Acessibilidade / Reportar erro

Capitalismo monopolista e cultura nos Estados Unidos: O sentido histórico da tragédia em Jack London

Monopolistic Capitalism and Culture in the United States: Jack London and the Historical Meaning of Tragedy

Resumo

O presente artigo analisa o romance O lobo do mar, de Jack London, escrito entre 1903 e 1904, como documento histórico expressivo da transição do capitalismo liberal para o capitalismo monopolista nos Estados Unidos da virada do século XIX para o XX. Propõe-se que o protagonista do romance, o capitão Erik Wolf Larsen, encarna certos conflitos ideológicos e morais dessa transição, entrelaçando eventos da trajetória de London e da conjuntura de mudança pela qual passavam os Estados Unidos de então. Os elementos que compõem o estofo e a têmpera do protagonista, portanto, são historicamente referenciados. O mesmo ocorre com sua evolução e tratamento ao longo da obra, na medida em que ele passa de um herói trágico a um personagem digno de pena. Em virtude disso, o artigo argumenta que a exploração dessa conflituosa têmpera literária permite entender alguns dos dilemas sociais e culturais que marcaram tal processo de transição, notadamente a mudança do teor e do sentido da tradição liberal que caracterizou desde muito cedo a ideologia predominante na sociedade estadunidense.

Palavras-chave
O lobo do mar; Jack London; história dos Estados Unidos

Abstract

paper analyzes the novel The Sea-Wolf, by Jack London, written between 1903 and 1904, as an expressive historical document of the transition from liberal capitalism to monopolistic capitalism in the United States at the turn of the nineteenth century. It is proposed that the novel’s protagonist, Captain Erik “Wolf” Larsen, embodies certain ideological and moral conflicts of that transition, intertwining events from London’s life and from the conjuncture of change which the U.S. underwent at the time. The elements that form the protagonist’s substance and temper are therefore historically rooted, and so are his treatment and evolution during the book, as he goes from a tragic hero to a pitiful character. This paper thus argues that the exploration of this conflicting temper allows for the understanding of some social and cultural dilemmas that characterized this transition, notably the change of content and meaning of the liberal tradition that very early became the prevailing ideology of American society.

Keywords
The Sea-Wolf; Jack London; history of the United States

De tudo quanto se escreve, agrada-me apenas o que se escreve com o próprio sangue. Escreve com sangue e aprenderás que sangue é espírito.

(NIETZSCHE, 2018NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 41)

O caráter aventuroso de considerável parte da obra literária de Jack London por vezes obscurece suas dimensões políticas e filosóficas, para não dizer seu significado histórico: tendo a ficção como sua saliência mais vistosa, e a aventura como um de seus recursos narrativos mais recorrentes, é natural que ela seja lida desse modo. O presente texto, no entanto, pretende insistir noutra direção, tratando uma das obras ficcionais de London como documento histórico, isso é, como uma fonte a partir da qual se podem observar e compreender problemas históricos da realidade habitada pelo escritor.

O livro que doravante pomos sobre a mesa de dissecação é o romance O lobo do mar (The Sea-Wolf), uma estória marítima mesclada com forte teor psicológico e filosófico, escrita por Jack London entre abril de 1903 e julho de 1904, e publicada neste ano.1 1 WILLIAMS, James. Jack London’s Works by Date of Composition. In: Jack London International. Disponível em: <http://www.jack-london.org/06-works-by-date.htm>. Acesso em: 20 out. 2021. O elemento a que devotaremos mais atenção no processo é o imperioso protagonista do livro, o capitão Erik Wolf Larsen, posto que os conflitos espirituais que o atormentam possuem a mesma têmpera da mudança histórica que experimentavam tanto London quanto a sociedade estadunidense naquelas “décadas decisivas” (COMMAGER, 1969COMMAGER, Henry Steele. O espírito norte-americano: Uma interpretação do pensamento e do caráter norte-americano desde a década de 1880. São Paulo: Cultrix, 1969., p. 10) do final do século XIX.

A aura construída ao redor desse personagem, entre odiosa e trágica, causa mórbida fascinação no leitor. Quando o narrador do livro, Van Weyden, descreve o capitão Larsen, podemos notar o caráter ambíguo que se enrosca ao redor dele. A sucessão de eventos que constitui o enredo do romance dá mostras de ambas as facetas do protagonista. Vemos seu pragmatismo cruel quando ele se enerva com um marujo morto, vociferando contra o “mau gosto de morrer no início da viagem e deixar a tripulação desguarnecida de um homem”, despindo a morte “de toda solenidade e dignidade”2 2 Trad. livre do autor: “poor taste (...) to die at the beginning of the voyage and leave Wolf Larsen short-handed”; “death had always been invested with solemnity and dignity”. (LONDON, 1904bLONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b., p. 21). Vemos sua condição trágica quando o mesmo narrador, escondido, flagra-o chorando sozinho e murmurando entre dentes “Deus, Deus, Deus” em sua “melancolia primal” (p. 48), nascida de sua dolorosa constatação filosófica de que “[a vida] é como uma levedura, um fermento (...). O grande devora o pequeno para que possa continuar a se mover, o forte devora o fraco para reter sua força. O mais sortudo devora o máximo e se move por mais tempo. E isso é tudo”3 3 Trad. livre do autor: “God! God! God!”; “primal melancholy”; “It [life] is like yeast, a ferment, a thing that moves and may move for a minute, an hour, a year, or a hundred years, but that in the end will cease to move. The big eat the little that they may continue to move, the strong eat the weak that they may retain their strength. The lucky eat the most and move the longest, that is all”. (p. 50).

Ele ora encarna a potência, tornando-se a força que se afirma resolutamente sobre o mundo, sem se deixar submeter; e ora vê-se paralisado, impotente ante a ausência de sentido da existência exceto sua própria perpetuação. Orgulha-se de sua força, mas se sente atormentado pelo potencial destrutivo dela; sente-se preso por a entender como o motor mesmo da vida, seu sentido filosófico inescapável, ao passo que se estranha com a proficiência que tem na lógica dessa preservação.

Como pode um personagem unir em si aspectos tão discrepantes, senão mesmo antinômicos?

Diz Van Weyden que Wolf Larsen “constitui um enigma”: “separa­damente, cada um dos lados de sua natureza era perfeitamente compreensível, mas juntos, eram desconcertantes”4 4 Trad. livre do autor: “At once he became an enigma. One side or the other of his nature was perfectly comprehensible, but both sides together were bewildering”. (LONDON, 1904bLONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b., p. 48). Responder a esse “enigma” filosófico e literário equivale, no presente texto, a compreender o processo histórico que lhe é medular: a modificação no sentido social e subjetivo atribuído ao trabalho ao longo do processo de transição do capitalismo “liberal” para o capitalismo monopolista. Conforme procuramos argumentar, a evolução econômica dos Estados Unidos nas últimas décadas do século XIX transformou brutalmente o mundo do trabalho, ocasionando também alterações profundas na cultura e no modo de vida que estavam nele ancorados. As questões filosóficas que formam a coluna dorsal do livro de Jack London, sobretudo na medida em que se personificam no protagonista Wolf Larsen, são uma resposta a essas transformações, verdadeiro acerto de contas com os dilemas morais que impuseram.

Crise histórica

O romance O lobo do mar ocupa um lugar muito particular na obra literária de Jack London. Encontra-se no limiar de transição entre o que tomamos a liberdade de chamar de duas “fases” de sua literatura: entre o período mais voltado à narrativa de aventura (1898-1903), quando predominam as coletâneas de contos ambientadas no Alasca,5 5 Destacam-se aqui The Son of the Wolf: Tales of the Far North (1900); The God of his Fathers and Other Stories (1901), e Children of the Frost (1902), que reuniam contos escritos desde 1898, logo após o retorno do escritor do Alasca, onde tentou a sorte na “Corrida do Ouro” da década de 1890. e o período em que se acentua o romance social (1903-1908), quando obras de forte teor político e influência socialista se destacam.6 6 Juntamente aos romances, entre os quais se destaca The Iron Heel (escrito em 1906, publicado em 1908), houve um aumento significativo de escritos de não ficção tratando de temas políticos do momento, de forte tom socialista, como os ensaios reunidos em War of the Classes (1905) e as memórias de The Road (escrito entre 1906 e 1907 e publicado em 1907). É, pensando nesses termos, ponto importante de uma tomada de consciência em relação ao sentido filosófico que lhe servia de referência nas primeiras obras, especialmente quanto à obstinação e ao voluntarismo, componentes fundamentais das feições heroicas de seus personagens, e do sentido moral que nutria pelo trabalho, parte crucial da experiência histórica estadunidense.

Os protagonistas da (quase) totalidade de suas estórias de 1898-1903 são homens fortes e rijos, encarnações literárias daquela figura mítica do panteão estadunidense, o self-made man. Como o personagem da lenda, os de London se impõem à natureza bravia, afirmando-se sobre o Klondike por meio de sua inquebrantável obstinação e sua eterna disposição ao labor. Eles devassam o Norte gelado em busca de ouro, erguem fortes, constroem casas, abrem portos, estabelecem rotas de transporte e de comércio. Lançam, enfim, um posto avançado da civilização naquele ermo (wilderness), protagonizando nas páginas da literatura de London a aventura da mais recente fronteira aberta na história estadunidense - epílogo tardio da secular trajetória de expansão pelo continente.

Orgulhosamente, London dotava esses personagens de mãos calejadas, músculos firmes e olhares resolutos - frutos do duro labor da vida e do trabalho nas paragens nortenhas. A sobrevivência deles no ermo era retratada pelo escritor como testemunho de sua potência, e, a exemplo do caldo mitológico que o otimismo liberal extraíra da marcha para o Oeste, era esse também um feito épico. Esses homens eram brutos, ríspidos, frequentemente violentos e quase sempre muito individualistas, mas isso não impedia o escritor de depositar sobre eles epítetos homéricos: eles eram os “Ulisses” e os “Argonautas”7 7 Os três primeiros volumes de contos de Jack London, supramencionados, usam de modo recorrente referências clássicas da epopeia antiga como escopo para descrever os personagens. crepusculares da mitologia nacional dos Estados Unidos.

Ou pelo menos eram até 1903, ano de nascimento de Wolf Larsen.

Os self-made men nortenhos continuaram sendo os protagonistas da ficção de London até esse ano, mas, se os pudéssemos enfileirar cronologicamente, veríamos que dos primeiros até os últimos a substância heroica vai sofrendo o assalto das incertezas, fazendo enxertar-se de ambiguidades. Do conto O silêncio branco (outubro de 1898) até A história de Jees Uck (abril de 1902), por exemplo, vemos a figura do explorador norte-americano passar da imponência de sua estatura quase mítica para o embaraço do sujeito cuja valentia nortenha revelou-se mera bravata. Naquele temos Malemute Kid, o estoico explorador que usa seus engenho e perseverança para vencer as intempéries de uma natureza hostil (LONDON, 1900LONDON, Jack. The Son of the Wolf: Tales of the Far North. Nova York: Riverside, 1900., p. 1-20); neste temos Neil Bonner, que usou o Norte para extravasar suas energias juvenis, mas faltou com as promessas então feitas, retornando à civilização para furtar-se ao ônus da hombridade (LONDON, 1904aLONDON, Jack. The Faith of Men and Other Stories. Nova York: Macmillan, 1904a., p. 233-286).

Ao colocar frente a frente o personagem típico da ficção de London entre 1898 e 1903 e o protagonista de O lobo do mar, chega-se curiosamente à conclusão de que eles são muitíssimo parecidos sob vários aspectos. Ambos têm o trato áspero (de corpo e de modos) nascido do labor duro, estoico e pragmático, nas minas geladas ou em alto-mar. Ambos têm em alta conta sua hombridade e possuem uma conduta em que a virilidade é elemento dos mais salientes. Ambos são profundamente individualistas, traço que se ressalta quando recortado contra a natureza. Ambos são engenhosos no que tange ao conjunto de atribuições práticas que lhes cabem, isso é, particularmente destros e hábeis no que tange ao seu trabalho. Por fim, esses personagens compartilham também, como resultado de todas as características anteriores, um particular apreço pela liberdade, entendida no sentido de uma inclinação indomável (quando pensada em termos de virilidade) ou uma celebração da autonomia (quando pensada em termos de subsistência). Nas palavras do historiador Frederick Turner (1976TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. Huntington: R. E. Krieger, 1976., p. 1): ambos professam uma acentuada “antipatia ao controle”.8 8 Trad. livre do autor: “antipathy to control”.

Decalcados contra o pano de fundo ideológico da cultura estadunidense, portanto, conclui-se que ambos os personagens podem ser tidos como self-made men, o ser mítico que, na feliz síntese de Wright Mills (1979MILLS, Charles Wright. A nova classe média. Rio de Janeiro: Zahar, 1979., p. 16), é dotado de “uma independência quase mágica, uma engenhosidade prática, uma grande capacidade de trabalho, todas elas virtudes adquiridas na luta para subjugar o vasto continente”.

Sublinhadas as semelhanças, no entanto, ergue-se a diferença. E brutal.

Enquanto os personagens da primeira ficção de Jack London eram figuras heroicas, o capitão Wolf Larsen é, antes de seu heroísmo possível, uma figura trágica. Amaldiçoa-se a si próprio, estranha-se com sua própria natureza interior, ressente-se do fado que lhe cabe e de sua particular habilidade em cumpri-lo. Possui as qualidades que Forster (2005FORSTER, E. M.. Aspectos do romance. Rio de Janeiro: Globo, 2005., p. 91-100) dizia separarem os personagens redondos dos planos: enquanto aqueles encarnavam um ideal, sendo por ele como que teleguiados, quase seus fantoches; estes parecem ter uma vida própria, uma ambiguidade de constituição que os tornam particularmente suscetíveis à introspecção, se não mesmo ao lirismo.

O ponto que os separa, argumentamos, encontra-se tanto no aprimoramento de certas ferramentas literárias utilizadas por London, quanto no desenvolvimento de uma certa consciência histórica no escritor. Esta era o resultado dialético de uma vivência histórica concreta, na qual as relações sociais e o processo de amadurecimento intelectual fizeram Jack London se chocar contra as certezas pétreas de antanho. Entre o crepúsculo do XIX e a aurora do XX, London descobriu que parte decisiva da filosofia e da moral que guiavam sua existência e sua escrita até aquele ponto tinha uma faceta sinistra, uma que ele parecia haver ignorado até aquele momento: professar o voluntarismo obstinado de um self-made man na era dos monopólios era algo muito diferente de fazê-lo em eras mais jovens da história dos Estados Unidos; implicava endossar uma violência e uma exploração brutais, bem como indiretamente sancionar o império dos magnatas. London foi-se dando conta disso devagar, num processo que tem tanto de epifania quanto de morbidez, tão revelador quanto doloroso.

Conforme sua erudição livresca foi sendo inundada pelo conteúdo das relações sociais e econômicas daquela virada de século, London se tornou cada vez mais consciente de suas implicações morais, políticas, filosóficas. O lobo do mar foi um dos momentos decisivos desse processo, quando essa experiência se encarnou em Wolf Larsen, erguendo-o como um terrível ponto de interrogação, cujas características são instrutivas para o historiador, pois abarcam os quadros individuais, mas também os mais socioestruturais, tornando a exegese literária funcional à investigação historiográfica.

Se há um conjunto de semelhanças entre as primeiras estórias de London e aquela apresentada em O lobo do mar, e se a necessidade de incorporar o tempo como categoria de análise urge o historiador, é preciso tratar a obra literária em questão como processo. E, como tal, é preciso ser capaz de fazer aquilo que o crítico Jean Starobinski (1976STAROBINSKI, Jean. A literatura: O texto e o seu intérprete. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: Novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 132-143., p. 134) chamou de “restituição histórica” da literatura, pois “[as] variantes de uma obra fazem aparecer os estados sucessivos de um desejo e de uma vontade que não puderam estancar nas formas primeiras em que apareceram. (...) A pesquisa objetiva faz ressurgir os traços de um percurso subjetivo”.

Com base em Starobinski (1976)STAROBINSKI, Jean. A literatura: O texto e o seu intérprete. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: Novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 132-143., portanto, parte-se de uma concepção de literatura em que ela se constitui como processo e como resposta.

“Processo” porque a forma final que nos chega às mãos, o romance O lobo do mar, aparece como coroação de “estados sucessivos (...) que não puderam estancar nas formas primeiras” (STAROBINSKI, 1976STAROBINSKI, Jean. A literatura: O texto e o seu intérprete. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: Novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 132-143., p. 134), ao passo que, junto com a afirmação subjetiva e social equilibrada dentro da forma literária acabada, encontram-se como que os fósseis de suas formas pregressas. Esses são os indícios de sua processualidade composicional, cicatrizes em alguma medida históricas, que se revelam na medida em que são confrontadas, de um lado, com as circunstâncias sociais e biográficas nas quais a obra foi produzida; e, de outro, com as obras anteriores que pavimentaram o caminho para ela, por evolução, contradição, oposição ou complemento.

“Resposta” porque a forma literária final que tomamos como ponto de partida possui tanto de reação quanto de proposta. O lobo do mar reage ao mundo que o cerca e que o penetra, i.e., carrega as marcas desse embate com o (inescapável) real que constituiu o mundo em que London andava e respirava. Mas O lobo do mar também propõe em relação a esse mundo uma leitura, uma interpretação, um retrato, enfim. Afirmar inescapável a presença de escritor e obra no mundo concreto não implica escorrer para as obsessões “reflexivistas” que caracterizam o que Candido (2010CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: Estudos de teoria e história literária. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010., p. 13-25) chamou de “sociologismo”: a literatura não é o duplo do mundo, precisamente porque o escritor não é mera correia de transmissão dele, ao passo que não cabe buscar simetria exata entre o real e o ficcional. Cabe, antes, tornar o escritor peça-chave da equação exegética, sob pena de diluir sua agência histórica debaixo de uma mistificação especular.

Em face disso, portanto, cabe entender quais são os passos objetivos que formam esse “percurso subjetivo” cujo destino final foi O lobo do mar, sobretudo quanto ao seu protagonista. O primeiro ponto a que nos precisamos remeter é o desenvolvimento da filosofia existencial com que vemos Jack London se digladiar nesse romance, aquela mesma que passou da condição de certeza sólida (nos primeiros escritos) para a de postura controversa (por volta de 1903).

Nascido em Oakland em 1876, London é filho de um lugar e de um momento muito específicos: pertence ao Oeste cujas ocupação e exploração econômicas sistemáticas se deram a partir da década de 1840; cresceu em meio ao rescaldo da Corrida do Ouro, quando a ascensão do Partido Republicano, esse “porta-voz do capitalismo industrial” (DEBOUZY, 1972DEBOUZY, Marianne. O capitalismo “selvagem” nos Estados Unidos (1860-1900). Lisboa: Cor, 1972., p. 21), consolidara de modo hegemônico as grandes fortunas da porção atlântica como dínamo do crescimento econômico. As cicatrizes da Guerra Civil ainda eram sentidas no mundo do escritor, seja na inserção das incertezas naquele horizonte até então predominantemente otimista, seja na institucionalização da civilização do “Norte manufatureiro” como projeto nacional.

Muito mais do que na primeira metade do século XIX, a expansão territorial e econômica da segunda (destacadamente a partir do Homestead Act de 1862) sentia o peso das concentrações financeiras, fortalecidas pelas décadas de crescimento industrial intermitente. O historiador Fred Shannon (1968SHANNON, Fred Albert. The Farmer’s Last Frontier: Agriculture, 1860-1897. Nova York: Harper Torchbooks, 1968., p. 349) afirmou que, “em 1850, a crescente estrutura industrial estava começando a desafiar a supremacia da agricultura e, antes de 1900, os agricultores tinham decaído para o segundo lugar na economia nacional”9 9 Trad. livre do autor: “By 1850, the rising industrial structure was beginning to challenge the supremacy of Agriculture, and, before 1900, the farmer had taken a secondary position in the nation’s economy”. - e isso mesmo com a população agrícola do Oeste tendo mais que dobrado entre 1870 e 1900.

O Oeste de Jack London passou a integrar o território federal em moldes econômicos muito diferentes dos de outrora, quando da integração do Meio-Oeste e do Centro-Leste. Não prevaleceu naquela região a considerável equanimidade econômica que, em fins do XVIII e inícios do XIX, garantiu proporções menores de especulação fundiária e maior dispersão econômica. As realidades estruturais da economia estadunidense a partir de 1860, em termos de concentração financeira, desenvolvimento tecnológico e patamares de investimento, eram quase sempre hostis à participação competitiva das pequenas unidades econômicas, fosse na cidade ou no campo. Isso as votou frequentemente à condição recessiva, forçando-as à subalternidade de subsistência ou à dependência financeira.

Desde o pós-Independência até por volta da década de 1860, prevaleceu o que se costuma chamar de “Democracia Jeffersoniana”, projeto tão político quanto econômico. A expansão territorial e fundiária empreendida desde o final do século XVIII alinhou organicamente as bases de uma exploração econômica assentada sobre a ação produtiva e comercial de pequenas unidades com as condições dispersivas do ermo, que favoreciam esse mesmo tipo de atividade econômica.

As premissas políticas de Thomas Jefferson, como bem resumiu Paul Wallace Gates (1941GATES, Paul Wallace. Land Policy and Tenancy in the Prairie States. The Journal of Economic History, v. 1, n. 1, p. 60-82, May 1941., p. 60), baseavam-se na “crença de que a democracia política só podia ser mantida nos Estados Unidos se pudesse repousar nas fundações firmes de uma democracia econômica”,10 10 Trad. livre do autor: “Thomas Jefferson believed that political democracy could be maintained in the United States only if it were made to rest on the firm foundation of economic democracy”. indicativo da forte coalescência entre a expansão federal e o concurso dos pequenos produtores e comerciantes. A proposta se sancionava através do ideário jusnaturalista do presidente, pois, como disse num pronunciamento de gabinete em julho de 1790, a todos os homens deve caber o “direito de autogoverno”, o qual “recebem, juntamente com o ser, da mão da natureza” (JEFFERSON, 1964JEFFERSON, Thomas. Escritos políticos. São Paulo: Ibrasa, 1964., p. 79). A disponibilização da terra para a propriedade individual, portanto, era tida como garantia do autogoverno, um dos direitos “autoevidentes” aludidos pela Declaração de 1776.

Conforme já demonstrado pelo belo estudo de Bernard Bailyn (1992)BAILYN, Bernard. The Ideological Origins of the American Revolution. Cambridge: Belknap, 1992., liberdades individuais como a livre-iniciativa e a propriedade privada estão nos fundamentos do nacionalismo estadunidense: são parte medular da ideologia liberal dessa sociedade, tendo participado de suas origens. Em vista disso, não deve surpreender a articulação entre a venda individual do território estadunidense e a ideia de “autogoverno” presente na Democracia Jeffersoniana. Aliás, nessa premissa está baseada, ainda hoje, aquela imagem do século XIX como tendo sido uma era de ouro dos Estados Unidos, quando as liberdades individuais e o poder político, o vigor econômico e o bem-estar social, andavam todos de mãos dadas, complementando-se mutuamente.

A primeira impressão que se tem é a de que os limites àquelas aspirações da democracia liberal estadunidense são geográficos: quando a fronteira atingiu o Pacífico e o vasto continente foi domado, a crise teve início, pois o espaço para a exuberante expansão das ambições estadunidenses se encerrara. É isso o que encontramos na tese da fronteira de Frederick Turner (1976)TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. Huntington: R. E. Krieger, 1976. no final do século XIX, quando ela melancolicamente argumenta, às vésperas das guerras imperialistas pelas Filipinas e por Cuba, que a força viva da história estadunidense até aquele momento tinha sido a existência de uma fronteira. Um dos personagens criados por Steinbeck ([19--]STEINBECK, John. O menino e o alazão. Rio de Janeiro: Record, [19--]., p. 131-132) num romance de 1933, um velho que migrara para o Oeste, expressa algo parecido quando rememora nostalgicamente, na aurora dos novecentos, um passado glorioso, mas extinto: “Não há mais lugar para onde ir. Há o oceano para detê-lo. E há uma fila de velhos à beira do oceano, odiando-o, porque os deteve. (...) Tudo acabou”.

Uma reflexão menos indulgente com fatalismos geográficos, no entanto, põe sob dúvida aquela impressão: não foi tanto o esgotamento da capacidade extensiva em si o que levou à crise da Democracia Jeffersoniana, mas a natureza mesma de seu metabolismo capitalista, fatalmente sujeito a crises periódicas, e que nos Estados Unidos pareceu quase sempre contrabalançar a queda tendencial do lucro e as crises resultantes por meio da expansão extensiva. Essa estratégia, que em meados do XVIII Franklin chegou a chamar de “doutrina da válvula de segurança”,11 11 Trad. livre do autor: “safety-valve doctrine”. FRANKLIN, Benjamin. Observations Concerning the Increase of Mankind. In: Founders Online. Disponível em: <https://founders.archives.gov/documents/Franklin/01-04-02-0080>. Acesso em: 20 out. 2021. encontrou seu limite na década de 1890, jogando a sombra da dúvida sobre as certezas que haviam até ali constituído o horizonte da vida social estadunidense.

O processo histórico que, ao longo de mais ou menos um século, estendeu o território e a economia dos Estados Unidos mediante o trabalho dos pequenos produtores se viu de repente desguarnecido de suas garantias mais essenciais. O vertiginoso crescimento industrial impôs o peso econômico da tecnologia ao mundo do trabalho, e as grandes fortunas, diligentemente acumuladas pela pecúnia mercantil ou bruscamente nascidas da Guerra Civil, fizeram sentir seu peso macroeconômico sobre a livre-iniciativa.

A chamada “Marcha para o Oeste” esteve desde seus primórdios embasada no obstinado otimismo aprendido tanto ideologicamente quanto das condições materiais experimentadas nesse processo. Ao longo dele, a experiência histórica concorreu para formatar um determinado sentido para o trabalho, social e subjetivamente, no qual a afinidade entre as tradições culturais e as condições econômicas estava em profunda coalescência. O self-made man se alçou ao panteão liberal estadunidense através dessa transposição do continente, do enfrentamento contra a natureza e contra os nativos, e seus atributos são em grande medida aqueles herdados da tradição ideológica dos pais fundadores e da Democracia Jeffersoniana.

A “virgindade” econômica, para emprestar o termo de Henry Nash Smith (1982)SMITH, Henry Nash. Virgin Land: The American West as Symbol and Myth. Cambridge: Harvard University Press, 1982., era criada e recriada pela constante inserção de novos territórios no sistema estadunidense, mantendo viáveis as expectativas de sucesso de livre-iniciativa. A combinação entre dispersão macroeconômica e dispersão político-institucional tinha praticamente esses mesmos efeitos, alimentando a percepção acerca da liberdade dada pelo estado de relativo isolamento do ermo. Por fim, havia também a prevalência de padrões tecnológicos muito rudimentares, o que acabrunhava as famílias dos colonos com ampla responsabilidade pela força braçal, mas que imprimia o sinete da obstinação na têmpera de sua cultura. Afinal, a resistência física, a diligência laboral e a engenhosidade prática costumavam ser elementos de primeira importância na vida rústica do ermo, e foi rapidamente ritualizada como parte de seu modo de vida.

O que havia de acontecer quando essas condições tão organicamente imbricadas umas às outras viessem a se desencontrar? Quando o peso dos ganhos de um agente econômico (ou de um grupo diminuto de agentes econômicos) desequilibrasse a relativa equanimidade geral? Quando o avanço tecnológico tornasse obsoletas as aptidões intelectuais e manuais do grosso desse contingente de pessoas? Quando, enfim, os sucessos econômicos do laissez-faire do capitalismo liberal decretassem, curiosamente, seu próprio fim?

A voracidade econômica do capitalismo estadunidense nesse momento não pôde ser acompanhada rigorosamente pelos modos de vida e as formas da consciência social. Se Thompson (1998THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 304) estava certo ao dizer que “não existe desenvolvimento econômico que não seja ao mesmo tempo desenvolvimento ou mudança de uma cultura”, isso não significa dizer que os dois processos seguem o mesmo ritmo. Por conta disso, na segunda metade do século XIX prevaleceu nos Estados Unidos o esforço de adaptação dos velhos modos de vida à nova realidade, seja no que isso implicava de criação, seja no que tinha de preservação teimosa: a tradição cultural e ideológica que ganhara corpo ao longo daquele pouco mais de século forçou o horizonte histórico como resistência, mas também como potencial de transformação alternativa.

As décadas finais do século XIX, que coincidem certeiramente com a vida de Jack London, foram o palco desse momento decisivo. Aquele projeto que nos anos 1860 obteve sua vitória militar e política, em Gettysburg e em Washington, teve em seguida, nas sucessivas crises econômicas (1873, 1885 e 1893), a consolidação de seu poderio em escala nacional. Como bem sumariou Commager (1969COMMAGER, Henry Steele. O espírito norte-americano: Uma interpretação do pensamento e do caráter norte-americano desde a década de 1880. São Paulo: Cultrix, 1969., p. 10-11), nenhuma das lições que os pais fundadores ensinaram parecia dar conta de explicar o que estava acontecendo em fins do XIX. Esse é precisamente o dilema que constitui a substância trágica do protagonista de O lobo do mar, pois nele pesam tanto o fracasso de então como os êxitos de até então: o que fazer com as lições da tradição quando as circunstâncias concretas que as criaram deixam de existir?

Crise pessoal

Quando escreveu o romance O lobo do mar, Jack London se havia recém firmado como escritor - alguns chegaram mesmo a dizer “o escritor mais bem pago de sua época”.12 12 Quem o afirma é Irving Stone (1969, p. 1), que não é um de seus biógrafos mais confiáveis. Contudo, David Hamilton (1986, p. 16), estudioso da obra de Jack London muito mais confiável, não hesita em dizer que “por volta de 1902, London havia-se tornado um escritor estabelecido”. Trad. livre do autor: “By 1902 London had become an established author”. O sucesso editorial e financeiro de seu último romance, O chamado selvagem (The Call of the Wild, 1903aLONDON, Jack. The Call of the Wild. Nova York: Macmillan, 1903a.), era incontestável, e granjeara uma sólida posição para London no universo literário dos Estados Unidos de então.

O significado desse sucesso para o escritor, no entanto, foi dúbio. De um lado, era a coroação de um processo de trabalho e estudo obstinados, de praticamente dez anos, no qual ele havia superado os obstáculos de sua condição proletária em virtude de suas capacidades individuais. Por outro lado, ele veio logo em seguida à terrível experiência de London vivendo no bairro operário de East End, em Londres, no verão de 1902, da qual nascera o visceral livro-reportagem O povo do abismo (The People of the Abyss, 1903bLONDON, Jack. The People of the Abyss. Nova York: Macmillan, 1903b.).

Diante da aterradora experiência etnográfica narrada nesse livro, O chamado selvagem parecia ingênuo, presa de um tom inadequadamente inocente do qual o escritor cuidou para se ir pouco a pouco afastando. A miséria humana que London testemunhou no East End, e que verteu para as páginas de O povo do abismo, tornou flagrante a distância que se estendia entre as aventuras no ermo e a tragédia que se desenrolava na civilização. Em virtude disso, tomamos a liberdade de interpretar o livro-reportagem de 1903 como uma espécie de divisor de águas entre a primeira e a segunda fases da literatura de Jack London, como enunciamos anteriormente.

O protagonista de O lobo do mar, o capitão Larsen, ganhou forma no momento em que a longa escalada particular de London rumo à prosperidade material e ao sucesso literário se efetivou: a exemplo dos rústicos homens que haviam cruzado o continente enfrentando as adversidades que a natureza lhes impusera, o escritor superara todos os pedágios proletários pela força de sua eterna disposição ao sacrifício, podendo enfim reivindicar a hombridade que tanto almejara. Sua trajetória pessoal parecia exemplificar aquela jornada arquetípica do otimismo liberal estadunidense, “dos trapos ao luxo” (from rags to riches), história clássica de um rapaz pobre que se sobressai à precariedade econômica por meio de sua astúcia e diligência, alcançando enfim a prosperidade econômica e a respeitabilidade social. O próprio London (1913)LONDON, Jack. John Barleycorn: Alcoholic Memoirs. Nova York: The Century, 1913., bem como todos os que o conheceram nessa época (NOEL, 1940NOEL, Joseph. Footloose in Arcadia: A Personal Record of Jack London, George Sterling, Ambrose Bierce. Nova York: Carrick & Evans, 1940.; BAMFORD, 1976BAMFORD, Georgia Loring. The Mystery of Jack London: Some of His Friends, also a Few Letters. A Reminiscence. Nova York: Norwood, 1976.; ATHERTON, 2014ATHERTON, Frank Irving. Jack London in Boyhood Adventures. S.l.: CreateSpace, 2014.), e mesmo os seus mais confiáveis biógrafos (KINGMAN, 1979KINGMAN, Russ. A Pictorial Life of Jack London. Nova York: Crown, 1979.; LABOR, 2014LABOR, Earle Gene. Jack London: An American Life. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2014.; LONDON, 1939LONDON, Joan. Jack London and His Times: An Unconventional Biography. Nova York: The Book League of America, 1939.; LONDON, 1921LONDON, Charmian. The Book of Jack London. 2 v.. Nova York: The Century Company, 1921.), afirmam que essa visão de mundo predominava nele na juventude - e, a julgar pela insistente presença dos self-made men na sua literatura iniciática, bem como pela robusta existência dessa tradição em suas cercanias sociais, não há motivos para que duvidemos disso.

Os louros Yankees, no entanto, vinham com um gosto amargo, que participaram da composição de Larsen. Até aquele momento, as aventuras formavam o grosso da literatura de London, e o debate político de sua militância socialista corria como que num plano à parte, nos artigos que publicava em revistas e periódicos operários, e numa proporção em que prevalecia a aventura sobre a crítica social. Desde que retornara de Londres, contudo, uma preocupação mais urgente com os despossuídos pareceu ter tomado conta dele, e uma sequência de artigos sobre esse tema, entre fevereiro e março de 1903, cimentou o estado de espírito em que o escritor se lançou, a partir de abril, na escrita de O lobo do mar.

A sequência desses artigos se abre com How I became a Socialist (Como me tornei socialista), primeiro texto seu em que ele faz uma espécie de balanço autobiográfico, primeira vez em que se expressa criticamente sobre seu otimismo individualista, cuja celebração voluntarista da sua primeira literatura se alinhava ao arquétipo do self-made man. Prevalece nesse texto uma tentativa de autocrítica de London (1905LONDON, Jack. War of the Classes. Nova York: Macmillan, 1905., p. 267) em relação ao fato de se ter vinculado à “escola do individualismo”, e de “ter cantado loas aos fortes com todo o seu coração”.13 13 Trad. livre do autor: “a school called ‘Individualism’”; “I sang the paean of the strong with all my heart”. O escritor afirma ter sido um individualista “porque era, ele mesmo, um forte”, e que seu “otimismo se dava em virtude de ser saudável e musculoso, livre de dores e achaques, e de nunca ter sido recusado por um patrão porque não parecia à altura da tarefa, estando sempre apto a conseguir empregar-se como marujo, carregando carvão ou em qualquer trabalho braçal”14 14 Trad. livre do autor: “because I was strong myself”; “this optimism was because I was healthy and strong, bothered with neither aches nor weaknesses, never turned down by the boss because I did not look fit, able always to get a job at shovelling coal, sailorizing, or manual labor of some sort”. (p. 267). O trabalho era um dos componentes essenciais desse estado de espírito, diz ele em consonância com a tradição cultural estadunidense herdada do XIX: “A dignidade do trabalho era para mim a coisa mais impressionante do mundo. (...) O orgulho que eu sentia após um dia de trabalho duro seria inconcebível para vocês”15 15 Trad. livre do autor: “The dignity of labor was to me the most impressive thing in the world. (…) The pride I took in a hard day’s work well done would be inconceivable to you”. (p. 271).

London (1905LONDON, Jack. War of the Classes. Nova York: Macmillan, 1905., p. 268) chegou a dizer, mencionando uma ideia filosófica muito cara a si: “Eu conseguia ver minha vida somente num frenesi furioso como uma das bestas louras de Nietzsche, vagando luxuriosamente e conquistando as coisas por pura força e superioridade”.16 16 Trad. livre do autor: “I could see myself only raging through life without end like one of Nietzsche’s blond beasts, lustfully roving and conquering by sheer superiority and strength”. Em suma: “Eu era um individualista desenfreado. E era muito natural, pois eu era um vencedor”17 17 Trad. livre do autor: “I was a rampant individualist. It was very natural. I was a winner”. (p. 270). O elogio da força e a celebração do voluntarismo são alguns dos elementos mais salientes desse texto de London e demonstram que sua coabitação com a experiência histórica dos Estados Unidos nos oitocentos pavimentou sua filiação à ideologia então hegemônica: precisamente aquela que, ao tomar por direito natural a liberdade absoluta do indivíduo e como sacrossanta a afirmação dele por meio de suas capacidades, encontrou no ideal do “super-homem nietzschiano” uma de suas sínteses filosóficas mais perturbadoras - Richard Hofstadter (1955HOFSTADTER, Richard. Social Darwinism in American Thought. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 1955., p. 170-200) já analisou as raízes que ligam Nietzsche ao darwinismo social nos Estados Unidos.

Existe certa simetria entre a trajetória particular de London e quadros mais amplos da evolução histórica estadunidense nesse sentido. A experiência material do século XIX ensinara as virtudes econômicas e morais do Evangelho do Trabalho às hostes de colonos que devassaram o continente, e de um modo similar ao que ocorreu com o escritor em sua precária condição de trabalhador: um e outros tomaram a diligência laboral como espécie de índice moral do indivíduo, qualidade apoiada nas características assistemáticas da economia estadunidense do XIX, nas quais a proporção entre esforço individual e proventos materiais tendia a estar mais equilibrada. Quando a evolução econômica da virada do século quebrou as bases desse arranjo material, seja pela concentração monopolista ou pela industrialização, aquelas certezas foram assaltadas e tornadas vazias. Enquanto os anos de 1873 e 1893 foram cruciais para a crise dessas esperanças em quadros sociais gerais, pois favoreceram a aguda concentração monopólica, para Jack London os anos de 1902 e 1903 é que foram os determinantes, pois o confrontaram diretamente com os efeitos da lógica econômica cuja defesa filosófica ele fazia indiretamente.

As fórmulas da tradição perdiam seu antigo sentido, se não mesmo sua coerência. Celebrar o Evangelho do Trabalho em meio à aceleração da divisão industrial desse mesmo trabalho implicava tornar-se apologeta da exploração monopolista. A autonomia ocasionada nos quadros econômicos anteriores se tornava letra morta conforme as colossais cadeias monopolistas submetiam os que trabalhavam à linha de produção fabril, aos arrendamentos rurais ou à concorrência econômica desleal. Celebrar a liberdade de afirmação individual como pressuposto passou a significar endossar os magnatas que subordinavam a economia, fazendo com que o elogio aos self-made men se tornasse legitimação velada ao império violento dos Morgan, Rockfeller, Carnegie, etc.

A experiência de London no bairro operário em Londres parece ter sido o catalisador da reavaliação dessas implicações morais e políticas de suas crenças juvenis. O trabalho foi um dos pontos fundamentais disso, como se pode ver na mudança de concepção sobre ele no trecho seguinte do ensaio How I became a socialist: “Todos os meus dias eu trabalhei duro com meu corpo, e dado o número de dias que trabalhei, precisamente por conta disto, eu me aproximei do fundo do abismo”18 18 Trad. livre do autor: “All my days I have worked hard with my body and according to the number of days I have worked, by just that much am I nearer the bottom, of the Pit”. (LONDON, 1905LONDON, Jack. War of the Classes. Nova York: Macmillan, 1905., p. 275). Podemos somente imaginar quão terrível foi o confronto: o trabalho que a tradição lhe ensinara redentor, garantidor de estatura moral e de autonomia econômica, repentinamente se mostrava o elemento mesmo da submissão, instrumento central da exploração econômica. É muito provável que a “apostasia” do personagem principal de um conto fortemente autobiográfico de 1906 seja a renegação do Evangelho do Trabalho estadunidense; deserção que ocasionava proporções iguais de euforia e culpa (LONDON, 1911LONDON, Jack. When God Laughs and Other Stories. Nova York: Macmillan, 1911., p. 25-68).

Os textos que se seguem a How I became a socialist, e que antecedem O lobo do mar, ampliam a percepção mais imediatamente autobiográfica, buscando expandir a análise e produzir uma interpretação que dê conta de assentar filosoficamente o ocaso daquelas certezas. A resenha dos livros de William James Ghent e John Graham Brooks (de fevereiro de 1903) e os artigos The Scab (O fura-greve) e The Class Struggle (A luta de classes, ambos de março de 1903) tentam produzir uma macrointerpretação materialista das transformações históricas em curso, constituindo um salto qualitativo em relação aos seus artigos anteriores. London se debruça sobre o tema do desemprego, dos vagabundos, da transformação tecnológica, da concentração econômica e da escalada das tensões classistas para tentar produzir uma solução de continuidade para si próprio e para a sociedade estadunidense, uma que pudesse oferecer uma saída ao terrível estado de coisas da virada do século. O cerne dos problemas, aquilo que unificava vagabundos, crescimento desenfreado e polarização classista, era a ascensão dos monopólios, criando o arranjo que alguns anos mais tarde ele chamará de regime do “Tacão de Ferro” (The Iron Heel,1908LONDON, Jack. The Iron Heel. Nova York: Macmillan, 1908.). Enquanto o historiador estadunidense Harold Faulkner (1951FAULKNER, Harold Underwood. The Decline of Laissez Faire (1897-1917). Nova York: Sharpe Books, 1951., p. 366-382) argumentou que o laissez-faire entrou em declínio com o início da política intervencionista do Estado no final do XIX, Jack London afirmou que ele foi necrosado pela atuação dos magnatas já na Era da Reconstrução, no pós-Guerra Civil. Em The Class Struggle, ele escreveu:

A porta das oportunidades foi fechada em definitivo. Rockfeller fechou a porta do petróleo, a American Tobacco Company a do fumo, e Carnegie a do aço. E após Carnegie veio Morgan, que a trancou de vez. Essas portas não se vão abrir novamente, e diante delas param milhares de ambiciosos jovens, lendo o aviso: PASSAGEM INTERDITADA19 19 Trad. livre do autor: “The gateway of opportunity after opportunity has been closed for all time. Rockefeller has shut the door on oil, the American Tobacco Company on tobacco, and Carnegie on steel. After Carnegie came Morgan, who triple-locked the door. These doors will not open again, and before them pause thousands of ambitious young men to read the placard: NO THOROUGHFARE”. (LONDON, 1905LONDON, Jack. War of the Classes. Nova York: Macmillan, 1905., p. 8-9).

Sua experiência de militante socialista fornecia um programa possível de intervenção e mudança, mas a competição brutal estabelecida pelo desenvolvimento econômico das últimas décadas havia degradado os trabalhadores a um nível bestial, transformando-os no “Povo do Abismo”. Donde, aos olhos de London, a necessária revolução tender a ser mais um espetáculo de horrores do que um movimento político glorioso, antes reencenação de um combate primitivo do que passo decisivo rumo à utopia. No final de How I became a Socialist, de 1903, Jack escreveu que “havia renascido”20 20 Trad. livre do autor: “I had been reborn”. (LONDON, 1905LONDON, Jack. War of the Classes. Nova York: Macmillan, 1905., p. 277), mas, curiosamente, esse é o ponto de sua obra em que um pesado tom soturno se impõe à dicção literária.

Da dificuldade de se desvencilhar das tradições herdadas e de estabelecer um horizonte distinto, mas também por conta da imperiosa necessidade de fazê-lo, é que são feitas as entranhas de Wolf Larsen. Ele é um personagem todo retorcido, em que a ação das pressões antagônicas produz o esgar aterrador que é a marca distintiva de seu semblante, repuxado pelas mesmas incertezas históricas que mantinham a sociedade estadunidense do início do século em transe entre o passado e o futuro, e que London experimentava de modo particular. Entre um passado cujas condições de sustentação ruíram e cujas lições se tornaram gastas, e um futuro cujos contornos eram ainda pouco definidos, senão mesmo agourentos, mesmo o pico de ardor revolucionário causava temor pelos choques violentos que anunciava.

As entranhas históricas d'O lobo do mar

Em passagem famosa, Marx (2011MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011., p. 25-26) disse que “[a] tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos”, acrescentando logo em seguida que esses vivos “conjuram temerosamente a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar (...) as novas cenas da história mundial”. Mas, se os “nomes”, as “palavras de ordem”, o “figurino”, o receituário, enfim, dos “espíritos do passado” viu seu sinal filosófico inverter-se repentinamente, e as condições concretas para sua vigência se estiolarem, o que resta aos vivos?

A julgar pelo protagonista de O lobo do mar, resta estranhar-se com sua própria substância, sentir-se grande ou pequeno demais para a própria pele: herdeiro de um mundo em que não cabe, e filho de um tempo a que não pertence. Como Wolf Larsen nasceu na tormenta da transição entre regimes econômicos nos Estados Unidos, tudo no livro parece ser agitado por urgência decisiva, e tudo o que ele faz parece epitomizado por essa urgência: seu poder é avassalador, mas sua impotência abissal; ninguém parece ser mais resoluto que ele em toda a galeria de personagens do romance, mas ninguém é tão assolado pelas incertezas. Ele é uma força da natureza, mas atormentada pela consciência de o ser.

Depois de ter sido resgatado de um naufrágio pela tripulação da escuna Ghost, o narrador Van Weyden é colocado sob as ordens de seu capitão, Erik Wolf Larsen. Sendo aquele um gentleman, serve perfeitamente como o pano de fundo civilizado contra o qual a implacabilidade selvagem do capitão pôde ser recortada. Trata-se de um artifício narrativo que funciona muito bem, pois London faz Van Weyden mais próximo do leitor, oferecendo-o como nossos olhos e ouvidos no processo de conhecer a figura-chave da estória.

O aspecto sórdido domina o “mundo flutuante em miniatura”21 21 Trad. livre do autor: “miniature floating world”. (LONDON, 1904bLONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b., p. 33) do Ghost: comida asquerosa, tripulação com costumes e linguajar pouco salutares, cotidiano laboral brutal, e tudo isso envolto numa sociabilidade hostil, somente secundada pela natureza, que eventualmente se ergue em tempestades todo-poderosas. Para Van Weyden, o avanço da narrativa é a história de seu embrutecimento, o exorcismo de seus modos refinados e a adaptação às condições árduas que o ambiente impunha. Mas dada a cultura livresca e intelectual que trazia à embarcação, ele é “convidado” pelo capitão Larsen a ser seu interlocutor em debates filosóficos que se passam à noite, secretamente, em sua cabine. É em grande medida a partir desses bolsões de diálogo, espalhados ao longo dos eventos mais aventurosos da trama, que ficamos conhecendo a faceta melancólica do capitão. A potência implacável que Wolf Larsen é durante o dia, quando feroz comandante do labor marítimo, desfaz-se durante esses debates noturnos, quando conhecemos suas visões filosóficas e os impactos espirituais que lhe causam.

Numa dessas primeiras discussões, descobrimos sua filosofia de que a “vida é uma bagunça”, que “[o] grande devora o pequeno para que possa continuar a mover-se [e] o forte devora o fraco para reter sua força”, e que “isso é tudo”22 22 Trad. livre do autor: “I believe that life is a mess. (...) The big eat the little that they may continue to move, the strong eat the weak that they may retain their strength (...), that is all”. (LONDON, 1904bLONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b., p. 50).

Do ponto de vista desse curioso personagem, toda “a vida”, aquela da selva e aquela da civilização, da natureza e da cultura, está sujeita à mesma lógica: a da autopreservação, na qual a “aptidão” darwiniana determina o sobrevivente, com um acento particularmente agressivo: “matar ou morrer”, devorar ou ser devorado. O romance está repleto de exemplos de que Larsen se encontra disposto a ser o que “devora o máximo” e que “se move por mais tempo”. Ele não deixa desafio de marujo algum colocar sob dúvida sua posição de mando, enfrenta com particular estoicismo as intempéries da natureza, e mantém seu pragmatismo de sobrevivência sempre o mais rente ao chão possível, pronto a abreviar um ritual civilizado como um funeral ou uma simples cortesia caso isso lhe dê melhores chances de se preservar individualmente.

London faz seu protagonista estender a mecânica darwiniana sobre o conjunto de toda a existência, abarcando sob seu império desde os seres biológicos mais simples até as criaturas sociais mais complexas. Desse modo, recortados contra o pano de fundo da natureza e concebidos a partir da dimensão biológica de sua existência, todos os seres, desde as amebas até os humanos, fiam-se pela mesma e onipotente força: continuar vivendo. O ponto culminante da filosofia de Larsen não passa da simples constatação dos impulsos de perpetuação da existência biológica, ao passo que a moral vira escrúpulo dispensável na “bagunça” que, em sua visão, constitui o plano da vida.

Ao se fiar por tais termos, Larsen se ergue como a epítome da afirmação do indivíduo, espécie de encarnação mitológica do self-made man. Aos olhos do narrador essa condição não passa desapercebida, assumindo o protagonista o porte heroico de um ser a quem nada constrange ou detém: era “um homem que não fazia nada contrário ao que ditava sua consciência (...). Ele era um magnífico atavismo, um homem tão puramente primitivo que havia vindo ao mundo antes do desenvolvimento da natureza moral”23 23 Trad. livre do autor: “it was the face of a man who either did nothing contrary to the dictates of his conscience (...). He was a magnificent atavism, a man so purely primitive that he was of the type that came into the world before the development of the moral nature”. (LONDON, 1904bLONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b., p. 98). Dada a filosofia de Wolf Larsen, nenhuma convenção ou opinião alheia o prendia, tornando-o o mais livre de todos os seres, aquele que melhor pode exercer o conjunto de suas potencialidades, toda a exuberância de seus dons. É o super-homem nietzschiano, uma “besta loura” como a que Jack reivindicava ser na juventude.

A lógica da concorrência presente na vida econômica dos Estados Unidos até ponto avançado do século XIX (quando se desenrolava sobretudo contra a natureza bravia do continente) podia até ser enxergada pelas lentes do otimismo liberal como um benfazejo mecanismo de consagração da excelência. E, enquanto aquelas condições materiais de que falamos antes se puderam manter, Wolf Larsen pôde ser seu campeão. Mas, desde a ascensão dos monopólios no último quartel do século, o acento predatório tornou-se o aspecto determinante da competição, impondo-a então como vício, antes de virtude. Quando se encerrou o “capítulo liberal” da história do capitalismo estadunidense, e o do regime monopolista se iniciou, Larsen não podia mais ser o herói indômito de sua narrativa ideológica, estando mais próximo do vilão cuja efígie se passou a queimar na Era Progressista.

Essa foi a inversão histórica que London reencenou no âmago de seu personagem: engenhosamente, vale-se da terrível proximidade filosófica entre o “ser livre” e o “estar perdido” para decantar da natureza heroica de Larsen a sua substância trágica, transformando sua força na sua fraqueza.

Ao professar a lógica darwiniana como única filosofia de vida, Larsen como que abole qualquer cerceamento moral, podendo assim reivindicar a liberdade absoluta que o fazia alvo da admiração alheia. Porém, acaba também por despir a existência de qualquer sentido possível, tornando o protagonista presa da melancolia. Aquilo que concede a liberdade absoluta pelo salvo-conduto darwiniano (somos todos animais e a vida é mera disputa pela sobrevivência, um vale-tudo pela autopreservação) é o que arranca qualquer sentido filosófico possível para a vida que seja mais do que simplesmente continuar vivendo (se há algo além disso, ficaria implicada a aceitação de uma natureza moral, e de uma sociabilidade civilizada que a sustente).

Aceitar esse sentido, portanto, implica ceder sob a existência de uma força maior, dispor-se ao potencial castrador que Freud (2011)FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. afirmou ter a civilização; não o aceitar acarretava endossar a falta de qualquer significado para a vida, esvaziando de sentido qualquer ato.

Enquanto Van Weyden, um esteta cultivado, defende a “alma” como evidência de que há algo mais elevado do que a mera subsistência biológica, Larsen se ergue na direção oposta, patenteando à sobrevivência o sentido das ações dos seres. Diz Larsen: “A alma do homem são seus desejos. Ou, se preferir, a soma de seus desejos é sua alma”24 24 Trad. livre do autor: “The man’s soul is his desires. Or, if you will, the sum of his desires is his soul”. (LONDON, 1904bLONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b., p. 245). As motivações transcendentes, os ideais, a filosofia, as convenções morais, o conjunto da civilização, enfim, diluem-se no horizonte dos “desejos”, impulsos materialistas e pedestres que, aos olhos de Larsen, são o único fiel possível na balança da existência.

Com sua veemência característica, Larsen deixa entrever essa desoladora visão da vida quando arremete contra a ideia de “imortalidade da alma” defendida por Van Weyden:

Sem se mover e ser parte da levedura, não haveria desesperança. Mas - e aí é que está a questão - nós queremos viver e nos mover embora não tenhamos razão para tal, pois ocorre que essa é a natureza da vida e do movimento: querer viver e se mover. Se não fosse por isso, a vida estaria morta. É porque essa vida está em você que você sonha com a sua imortalidade. A vida que está em você está viva e quer continuar estando para sempre. Argh! Uma eternidade de sordidez25 25 Trad. livre do autor: “Without moving and being part of the yeast there would be no hopelessness. But, - and there it is, - we want to live and move, though we have no reason to, because it happens that it is the nature of life to live and move, to want to live and move. If it were not for this, life would be dead. It is because of this life that is in you that you dream of your immortality. The life that is in you is alive and wants to go on being alive forever. Bah! An eternity of piggishness”. (LONDON, 1904bLONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b., p. 52-53).

A visão filosófica que serve de suporte ao caráter indomável do protagonista, do qual ele se orgulha, é a mesma da qual ele se ressente, pois ela o condena a uma existência cujo sentido se esgota em si mesmo e cuja lógica reinante é a da rapina. Larsen se amaldiçoa por ter consciência disso, mas também se amaldiçoa por conta de sua particular competência nesse jogo da sobrevivência. O conflito psicológico do protagonista expressa na ficção o impacto cultural causado pela destruição econômica e social promovida pelo capitalismo monopolista: Larsen é a encarnação da epifania histórica que notou que a lógica da concorrência não consagrava os mais excelentes, mas os mais implacáveis.26 26 A piggishness, que se traduziu na passagem acima como “sordidez”, aceita também “rapacidade” ou “voracidade” como possibilidades, as quais ressaltam o aspecto predatório com que o protagonista de O lobo do mar enxerga a “bagunça” da vida. O mecanismo que se acreditava o estímulo da virtude se revelava, enfim, a coroação do vício.

Logo, o ser forte e indomável se transforma no sujeito assaltado pelas dúvidas que protagoniza o romance. A epopeia dá lugar à tragédia. É esse o teor da leitura que Larsen propõe a respeito do Lúcifer de John Milton, sugerindo a analogia com sua própria situação:

Deus era mais poderoso, como ele havia dito. Aquele cujo trovão era mais forte. Mas Lúcifer era um espírito livre. Servir era sufocar. Ele preferia o sofrimento da liberdade ao feliz conforto da servidão. Ele não queria servir a Deus. Ele não queria servir a nada. Erguia-se sobre suas próprias pernas. Era um indivíduo27 27 Trad. livre do autor: “God was more powerful, as he said. Whom thunder hath made greater. But Lucifer was a free spirit. To serve was to suffocate. He preferred suffering in freedom to all the happiness of a comfortable servility. He did not care to serve God. He cared to serve nothing. He was no figurehead. He stood on his own legs. He was an individual”. (LONDON, 1904bLONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b., p. 249).

O conflito que forra o âmago do personagem de Paraíso Perdido (MILTON, 1970MILTON, John. Paraíso perdido. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1970.) é aquele que opõe a liberdade ao pecado. Se sair das demarcações divinas era a condição para subtrair-se da servidão, era igualmente o caminho da apostasia: o preço da liberdade mundana era a condenação divina, essa era sua tragédia. Em O lobo do mar, o conflito que mantém em transe o espírito do personagem é também aquele entre liberdade e pecado, mas então no sentido reverso: entre a liberdade individual aprendida da tradição histórica dos Estados Unidos oitocentistas e as necessidades sociais nascidas da virada do século, que mudavam seu conteúdo moral.

O tipo de afirmação individual que Wolf Larsen encarna pôde encontrar certa guarida na vida material do ermo, quando o principal adversário dos colonos era a natureza e quando as condições estruturais da economia estadunidense eram assistemáticas o suficiente para permitir certo equilíbrio geral. No entanto, essa afirmação não podia mais continuar sendo tomada como máxima nos termos de uma vida social mais complexa, típica da modernidade industrial e urbana, senão sob a pena de sancionar moralmente a violência econômica exercida pelos magnatas e pela predação monopolista.

Estando localizado naquele momento decisivo da literatura de London, quando o elemento aventuroso cedia frente à afirmação da crítica social e da estética naturalista, Larsen foi um acerto de contas. Seu destino no enredo demonstra isto. Conforme sua ferocidade se acentua e mais determinante se torna sua afirmação individual, tanto mais solitário ele se torna e mais acentuada sua melancolia. Da altiva e possante figura que era no início do romance, ele passa ao arremedo de homem do final do livro, cego e abandonado à própria sorte. Alvo antes de pena do que de admiração. Definha como se espécime humano mais primitivo, ultrapassado pela evolução do homem social, selvagem demais para caber nas demarcações de um mundo civilizado.

Considerações finais

No estirão de crescimento dos Estados Unidos da segunda metade do século XIX, que sacramentou aquilo que Labrousse (citado por DEBOUZY, 1972DEBOUZY, Marianne. O capitalismo “selvagem” nos Estados Unidos (1860-1900). Lisboa: Cor, 1972., p. 15) chamou com ironia certeira de “economia de campeonato”, testemunhou-se a transformação do sentido histórico do trabalho e do significado social do mito liberal do self-made man. No intervalo de poucas décadas, a antiga “virgindade” econômica dos Estados Unidos terminou, e junto dela o desenvolvimento tecnológico e a concentração financeira tomaram de assalto o conjunto da vida econômica, pondo em xeque os antigos modos de vida. As longevas tradições ideológicas da Democracia Jeffersoniana e dos pais fundadores foi repentinamente preenchida com o teor da experiência nascida de sociabilidade mais hostil, com hierarquia de classes bem demarcada, na qual a livre-iniciativa era antes o sucedâneo da rapina capitalista do que a cláusula pétrea da liberdade nacional.

Como essas mudanças materiais costumam ser mais rápidas do que aquelas dos costumes e dos hábitos, o estudo das permanências e adaptações culturais tem particular interesse para desvendar as lutas intestinas do processo histórico, tendo a literatura grande potencial nesse sentido. Tecida com a experiência histórica, seus efeitos estéticos e as mais inspiradas invenções ficcionais são expressão de necessidades sociais e de dilemas subjetivos, nascidos ambos da dialética posta pelo processo histórico, ainda que sujeitas a suas próprias regras de composição.

O dínamo de sua catarse é alimentado por uma caprichosa mecânica social, razão pela qual explicar o fenômeno literário é interpretar também, simultaneamente, a realidade humana que o produziu como resposta. O estudo historiográfico a partir da literatura se constitui, portanto, como uma engenharia reversa da ficção: abordagem do texto literário e de todos os seus artifícios constitutivos como um processo, no qual a realidade se torna ficção peneirada pelas propriedades sociais e formais da língua (WILLIAMS, 1979WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979., p. 51) e pela tradição canônica que o antecede.

Desse ponto de vista, a literatura está tão sujeita à imprevisível inventividade do homem quanto este está em relação às condições concretas de sua própria existência, eternamente repuxada pelo cabo-de-guerra das fórmulas herdadas e da reposição do inédito realizada pelo processo histórico. Na arquitetura da invenção ficcional, esbatem-se a percepção particular do sujeito e o escopo possível fornecido pela sua existência social, leia-se, a ação autônoma do sujeito ante as pressões e limites apostos por sua realidade histórica. A forma acabada que nos chega, o livro, contém em si os rastros dessa experiência social, permitindo que através de seu estudo reconstituamos essa dialética formativa na qual os interesses da exegese literária e da investigação historiográfica são mutuamente funcionais. Para retomar os termos anteriormente trabalhados: a literatura é processo e é resposta.

No caso de O lobo do mar, o que se observa é uma certa coalescência entre a tomada de consciência particular de Jack London e as transformações objetivas da vida material - uma simetria que não é fortuita e nem perfeita, mas historicamente estabelecida. O estranhamento do escritor com os valores morais e filosóficos de sua juventude foi tanto uma crise subjetiva quanto uma crise das relações sociais e econômicas decorrente da ascensão do regime monopolista nos Estados Unidos. O choque que ocorre no íntimo de Wolf Larsen, ora a torná-lo um fascinante herói, ora um mórbido vilão, ora uma pobre criatura, é a figuração literária dos dilemas históricos vivenciados então, tendo a tarimba de sua ambiguidade: as criaturas econômicas monopólicas eram, ao mesmo tempo, a confirmação e a negação do laissez-faire que a cultura liberal estadunidense tomara como pedra angular de seu credo nacional. Reconhecer a legitimidade de sua liberdade econômica parecia ser fundamental, mas fazê-lo era ao mesmo tempo condená-la, e por conseguinte legitimar sua violência. Como bem notou Marianne Debouzy (1972DEBOUZY, Marianne. O capitalismo “selvagem” nos Estados Unidos (1860-1900). Lisboa: Cor, 1972., p. 9), os magnatas eram “monstros de duas cabeças”, isso é, eram encarnações das contradições capitalistas, precisamente aquelas que London mantém em suspenso para obter o efeito literário rascante de O lobo do mar.

O ocaso do capitalismo liberal estadunidense coincidiu em grande medida com a aceleração do crescimento industrial e com a transição do ermo para a cidade, motivo pelo qual os modos de vida gestados ao longo dessa experiência foram tornando-se pouco a pouco inadequados à nova dinâmica. Sendo a moral individualista e o voluntarismo elementos que estruturavam esse modo de vida colado ao chão da sobrevivência rústica, eles foram também postos em xeque naquela virada de século.

Ao encarná-los, o capitão Wolf Larsen se tornava refratário ao avanço daquela nova dinâmica social e de sua modernidade econômica. Sendo, como disse Van Weyden, “um atavismo”, ele pertencia a um mundo que rescindia. Seu individualismo exacerbado era como aquele que o crítico Ian Watt (2010WATT, Ian. A ascensão do romance: Estudos sobre Defoe, Fielding e Richardson. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 63-99) disse ser o de Robinson Crusoé: os motivos que só permitiam ao náufrago viver isoladamente são os mesmos que condenaram o capitão à solidão; aquele só coube numa ilha, este somente no ermo, no universo rústico da fronteira que se fechava.

  • 1
    WILLIAMS, James. Jack London’s Works by Date of Composition. In: Jack London International. Disponível em: <http://www.jack-london.org/06-works-by-date.htm>. Acesso em: 20 out. 2021.
  • 2
    Trad. livre do autor: “poor taste (...) to die at the beginning of the voyage and leave Wolf Larsen short-handed”; “death had always been invested with solemnity and dignity”.
  • 3
    Trad. livre do autor: “God! God! God!”; “primal melancholy”; “It [life] is like yeast, a ferment, a thing that moves and may move for a minute, an hour, a year, or a hundred years, but that in the end will cease to move. The big eat the little that they may continue to move, the strong eat the weak that they may retain their strength. The lucky eat the most and move the longest, that is all”.
  • 4
    Trad. livre do autor: “At once he became an enigma. One side or the other of his nature was perfectly comprehensible, but both sides together were bewildering”.
  • 5
    Destacam-se aqui The Son of the Wolf: Tales of the Far North (1900); The God of his Fathers and Other Stories (1901LONDON, Jack. The God of His Fathers and Other Stories. Nova York: McClure, Phillips & Company, 1901.), e Children of the Frost (1902LONDON, Jack. Children of the Frost. Nova York: Macmillan, 1902.), que reuniam contos escritos desde 1898, logo após o retorno do escritor do Alasca, onde tentou a sorte na “Corrida do Ouro” da década de 1890.
  • 6
    Juntamente aos romances, entre os quais se destaca The Iron Heel (escrito em 1906, publicado em 1908), houve um aumento significativo de escritos de não ficção tratando de temas políticos do momento, de forte tom socialista, como os ensaios reunidos em War of the Classes (1905) e as memórias de The Road (escrito entre 1906 e 1907 e publicado em 1907LONDON, Jack. The Road. Nova York: Macmillan, 1907.).
  • 7
    Os três primeiros volumes de contos de Jack London, supramencionados, usam de modo recorrente referências clássicas da epopeia antiga como escopo para descrever os personagens.
  • 8
    Trad. livre do autor: “antipathy to control”.
  • 9
    Trad. livre do autor: “By 1850, the rising industrial structure was beginning to challenge the supremacy of Agriculture, and, before 1900, the farmer had taken a secondary position in the nation’s economy”.
  • 10
    Trad. livre do autor: “Thomas Jefferson believed that political democracy could be maintained in the United States only if it were made to rest on the firm foundation of economic democracy”.
  • 11
    Trad. livre do autor: “safety-valve doctrine”. FRANKLIN, Benjamin. Observations Concerning the Increase of Mankind. In: Founders Online. Disponível em: <https://founders.archives.gov/documents/Franklin/01-04-02-0080>. Acesso em: 20 out. 2021.
  • 12
    Quem o afirma é Irving Stone (1969STONE, Irving. Jack London, Sailor on Horseback. Bergenfield: New American Library, 1969., p. 1), que não é um de seus biógrafos mais confiáveis. Contudo, David Hamilton (1986HAMILTON, David. “The Tools of My Trade”: The Annotated Books in Jack London’s Library. Seattle: University of Washington Press, 1986., p. 16), estudioso da obra de Jack London muito mais confiável, não hesita em dizer que “por volta de 1902, London havia-se tornado um escritor estabelecido”. Trad. livre do autor: “By 1902 London had become an established author”.
  • 13
    Trad. livre do autor: “a school called ‘Individualism’”; “I sang the paean of the strong with all my heart”.
  • 14
    Trad. livre do autor: “because I was strong myself”; “this optimism was because I was healthy and strong, bothered with neither aches nor weaknesses, never turned down by the boss because I did not look fit, able always to get a job at shovelling coal, sailorizing, or manual labor of some sort”.
  • 15
    Trad. livre do autor: “The dignity of labor was to me the most impressive thing in the world. (…) The pride I took in a hard day’s work well done would be inconceivable to you”.
  • 16
    Trad. livre do autor: “I could see myself only raging through life without end like one of Nietzsche’s blond beasts, lustfully roving and conquering by sheer superiority and strength”.
  • 17
    Trad. livre do autor: “I was a rampant individualist. It was very natural. I was a winner”.
  • 18
    Trad. livre do autor: “All my days I have worked hard with my body and according to the number of days I have worked, by just that much am I nearer the bottom, of the Pit”.
  • 19
    Trad. livre do autor: “The gateway of opportunity after opportunity has been closed for all time. Rockefeller has shut the door on oil, the American Tobacco Company on tobacco, and Carnegie on steel. After Carnegie came Morgan, who triple-locked the door. These doors will not open again, and before them pause thousands of ambitious young men to read the placard: NO THOROUGHFARE”.
  • 20
    Trad. livre do autor: “I had been reborn”.
  • 21
    Trad. livre do autor: “miniature floating world”.
  • 22
    Trad. livre do autor: “I believe that life is a mess. (...) The big eat the little that they may continue to move, the strong eat the weak that they may retain their strength (...), that is all”.
  • 23
    Trad. livre do autor: “it was the face of a man who either did nothing contrary to the dictates of his conscience (...). He was a magnificent atavism, a man so purely primitive that he was of the type that came into the world before the development of the moral nature”.
  • 24
    Trad. livre do autor: “The man’s soul is his desires. Or, if you will, the sum of his desires is his soul”.
  • 25
    Trad. livre do autor: “Without moving and being part of the yeast there would be no hopelessness. But, - and there it is, - we want to live and move, though we have no reason to, because it happens that it is the nature of life to live and move, to want to live and move. If it were not for this, life would be dead. It is because of this life that is in you that you dream of your immortality. The life that is in you is alive and wants to go on being alive forever. Bah! An eternity of piggishness”.
  • 26
    A piggishness, que se traduziu na passagem acima como “sordidez”, aceita também “rapacidade” ou “voracidade” como possibilidades, as quais ressaltam o aspecto predatório com que o protagonista de O lobo do mar enxerga a “bagunça” da vida.
  • 27
    Trad. livre do autor: “God was more powerful, as he said. Whom thunder hath made greater. But Lucifer was a free spirit. To serve was to suffocate. He preferred suffering in freedom to all the happiness of a comfortable servility. He did not care to serve God. He cared to serve nothing. He was no figurehead. He stood on his own legs. He was an individual”.

Referências

  • ATHERTON, Frank Irving. Jack London in Boyhood Adventures S.l.: CreateSpace, 2014.
  • BAILYN, Bernard. The Ideological Origins of the American Revolution. Cambridge: Belknap, 1992.
  • BAMFORD, Georgia Loring. The Mystery of Jack London: Some of His Friends, also a Few Letters. A Reminiscence. Nova York: Norwood, 1976.
  • CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: Estudos de teoria e história literária. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.
  • COMMAGER, Henry Steele. O espírito norte-americano: Uma interpretação do pensamento e do caráter norte-americano desde a década de 1880. São Paulo: Cultrix, 1969.
  • DEBOUZY, Marianne. O capitalismo “selvagem” nos Estados Unidos (1860-1900) Lisboa: Cor, 1972.
  • FAULKNER, Harold Underwood. The Decline of Laissez Faire (1897-1917) Nova York: Sharpe Books, 1951.
  • FORSTER, E. M.. Aspectos do romance. Rio de Janeiro: Globo, 2005.
  • FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
  • GATES, Paul Wallace. Land Policy and Tenancy in the Prairie States. The Journal of Economic History, v. 1, n. 1, p. 60-82, May 1941.
  • HAMILTON, David. “The Tools of My Trade”: The Annotated Books in Jack London’s Library. Seattle: University of Washington Press, 1986.
  • HOFSTADTER, Richard. Social Darwinism in American Thought. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 1955.
  • JEFFERSON, Thomas. Escritos políticos. São Paulo: Ibrasa, 1964.
  • KINGMAN, Russ. A Pictorial Life of Jack London. Nova York: Crown, 1979.
  • LABOR, Earle Gene. Jack London: An American Life. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2014.
  • LONDON, Charmian. The Book of Jack London. 2 v.. Nova York: The Century Company, 1921.
  • LONDON, Jack. The Son of the Wolf: Tales of the Far North. Nova York: Riverside, 1900.
  • LONDON, Jack. The God of His Fathers and Other Stories Nova York: McClure, Phillips & Company, 1901.
  • LONDON, Jack. Children of the Frost. Nova York: Macmillan, 1902.
  • LONDON, Jack. The Call of the Wild. Nova York: Macmillan, 1903a.
  • LONDON, Jack. The People of the Abyss. Nova York: Macmillan, 1903b.
  • LONDON, Jack. The Faith of Men and Other Stories. Nova York: Macmillan, 1904a.
  • LONDON, Jack. The Sea-Wolf. Nova York: Macmillan, 1904b.
  • LONDON, Jack. War of the Classes. Nova York: Macmillan, 1905.
  • LONDON, Jack. The Road. Nova York: Macmillan, 1907.
  • LONDON, Jack. The Iron Heel. Nova York: Macmillan, 1908.
  • LONDON, Jack. When God Laughs and Other Stories. Nova York: Macmillan, 1911.
  • LONDON, Jack. John Barleycorn: Alcoholic Memoirs. Nova York: The Century, 1913.
  • LONDON, Joan. Jack London and His Times: An Unconventional Biography. Nova York: The Book League of America, 1939.
  • MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.
  • MILLS, Charles Wright. A nova classe média. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
  • MILTON, John. Paraíso perdido Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1970.
  • NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
  • NOEL, Joseph. Footloose in Arcadia: A Personal Record of Jack London, George Sterling, Ambrose Bierce. Nova York: Carrick & Evans, 1940.
  • SHANNON, Fred Albert. The Farmer’s Last Frontier: Agriculture, 1860-1897. Nova York: Harper Torchbooks, 1968.
  • SMITH, Henry Nash. Virgin Land: The American West as Symbol and Myth. Cambridge: Harvard University Press, 1982.
  • STAROBINSKI, Jean. A literatura: O texto e o seu intérprete. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: Novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 132-143.
  • STEINBECK, John. O menino e o alazão. Rio de Janeiro: Record, [19--].
  • STONE, Irving. Jack London, Sailor on Horseback Bergenfield: New American Library, 1969.
  • THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. Huntington: R. E. Krieger, 1976.
  • WATT, Ian. A ascensão do romance: Estudos sobre Defoe, Fielding e Richardson. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
  • WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2021
  • Revisado
    20 Out 2021
  • Aceito
    04 Nov 2021
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: variahis@gmail.com