ecumênico nas malhas da repressão militar do Brasil, 1964-1985. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014.; GOMES, 2014GOMES, Paulo Cesar. Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: a visão da espionagem. Rio de Janeiro: Record, 2014.). A seguir, apresentam-se brevemente algumas informações sobre o conteúdo, o lançamento e a recepção do livro, a fim de buscar elementos contextuais comuns aos seus leitores que participaram do Projeto Diga Gente.

Brasil: Nunca Mais foi posto à venda nas livrarias brasileiras no dia 15 de julho de 1985, sem lançamento ou propaganda prévios. A primeira edição, de 5 mil exemplares, esgotou-se em 24 horas. O livro foi reimpresso dezenas de vezes e, em seis meses, já havia vendido 100 mil exemplares. O sucesso editorial foi acompanhado por inúmeras entrevistas e reportagens publicadas em jornais e revistas semanais.

A obra foi uma encomenda aos jornalistas Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, e Ricardo Kotscho, que trabalharam sob a supervisão de Paulo de Tarso Vannuchi (CUNHA, 2014CUNHA, Magali do Nascimento. Memória, verdade e justiça: o Projeto Brasil Nunca Mais e a comunicação alternativa nos anos de chumbo no Brasil. Lumina, v. 8, n. 2, dez. 2014.). Sua tarefa era sistematizar as análises de mais de setecentos processos fotocopiados do STM realizadas por uma equipe anônima de voluntários.6 6 Desde a promulgação do ato institucional n. 2, a competência para julgamento de crimes contra a segurança nacional cometidos ou pretensamente cometidos por civis foi transferida para a Justiça Militar, motivo pelo qual o interesse do grupo recaiu sobre esses fundos documentais, especialmente o STM, instância máxima de apelação e recurso para os crimes contra a segurança nacional.

Lucas Figueiredo (2013FIGUEIREDO, Lucas. Olho por olho: os livros secretos da ditadura. Rio de Janeiro: Record, 2013., p. 47-57) afirma que o livro estava pronto em outubro de 1984, porém a conjuntura se caracterizava pela instabilidade política, temendo-se a não realização das eleições presidenciais marcadas para o início do ano seguinte. Assim, o lançamento foi postergado para março de 1985, quando o sucessor do general João Batista Figueiredo estaria eleito e empossado. Entretanto, a doença e a morte de Tancredo Neves, eleito no pleito de 15 de janeiro de 1985, fizeram com que o lançamento fosse novamente adiado, agora para julho de 1985.

Embora se saiba que foram esses jornalistas que trabalharam na redação do livro BNM, a autoria não é revelada na obra, o que permite formular algumas hipóteses. Primeiramente, essa ausência poderia evidenciar uma “tradição paroquial de anonimato” (CHARTIER, 1998bCHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Ed. UnB, 1998b., p. 43), condizente com a dimensão religiosa do projeto. Depois, que a preservação das identidades visava à proteção dos envolvidos frente a uma conjuntura imprevisível. Ainda, que os integrantes da pesquisa e os autores do livro possuíam uma “vontade de verdade”, reproduzindo “objetivamente” o conteúdo dos arquivos militares, sem os possíveis vieses subjetivos caraterísticos de qualquer autoria. Na obra, apenas os prefácios são assinados, um pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, frei Dom Paulo Evaristo Arns, e outro pelo ex-secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas, Philip Potter.

O livro seria lançado com o título Testemunhos Pró-Paz, mas foi alterado para Brasil: Nunca Mais. Não se pode afirmar que a publicação do relatório da Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas (CONADEP) na Argentina, intitulado Nunca Más, tenha influenciado nessa mudança. Alguns membros da coordenação atuavam em organizações e redes de direitos humanos transnacionais,7 7 Para um estudo comparativo dos relatórios Nunca Mais do Cone Sul, ver Marchesi (2015). porém Jaime Wright procurou diferenciar a publicação brasileira do que havia sido feito antes: se, “até então, as entidades de direitos humanos tinham denunciado os efeitos da repressão: os sequestros, as torturas, os desaparecimentos, as mortes, o terror institucionalizado”, Brasil: Nunca mais procurava “(1) denunciar as causas da repressão; e (2) preservar a memória do que aconteceu. (...) Com a memória do que aconteceu as gerações futuras teriam um instrumento fundamental para evitar sua repetição” (citado por BRITO, 2014BRITO, André Souza. “Cristianismo ateu”: o movimento ecumênico nas malhas da repressão militar do Brasil, 1964-1985. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014., p. 368).

Ao analisar a estrutura e o conteúdo do BNM, percebe-se que a tortura foi o fio condutor para a escrita do livro, estando presente também nos textos assinados. Por exemplo, Philip Potter, um dos integrantes do projeto, historiciza a prática da tortura no Brasil em seu prefácio:

O que aconteceu no Brasil precisa ser visto à luz da sua longa história desde 1500 quando os primeiros colonizadores chegaram. O tratamento dos índios, a cruel instituição da escravidão que somente foi abolida em 1888, e a forma violenta como o Brasil foi explorado através dos séculos, tudo isso deixou suas marcas na mentalidade do povo e especialmente nas classes dominantes. Infelizmente, a época da colonização foi também a época da Inquisição da Igreja, o que fez com que a igreja ficasse inibida, na sua tarefa evangelizadora, de disseminar os valores da dignidade humana e justiça para todos. (...) Este livro é, por conseguinte, um apelo para que sejam repensados os valores e atitudes tradicionais (ARQUIDIOCESE, 1985ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985., p. 18).

A primeira parte do livro, intitulada Castigo cruel, desumano e degradante, é inteiramente dedicada à prática da tortura. A partir da reprodução de trechos dos testemunhos presentes nos processos, é elaborada uma tipologia das sevícias. Nas seções seguintes, que abordam a montagem e o funcionamento do aparato repressivo, o perfil dos atingidos e a legislação e as práticas que embasaram os processos judiciais, o tema segue presente. Os autores afirmam que a tortura era empregada desde a prisão ou o sequestro, passando pelos interrogatórios, o que resultou muitas vezes em confissões falsas ou depoimentos forjados. Utilizando os documentos, denunciam a cumplicidade de médicos nas sessões de tortura e no ocultamento de informações nos atestados de óbito. Relatam, ainda, as consequências físicas e psicológicas dessas práticas. E, na sexta e última parte da obra, chamada Os limites extremos da tortura, abordam os centros clandestinos de repressão, os mortos sob tortura e os desaparecidos políticos. Dos cinco anexos, três possuem relação direta com esse fio condutor: uma historicização da prática da tortura, a declaração sobre tortura e a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes, esta última adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984.

O destaque dado no BNM à prática da tortura durante a ditadura civil-militar pode ser explicado pela abundância dos casos registrados nos processos do STM - o que também poderia indicar uma frequência elevada de seu emprego pelos órgãos do aparato repressivo, ou ainda apontar para uma estratégia de enfatizar um tema que despertava a curiosidade em uma conjuntura de construção do conhecimento social sobre a ditadura.

Pode, ainda, evidenciar um dos objetivos dos membros do projeto com a publicação: a promulgação pelo Brasil da convenção contra a tortura. Como dito anteriormente, o BNM buscava intervir diretamente na transição política, e o fez através de sua “denúncia profética” e da “preservação da memória do arbítrio” (BRITO, 2014BRITO, André Souza. “Cristianismo ateu”: o movimento ecumênico nas malhas da repressão militar do Brasil, 1964-1985. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014., p. 363-364). Se, como coletivo, posicionou-se contrariamente a “organizar um sistema de provas para apresentação em qualquer Nuremberg brasileiro” (ARQUIDIOCESE, 1985ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985., p. 26), explicitamente reivindicavam que o Brasil promulgasse a convenção. O prefácio Testemunho e Apelo, escrito pelo frei Dom Paulo Evaristo Arns, encerra-se com essa demanda ao governo brasileiro.

Algumas semanas depois do lançamento do livro, em 23 de setembro de 1985, Sarney (2008SARNEY, José. Abertura dos Debates da Assembléia Geral da ONU - Afirmação da Soberania Brasileira. In: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Discursos Selecionados do Presidente José Sarney. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. p. 7-22., p. 12) anunciava em seu discurso no plenário da Organização das Nações Unidas em Nova York a adesão do Brasil à convenção, e afirmava: “Com essas decisões o povo brasileiro dá um passo na afirmação democrática do seu Estado e reitera, perante si mesmo e perante toda a comunidade internacional, o compromisso solene com os princípios da Carta da ONU e com a promoção da dignidade humana”. No final de novembro, o presidente encaminhou ao Congresso o texto para ratificação. Em um longo processo, porém, a promulgação da convenção no Brasil ocorreu apenas no governo de Fernando Collor de Mello, através do decreto n. 40, de 15 de fevereiro de 1991.

Não se pode afirmar que Sarney tenha aderido à convenção em função das demandas presentes no BNM. Entretanto, como esse era um dos objetivos explicitados pela publicação, pode-se considerar uma forma de interferência no processo de transição política.

Quanto ao seu sentido e ao seu significado, o BNM pode ser compreendido como uma contraposição ao projeto da ditadura para a transição política: ao invés da promoção do esquecimento e do silenciamento através de uma reconciliação extorquida, apresenta uma narrativa distinta sobre a ditadura, denunciando o terrorismo promovido pelo Estado brasileiro. Os próprios integrantes do projeto explicitaram, em diferentes momentos, sua expectativa da contribuição do livro para a construção de uma memória alternativa daquele período.

De acordo com Brito (2014BRITO, André Souza. “Cristianismo ateu”: o movimento ecumênico nas malhas da repressão militar do Brasil, 1964-1985. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014., p. 363),

Nas memórias dos integrantes do projeto Brasil: Nunca Mais, o principal ou uma das maiores motivações era a de preservar a memória de uma época, de um período de arbítrio da História do Brasil, para que as gerações futuras tomassem conhecimento da repressão promovida nos anos ditatoriais contra cidadãos brasileiros. Ao mesmo tempo, almejava-se evitar o esquecimento por parte daqueles que vivenciaram a época.

Nota-se uma preocupação não somente com as formas de transmissão da memória e da experiência, mas também com a pós-memória (HIRSCH, 2012HIRSCH, Marianne. The Generation of Postmemory: Writing and Visual Culture After the Holocaust. Nova York: Columbia University Press, 2012.), a elaboração de narrativas sobre o passado por gerações que se distanciam cronologicamente dos fatos e daqueles que experimentaram certos acontecimentos traumáticos.

Esse zelo está presente no texto de apresentação do livro, que o anuncia como um “trabalho de impacto, no sentido de revelar à consciência nacional, com as luzes da denúncia, uma realidade obscura ainda mantida em segredo” (ARQUIDIOCESE, 1985ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985., p. 26). Ele também está diretamente relacionado com as possibilidades daquele presente, principalmente nos debates sobre uma Assembleia Constituinte para a conclusão do processo de transição política:

Feliz coincidência, esta, do lançamento dos resultados da pesquisa num momento de esperança nacional, de superação do autoritarismo, de reelaboração das leis do país. Num momento em que se anuncia a possibilidade de convocação de uma Assembleia Constituinte que venha a construir instituições democráticas.

Que ninguém participe desse debate nacional sem tomar conhecimento sobre o conteúdo deste livro, para que se possa exigir medidas no sentido de não se repetirem esses anos de perseguição e ódio.

Que ninguém termine a leitura deste livro sem se comprometer, em juramento sagrado com a própria consciência, a engajar-se numa luta sem tréguas, num mutirão sem limites, para varrer da face da Terra a prática das torturas (ARQUIDIOCESE, 1985ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985., p. 26-27).

Em outras partes da obra, percebe-se essa preocupação, que se estende até seu epílogo, uma fala de 1984 de Kelé Maxacali, indígena da aldeia de Mikael, Minas Gerais: “Meu pai contou para mim; eu vou contar para meu filho. Quando ele morrer? Ele conta para o filho dele. É assim: ninguém esquece.” (ARQUIDIOCESE, 1985ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985., s.p.). A referência à transmissão oral poderia evidenciar uma preocupação em que certas experiências fossem compartilhadas entre as gerações mesmo que com o status de “memórias subterrâneas” (POLLAK, 1989POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos históricos, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.), confrontando as narrativas oficiais sobre a ditadura civil-militar e demais relatos hegemônicos.

Existiria, portanto, por parte dos autores, uma preocupação com a transmissão, no sentido de continuidade e fidelidade (BURKE, 2019BURKE, Peter. Historia y teoría de la recepción. Políticas de la Memoria, n. 19, p. 91-102, 2019., p. 92), que asseguraria os sentidos e os significados atribuídos pela equipe envolvida nas diferentes fases do projeto. Sabe-se, no entanto, que essa noção de transmissão como “continuidade” ou “fidelidade” é mais uma expectativa que uma realidade, pois os atos de recepção e apropriação são sempre criativos, e se mesclam com outras referências, são influenciados por novas conjunturas e atravessados pelas subjetividades dos leitores (CHARTIER, 1998bCHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Ed. UnB, 1998b., p. 9).

A tortura, portanto, é um dos protocolos de leitura do BNM. Para os integrantes do projeto e autores do livro, o BNM deveria ser lido a partir desse fio condutor, e, ao longo do texto, foram sendo utilizados vários elementos de convencimento e persuasão (CHARTIER, 2011CHARTIER, Roger. Prefácio. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011a. p. 19-22., p. 20) para reforçar a centralidade dessa prática repressiva. Ambicionavam uma determinada leitura, ou uma leitura possível, que cumprisse suas expectativas. Vejamos, no próximo item, até que ponto a obra cumpriu seus objetivos com as sugestões à elaboração da constituição encaminhadas por um grupo de pessoas no âmbito do Projeto Diga Gente.

Os leitores

O processo constituinte iniciou-se no Brasil com a proposta de ANC encaminhada por Sarney ao Congresso Nacional em junho de 1985, e se estendeu até a aprovação da constituição em 5 de outubro de 1988. Esse recorte, segundo Araújo (2013ARAÚJO, Cícero. O processo constituinte brasileiro, a transição e o poder constituinte. Lua Nova, n. 88, p. 327-380, 2013., p. 330), não significa que as demandas e o debate sobre uma constituinte se restrinjam a esse período. Além de as demandas sobre uma constituinte serem anteriores a 1985, “a questão da forma definitiva da constituição permaneceu aberta ainda durante a década de 1990, por conta do processo e revisão, previsto nas disposições transitórias do texto aprovado em 1988” (ARAÚJO, 2013ARAÚJO, Cícero. O processo constituinte brasileiro, a transição e o poder constituinte. Lua Nova, n. 88, p. 327-380, 2013., p. 330).

Após disputas regimentais e longos debates, foi vitoriosa a proposta de uma Constituinte congressual, que funcionaria paralelamente às atividades ordinárias do Poder Legislativo. Se essa vitória parecia beneficiar “mais um lado da disputa do que outro”, Araújo (2013ARAÚJO, Cícero. O processo constituinte brasileiro, a transição e o poder constituinte. Lua Nova, n. 88, p. 327-380, 2013., p. 334) afirma que “essas mesmas deliberações reconheceram que a assembleia haveria de ser ‘livre e soberana’ para elaborar uma nova constituição”. Isso significava uma derrota dos setores mais conservadores, que defendiam apenas “emendar” a constituição de 1967, já “emendada” em 1969.

Em 15 de novembro de 1986, foram eleitos deputados e senadores que, juntamente com os senadores já eleitos em 1982, seriam os responsáveis pela elaboração da nova constituição, totalizando 559 constituintes.8 8 Como o Diga Gente foi um projeto desenvolvido entre março de 1986 e julho de 1987, e interessa particularmente a mobilização da leitura do livro BNM, não serão considerados eventos posteriores a 1987. Para maiores informações sobre os trabalhos da ANC em toda sua periodização, ver Versiani (2013; 2014).

A participação da sociedade civil nesse processo foi intensa e ocorreu de diferentes formas mais ou menos institucionalizadas e organizadas.9 9 Para uma relação de associações, entidades, movimentos sociais e órgãos representativos que demandavam a participação popular nos trabalhos da ANC, ver Versiani (2013, p. 90-91) e Micheles et al. (1989). Esse alto nível de participação foi a característica mais marcante do processo constituinte (MICHELES et al., 1989MICHELES, Carlos et al. (Org.). Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989., p. 37), e pode ser explicada pelo fato de que se tratava de uma forma simbólica de rompimento com a ditadura, de construção da democracia e do reconhecimento dos direitos da cidadania.

Houve uma preocupação de diferentes movimentos sociais de explicitar para setores da sociedade o que era a Constituinte e qual era sua importância. Paralelamente às greves e mobilizações, a população se manifestou encaminhando sugestões via emendas populares; participando de audiências públicas promovidas pelas subcomissões temáticas; enviando cartas aos constituintes; e integrando projetos como o Plenário Nacional Pró-participação Popular na Constituinte, o Linha direta para a Constituinte10 10 O Linha direta para a Constituinte um era projeto desenvolvido no estado de São Paulo que permitia à população, através de uma chamada telefônica, encaminhar sugestões à constituição (AS SUGESTÕES, 1987). e o Projeto Diga Gente.

O Diga Gente foi um projeto desenvolvido pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal de março de 1986 a julho de 1987, a partir da iniciativa do Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado Federal (Prodasen). A iniciativa permitia o envio de sugestões para elaboração do texto constitucional através de cartas-resposta, disponibilizadas em diversas repartições públicas. Ao retornarem ao Congresso, essas cartas-resposta, compostas por um questionário socioeconômico e um espaço para redação de sugestões, foram sistematizadas; e seu conteúdo, inserido em um banco de dados que poderia auxiliar os constituintes em seu trabalho. Das cinco milhões de cartas-resposta impressas, retornaram a Brasília aproximadamente 1,4%, mais exatamente 72.719 (MONCLAIRE, 1991aMONCLAIRE, Stéphane. A validade do SAIC. In: MONCLAIRE, Stéphane (Coord.). A Constituição desejada: as 72.719 sugestões enviadas pelos cidadãos brasileiros à Assembleia Nacional Constituinte. V. 1. Brasília: Senado Federal, 1991a. p. 15-82., p. 46), cujas informações e sugestões passaram a compor o banco de dados chamado Sistema de Apoio Informático à Constituinte (SAIC).

Ainda que o Projeto Diga Gente possua um formato específico de comunicação, através de uma carta-resposta com espaços pré-definidos para a manifestação dos cidadãos, pode-se inserir a iniciativa em um histórico de práticas de envio de cartas a autoridades que, segundo Maria Helena Versiani (2013VERSIANI, Maria Helena. Linguagens da cidadania: os brasileiros escrevem para a Constituinte de 1987/1988. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2013., p. 16), possui uma tradição no Brasil. A autora cita desde episódios sobre petições elaboradas na conjuntura da Independência e da abdicação do imperador D. Pedro I, até as cartas recebidas por Getúlio Vargas em seu primeiro governo; por João Goulart, enquanto esteve exilado em Montevidéu; e por Filinto Müller, enquanto exercia a função de chefe de Polícia do Distrito Federal.

Na carta-resposta, constava o seguinte texto, que conclamava à participação popular:

FAÇA, VOCÊ TAMBÉM, A NOVA CONSTITUIÇÃO

A Constituinte é um momento importante na vida de todos os povos e no destino das nações democráticas. É a oportunidade em que os cidadãos, usando do seu direito de voto, escolhem aqueles que, em seu nome e reunidos em Assembleia, decidem sobre o papel do Estado, a forma de governo, a ordem econômica e a organização social. (...) O Congresso dá a você a oportunidade de também participar na elaboração da nova Constituição. Para isso basta preencher o formulário que se encontra no verso. Assim você estará, democraticamente, manifestando sua opinião, para que a Assembleia Nacional Constituinte saiba o que você pensa, o que você espera e o que você deseja da futura Constituição brasileira.

Congresso Nacional - Você também é constituinte, participe (MONCLAIRE, 1991bMONCLAIRE, Stéphane (Coord.). A Constituição desejada: as 72.719 sugestões enviadas pelos cidadãos brasileiros à Assembleia Nacional Constituinte. V. 2. Brasília: Senado Federal, 1991b., p. 5).

Percebe-se como o envio de sugestões no âmbito do projeto pode ser considerado uma forma de participação política e de valorização da cidadania após a restrição e a violação de direitos durante a ditadura civil-militar.

Versiani (2013)VERSIANI, Maria Helena. Linguagens da cidadania: os brasileiros escrevem para a Constituinte de 1987/1988. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2013. afirma que o sentimento de estar vivendo um “novo tempo” tornava oportuna a explicitação dos anseios, dos desejos e das insatisfações da população através de uma comunicação direta.11 11 A autora analisou em sua tese de doutorado cartas pessoais que integram o fundo documental Coleção Memória da Constituinte, depositado no Arquivo Histórico do Museu da República. Essas cartas se inserem no conjunto de iniciativas de participação no processo constituinte e foram enviadas a personalidades políticas. Nessas cartas, podem ser identificados comentários, críticas, denúncias, pedidos e sugestões para o futuro texto constitucional. Essa análise, que pode ser extrapolada para as cartas-resposta do Projeto Diga Gente pela concomitância das iniciativas, reforça que “o sentimento de oportunidade e possibilidade participativa move o missivista, que demonstra sua percepção do momento da Constituinte como um momento-chave para a participação política do cidadão e para a reivindicação de direitos” (VERSIANI, 2013VERSIANI, Maria Helena. Linguagens da cidadania: os brasileiros escrevem para a Constituinte de 1987/1988. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2013., p. 16).

Como dito na introdução deste artigo, ao consultar o SAIC, foram encontradas nove cartas-resposta que contêm a expressão “Brasil: Nunca Mais”, trazendo em seu texto indícios da recepção e da apropriação do livro BNM e das percepções sobre a ditadura. A instrumentalização que esses leitores fizeram, encaminhando sugestões no âmbito do Projeto Diga Gente, é um uso criativo da obra, demonstrando que não se trata de consumidores passivos de seu conteúdo, mas de agentes comprometidos individual e coletivamente. Por esse “uso”, configuram uma “comunidade de interpretações” (BAMBA, 2013BAMBA, Mahomed. Introdução. Estudos da recepção e da espectatorialidade cinematográficas: da teoria aos estudos de casos (vice-versa). In: BAMBA, Mahomed (Org.). A Recepção cinematográfica: teoria e estudos de casos. Salvador: Edufba, 2013. p. 9-18.) no momento específico em que ocorre a leitura. Porém, mesmo que tenham lido o BNM em uma mesma conjuntura cultural e política, e que estivessem sob as mesmas “orientações” dos protocolos de leitura da obra, deve-se lembrar que

[a] leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados. (...) Apreendido pela leitura, o texto não tem de modo algum - ou ao menos totalmente - o sentido que lhe atribui seu autor, seu editor ou seus comentadores. Toda história da leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor (CHARTIER, 1998aCHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Ed. Unesp, 1998a., p. 77).

Além disso, no ato de escrita das cartas-resposta, o leitor do BNM torna-se autor e, em seu texto, registra os sentidos e os significados atribuídos à leitura. “O texto implica significações que cada leitor constrói a partir de seus próprios códigos de leitura, quando ele recebe ou se apropria desse texto de forma determinada” (CHARTIER, 1998aCHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Ed. Unesp, 1998a., p. 152).

Aproveitando os dados do questionário socioeconômico presente junto à carta-resposta, tem-se algumas características dessa “comunidade de interpretações”. Ao todo, sete pessoas, seis homens e uma mulher, enviaram sugestões à ANC mobilizando suas leituras do BNM. Duas cartas-resposta foram enviadas pelas mesmas pessoas, e seu conteúdo é idêntico, o que explica a diferença entre nove documentos e sete leitores.

Esses leitores encontravam-se, à época, na faixa etária dos 20 aos 49 anos, ou seja, considerando o ano de início do Projeto Diga Gente, eram indivíduos que nasceram entre 1937 e 1966. Esse recorte, ao ser confrontado com alguns aspectos da história política brasileira e da história da cidadania, possibilita algumas considerações importantes: os mais velhos vivenciaram duas ditaduras, a do Estado Novo (1937-1945) e a implementada com o golpe de 1964; os mais jovens nasceram durante a ditadura e não experimentaram um regime democrático; os mais velhos puderam votar pela primeira vez para presidente da República em 1955, e os nascidos a partir de 1960 ainda não haviam podido votar em eleições para o Executivo federal. Essas experiências podem ter influenciado seu engajamento no envio de sugestões à ANC.

Embora originários de diferentes regiões do Brasil, todos se declararam moradores de zonas urbanas. Esse dado poderia corroborar uma suposição de que, nas cidades, o acesso ao BNM seria mais fácil, em função de uma maior existência de bibliotecas, livrarias etc. Porém, como são múltiplas as possibilidades de acesso ao livro, desde o empréstimo pessoal até a leitura coletiva em atividades em grupo, e como nenhum dos leitores referenciou de que forma o livro se tornou disponível e como realizou a leitura, não é possível confirmar uma vinculação entre o domicílio urbano e o contato com a obra.

Consideração semelhante pode ser feita em relação à escolaridade. Nessa “comunidade de interpretações”, a pessoa com menor escolaridade declarou possuir o segundo grau12 12 O segundo grau corresponde ao atual ensino médio da educação básica. incompleto, enquanto a de maior escolaridade era pós-graduada. Embora a leitura do livro pressuponha a alfabetização, essa não é a única forma de contato com a obra. Seus conteúdos poderiam ser transmitidos oralmente, em família ou entre amigos, em conversas informais ou até mesmo em processos educativos.

Quanto à ocupação, todas as pessoas se encontravam empregadas, recebendo de três a vinte salários mínimos, sendo a maioria possuidora de uma renda entre três e cinco salários mínimos.

A exemplo do que ocorrera com os censos de 1970 e 1980, o questionário não inquiria sobre o pertencimento étnico. Não existem, portanto, informações a esse respeito.

Esses dados contribuem apenas para caracterizar genericamente o grupo de leitores do BNM que mobilizaram a leitura para elaborar sugestões à constituição. Sem outras fontes, contudo, tornam-se insuficientes para aprofundar o estudo da recepção e da apropriação do livro. Passemos à análise das sugestões desses leitores.

O Leitor 1, um homem que tinha entre 30 e 39 anos em 1986, casado, morador de Ibituba, no Espírito Santo, com segundo grau completo e uma renda de três a cinco salários mínimos, enviou sua sugestão diretamente ao constituinte Walmor de Luca, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) de Santa Catarina.

Em seu texto, assim se manifesta:

Uma nova Constituição libertará o Brasil de muitos males e vícios contraídos durante um período que a Nação Brasileira jamais gostará de recordar, ou seja, o ciclo militarista. Há dias terminei de ler o livro “BRASIL: NUNCA MAIS” e confesso, fiquei estarrecido com o que li. Tinha conhecimento de muitas irregularidades e desmandos cometidos neste período, mas jamais poderia imaginar que o poder desviasse suas garras para calar e ferir aqueles que clamavam por justiça, paz e, acima de tudo, o sagrado direito da liberdade. Por isso rogo ao Deputado que use de suas prerrogativas de parlamentar que é, e dê especial ênfase ao assunto relacionado a direitos humanos quando da elaboração da nova Constituição.13 13 SENADO FEDERAL (SF), Brasília. Bases históricas do portal da Constituição Cidadã. SAIC - Sugestões da população para a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Origem L011, 23 fev. 1986, Form. 254, Dv. 1, Tipo 10, 6 nov. 1986.

Pela data em que foi encaminhada a carta-resposta, o Leitor 1 teve acesso ao BNM nos primeiros seis meses após seu lançamento. Percebe-se que a leitura foi instrumentalizada para solicitar “especial ênfase” na temática dos direitos humanos na elaboração da nova constituição. A sugestão se relacionava diretamente à surpresa decorrente do acesso ao livro, ainda que o autor da carta soubesse, anteriormente, das “irregularidades e desmandos cometidos no período”. Sobre a quais fatos o Leitor 1 faz referência e como os conheceu, infelizmente, nada se sabe.

Como uma perspectiva de futuro, o Leitor 1 vislumbrava a nova constituição como libertadora de “males e vícios contraídos durante um período que a Nação Brasileira jamais gostará de recordar, ou seja, o ciclo militarista”. A perspectiva negativa do Leitor 1 sobre a ditadura foi contraposta a uma expectativa quanto à constituição como fim de um período histórico identificado com a necessidade de esquecer.

O Leitor 2, um homem que tinha de 25 a 29 anos em 1986, casado, morador de Amargosa, na Bahia, com ensino superior incompleto e uma renda de dez a vinte salários mínimos, enviou sua sugestão diretamente ao constituinte e presidente da ANC, o deputado Ulysses Guimarães, do PMDB de São Paulo. O Leitor 2 também teve acesso ao BNM poucos meses após seu lançamento, assim se manifestando:

Tive oportunidade de ler “Brasil nunca mais” sentindo na pele, o meio inadequado que fora usado pelo regime militar, visando arrancar confissões de presos políticos, tachados de subversivos. Concluo, que o inquérito sob tortura ou ameaça chega a absurdo e nutilidade ainda maiores. É uma violação degradante, é um crime cruel, bárbaro contra a pessoa humana. Somente com o diálago, e uma vida de confiança e respeito mútuos, chegaremos a verdadeira segurança. O que aconteceu no Brasil, precisa ser visto à luz do dia. O Brasil vive hoje momentos de esperança. Mudanças foram pregadas em praças públicas diante de corações angustiados. Isto não pode, não deve repetir. A esperança de hoje, não pode e não deve ser passageira. É preciso tomar decisões, medidas corajosas, edificando o legítimo estado de direito sólido e permeável à crítica, onde não seja proibido participar nem discordar, nem contestar, afinal onde o grito dos fracos possa ser ouvido. Que o governo assine e ratifique a convenção contra a tortura. Inserido na Constituição e a sugestão.14 14 SF, Brasília. SAIC, Origem L011, 30 fev. 1986, Form. 268, Dv. 3, Tipo 14, 10 dez. 1986.

Através de sua sugestão, o Leitor 2 evidencia uma forma de leitura do livro BNM bastante próxima ao protocolo de leitura que orientou a organização da obra e seu conteúdo. São feitas menções à tortura, bem como à recomendação de que a convenção contra a tortura, assinada e ratificada, seja inserida na constituição. Assim como o Leitor 1, o Leitor 2 caracteriza o momento como de esperança e mudança. Também faz referência à não-repetição, algo diretamente relacionado com a ideia de “nunca mais”, que aqui também expressa a ideia de que “as democracias deviam ser construídas em oposição às experiências autoritárias anteriores” (MARCHESI, 2015MARCHESI, Aldo. Memórias para cidadãos: uma leitura política dos informes Nunca mais do Cone Sul (1983-1991). In: QUADRAT, Samantha Viz; ROLLEMBERG, Denise (Org.). História e memória das ditaduras do século XX. V. 2. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2015. p. 265-280., p. 266); e à necessidade de conhecer o passado recente: “o que aconteceu no Brasil precisa ser visto à luz do dia”. Nessa construção, a ideia de “luz do dia” contrapõe-se ao esquecimento, ao sigilo e ao silêncio associados à escuridão e às sombras.

O Leitor 3, um homem que tinha de 40 a 49 anos entre 1986 e 1987, morador de Caçador, em Santa Catarina, com pós-graduação e uma renda de cinco a dez salários mínimos, enviou sua sugestão diretamente ao constituinte Fernando Henrique Cardoso, do PMDB de São Paulo.

Diferentemente dos demais, o Leitor 3 apresenta-se como “anistiado e aposentado pela Lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1979”, e relata sua experiência de prisão e tortura durante a ditadura: “em consequência da tortura no DOI-CODI de São Paulo-SP, a partir de 11-02-69, perdi a saúde, meu processo administrativo no INPS de São Paulo-SP, desde março de 1985, para a aposentadoria, está sem resposta ainda”.15 15 SF, Brasília. SAIC, Origem L002, 11 jun. 1986, Form. 046, Dv. 6, Tipo 16, 26 jan. 1987.

Sua experiência pessoal é mobilizada para elaboração das sugestões encaminhadas em seu cartão-resposta. Entre as recomendações de estudo de documentos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e da leitura de livros de Paulo Freire (“como proposta educacional para o povo brasileiro”), Hannah Arendt (“como proposta de filosofia política”), e Evaldo Vieira (“para uma proposta social”), o Leitor 3 recomenda o estudo do BNM “como justiça aos perseguidos políticos no Brasil”.16 16 SF, Brasília. SAIC, Origem L002, 11 jun. 1986, Form. 046, Dv. 6, Tipo 16, 26 jan. 1987.

O Leitor 3 insere sua leitura do BNM em um repertório de outras obras. Imaginando que ele tenha lido esses outros documentos e livros, sua mobilização na sugestão à ANC revela a construção de uma identidade e uma história pessoal a partir de lembranças de leituras que conformam um determinado campo vinculado aos direitos humanos. Segundo Goulemot (2011GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Roger (Dir.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 107-116., p. 113), “qualquer leitura é uma leitura comparativa, contato do livro com outros livros. (...) Ler será, portanto, fazer emergir a biblioteca vivida, quer dizer, a memória de leituras anteriores e de dados culturais. É raro que leiamos o desconhecido”.

Os Leitores 4 e 5 e a Leitora 7 enviaram exatamente a mesma sugestão. Falemos, primeiramente, de cada um deles. O Leitor 4 é um homem de 25 a 29 anos, casado, morador de Luziânia, em Goiás, com segundo grau incompleto e renda de dois a três salários mínimos.17 17 SF, Brasília. SAIC, Origem L003, 04 ago. 1986, Form. 072, Dv. 9, Tipo 14, 18 mar. 1987. O Leitor 5 não se identificou, nem preencheu o questionário socio­econômico. Sabe-se, apenas, que ele também era morador do município de Luziânia. Como o conteúdo da sugestão, bem como as datas de envio, são as mesmas que os do Leitor 4, presume-se que sejam a mesma pessoa, que enviou duas vezes a mesma sugestão, o que era permitido.

A Leitora 7 é a única mulher do grupo de leitores. Ela possui de 20 a 24 anos, é solteira, moradora de Cristalina, em Goiás, possui curso superior completo e renda de três a cinco salários mínimos. Enviou sua sugestão nominalmente para o constituinte Aldo Arantes, do PMDB.18 18 SF, Brasília. SAIC, Origem L010, 01 set. 1986, Form. 230, Dv. 4, Tipo 14, 23 maio 1987.

Como dito anteriormente, essas duas pessoas enviaram a mesma sugestão. Não é possível saber se eles leram ou como leram o livro, porque seus cartões-resposta trazem apenas a expressão “Brasil: Nunca Mais”, seguida de um texto sobre a ditadura:

Brasil nunca mais. Nunca mais a negra página de nossa história. Para a preservação do estado democrático, deve ser incluído na Constituição um dispositivo que determine: Todos aqueles que organizarem ou participarem de movimentos visando a desagregação e a implantação de regime de excessão, através de golpes militares, sejam punidos com a suspensão dos direitos de cidadania, pelo prazo mínimo de dois anos, e, na reincidência, a decretação pública dos reincidentes, que passam a ser considerados apátridas, com divulgação nacional. É necessário também a determinação para que todos os crimes que forem cometidos contra a integridade física, torturas, provocando a morte de milhares de brasileiros, sejam punidos, não importando o tempo decorrido, mas levando se em conta que a anistia não beneficiou os responsáveis por crimes de sangue.19 19 SF, Brasília. SAIC, Origem L010, 01 set. 1986, Form. 230, Dv. 4, Tipo 14, 23 maio 1987.

A análise dessa sugestão como uma apropriação e uma instrumentalização da leitura do BNM, portanto, encontra-se prejudicada. Porém, é possível identificar tanto a ideia da não repetição, quanto a da punição àqueles que promovessem “golpes militares”. Além disso, a sugestão traz um pedido para averiguação dos crimes cometidos pela ditadura, apresentando uma interpretação alternativa à lei de anistia.

Todas as sugestões analisadas acima indicaram nominalmente constituintes como destinatários, e todos eles pertenciam à época ao PMDB, partido originado do Movimento Democrático Brasileiro após o fim do bipartidarismo e que congregou, entre outros grupos, algumas forças oposicionistas à ditadura.

Por fim, o Leitor 6 tinha de 25 a 29 anos à época, era morador de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, possuía o ensino superior completo e uma renda de três a cinco salários mínimos.20 20 SF, Brasília. SAIC, Origem L017, 18 ago. 1986, Form. 412, Dv. 0, Tipo 10, 14 abr. 1987. À semelhança do Leitor 2, o Leitor 6 também apresenta a sugestão de assinatura da convenção contra a tortura, como forma de “conscientizar os donos do poder para não repetir esses anos de rejeição e ódio”. Para ele, os constituintes e o povo se deveriam comprometer “em juramento sagrado, com a própria consciência, para dar fim às torturas”, para “que nunca mais se repitam as violências, perseguição, torturas praticadas no Brasil”.21 21 SF, Brasília. SAIC, Origem L017, 18 ago. 1986, Form. 412, Dv. 0, Tipo 10, 14 abr. 1987.

Para o Leitor 6, o BNM foi uma “denúncia escrita com sangue e com amor à pátria”, a partir da obediência ao Evangelho: “‘a verdade nos libertará’ (Jo, 8,32)”. Essas citações foram retiradas pelo Leitor 6 do prefácio de Arns ao livro. Curiosamente, o autor da carta encerra sua sugestão perguntando aos deputados e senadores: “Brasil: Nunca Mais. Editora Vozes. Petrópolis. Como os senhores viram este livro?”22 22 SF, Brasília. SAIC, Origem L017, 18 ago. 1986, Form. 412, Dv. 0, Tipo 10, 14 abr. 1987. O desejado diálogo entre o leitor e os constituintes demonstra como a participação da população no processo de elaboração da constituição criou um sentimento de proximidade entre a população e as esferas representativas e decisórias do poder.

Considerações finais

Este artigo propôs uma reflexão sobre as recepções e apropriações do relatório BNM a partir da mobilização de sua leitura por aqueles que apresentaram sugestões à ANC no âmbito do Projeto Diga Gente.

Embora o universo de leitores do BNM que o citaram em suas cartas-resposta não seja extenso, as apropriações que realizaram da obra e sua instrumentalização auxiliam na compreensão da conjuntura de transição política para a democracia e do processo de construção de uma memória sobre a ditadura civil-militar brasileira. A publicação do BNM e os debates sobre a elaboração de uma nova constituição nos anos 1980 inserem-se, de acordo com a periodização proposta por Marcos Napolitano (2015)NAPOLITANO, Marcos. Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, v. 8, n. 15, p. 9-45, 2015.,23 23 Essa proposta foi complementada pelo autor, a partir das categorias “trauma” e “tabu”, em nova publicação. Cf. Napolitano (2019). em um período em que diferentes setores da sociedade (dos liberais às esquerdas) haviam confluído, com interesses distintos, para uma narrativa de oposição à ditadura.

Tratou-se, segundo o autor, de um momento cheio de contradições, porque, se ao mesmo tempo o lançamento do BNM representou “um marco central na produção de uma memória do terror de Estado”, parecia que a nova democracia não conseguia livrar-se “deste fantasma e seus legados institucionais e amarrações jurídicas” (NAPOLITANO, 2015NAPOLITANO, Marcos. Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, v. 8, n. 15, p. 9-45, 2015., p. 24). Essas contradições tornaram-se mais explícitas perante as pressões populares para participação no processo constituinte, como uma forma de rompimento com a lógica autoritária e excludente da ditadura, em oposição às decisões que foram delineando as características e os limites da constituinte, demonstrando a força dos setores conservadores. Essas decisões traziam marcas da “tradição autoritária brasileira”, e impunham à ANC algumas restrições:

à sua idoneidade (Congresso Constituinte e não Assembleia exclusiva), à sua representatividade (eleita com base em critérios espúrios de proporcionalidade), à sua independência (marcada pela forte presença do poder de grupos econômicos), enfim, questões que sinalizavam para a advertência quanto à legitimidade e soberania da Constituinte (MICHELES et al., 1989MICHELES, Carlos et al. (Org.). Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989., p. 20).

Independentemente desses paradoxos, foi o período em que se forjou uma memória hegemônica crítica ao regime ditatorial, a partir da denúncia da restrição e da violação de direitos civis, políticos e sociais. Nesse sentido, o BNM foi importante para formular e transmitir uma perspectiva sobre a ditadura que confrontava certas políticas de esquecimento e silenciamento calcadas na protelação do enfrentamento do passado recente.

Os leitores do BNM que mobilizaram suas leituras para elaborarem sugestões ao texto da constituição através do Projeto Diga Gente, ao citarem o relatório, evidenciam que atribuíram determinado valor à leitura e ao conteúdo do livro. Como afirma o historiador Roger Chartier (1998aCHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Ed. Unesp, 1998a., p. 70-71), esse investimento afetivo e intelectual não pode ser compreendido isolado do momento, da circunstância e da forma específica em que ocorreu essa leitura.

Podem-se contrastar as manifestações da população no Projeto Diga Gente com a condução do processo de transição, demonstrando contradições, expectativas etc. Essas sugestões não são meros reflexos da conjuntura de elaboração da constituição, mas expressam posicionamentos ideológicos e valores daqueles que as formulam. Trata-se de uma forma de participação na elaboração da constituição e uma estratégia de luta para o reconhecimento de suas demandas.

Ainda que quase nada se conheça sobre as experiências individuais desses leitores, por outro lado, sabemos que seu acesso ao livro ocorreu em um curto espaço de tempo, que vai do lançamento da obra em julho de 1985 ao encaminhamento de sugestões a um projeto ocorrido entre os anos de 1986 e 1987.

Esse período de pouco menos de dois anos foi uma conjuntura de intensa mobilização social, com uma forte participação popular. Nessa ocasião, esses leitores consideraram importante instrumentalizar a memória da ditadura através do BNM em suas sugestões para o texto constitucional. A ditadura e suas práticas se constituíram como um par antitético à pauta do momento, a democracia, algo pretendido para aquele presente e para o futuro.

De acordo com Aldo Marchesi (2015MARCHESI, Aldo. Memórias para cidadãos: uma leitura política dos informes Nunca mais do Cone Sul (1983-1991). In: QUADRAT, Samantha Viz; ROLLEMBERG, Denise (Org.). História e memória das ditaduras do século XX. V. 2. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2015. p. 265-280., p. 266),

Ainda que tal onda de relatórios tivesse repercussões díspares segundo os países, em todos os casos se transformaram em referências iniludíveis para falar da violência estatal do passado ditatorial e para assentar as bases do começo de uma nova convivência democrática. Esses livros-memoriais (...) falaram do passado, mas ao mesmo tempo, delinearam as fronteiras que as sociedades não deviam repetir no presente das transições democráticas.

Confirma-se que o protocolo de leitura do BNM e sua ênfase na tortura surtiram efeitos. A despeito das especificidades das histórias de vida de cada um dos leitores, a que, infelizmente, não se teve acesso, existem indícios de que, para eles, a tortura passou a ser um elemento associado à ditadura. Dessa forma, os objetivos de transmissão de uma experiência pelos membros do projeto também foram cumpridos, tornando os leitores herdeiros de uma história de que não foram testemunhas, mas que passaram a valorizar significativamente (GOULEMOT, 2011GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Roger (Dir.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 107-116.). Uma das epígrafes da obra, “Escreve isto para memória num livro”, uma citação do Antigo Testamento (citado por ARQUIDIOCESE, 1985ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985., p. 9), transforma-se, assim, em uma profecia autorrealizada.

  • 1
    Cf. BASES HISTÓRICAS. Portal da Constituição Cidadã. In: Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras /constituicao-cidada/o-processo-constituinte/bases-historicas>. Acesso em: 14 mar. 2021. Surpreendentemente, esse fundo documental é pouco explorado pela historiografia, sendo as principais produções oriundas da Educação Física (SANTOS, 2011SANTOS, Flávia da Cruz. Procurando o lazer na constituinte: sua inclusão como direito social na Constituição de 1988. Dissertação (Mestrado em Educação Física e Sociedade) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.) e do Direito (SANTOS, 2015SANTOS, Natália Neris da Silva. A voz e a palavra do movimento negro na assembleia nacional constituinte (1987/1988): um estudo das demandas por direitos. Dissertação (Mestrado em Direito e Desenvolvimento) - Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2015.).
  • 2
    Para uma revisão bibliográfica sobre os estudos de recepção, passando por diferentes campos e diversos autores, como Paul Ricoeur, Hans-Robert Jauss, Wolfgang Iser, Michel de Certeau e Julia Kristeva, ver Burke (2019)BURKE, Peter. Historia y teoría de la recepción. Políticas de la Memoria, n. 19, p. 91-102, 2019..
  • 3
    Por “transição política civil”, compreendo o período da presidência de José Sarney, em que, formalmente, conclui-se o processo de transição com a reorganização do Estado através da constituição de 1988 e a realização de eleições diretas e livres em 1989, a despeito das continuidades presentes no texto constitucional e das “metamorfoses ideológicas” de certos partidos e políticos.
  • 4
    Ver BNM Digit@l. Disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/>. Acesso em: 31 jan. 2022.
  • 5
    Cf. as análises presentes em Santos; Teles; Teles (2009SANTOS, Cecília Macdonell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida (Org.). Desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil. 2 v.. São Paulo: Hucitec, 2009., v. 1 e v. 2).
  • 6
    Desde a promulgação do ato institucional n. 2, a competência para julgamento de crimes contra a segurança nacional cometidos ou pretensamente cometidos por civis foi transferida para a Justiça Militar, motivo pelo qual o interesse do grupo recaiu sobre esses fundos documentais, especialmente o STM, instância máxima de apelação e recurso para os crimes contra a segurança nacional.
  • 7
    Para um estudo comparativo dos relatórios Nunca Mais do Cone Sul, ver Marchesi (2015)MARCHESI, Aldo. Memórias para cidadãos: uma leitura política dos informes Nunca mais do Cone Sul (1983-1991). In: QUADRAT, Samantha Viz; ROLLEMBERG, Denise (Org.). História e memória das ditaduras do século XX. V. 2. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2015. p. 265-280..
  • 8
    Como o Diga Gente foi um projeto desenvolvido entre março de 1986 e julho de 1987, e interessa particularmente a mobilização da leitura do livro BNM, não serão considerados eventos posteriores a 1987. Para maiores informações sobre os trabalhos da ANC em toda sua periodização, ver Versiani (2013VERSIANI, Maria Helena. Linguagens da cidadania: os brasileiros escrevem para a Constituinte de 1987/1988. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2013.; 2014VERSIANI, Maria Helena. Constituinte de 1987/1988: a sociedade brasileira vive a democracia. In: QUADRAT, Samantha Viz (Org.). Não foi tempo perdido: os anos 80 em debate. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014. p. 362-384.).
  • 9
    Para uma relação de associações, entidades, movimentos sociais e órgãos representativos que demandavam a participação popular nos trabalhos da ANC, ver Versiani (2013VERSIANI, Maria Helena. Linguagens da cidadania: os brasileiros escrevem para a Constituinte de 1987/1988. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2013., p. 90-91) e Micheles et al. (1989)MICHELES, Carlos et al. (Org.). Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989..
  • 10
    O Linha direta para a Constituinte um era projeto desenvolvido no estado de São Paulo que permitia à população, através de uma chamada telefônica, encaminhar sugestões à constituição (AS SUGESTÕES, 1987AS SUGESTÕES do povo de São Paulo à ANC. São Paulo: IMESP, 1987.).
  • 11
    A autora analisou em sua tese de doutorado cartas pessoais que integram o fundo documental Coleção Memória da Constituinte, depositado no Arquivo Histórico do Museu da República. Essas cartas se inserem no conjunto de iniciativas de participação no processo constituinte e foram enviadas a personalidades políticas. Nessas cartas, podem ser identificados comentários, críticas, denúncias, pedidos e sugestões para o futuro texto constitucional.
  • 12
    O segundo grau corresponde ao atual ensino médio da educação básica.
  • 13
    SENADO FEDERAL (SF), Brasília. Bases históricas do portal da Constituição Cidadã. SAIC - Sugestões da população para a Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Origem L011, 23 fev. 1986, Form. 254, Dv. 1, Tipo 10, 6 nov. 1986.
  • 14
    SF, Brasília. SAIC, Origem L011, 30 fev. 1986, Form. 268, Dv. 3, Tipo 14, 10 dez. 1986.
  • 15
    SF, Brasília. SAIC, Origem L002, 11 jun. 1986, Form. 046, Dv. 6, Tipo 16, 26 jan. 1987.
  • 16
    SF, Brasília. SAIC, Origem L002, 11 jun. 1986, Form. 046, Dv. 6, Tipo 16, 26 jan. 1987.
  • 17
    SF, Brasília. SAIC, Origem L003, 04 ago. 1986, Form. 072, Dv. 9, Tipo 14, 18 mar. 1987.
  • 18
    SF, Brasília. SAIC, Origem L010, 01 set. 1986, Form. 230, Dv. 4, Tipo 14, 23 maio 1987.
  • 19
    SF, Brasília. SAIC, Origem L010, 01 set. 1986, Form. 230, Dv. 4, Tipo 14, 23 maio 1987.
  • 20
    SF, Brasília. SAIC, Origem L017, 18 ago. 1986, Form. 412, Dv. 0, Tipo 10, 14 abr. 1987.
  • 21
    SF, Brasília. SAIC, Origem L017, 18 ago. 1986, Form. 412, Dv. 0, Tipo 10, 14 abr. 1987.
  • 22
    SF, Brasília. SAIC, Origem L017, 18 ago. 1986, Form. 412, Dv. 0, Tipo 10, 14 abr. 1987.
  • 23
    Essa proposta foi complementada pelo autor, a partir das categorias “trauma” e “tabu”, em nova publicação. Cf. Napolitano (2019)NAPOLITANO, Marcos. Desafios para a história nas encruzilhadas da memória: entre traumas e tabus. História: Questões & Debates, v. 68, n. 1, p. 18-56, 2019..

Agradecimentos

Esta pesquisa é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) através de uma bolsa produtividade e de um projeto aprovado no Edital Universal - 2019.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2021
  • Revisado
    18 Ago 2021
  • Aceito
    19 Ago 2021
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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